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Educação e Filosofia

versão impressa ISSN 0102-6801versão On-line ISSN 1982-596X

Educação e Filosofia vol.36 no.76 Uberlândia jan./abr 2022  Epub 29-Jan-2024

https://doi.org/10.14393/revedfil.v36n76a2022-63687 

Artigos

Anísio Teixeira e Richard Morse: Triangulações inversas entre Iberismo, Brasil e Anglo-Americanismo1

Anísio Teixeira and Richard Morse: inverse triangulations between iberism, brazil and anglo-americanism

Anísio Teixeira y Richard Morse: triangulaciones inversas entre iberismo, brasil y angloamericanismo

José Geraldo Pedrosa* 
lattes: 7103107947957772; http://orcid.org/0000-0002-8295-8313

Maria Isabel Rios de Carvalho Viana** 
lattes: 4276256422569031; http://orcid.org/0000-0002-7871-9766

*Doutorando em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professor do Ensino Superior do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). E-mail: jgpedrosa@uol.com.br

**Doutora em Estudos de Linguagens pelo Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG). E-mail: mariaisabel@cefetmg.br


Resumo

O tema do artigo é referente à presença de iberismo e anglo-americanismo no Brasil e às expressões dessas heteronomias como obstáculos a uma identidade brasileira. A abordagem se alimenta das polêmicas desencadeadas por Richard Morse e sua tese sobre a Ibéria perdida, o Brasil à deriva e sua universidade descompromissada. A tese de Morse afirma a vitalidade da tradição ibérica original e sua capacidade de inspirar futuros para o Brasil, em inversão à referência anglo-americana, inconsistente e sem futuro. O artigo situa as triangulações entre Brasil, Ibéria e EUA e busca em Teixeira um contraponto à tese de Morse sobre a colonialidade e o descompromisso acadêmico brasileiro. O argumento tem ancoragem em pesquisa envolvendo textos de autoria dos dois intelectuais, biografias e estudos de trajetória. O primeiro movimento apresenta Morse, sua tese sobre a Ibéria e sobre a América Ibérica e sua crítica aos acadêmicos. O segundo movimento situa a trajetória e escrita de Teixeira e destaca sua posição sobre a “civilização americana” com a finalidade de evidenciar um intelectual inverso ao homo academic descompromissado de Morse. As considerações finais retomam pontos de “descomparação” para evidenciar a inspiração anglo-americana e o compromisso de Teixeira com o Brasil.

Palavras-chave: Anísio Teixeira; Richard Morse; Iberismo; Anglo-americanismo; Intelectuais

Abstract

The theme of the article refers to the presence of Iberianism and Anglo-Americanism in Brazil and the expressions of these heteronomies as obstacles to a Brazilian identity. The approach is based on the controversies raised by Richard Morse and his thesis on lost Iberia, Brazil adrift and its uncommitted university. Morse's thesis affirms the vitality of the original Iberian tradition and its capacity to inspire futures for Brazil, the opposite of the Anglo-American reference, according to him, inconsistent and without a future. The article locates the triangulations between Brazil, Iberia and the USA and seeks in Teixeira a counterpoint to Morse's thesis on coloniality and Brazilian academic lack of commitment. The argument is anchored in research involving texts written by the two intellectuals, biographies and trajectory studies. The first movement presents Morse, his thesis on Iberia and Iberian America and his critique of academics. The second movement locates Teixeira's trajectory and writing and highlights his position on “American civilization” with the purpose of showing an intellectual different from Morse's uncommitted homo academic. The final considerations take up points of “discomparison” to highlight the Anglo-American inspiration and Teixeira's commitment to Brazil.

Key-words: Anísio Teixeira; Richard Morse; Iberism; Anglo-Americanism; Intelectuals

Resumen

El tema del artículo se refiere a la presencia del ibero y del angloamericanismo en Brasil y las expresiones de estas heteronomías como obstáculos a la identidad brasileña. El planteamiento se alimenta de las polémicas desatadas por Richard Morse y su tesis sobre Iberia perdida, Brasil a la deriva y su universidad no comprometida. La tesis de Morse afirma la vitalidad de la tradición ibérica originaria y su capacidad de inspirar futuros para Brasil, en inversión del referente angloamericano, inconsistente y sin futuro. El artículo ubica las triangulaciones entre Brasil, Iberia y Estados Unidos y busca en Teixeira un contrapunto a la tesis de Morse sobre la colonialidad y la falta de compromiso académico brasileño. El argumento está anclado en investigaciones que involucran textos escritos por los dos intelectuales, biografías y estudios de trayectoria. El primer movimiento presenta a Morse, su tesis sobre Iberia e Iberoamérica y su crítica a los académicos. El segundo movimiento ubica la trayectoria y la escritura de Teixeira y resalta su posición sobre la “civilización estadounidense” con el propósito de mostrar un inverso intelectual al homo académico no comprometido de Morse. Las consideraciones finales retoman puntos de “descompensación” para resaltar la inspiración angloamericana y el compromiso de Teixeira con Brasil.

Palabras-llaves: Anísio Teixeira; Richard Morse; Iberismo; Angloamericanismo; Intelectuales

Introdução

O tema de fundo deste artigo é referente à presença de iberismo e anglo-americanismo no Brasil e às expressões dessas heteronomias na constituição de obstáculos à formação de uma identidade brasileira. Certamente o Brasil é um dos países onde componentes da cultura e da indústria cultural anglo-americanas circulam e são mais amplamente apropriados. Expressões dessa apropriação aparecem na forma arquitetônica dos prédios urbanos (os arranha-céus), na moda (o jeans), na alimentação (o fast-food), no fenômeno cão (pet shops), nos cemitérios parque e na linguagem cotidiana, cada vez mais repleta de expressões em inglês. Paralelamente a essa anglo-americanização, a herança ibérica permanece no Brasil como uma matriz cultural que condiciona um fluxo de acontecimentos históricos. A tibieza das instituições, o culto ao personalismo, a falta de coesão social (HOLANDA, 1995) e a dificuldade pessoal de lidar com a igualdade civil (MATTA, 1983) são permanências contemporâneas e extemporâneas de heranças ibéricas.

De modo particular, a abordagem feita no artigo se alimenta das polêmicas desencadeadas pela tese de Richard Morse (1922-2001) - o iberista anglo-americano - sobre o Brasil, sua universidade e seus intelectuais acadêmicos. Momento elevado dessa polêmica é a série de diálogos travados entre Morse e Schwartzman no final do século XX2. O anglo-americano Morse (1988)3, quando publicou Espelho de Próspero: cultura e ideia nas américas, estava convicto do esgotamento tanto do industrialismo quanto do capitalismo, traços identitários da anglo-americanidade, já que nos Estados Unidos da América (EUA) tanto o capitalismo quanto o industrialismo que dele emana têm formas próprias. Richard Morse busca a vitalidade da tradição ibérica original (ética comunitária e solidária) e sua portabilidade de futuro e de rumo para o Brasil, em contrapartida à referência anglo-americana (ética individualista e competitiva). Já a reação de Schwartzman à tese de Morse enfatizava os EUA como o acontecimento mais avançado da modernidade ocidental, o que os legitimavam como horizonte de expectativas para o Ocidente e, claro, para o Brasil (apud OLIVEIRA, 2000).

Para se inserir no entorno da polêmica desencadeada pela tese de Richard Morse, o presente artigo traz à tona a trajetória e a escrita de Anísio Teixeira para evidenciar uma triangulação inversa à de Richard Morse envolvendo Brasil, Ibéria e Estados Unidos da América. Anísio Teixeira é o brasileiro filho de família abastada que ainda jovem se encontra com a educação pública e viaja à Europa (Portugal, Espanha, França, Itália e Bélgica) em busca de experiências que o inspirassem na lida com os problemas da educação brasileira. O resultado é que o velho mundo em nada encantou Anísio Teixeira e em nada lhe transmitiu vigor para uma atuação modernizadora no Brasil. Ato contínuo Anísio Teixeira viaja aos EUA em busca do que não encontrara na velha Europa. A atitude de Anísio Teixeira face à civilização anglo-americana é completamente diferente da atitude face à Europa e o resultado aparece em seu imediato engajamento nos debates e movimentos envolvendo um projeto de nação ancorado na ciência, na indústria, na democracia e na educação.

Os argumentos desenvolvidos no artigo têm ancoragem em pesquisa documental e bibliográfica. De Richard Morse a obra básica considerada é O Espelho de Próspero, mas outros textos autorais também foram examinados de modo complementar. Além de textos de Richard Morse, foram examinados outros que compõem a literatura sobre a sua presença no Brasil, incluindo seus círculos e espaços de sociabilidade e as polêmicas desencadeadas por suas publicações. De Anísio Teixeira foram examinadas biografias e alguns estudos sobre sua trajetória. Principalmente foram examinados escritos de sua autoria sobre a “civilização americana” e sobre a universidade brasileira.

O argumento é desenvolvido em dois movimentos. O primeiro apresenta Richard Morse e sua trajetória, caracteriza sua tese sobre iberismo e anglo-americanismo e expõe sua crítica à universidade e aos intelectuais acadêmicos da América Ibérica. O segundo movimento situa a trajetória e as ideias de Anísio Teixeira, com a finalidade de mostrá-lo como intelectual inverso ao descompromissado homo academic tão criticado por Richard Morse. As considerações finais salientam algumas “descomparações” pondo em relevo o comum entendimento sobre a falta de identidade e de rumo e, ao mesmo tempo, um certo desespero (ou entusiasmo) de indicar outros rumos. De Richard Morse vinha uma crítica contundente ao ambiente acadêmico brasileiro, sua colonialidade intelectual e seu descompromisso com a questão nacional. De Anísio Teixeira vinha o empenho, como intelectual público, pela construção de uma universidade brasileira, compromissada com as questões nacionais.

A arqueologia da Ibéria e a crítica de Morse ao homo academic brasileiro

Richard McGee Morse foi um intelectual anglo-americano acusado de ser encantado pela América Ibérica4 e pelo Brasil, acusação posta pelo principal crítico de sua obra, Simon Schuartzman, em 1989, ao proclamar: “O Brasil vai mal, exceto para Morse”. Dedicou sua trajetória científica aos estudos sobre a história e a cultura da América Latina e do Brasil. Richard Morse foi um historiador da cultura. Crítico do academicismo, da especialização e do carreirismo que, segundo ele, alienam e levam a uma análise simplista e simplificada dos problemas da sociedade, além de constituírem-se como uma forma de proteção dos pseudointelectuais para impedir interferências em seu trabalho, Richard Morse era um defensor de uma visão de mundo mais aberta e oposta ao cientificismo e à tecnocracia, e de uma escrita mais criativa e ensaística. Dotado de grande erudição, sua escrita transita pela ciência, pela filosofia e pela literatura.

Graduado em Letras pela Columbia University, instituição que ficou conhecida por sua tarefa de educar as Américas, e orientado nos EUA por Frank Tannenabaum, que o aconselhava a ler os romancistas para compreender a história, a trajetória e a escrita de Richard Morse são largamente abertas e confluentes com a literatura. Escreveu alguns textos literários como o conto intitulado “The narrowest street”, publicado em 1945, resultado de sua experiência em Cuba de 1940 a 1942 e, o que ele denomina de uma brincadeira séria, “McLuhanaíma: The solid Gold hero ou O herói com bastante caráter (uma fuga)”, uma espécie de versão de “Macunaíma” em que Richard Morse (1990) ficcionaliza a experiência de um brasilianista no Brasil.

O contato de Richard Morse com os países ibero-americanos ocorre no contexto da Política da Boa Vizinhança criada no governo (1933-1945) do presidente Franklin Delano Rooselvelt (1882-1945) para financiar pesquisas na América Latina com o intuito de estabelecer uma aproximação cultural entre os EUA e os demais países, impedindo o expansionismo alemão e garantindo sua consolidação como grande potência no continente. Nesta época, o American way of life foi ganhando espaço na sociedade brasileira e a cultura anglo-americana era divulgada por uma indústria cultural que financiava a produção de filmes e propagandas com esse intuito. Cineastas como Walt Disney e Orson Welles vieram para o Brasil com produções fílmicas encomendadas pelo governo anglo-americano para estreitar os laços entre os dois países. Foi nesse contexto que surgiram personagens como o Zé Carioca, apresentado no filme “Alô, amigos” e Carmen Miranda, que apesar de ser Portuguesa, ficou conhecida como um símbolo do Brasil nos EUA. Com essas viagens, os EUA queriam conhecer seus vizinhos e abrir canais para circulação de tipos e produtos que veiculavam o American way of life.

O Brasil dessa época experimentava um simultâneo processo de crescimento industrial e urbano e convivia com a popularização do rádio. Nos anos 1940 o Brasil passava por um boom industrial com impactos no trabalho e na renda popular. É nessa época que são implantadas no Brasil a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores. A CSN terá impactos enormes tanto na demanda criada por matérias-primas como o carvão e o minério de ferro, quanto à infraestrutura de ferrovias e portos para exportação. Todas essas mudanças econômicas e demográficas eram compatíveis com mudanças culturais e comportamentais. Entre as mudanças sociais estavam a formação do proletariado urbano e a emergência da classe média. As mudanças culturais e comportamentais são relacionadas à industrialização da vida, com reflexos no vestuário e na alimentação. É nessa época que começam a chegar ao Brasil as lojas de departamento e seus eletrodomésticos, assim como os alimentos industrializados. É também nessa época que chega ao Brasil, proveniente dos EUA, a primeira fábrica de The Coca Cola Company. Tudo isso embalado pela era do rádio, que massificava o consumo.

Richard Morse esteve no Brasil pela primeira vez em 1941, quando voltava de uma viagem ao Chile e à Argentina. O primeiro contato parece não ter lhe trazido tanto interesse, mas em 1947, após ter servido durante a Segunda Guerra Mundial na Marinha de Guerra no front do Pacífico, retornou ao Brasil novamente financiado pelo Departamento de Estado anglo-americano. Richard Morse ficou um ano em São Paulo, um mês no Rio de Janeiro e um mês viajando por Porto Alegre, Minas e Bahia. No Rio, teve contato com Gilberto Freyre, Manuel Bandeira e Tristão de Ataíde, mas foi em São Paulo, na USP, onde fez seu doutorado, que estabeleceu uma rede de contatos e de sociabilidade que fortemente influenciariam sua visão sobre o Brasil e os brasileiros. Neste contexto, teve contato com Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Cândido que também trabalhavam nas interseções da história com a sociologia e a literatura, além de Fernando de Azevedo, Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso.

Nas universidades dos EUA, Richard Morse se sentia à margem da margem por sua opção pelos Estudos Latinos Americanos já guetizados em detrimento de outros estudos acadêmicos e pelo fato de optar pela escrita mais criativa, fugindo da escrita pragmática e funcional. Por esse motivo, Richard Morse parecia sentir a necessidade de estabelecer redes de sociabilidade por onde passava, mesmo que transitórias. Foi através dos contatos que estabeleceu em São Paulo que Richard Morse pôde experimentar a comunidade sob uma perspectiva que ultrapassava a relação de pertencimento. O fato de ser um intelectual de origem anglo-americana não lhe bloqueou a sensação de estar em comunidade, mesmo fora de seu próprio país.

Vindo para o Brasil com a intenção de escrever um livro, seus estudos na USP culminaram em sua tese de doutorado, publicada pela primeira vez em 1954 na celebração do quarto centenário de São Paulo sob o título “De comunidade a Metrópole: Formação histórica de São Paulo” e republicada em 1970 com o título de “Formação Histórica de São Paulo: de comunidade a metrópole”, com algumas alterações. Em sua tese, Richard Morse (1970) parte da literatura para explicar a sociedade paulistana e assinala dois momentos importantes para as mudanças que ocorreram na cidade de São Paulo: o Romantismo e o Modernismo. Para ele, as mudanças na cultura preconizavam as mudanças sociais. O Romantismo havia sido importante para se começar a pensar em uma identidade diferente da metrópole europeia. Sobre o Modernismo, Richard Morse já havia escrito “Brazilian Modernism”, um artigo publicado em 1950 na Hudson Review, uma revista de Nova York que adquiria importância no cenário intelectual anglo-americano. Esse artigo é uma das primeiras apreciações do movimento cultural brasileiro, publicado em um periódico fora do país. Nele, Richard Morse já antecipa um pouco do que seria desenvolvido em sua tese e, de certa forma, já fazia um prenúncio do olhar que lançaria sobre o Brasil e a América Ibérica em “O Espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas” (MORSE, 1988).

Em “Brazilian Modernism”, Richard Morse (1950) se dirigiu aos anglo-americanos com a intenção de desconstruir uma ideia de literatura menor e lhes apresentou o Modernismo Brasileiro como um movimento literário e artístico “não original” no sentido de que não deu origem a novas técnicas como o fluxo de consciência ou o cubismo, por exemplo, mas por outro lado inovador, uma vez que estimulou os escritores e artistas brasileiros a adaptarem essas formas para sua realidade e a conciliar elementos tão distintos vindos de fora. Além disso, esse marco do modernismo se fez duradouro e atingiu o país em pequenas revistas que surgiram em diversas cidades do interior. A arte então se tornou uma necessidade e se aproximou das pessoas. Richard Morse marca a Semana de Arte Moderna de 1922 como um movimento que surgiu da inquietação de um período em que a universidade parou de produzir intelectuais capazes de lidar com os tempos atuais e a situa como o momento de independência cultural do Brasil, apontando a obra de Mário de Andrade como expressão máxima do modernismo e da capacidade de conciliar dualidades como o tradicional e o moderno.

Tendo seus estudos financiados pelo governo dos EUA, Richard Morse volta seu olhar para a América Ibérica intencionado a fazer diferente de seus colegas latino-americanistas. Richard Morse era insatisfeito com as comparações já realizadas entre Ibero-América e Anglo-América. Ele não faz referências a essas comparações, mas durante sua permanência no Brasil já estavam disponíveis “Casa Grande & Senzala” (Freyre), de 1933 e “Raízes do Brasil” (Holanda), de 1936. Em 1954 foi publicado “Bandeirantes e pioneiros: paralelo entre duas culturas”, de Vianna Moog. Richard Morse era conhecedor das comparações entre brasileiros e anglo-americanos realizadas pela perspectiva antropológica de Roberto da Matta. O problema ou a limitação que Richard Morse (1988, p. 21) via nessas comparações existentes entre Ibero-América e Anglo-América é que “elas descuidam de sua pré-história europeia” e, com isso, se perdem nos elementos conjunturais.

Superar essa limitação é o que levou Richard Morse (1988, p. 115) a “mobilizar um milênio de pensamento ocidental”. Essa atitude não teria sentido se a meta fosse um “prognóstico de curto alcance”. Essa ênfase no curto alcance era a “orientação marcadamente instrumental que os pesquisadores acadêmicos têm que adotar para alcançar ‘visibilidade’ num mundo burocratizado carente de perspectivas e ansioso por novas e efêmeras ‘posições’.” (p. 115)

Richard Morse é um anglo-americano “intranquilo”5, convicto do rumo trágico que o Ocidente seguia sob inspiração e hegemonia anglo-americana. Richard Morse não via perspectivas de futuro para a “situação anglo-americana” porque ela lhe parecia tanto inconsistente quanto paradoxal. É interessante as palavras que ele usa para situar a condição nacional dos EUA na era dos impérios e da Guerra Fria. Richard Morse era erudito e rigoroso na escrita: certamente não era mesquinho nos cortes e suas palavras eram muito transparentes. Ao referir-se aos EUA, Richard Morse usa o vocábulo “situação”, conquanto tinha à sua disposição termos bem elaborados na sociologia, na antropologia e na história. Richard Morse poderia usar sociedade anglo-americana, cultura anglo-americana ou civilização anglo-americana, mas o significado que ele quis trazer à tona exigiu o uso de “situação anglo-americana”. É também significativa o uso da expressão “anglo-americano”, principalmente para quem é nascido e educado nos EUA. Só pra antecipar uma “descomparação” vale citar que Anísio Teixeira usava a expressão "civilização americana” para referir-se aos EUA, evocando tanto a sua originalidade quanto a atitude pioneira de se identificarem como americanos, numa busca de desligamento das heranças europeias. “Situação” é como um arranjo circunstancial não necessariamente confinado na curta duração, sem substância própria e, por isso, instável. É também situação paradoxal: situação insustentável, pois apoiada em pilares inconsistentes. Esses paradoxos envolvem esclarecimento e violência; religião, lucro e materialismo; liberalismo e imperialismo; moralismo e utilitarismo; ética de universalismo e realização pessoal. O que resulta dessa situação paradoxal é o “advento da nova moralidade burguesa” (MORSE, 1988, p. 144). Em meio a esse vendaval, as “pessoas já não ‘compõem’ um sistema, simplesmente ‘fazem funcionar’ o sistema em benefício próprio.” (p. 145).

Richard Morse enxergava o capitalismo e o industrialismo em processos de exaustão. Sua “intranquilidade” tinha várias razões e uma delas era a percepção desse esgotamento da ética individualista, pragmática, utilitária e orientada para o lucro. A outra razão era a incapacidade que a outra parte do Novo Mundo, a Ibero-América, tinha de definir sua identidade cultural e, por conseguinte, seu projeto de futuro.

É por isso que esse anglo-americano “intranquilo” sai dos EUA como se estivesse em fuga de um labirinto e se desloca para Ibero-América, com longas paragens em Cuba e no Brasil, até fixar residência no Haiti. Em 1954, dois anos depois de concluir o doutorado na Universidade de São Paulo, Richard Morse casou-se com a cantora haitiana Emerante de Pradine e foram morar no Haiti, por lá permanecendo até sua morte em 2001. É também em busca de inspiração e de perspectivas de futuro que ele vai à pré-história ou às origens do “programa ocidental”, atrás da Ibéria perdida e sua ética comunitária, aberta e solidária.

Inspirado pela teoria crítica da Escola de Frankfurt, explicitamente citada em sua obra nas figuras de Adorno e Horkheimer, Richard Morse não quis reproduzir o discurso de uma América Latina obsoleta, atrasada e que deveria ser modernizada pelos EUA. Seguindo essa corrente frankfurtiana da crítica ao homem-máquina e à chamada “cultura de massa”, que é produzida não pelas massas, mas para a massificação, arrancando o indivíduo de sua comunidade de tal forma que o mesmo passe pelo processo de individuação, mas se torne incapacitado de produzir sua individualidade, Richard Morse faz a crítica a seu próprio país. A visão passada pela indústria cultural era a de que, nos EUA, todos os indivíduos eram iguais e que lá não havia conflitos ou tensões sociais. Richard Morse adota uma perspectiva inversa daquelas até então difundidas e propõe aos anglo-americanos se olharem no espelho para enxergarem suas mazelas. Essa é a dialética presente em Richard Morse. Para ele, o uso dos EUA como espelho é uma prática de dominação equivalente à troca de espelhos por ouro entre os colonizadores e os aborígenes. “Há dois séculos um espelho norte-americano tem sido agressivamente mostrado ao Sul, com consequências inquietantes.” (MORSE, 1988, p. 13). Oportuno seria, pois, “num momento em que a Anglo-América experimenta uma crise de autoconfiança, (...) confrontar-lhe a experiência histórica da Ibero-América...”. E o sentido dessa inversão do espelho não seria a produção de mais um “estudo de caso de desenvolvimento frustrado, mas como a vivência de uma opção cultural.” (MORSE, 1988, p. 14)

A despeito de Richard Morse não fazer referências a Walter Benjamim, a voz do filósofo social judeu alemão parece ecoar em seu livro “O Espelho de Próspero: cultura e ideias nas Américas”. Primeiramente no que diz respeito à perspectiva histórica adotada por Richard Morse. O sistema de espelhos presente no autômato construído para dar a ilusão de que a mesa é transparente é invertido e deixa à mostra que o que se tem é um jogo injusto, construído para que apenas um vença e vença sempre. Essa metáfora do autômato formado por um jogo de espelhos usada por Benjamin (2012) em seu ensaio “Sobre o conceito da história” nos anos 1940 pode ser identificada na trajetória de Richard Morse que se propõe a inverter o espelho para escrever a história a contrapelo, concebida sobre o ponto de vista dos vencidos em oposição à história oficial do progresso.

Dessa forma, Richard Morse apresenta uma análise não tradicional da relação entre EUA e América Ibérica. “O Espelho de Próspero” foi publicado em 1982 no México e em 1988 no Brasil. Jamais foi publicado em inglês, sua língua original. O título foi inspirado na peça “The Tempest” de William Shakeaspeare. Na peça, Próspero é um colonizador, dominador e manipulador que mantém “Calibã”, um escravo selvagem, disforme e submisso, sob seu domínio. Todas as informações que temos sobre “Calibã” que nos permitem caracterizá-lo dessa forma nos são dadas por Próspero. Próspero representa os EUA e “Calibã”, os demais países do continente. Desconstruindo esse discurso de dominação, Richard Morse se propõe a inverter o espelho. Em oposição a uma narrativa já legitimada de uma América Latina como atrasada e que deveria se espelhar nos EUA para o seu desenvolvimento econômico e cultural, Richard Morse inverte o espelho para mostrar os anglo-americanos a si mesmos de forma que consigam enxergar suas próprias mazelas e percebam qual mensagem podem aprender conosco. Richard Morse usa a cultura da América Ibérica para fazer sua crítica à cultura Anglo-Americana e, por esse motivo, os editores dos EUA recusaram a publicar seu livro nos EUA, pois, certamente, faltariam leitores. É importante ressaltar que, ao fazer a inversão do espelho, Richard Morse não pretendia inverter os polos da dominação. Não se trata de inverter posições ou transformar a Ibero-América em hegemônica, mas sim apresentar a versão ibero-americana na história como também legítima e produtora de pensamentos alternativos de comunidade e solidariedade para um futuro (talvez de pós-pandemia) em que a escala industrial, o capitalismo e o individualismo já se mostram ultrapassados e superados.

Outra tese benjaminiana aparente em “O espelho de Próspero” diz respeito à crítica a uma história que capta apenas o momento. Richard Morse é contra um pequeno recorte temporal que, sob sua perspectiva, traz percepções limitadas, pautadas por discursos específicos. Adepto de um corte temporal mais amplo, Richard Morse mobiliza em sua obra um milênio de pensamento ocidental para que possa definir seu horizonte de expectativas, que ele também avisa não serem do curto prazo.

Para tecer seu horizonte de expectativas, Richard Morse adota uma visão em retrospectiva e se volta para as origens do programa ocidental de 1210 a 1320 para desconstruir alguns conceitos. Ocupa-se primeiramente por desconstruir a ideia de Europa. Não havia apenas uma Europa, mas várias, cada qual com sua história e seu programa de civilização. Para Richard Morse, as origens do programa ocidental envolvem duas datas simbólicas. Em 1210, Aristóteles é declarado inconveniente em um sínodo parisiense e, em 1323, Aquino é canonizado. “Tais mudanças requeriam uma nova lógica e uma nova ciência que [...] vieram a adquirir os traços racionalistas e universalistas hoje associados aos padrões característicos da civilização ocidental” (MORSE, 1988, p. 30). Richard Morse identifica nos séculos XII e XIII uma pré-história na qual coexistiam distintos programas de Ocidente, distintos “projetos civilizadores”, entre eles o Anglo-Saxão e as várias “facções latinas”: a francesa, a italiana, a espanhola e a portuguesa.

O projeto de expansão da Ibéria viria a constituir no continente americano o que Richard Morse chamou de Ibero-América. Richard Morse propõe uma descolonização conceitual e, nesse sentido, recusa-se a usar o termo América Latina que, segundo ele, é “colonial e neo-napoleônico”. Do outro lado, havia a Inglaterra, sempre vitoriosa, que daria origem à Anglo-América. Dessa forma, Richard Morse desconstrói também a ideia de um Novo Mundo único e apresenta dois novos mundos oriundos de dois programas distintos da expansão europeia e, consequentemente, duas versões distintas da história ocidental. Os EUA se formaram a partir de fugitivos da Inglaterra que vão para o novo mundo de costas para a Europa. Neste contexto, a ausência de passado e tradição era uma virtude. Por sua vez, a América Ibérica se apresenta como uma extensão da metrópole. Os íbero-americanos não romperam com o passado, pois entendiam que sua ausência seria como uma inconsistência. Por essa razão, condicionada pelo “espelho de próspero”, a Ibero-América era vista e se via como obsoleta, enquanto a Anglo-América era associada ao desenvolvimento e ao progresso.

Em um capítulo intitulado “Pré-história”, Richard Morse faz o seu esboço do ocidente, voltando-se para a revolução científica e religiosa que ocorreu na Inglaterra e revisitando a matriz ocidental da Ibéria que ficou soterrada em meio aos escombros do passado. Richard Morse tem uma elaboração singular sobre o Ocidente, sua pré-história e suas distintas possibilidades de futuro, suas disputas e seus aspectos hegemônicos. Nessa elaboração, há um Ocidente que antecede e outro que sucede o século XVI. O Ocidente que sucede o século XVI é o resultado de disputas, vitórias e hegemonias envolvendo sociedade, ciência, religião e política. Os marcos dessa disputa seriam o renascimento, a revolução religiosa e as reações a ela, o absolutismo, o liberalismo e a constituição dos estados nacionais. No arranjo hegemônico que se efetivou estariam contemplados Descartes, Maquiavel, Hobbes, Locke e Smith.

O esforço arqueológico de Richard Morse é o de trazer à tona a pré-história do Ocidente e nela identificar distintas possibilidades de futuro que se perderam nos séculos seguintes face ao advento do capitalismo e do industrialismo. A propósito, esse próprio advento já seria o resultado de um determinado arranjo hegemônico, cujas referências seriam o individualismo e a competição e não a solidariedade e o diálogo visando ao entendimento. Dessa forma, Richard Morse se vale de uma perspectiva histórica generosa para compreender a Ibero-América e deixar à mostra “a outra volta do parafuso”, termo que retira da novela “The Turn of the screw” de Henry James, na qual fantasmas voltam para assombrar. Richard Morse retoma o que ficou recalcado e busca a história onde a história oficial negligenciou.

Resgatando essas memórias que ficaram soterradas, Richard Morse apresenta no século XVI, uma Ibéria mais moderna que Inglaterra e França, no sentido de que já havia solucionado alguns problemas como o da Igreja e do Estado e as questões sobre direito do povo e, por essa razão, não se interessaram em mudanças revolucionárias. A Ibéria optou pelas vias da conciliação. O Tomismo que permitia uma aliança entre o pensamento lógico e racional de Aristóteles com a fé Cristã ganha destaque neste contexto.

A ideia de Ocidente como referência para o entendimento de determinados acontecimentos, atitudes e modos de sentir, pensar e agir é presente em alguns clássicos do pensamento social entre os quais Max Weber e Max Horkheimer e Theodor Adorno.

Em Horkheimer e Adorno, o protótipo do indivíduo burguês ocidental é Ulisses, assim como a Odisseia é a doutrina inaugural do Ocidente, referido como civilização burguesa, regida pela lógica do lucro. Em “Ulisses ou Mito e Esclarecimento”, Horkheimer e Adorno (1985) mostram a semelhança entre mito e razão e identificam a epopeia homérica como uma doutrina estruturante do caráter burguês-ocidental. A Odisseia, o retorno de Ulisses ao seu reino, narra a luta pela supremacia humana contra a natureza, sem a proteção dos deuses e até contra os deuses. Ulisses é o herói que por deliberação própria desafia os deuses, enfrenta a natureza e sai vencedor de uma longa luta que culmina em sua volta para casa, recuperando sua propriedade, sua família e seus escravos. Ainda frágil, porque desprovido dos benefícios da ciência, Ulisses lançou mão da astúcia e da trapaça para envolver os deuses e deles obter benevolências, sem a eles entregar seu destino, colocando-os uns contra os outros. A fórmula vitoriosa de Ulisses é composta por sacrifício, renúncia e sofrimento e, não menos, racionalidade, cálculo, frieza e astúcia. Ulisses seria assim a expressão original da fórmula da dominação (da natureza e dos homens), traço distintivo da civilização burguesa que culmina na sociedade regida pela lógica da produção e do consumo visando ao lucro. Numa aproximação com a linguagem de Richard Morse, é como se Horkheimer e Adorno identificassem já na mitologia a pré-história do Ocidente ou da civilização burguesa. A mitologia já era esclarecimento, assim como a ciência torna-se mito. A história do Ocidente é repleta de mitos e figuras messiânicas. Na compreensão de Horkheimer e Adorno, o Ocidente não é um acidente, assim como não são acidentais os sintomas contemporâneos de neobarbarismo (a fome, o medo e a violência) e de manifestações fascistas e neonazistas.

Na escrita de Max Weber há um texto específico destinado à elaboração do significado de Ocidente. Trata-se da clássica introdução do não menos clássico livro “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. Um belo texto - denso e intenso -que não se deixa prender à função escolar de introdução para ser um ensaio sobre o Ocidente. Weber define o Ocidente como um fenômeno cultural resultante de uma combinação de fatores e dotado de um desenvolvimento universal. Entre os fatores distintivos do Ocidente estão a ciência (as naturais e as humanas), a arte (a música, a escultura e a pintura racionais, a literatura impressa), a escola (notadamente as superiores e voltadas para a formação da mentalidade científica), a organização estamental (a constituição racionalmente redigida, o parlamento, o partido) e o capitalismo (a empresa capitalista e a apropriação racionalmente efetuada e regulada pelo balanço final como forma de verificação do lucro obtido). Ao passar por cada um desses componentes Weber identifica a racionalidade como traço comum a todos eles. Mas é ao capitalismo como elemento identitário do Ocidente que Weber dedica maior extensão de texto: o capitalismo emana do Ocidente. Weber compreendia que a “ânsia de lucro” ou o “impulso para o ganho” são remotos, mas que é uma particularidade do Ocidente a racionalização da operação de troca com base no cálculo, tendo em vista o lucro permanente. A racionalização expressa no cálculo é a base da empresa capitalista, é o que transforma o remoto capitalismo aventureiro em capitalismo de empresários: time is money.

Weber não especifica uma pré-história do Ocidente, mas ela pode ser inferida. Para ele, o Ocidente é dotado de uma differentia specifica que está na capacidade dos homens de adotar certos tipos de conduta racional. O desenvolvimento de tal capacidade exige superação de certos “obstáculos espirituais” e essa foi a contribuição da reforma protestante. A racionalidade econômica era dependente da disposição dos agentes a adotarem “certos tipos de conduta racional”. O problema é que onde essa disposição enfrenta “obstáculos espirituais, o desenvolvimento de uma conduta econômica também tem encontrado uma séria resistência interna”. (WEBER, 1992, p. 11). Weber indica dois momentos e acontecimentos fundantes do Ocidente. O momento incipiente é representado por Sócrates e a descoberta do homem e invenção da razão. O segundo momento é o século XVI e o Renascimento do homem e da razão.

Para Adorno (1985), toda a expectativa criada no progresso do esclarecimento era de um mundo desencantado. A meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber oriundo da observação. Adorno é referência abundante na escrita de Richard Morse, mas o que moveu o anglo-americano nos deslocamentos pela América Ibérica foi a busca de encantos. O que parece ter mais encantado Richard Morse na Ibero-América é que sua cultura não perdeu o encantamento com a passagem do mito pelo esclarecimento. Richard Morse cita como exemplo a literatura dos países ibero-americanos que faz um movimento contrário ao progresso e à modernidade em direção a um passado mítico com o “realismo mágico” que se apresenta enquanto uma forma de “sobrevivência” (DIDI-HUBERMAN, 2011) que resiste à assimilação pela cultura de massa e pelo discurso da ciência, do trabalho e da indústria. O cientificismo e o tecnicismo não haviam tomado conta de todo o seu mundo. Na literatura esse mundo é representado à margem do binarismo referente a centro e periferia. Segundo Richard Morse, “a literatura é o que ilustra melhor o fato de que a Ibero-América, mesmo no seu setor moderno ou burguês, não é de todo presa do ‘desencanto ocidental’”. (MORSE, 1988, p.135). No Brasil, Richard Morse comparou a “Paulicéia Desvairada” de Mário de Andrade com “The Waste Land”, de T. S. Eliot. Dessa forma, Richard Morse faz sua crítica à racionalização técnica e utilitária que desmistifica o mundo, retirando dele seus elementos místicos e mágicos.

Richard Morse data o amadurecimento da literatura íbero-americana com seu reconhecimento internacional nos anos 1960, anos que coincidem com a época em que as ciências sociais chegaram às universidades ibero-americanas, reproduzindo um determinismo e uma dependência intelectual. Enquanto a literatura conseguiu muito bem lidar com a identidade ibero-americana, as universidades fracassaram. O cenário pós-independência da América Ibérica se mostrou bastante complexo. Concorriam ideologias divergentes como o liberalismo, o marxismo e a ideia de democracia. Nesse momento, a América Ibérica se encontrou à deriva, sem rumo. As universidades ibero-americanas deixaram de criar pensamentos próprios e foram buscar a fonte em autores europeus. Richard Morse criticava a adoção pelas universidades ibero-americanas de modelos de supermercados que compartimentalizavam o conhecimento. Sua crítica às instituições de ensino brasileiras partia da falta de estrutura física como equipamentos, bibliotecas e laboratórios à falta de um posicionamento crítico dos intelectuais frente a uma colonialidade de pensamento. Importando modelos sem considerar a realidade do Brasil, o homo academic das universidades brasileiras parecia reproduzir obedientemente ideias tendenciosas e pedantes vindas do estrangeiro.

O intelectual Anísio Teixeira e a negação do estereótipo de Morse

Anísio Spínola Anísio Teixeira é um baiano bem nascido no ano 1900. Era o nono filho de Donana6, que era descendente de família de latifundiários, e o décimo quarto filho de Deocleciano7, herdeiro de tradicional família exploradora de minérios. Homem de formação liberal e republicana, Deocleciano era médico clínico, comerciante, fazendeiro e chefe político no município. Ou seja: latifundiário, coronel e esclarecido. Com esse pertencimento familiar, não causa surpresa que o patriarca Deocleciano tivesse um projeto de futuro bem delineado para o filho Anísio. E tinha. A vocação8 que Deocleciano queria para Anísio Teixeira envolvia as Ciências Jurídicas e o poder judiciário, quiçá, daí para a política. A permanente ambição de Deocleciano era que o jovem Anísio Teixeira se tornasse “(...) seu sucessor natural, futuro patriarca familiar” (NUNES, 2010, p. 14).

Anísio Teixeira nasceu em Caetité, uma cidade localizada a 800 km de Salvador (BA), em pleno sertão, às margens do rio São Francisco, entre Minas Gerais e Goiás. Mas, seguindo a rota definida pelo pai, Anísio Teixeira, depois de fazer os estudos iniciais com professores particulares, em casa e em uma escola em Caetité, foi para Salvador cursar o ensino secundário em escolas da Companhia de Jesus. Em 1911 entrou para o Colégio São Luiz Gonzaga e em 1914 passou a estudar no Colégio Antônio Vieira, da mesma ordem jesuíta. Biografias de Anísio Teixeira9 dão conta que ele sempre foi aluno de destaque e muito empenhado nos estudos autônomos. Nessa ambiência era também de se esperar que os tradicionais padres jesuítas tivessem um projeto de futuro para o jovem Anísio Teixeira. E tinham: queriam que ele se tornasse um clérigo. Anísio Teixeira passou a juventude tanto enclausurado quanto dividido entre dois projetos de futuro: um da igreja, outro da família patriarcal. As marcas dessa pressão dos jesuítas sobre Anísio Teixeira aparecem até 1925, na viagem à Europa, quando ele tinha 25 anos de idade e já ocupava o posto de Diretor da Instrução Pública na Bahia.

Concluído o ensino secundário, Anísio Teixeira foi cursar Ciências Jurídicas, inicialmente em Salvador e depois no Rio de Janeiro, na capital federal. Essa mudança de Salvador para o Rio de Janeiro foi uma articulação de Deocleciano, que queria distanciar o filho das influências e das tramas jesuíticas. Ao concluir o curso de Ciências Jurídicas o jovem Anísio Teixeira retornou à Caetité, onde exerceu a advocacia e participou da campanha política para o governo do estadual. Nas décadas iniciais da república brasileira era comum essa relação entre direito e política. Para Sérgio Adorno (1988), escolas de Direito à época eram centros de sociabilidade de muitos jovens que se tornaram políticos nas diferentes esferas de poder. As escolas eram lugares de formação da intelligentsia e dos intelectuais orgânicos das elites: os donos do poder.

Até aos 24 anos, Anísio Teixeira seguia essa trilha, induzido pelo pai: a política como vocação. Mas é no ano de 1924 que um acontecimento muda os rumos de Anísio Teixeira, para surpresa do pai, dos padres e dele próprio. Nesse acontecimento está envolvido Francisco Marques Góes Calmon (1874-1932), o eleito governador da Bahia (1924-1928), que lhe ofereceu o cargo de inspetor-geral de Ensino de Salvador e, não, a Promotoria da cidade de Caetité, como havia pleiteado Deocleciano. Góes Calmon tinha o típico perfil dos homens que se graduavam em Direito para ingressar na política. Era bacharel em direito pela Faculdade de Recife e foi um dos “fundadores do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Presidente do Banco Econômico”10. A Faculdade de Direito de Olinda foi pioneira no Brasil, criada em 1827, em pleno período imperial. Em 1854 foi transferida e renomeada para Faculdade de Direito do Recife, dando origem, mais tarde à Universidade Federal de Pernambuco. Simultaneamente ocorria o mesmo em São Paulo, com a criação da Faculdade de Direito, uma das origens da Universidade de São Paulo. Góes Calmon era um republicano progressista, ligado ao capital financeiro. Góes Calmon já observara em Anísio Teixeira - apesar da pouca idade - vasto conhecimento e “(...) informação histórica e econômica de sua terra, (...) vivacidade de espírito e incomum percepção de qualidades pessoais.” (LIMA, 1978, p. 37). Esse é, pois, o acontecimento inédito na trajetória de Anísio Teixeira: a educação pública entra em sua vida contrariando a tutela de seus guardiães11. O mais interessante, no entanto, é, desde então, a sucessão de eventos e experiências que vão resultar na formação do pensamento anisiano sobre a educação pública.

Sem dúvidas, o pensamento e a ação de Anísio Teixeira na educação pública em nada são herdeiros da formação adquirida na juventude, incluindo a relação com o pai, com os jesuítas e até mesmo a graduação em Ciências Jurídicas. Nem mesmo o ethos jurídico alojado nas faculdades deixa marcas na escrita educacional de Anísio Teixeira. A partir de 1924, há um movimento contínuo, acelerado e sem volta na trajetória de Anísio Teixeira. Mais que um movimento, há um deslocamento do privado ao público, da aristocracia à democracia, da religião à ciência, da elite ao povo, do interior à capital, dos limites mundo agrário e rural à perspectiva industrial e urbana.

Dos anos 1930 em diante, Anísio Teixeira travará combate intenso com as igrejas e suas escolas subsidiadas com recursos públicos e frequentadas pelos filhos das elites. Se na formação inicial de Anísio Teixeira destacaram a religião e a vida numa bolha aristocrática, seu programa educacional era de uma escola laica, pública e de boa qualidade para todos.

Mas voltemos ao referido acontecimento inédito de 1924 para identificar o modo como a educação pública entra na trajetória de Anísio Teixeira, associando-se a uma perspectiva de progresso, tendo a anglo-americanidade como inspiração ou como fonte para apropriações12.

Em 1924, tão logo assumiu a pasta da instrução pública, o governador Góes Calmon sugeriu que Anísio Teixeira procurasse Afrânio Peixoto e Antônio Carneiro Leão, que já tinham ocupado cargos de inspetor de Ensino, e mantivesse com eles conversas que poderiam lhe servir de referências. Numa dessas conversas pedagógicas, Carneiro Leão indicou a Anísio Teixeira a obra “Métodos americanos de educação”, do autor Omer Buyse (1927). Buyse era um educador belga e a Bélgica, ao lado de Suíça, Itália e EUA, foi um dos berços, no final do XIX, de um movimento pela renovação da escola. Em boa parte esse movimento que pleiteava uma escola ativa, participativa e interessante, em substituição à escola panóptica, quieta e silenciosa, deve-se às descobertas da psicologia sobre a infância e a aprendizagem, dando origem à experimentações pedagógicas. Entre esses reinventores da escola estão os suíços Édouard Claparède (1873-1940), Adolph Ferriére (1879-1960) e Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), a italiana Maria Montessori (1870-1952), o anglo-americano John Dewey (1859-1952) e o belga Jean Ovide Decroly (1871-1932).

Buyse era um desses escolanovistas que viajavam pelo mundo fazendo circular as teses da escola ativa. E não foram só as ideias de Buyse que circularam no Brasil. Ele próprio esteve por aqui e manteve contatos com alguns de nossos escolanovista. Francisco Montojos (1949), um dos intelectuais de Capanema e responsável no Ministério da Educação e Saúde Pública pela Educação Profissional, se referia a Omer Buyse como grande educador e especialista em educação profissional e técnica. Em 1928, as ideias de Omer Buyse passaram a ter circulação mais ampla no país, pois o governo o convidou para vir ao Brasil organizar o ensino profissional. O principal projeto que envolveu a presença de Buyse foi a constituição da Universidade do Trabalho. O projeto foi elaborado, mas foi abandonado, certamente por falta de acordo com o empresariado. Desde os anos 1930, com Capanema no Ministério, há um avanço das discussões sobre um sistema nacional de educação profissional, mas não há acordos quanto ao formato, pertencimento institucional, gestão e financiamento. Fato é que em 1942 o presidente Vargas decreta a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industriais e transforma as Escolas de Aprendizes Artífices em Escolas Técnicas. Com isso, o projeto da Universidade do Trabalho é abandonado.

O fato é que a leitura do livro de Ômer Buyse provocou em Anísio Teixeira a curiosidade de conhecer in loco os tais métodos americanos de educação que estavam sendo experimentados na Bélgica. Em 1925, ele viajou ao velho mundo para conhecer Portugal, Espanha, Itália e as experiências educacionais realizadas na Bélgica. Essa viagem à Europa foi uma experiência emblemática na vida de Anísio Teixeira, por várias razões. Uma delas é o amadurecimento de sua atitude acerca da vida religiosa como projeto de futuro. Foi uma viagem tutelada por autoridades jesuítas e na agenda estavam visitas ao Vaticano, a igrejas e mosteiros e a condes. O jovem Anísio Teixeira seguiu em companhia de D. Manuel, bispo de Ilhéus (BA), D. Miguel Keuse, abade de São Paulo e D. Augusto, arcebispo primaz da Bahia.

Foram quatro meses marcantes na vida de Anísio Teixeira, mas a decadente Europa em nada o inspirou. Em 1925, a Europa estava apenas a seis anos do fim da Primeira Guerra e os sinais da violência e da destruição ainda eram muito presentes. Os registros da viagem foram feitos em um diário e em uma espécie de súmula com relatos e reflexões13. Interessante nesses escritos de viagem à Europa é como eles revelam o estado de espírito pessoal do jovem Anísio Teixeira e a completa ausência de entusiasmo com as perspectivas de futuro. A escrita é sempre sóbria e comedida e apenas duas coisas parecem ter empolgado o jovem que passara a vida no calor da Bahia do Rio de Janeiro: a neve e as luzes de Paris. As cidades do Brasil à época eram muito mal iluminadas. Além disso, a escrita de viagem tem trechos tipicamente existencialistas e revelam uma certa simpatia com a aristocracia e com a monarquia.

A descrição de Paris é emblemática desse desencanto de Anísio Teixeira com a Europa. A descrição é feita em linguagem metafórica e reveladora de espanto. Paris figurou na mente de Anísio Teixeira como

um filme singularmente confuso, um filme cujas scenas creadas na dispersão do trabalho preparatorio dos studios, não fossem postas em ordem, um filme a que faltasse a intelligencia organizadora do director de scena ou que, por paradoxo, tivesse um metteur en scène genial. Todos os planos se confundem como em um pesadelo. O real e o imaginario fazem um só par singularmente affectuoso, como na vida. O fantastico, o artificial enquadra os seres banaes da vida quotidiana, elevando-os, consagrando-os. As pequeninas maravilhas das mil e uma noites tem o aspecto de brinquedo de creanças à vista das realidades das grandes cidades de 1925. (TEIXEIRA, 1925.) (Grifos nossos)

Anísio Teixeira (1925) também comparou Paris a uma Babel cosmopolita e, no meio das confusões de vozes, “(...) a naturalidade com que se extingue a luz em um cinema, é que a cidade toma todo o seu prestígio”. Esse desencanto com a velha Europa é significativo na trajetória e nas escolhas que seriam feitas por Anísio Teixeira daí em diante. A velha Europa não pareceu, aos olhos de Anísio Teixeira, ser portadora de futuro.

Se a Europa estava velha e decadente, então era preciso buscar outras referências capazes de inspirar melhores horizontes de expectativa. É para isso que Anísio Teixeira, dois anos mais tarde, viajou aos EUA. Entre a viagem à Europa e a viagem aos EUA há muitas diferenças que atestam tanto o amadurecimento pessoal de Anísio Teixeira quanto a efetivação de sua autonomia, no sentido da definição dos rumos a seguir e de seus valores de referência. Se à Europa Anísio Teixeira viajou sob tutela de bispos, aos EUA ele viajou sozinho. Outra diferença são os motivos da viagem. Se a viagem à Europa tinha um sentido cultural, religioso e pedagógico, a viagem aos EUA era estritamente pedagógica. Anísio Teixeira foi conhecer as escolas dos EUA e a pedagogia pragmática de John Dewey. Foi abrir espaços na Columbia University para voltar em 1928-29 para cursar mestrado.

Durante a viagem aos EUA e a partir dela, Anísio Teixeira produziu dois textos, sendo um diário intitulado Anotações de viagem aos Estados Unidos e um relatório sobre as visitas que realizou a instituições escolares. Este relatório foi dividido em duas partes e uma delas constitui um texto de cunho teórico que reflete sobre John Dewey e a educação pragmática. Em 2006, os textos foram publicados em forma de livro na já referida coleção Anísio Teixeira. O livro contém três partes. A primeira parte tem o título Fundamentos de educação e contém 51 páginas. Trata-se de um texto de cunho teórico, no qual Anísio Teixeira (2006, p. 29) apresenta “(...) em breve resumo (...) as ideias com que John Dewey fixa o atual sentido de educação”.

A segunda parte é intitulada Aspectos americanos de educação, que contém 119 páginas e onze tópicos. A terceira parte é intitulada Anotações de viagem aos Estados Unidos em 1927; tem a forma de um diário, que começa em 27 de abril de 1927 e termina em 9 de maio do mesmo ano, com quinze páginas.

O resultado dessas experiências em terras anglo-americanas e seus impactos na formação do pensamento social e pedagógico de Anísio Teixeira vão aparecer imediatamente e persistirão nas quatro décadas seguintes, até sua morte em 1971. O efeito imediato aparece nos escritos de viagem, já revelando entusiasmo, inspiração e inclinação definitiva pela educação pública. Essa inspiração que veio da viagem pedagógica aos EUA é estampada na própria quantidade de páginas dos escritos da viagem anglo-americana destinados à educação. Nos escritos europeus apenas seis páginas, num total de 56, são destinadas às questões escolares. O restante das páginas é dedicado à apreciação de aspectos sociais, culturais e paisagístico. Já os escritos da viagem anglo-americana são bem mais extensos e todas as considerações são sobre a educação escolar.

Mas é nos anos 1930 que Anísio Teixeira vai elaborar sua leitura dos EUA como um acontecimento civilizatório significativo na história cultural do Ocidente. Quando Anísio Teixeira retornou ao Brasil em 1929, depois de permanecer nos EUA em 1927 e 1928, ele reassume o comando da instrução pública na Bahia, mas por pouco tempo. No período de 1931 a 1935, ele foi para o Rio de Janeiro, capital federal, a convite do prefeito Pedro Ernesto, para assumir a Secretaria da Educação e implementar reformas que servissem de referência para o país. Nesse período foi instituída “uma rede municipal de ensino completa, que ia da escola primária à universidade. Em 1935, completou a montagem da rede de ensino do Rio com a criação da Universidade do Distrito Federal (UDF).”14

Além de atuar no Distrito Federal, ao retornar dos EUA, Anísio Teixeira foi protagonista do movimento que lançou, em 1932, o Manifesto dos Pioneiros pela Escola Nova. Esse movimento teve o engajamento de importantes intelectuais que se manifestaram em prol de um sistema nacional de educação pública e se empenharam para que a educação entrasse na pauta do Estado brasileiro na forma de políticas públicas. Um dos lugares de sociabilidade desses intelectuais era a Associação Brasileira de Educação (ABE), criada em 1924. Ingressar na ABE foi também uma das primeiras atitudes de Anísio Teixeira ao retornar dos EUA. Isso ocorreu já em 1929, ocasião da III Conferência Nacional de Educação, quando ele participou integrando a delegação da Bahia.

Todo esse imediato, amplo e intenso engajamento de Anísio Teixeira com as questões da educação nacional revelam o quanto a experiência nos EUA, particularmente os contatos com John Dewey e sua pedagogia pragmática foram importantes na trajetória.

É nesse período agitado que Anísio Teixeira escreveu um livro destinado a apresentar a “civilização americana” como “um paradigma que (...) deveria inspirar a sociedade brasileira, imersa nas décadas de 1920-1930 em profundos debates referidos à problemática educacional e à definição de um projeto de nação”. (MAGALDI e GONDRA, 2007, p. 9). “Em marcha para a democracia: à margem dos Estados Unidos” foi o primeiro livro escrito por Anísio Teixeira após seu retorno ao Brasil, proveniente das viagens aos EUA15. É um livro no qual ele elabora o que vivenciou nos EUA, do ponto de vista do contato com a civilização. Anísio Teixeira necessitou de quatro ou cinco anos após o retorno para refinar e elaborar suas interpretações sobre o povo, a cultura e as instituições anglo-americanas. Este é o único livro no qual Anísio Teixeira se dedica prioritariamente à análise dos EUA como civilização.

A propósito, “civilização americana” é expressão utilizada abundantemente por Anísio Teixeira para referir-se aos EUA. Dois vocábulos significativos aparecem com regularidade no repertório: “civilização” e “nova”. A novidade referida não tem relação unicamente com o surgimento da nação anglo-americana, mas sim, na civilização que a América se tornou após o seu desenvolvimento material e humano. Quando Anísio Teixeira qualifica a civilização como “nova”, expressa de forma singular e significativa a atitude do anglo-americano impulsionado por um idealismo “singelo” e “formidável”.

Segundo Anísio Teixeira, as vantagens da América em relação à Europa são inúmeras, bem como as condições que resultaram em um crescimento espantoso e rápido, ao contrário da Europa que paralisou no tempo. Anísio Teixeira destaca, como primeira vantagem da América em relação à Europa, o clima que propicia “(...) realizar a grande obra de libertação do homem”. Outra vantagem, segundo Anísio Teixeira, é que “(...) nos Estados Unidos, uma política de amplo ‘laissez-faire’ consentia que toda transformação se realizasse em condições ineditamente inadequadas”. (TEIXEIRA, 2007, p.34). A civilização anglo-americana tinha liberdade e autonomia: “(...) forças novas operam sozinhas, sem intromissão, nem sequer do Estado, lançado às formas novas em que a nova sociedade ia se plasmando” (TEIXEIRA, 2007, p.34).

As primeiras experiências de Anísio Teixeira nos EUA foram em 1927 e 1928. Isso significa que ele não presenciou a grande depressão de 1929, o New Deal, o fordismo e a massificação. Entretanto, o fenômeno da massificação já era percebido por Anísio Teixeira e de forma positiva em relação ao seu contraponto, a individuação. Em 1934, criticou os “profetas assustados” que afirmam o desaparecimento do indivíduo e da individualidade: “A América do Norte, dizem eles, se aproxima das formas orientais de civilização e sua tendência é para suprimir o indivíduo.” (TEIXEIRA, 2007, p. 36). A reação de Anísio Teixeira a essa associação negativa entre massificação e individuação é contundente. Para ele, a massa não é apenas compatível, mas fortalece o indivíduo e esse fortalecimento passa pela ênfase na igualdade, um dos pilares de democracia. “Está-se suprimindo o indivíduo porque a civilização não se destina ao indivíduo excepcional mas a todos os indivíduos.” (TEIXEIRA, 2007, p. 37). Essa era, pois, uma “promessa inerente” da “democracia norte-americana”: “a definitiva libertação do indivíduo, a ausência de barreiras artificiais, a expansão dos valores individuais...” (p. 38).

Assim como Anísio Teixeira via um benefício da massificação tanto para o indivíduo quanto para a democracia, o mesmo ocorria com individualismo e integração social. Nesse trato das questões que envolvem indivíduo, a crítica contundente de Anísio Teixeira é dirigida aos contratualistas que contemplam a primazia do indivíduo em um estado de natureza que antecedeu o contrato e a sociedade. “A ideia de que o indivíduo, puro e nu, possa organizar a sociedade e o estado é uma ficção de teoristas” (TEIXEIRA, 2007, p. 45). Na interpretação de Anísio Teixeira, a “indústria criou (...) a ‘grande sociedade’ mas ainda não conseguiu aperfeiçoá-la em uma ‘grande comunidade’” (p. 48). Entretanto, a “interdependência é ainda (...) a grande expectativa dos anos vindouros”. E essa “integração é que será a verdadeira expressão da verdadeira democracia”. (p. 48). E qual seria essa verdadeira democracia sinalizada pela sociedade de indivíduos integrados socialmente? Para Anísio Teixeira seria a “democracia como modo de organização social” (p. 49)

Para Anísio Teixeira, o problema do Brasil era a ausência de uma identidade nacional ancorada num sentimento de pertencimento. Essa falta de identidade é uma situação histórica repleta de duplicidades, contradições e paradoxos. Desde sua descoberta pelos europeus, o Brasil é “uma aventura de duplicidades” (TEIXEIRA, 1962, p. 1). Anísio Teixeira identifica uma ampla lista dessas dualidades paradoxais. A duplicidade fundante é entre jesuítas e bandeirantes, que equivale a cristianismo e exploração, fé e império, religião e ouro. Ato sobreposto ao paradoxo inaugural foi a anacrônica, já à época, duplicidade entre senhores e escravos. Enquanto os países avançados experimentavam a ciência, a democracia e a indústria, o Brasil persistia anacronicamente no escravismo. Nesse sentido, era compatível que essas dualidades se expressassem, a partir do império, na educação escolar: uma para formar as elites e outra ou nenhuma para os demais. Anísio Teixeira não cita, mas uma expressão emblemática aparece no ano de 1942 quando o governo federal cria os sistemas de educação profissional e técnica como instituições paralelas ao sistema nacional de educação, voltadas para os filhos de quem vive do trabalho.

O núcleo consistente e permanente em todas essas duplicidades é, segundo Anísio Teixeira, a discrepância entre o proclamado e o realizado. É como se as elites brasileiras fossem permissivas no tocante às elaborações e proclamações e intolerantes na efetivação, impedindo que o projetado ou concebido não emergisse na esfera do existente.

Anísio Teixeira era um crítico do academicismo predominante na escola brasileira. Esse academicismo emanava de outro traço da escola brasileira: o elitismo. A associação se dava por meio da erudição livresca: “quanto mais supérfluos fossem os estudos escolares, mais formadores seriam eles da chamada elite” (TEIXEIRA, 1962, p. 8).

A ausência de uma identidade nacional era, para Anísio Teixeira, o principal problema brasileiro. Anísio Teixeira recorre à figura social do “mazombo”, que se forjou no Brasil colônia e que foi identificado por Viana Moog (2000). O “mazombo” eram descendentes de europeus que aqui estavam, mas que aqui não queriam permanecer, que planejavam “explorar, saquear e, assim enriquecidos voltar à Europa. Moog recorreu ao “mazombo” para expressar uma diferença entre Estados Unidos da América e Brasil. Nos EUA, pioneiros, no Brasil, bandeirantes. Na apropriação de Anísio Teixeira, o “mundo novo dos americanos ia ser criado” enquanto o “novo mundo dos espanhóis e portugueses ia ser saqueado” (TEIXEIRA, 1962, p. 3). É nesse sentido que o “mazombo” é um ser marcado pelo “velho vício da duplicidade e pelas consequências que daí emergem: por um lado não queria ser brasileiro e nem se afirmava como tal, por outro lado não era aceito como europeu pelos europeus.

O “mazombo” é, assim, “esse tipo cultural dúbio, ambivalente”, um ser inédito no mundo, criado como “algo de congenitamente inautêntico, do congenitamente caduco” (TEIXEIRA, 1962, p. 4). O “mazombo” eram seres divididos que se envergonhavam de sua própria condição: seres que “resistiam à formação nestas paragens de uma cultura autêntica” (TEIXEIRA, 1962, p. 4).

Mas a falta de atitude e de empenho na construção de uma identidade brasileira é creditada às elites, especialmente no tocante à educação de seus filhos. Isso significa que

o processo educativo de preparação da ‘elite’ não se fazia com os recursos culturais reais e locais da vida brasileira, mas constituía processo especial de incorporação de aspectos de ‘cultura estrangeira’”. (TEIXEIRA, 1962, 14)

A mesma consideração é válida para a classe média brasileira que começa a ser constituída em decorrência do crescimento econômico e urbano dos anos 1920 em diante. Ao entrar em cena, “numa sociedade sem tradição de classe média”, a classe média não constitui uma novidade política ou cultural na medida em que se pautou pela visão de mundo da “casta semi-aristocrática e semifeudal dominante”, notadamente quanto à escolarização. A nascente classe média “entrou a exigir para si exatamente a educação acadêmica e semi-inútil da classe alta”, enquanto a “alternativa deveria ser a de experimentação, de ensaio, de escolas com professores despreparados, mas livres de tentar ensinar o que soubessem”. (TEIXEIRA, 1962, p. 13)

A alternativa investida por Anísio Teixeira, com maior destaque desde 1929 quando ele retorna dos EUA após cursar mestrado com John Dewey na Columbia University, foi a de construir um sistema nacional de educação que fosse capaz de superar o velho vício da duplicidade e de superar a velha divisão social do trabalho como referência. Anísio Teixeira atuou nesse sentido em diferentes frentes ao longo de sua vida: foi articulador e signatário dos movimentos que resultaram nos manifestos escolanovista de 1933 e 1951; foi chefe da instrução pública e secretário da educação na Bahia e no Distrito Federal, onde investiu na normalização dos sistemas estaduais, na ampliação das matrículas, na formação de professores e em projetos inovadores como Escola Parque; atuou na formação da educação como campo científico no Brasil, seja atraindo intelectuais como o antropólogo Darcy Ribeiro ou fortalecendo a Associação Brasileira de Educação- ABE.

Talvez o grande empenho de Anísio Teixeira fosse o de invenção do Brasil e de um povo identificado e orgulhoso de si e de sua cultura. Mas, para isso seria necessária uma ruptura com o velho vício da duplicidade e a criação de uma educação popular compulsória, em uma escola interessada e interessante, uma escola pública viva e identificada com a vida nacional. Isso seria a negação da escola acadêmica tão criticada por Richard Morse.

Considerações finais

O propósito do artigo foi trazer à tona um elemento novo às polêmicas em torno da tese de Richard Morse sobre as américas, a ibéria e os problemas do capitalismo industrial e seu modelo anglo-americano. Esse elemento novo trazido pelo artigo estaria nas atitudes (engajamento) do intelectual Anísio Teixeira, sua leitura do Brasil e seu horizonte de expectativas inspirado no sucesso da “civilização americana”. O artigo buscou uma “descomparação” dessas triangulações inversas realizadas por Richard Morse e por Anísio Teixeira. Triangulação inversa é uma inspiração oriunda da metáfora de Richard Morse sobre o espelho como imagem invertida que possibilita a autopercepção de quem olha. O olho não vê o olho, diria Lefebvre (2002); a não ser que disponha de um espelho, diria Richard Morse. A expressão poderia ser também circulações inversas. O intuito da abordagem não foi realizar comparações entre Anísio Teixeira e Richard Morse: eles são incomparáveis. Talvez o que foi feito seja um movimento de “descomparação”, inspirado no que Warde (2003) fez entre as representações de Anísio Teixeira e Lourenço Filho acerca da educação e das escolas nos EUA. O que interessa na metáfora do espelho de Richard Morse quanto na ideia de “descomparação” de Warde são os sentidos invertidos dos movimentos que Richard Morse e Anísio Teixeira fizeram ao percorrerem os vértices desse triângulo. A abordagem buscou, no exemplo de Anísio Teixeira, algo que é diferente e que contraria a tese de Richard Morse acerca do descompromisso e da colonialidade acadêmica brasileira.

Anísio Teixeira tinha afinidades com os EUA, admirava sua gente e o dinamismo de sua cultura e a leveza das instituições. Além da afinidade cultural e política, Anísio Teixeira tinha particular entusiasmo com a pedagogia pragmática de John Dewey. Essas afinidades permaneceram durante toda a sua existência, mesmo após as novidades do pós-guerra, como o advento do fordismo e da massificação, o imperialismo e o apoio dos EUA aos golpes políticos com protagonismo militar na América Ibérica. Desde sua estadia na Columbia University nos anos 1920, Anísio Teixeira estabeleceu uma rede de contatos e ampliou possibilidades para que outros brasileiros lá cursassem mestrado ou realizassem visitas pedagógicas, culturais ou técnicas na década seguinte. Além disso, em sua plena maturidade Anísio Teixeira voltou aos EUA nos anos 1960, em busca de paz e oxigênio. Mas, desta feita, voltou como conferencista e como professor visitante. Curiosamente, foi de 1964 em diante que o governo brasileiro escancarou as portas da educação para a intervenção anglo-americana, com destaque para os “acordos” MEC-USAID, DE 1965 e 1967, entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID). Um dos produtos desse acordo foi a reforma universitária de 1968. A perspectiva de Anísio Teixeira era sistêmica e quando ele falava em educação pública, a abrangência ia da educação básica ao ensino superior. Ademais todas as mudanças por ele propostas ou implementadas passavam pela formação da docência e pelo envolvimento dos professores: mudanças. Uma atitude comum de Anísio Teixeira era a partilha com os professores das coisas novas que ele aprendia. Exemplar é a publicação do livro de Ômer Buyse em 1925 e de uma súmula sobre a pedagogia de John Dewey em 1927 e distribuição aos professores das escolas baianas. O mesmo pode ser afirmado sobre as reformas coordenadas por Anísio Teixeira na Bahia e no Distrito Federal: as reformas tinham processualidade. Diferente era o acordo MEC-USAID que vinha pela via autoritária, como uma imposição e bem ao modo da importação de modelos.

Anísio Teixeira tem, aparenta ter o elemento mais vulnerável à crítica de Richard Morse, qual seja, uma identificação com a anglo-americanidade e suas revoluções científica (com desdobramentos para a indústria) e política (a democracia liberal). Anísio Teixeira é o típico exemplo de uma mudança no foco do olhar brasileiro ao longo do século XX que se desvia do velho mundo e mira nos EUA como referência próspera e portadora de futuro. A Ibéria pareceu insignificante para Anísio Teixeira, a ponto de sequer referenciá-la como distinta na Europa. A questão é que Anísio Teixeira era o efetivo intelectual que tomava seu país como objeto de intensa e permanente compreensão e intervenção e nisso ele contraria a tese de Richard Morse acerca do intelectual tupiniquim descompromissado e com mentalidade colonial.

A escrita de Anísio Teixeira é uma escrita engajada e reveladora de uma sintonia entre pensamento e ação. É uma escrita vivida. Nos diferentes momentos de sua trajetória como intelectual, a escrita de Anísio Teixeira permanece como uma escrita vivida ou uma escrita finamente articulada às experiências e disputas em torno de questões educacionais. A escrita de Anísio Teixeira em quase nada faz concessões ao modus operandi e às formalidades da escrita acadêmica. É uma escrita fortemente pessoal, envolvida e engajada e, ao mesmo tempo, sem ancoragem em projetos de pesquisa com suas revisões de literatura e referencial teórico, seu rigor metodológico, suas classes de pesquisa e sua normatividade.

As referências para o pensamento e a ação eram, para Anísio Teixeira, a ciência, a indústria, a democracia e a educação pública. Poucos intelectuais brasileiros se empenharam tanto, no pensamento e na ação, na construção de um sistema nacional de educação pública, laica e de boa qualidade para todos. Anísio Teixeira era simultaneamente intelectual, erudito e acadêmico. Intelectual no sentido posto por Sirinelli (1996): engajado em movimentos e manifestos, identificado com uma geração, seus temas e seus problemas, reconhecido em círculos e lugares de sociabilidade. Erudito em função de sua formação cultural clássica, de seu amplo conhecimento filosófico e da capacidade de leitura e escrita em várias línguas. Acadêmico porque foi formado nos ambientes escolares e porque atuou na universidade como professor e como reitor.

Um dos elementos de “descomparação” entre Anísio Teixeira e Richard Morse envolve ciência e indústria. Anísio Teixeira via o mundo a partir do Brasil do início do século XX e esse era um ponto de vista diametralmente oposto ao de Richard Morse, que, já nos anos 1940, saía dos EUA em busca de futuro na América Ibérica e depois na própria Ibéria. Richard Morse tinha como ponto de partida o esgotamento do “Grande Desígnio Ocidental”, equivalente ao esgotamento da ética individualista e competitiva, do capitalismo e do industrialismo. O problema de Richard Morse emergia do esgotamento das sociedades industriais e o que o mobilizava e o colocava em movimento era um horizonte de expectativas pós-capitalista e pós-industrial.

Morse é um anglo-americano que viveu alguns anos no Brasil a partir de 1947 e, talvez daqui das terras tupiniquins, tenha descoberto um programa ibérico de civilidade diferente daquele que se efetivou Ocidente. Um programa de civilidade que Morse alega ter vivido seu auge nos séculos XIII e XIV e que se perdeu do XVII em diante face à sua incapacidade de lidar com o mercado e a indústria. A Ibéria original foi um programa de civilidade que, senão antinômico, era alternativo ao programa anglo-saxão que se tornou hegemônico, tendo seu ápice em sua versão anglo-americana no século XX, principalmente desde a Segunda Guerra. Morse lidava com um horizonte pós-industrial e pós-capitalista e, para ele, os axiomas relativos a comunidade e solidariedade seriam alternativas aos axiomas atrelados ao individualismo, à competição e ao lucro. Morse é um anglo-americano crítico da anglo-americanidade e muito dessa resistência vinha das virtudes que ele identificava no programa ibérico que se perdeu. Richard Morse via o Brasil sendo anglo-americanizado e reagia a essa tendência. Para ele era a partir do programa ibérico que o Brasil poderia vislumbrar seu futuro próspero. A triangulação feita por Richard Morse parte dos EUA para a América Ibérica e desta para os primórdios da Ibéria, retornando aos EUA para demonstrar que a anglo-américa é uma situação inconsistente e paradoxal, sem perspectivas de futuro.

Na segunda metade da década de 1920, quando a fortuna maquiavélica colocou o jovem Anísio Teixeira na gestão da educação pública, para, logo em seguida, sair do país em busca de referências inspiradoras ou de ideias a serem apropriadas, dirigindo-se à Europa e aos EUA, o Brasil era um país atrasado, rural, agrário, com uma população pobre e um grande contingente de negros à margem, provenientes da recente escravidão, da ausência de políticas públicas de inclusão e de direitos trabalhistas. O atraso do Brasil era político, econômico, cultural, científico e técnico e podia ser medido pelas ausências. A institucionalidade e a cultura política republicanas eram incipientes e compatíveis com o coronelismo e seus currais eleitorais (LEAL, 1975); a energia elétrica era precária e restrita, sendo a maioria das cidades mal iluminadas; a escola pública era inexistente enquanto sistema nacional; a indústria era manufatureira e ainda engatinhava. O país do jovem Anísio Teixeira era sem indústrias, sem povo (ausência de direitos), sem democracia, sem escola, sem ciência e sem tecnologia.

O horizonte de expectativas de Anísio Teixeira tinha quatro pilares: ciência, indústria, democracia e educação. É esse ponto que permite a identificação de outro giro inverso entre Richard Morse e Anísio Teixeira. A problemática de Richard Morse envolvia capitalismo e industrialismo. Richard Morse, de dentro dos EUA, referido por Weber (1992) como o lugar de “mais alto desenvolvimento do capitalismo”, percebia o esgotamento simultâneo de capitalismo e de industrialismo. É em busca de elementos para uma ética pós-industrial e pós-capitalista que ele faz uma arqueologia da ética solidária que identificava o programa ibérico dos séculos XIII e XIV. Já Anísio Teixeira, partindo do sertão brasileiro, toma a superação da cena rural e agrária como um problema e identifica na ciência e na indústria as referências para o progresso, inclusive em sua etapa de massificação.

Se Richard Morse, na segunda metade do século XX, sai dos EUA e recua à Ibéria dos séculos XIII e XIV em busca de inspiração para lidar com o esgotamento do capitalismo e do industrialismo, Anísio Teixeira, na primeira metade do mesmo século, foi à Europa e depois aos EUA em busca de referências para pensar o esgotamento, no Brasil, de uma nação rural e agrária, tanto pré-industrial quanto pré-capitalista. Para Anísio Teixeira, os EUA eram o ponto de atração, para Richard Morse eram o ponto de fuga.

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1Pesquisa desenvolvida com recursos do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.

2Um passo a passo dessa fina polêmica está presente no capítulo intitulado Iberismo e Americanismo: um livro em questão, do livro Americanos: representações da identidade nacional no Brasil e nos EUA. (OLIVEIRA, 2000).

3Originalmente escrito em inglês, El Espejo de Prospero: Un Estudio de la Dialéctica Del Nuevo Mundo foi publicado no México, em 1982 pela editora Siglo XXI. A publicação em português apareceu em 1988, pela editora Companhia das Letras, com título O Espelho de Próspero: Cultura e Ideias nas Américas. A obra não foi publicada nos EUA, o que é bastante sintomático.

4América Ibérica é a expressão utilizada por Morse para referir-se aos países colonizados por Portugal e Espanha no continente americano. A expressão é uma recusa ao binômio América Latina, cravado pela França napoleônica em referência às colônias. Além de demarcar com a linguagem colonial, o binômio América Ibérica permite melhor demarcação com a Anglo-América e com a Franco-América.

5“Um Americano Intranquilo: uma homenagem a Richard Morse” é o título de um livro publicado em 1992, pela Editora Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. O livro é uma coletânea de textos escritos de intelectuais que conviveram com Morse durante sua presença no Brasil. O livro atesta “qualidade e profundidade das relações que o autor estabeleceu em solo paulista.” (OLIVEIRA, 2000, p. 49)

6Ana de Souza Spínola.

7Deocleciano Pires Teixeira.

8Vocação tem aqui o sentido atribuído por Max Weber (1993) em “Ciência e Política: duas vocações”. Essa vocação definida por Weber nada tem a ver com a vocação luterana do século XVI: a vocação como um desígnio divino. Nada tem a ver também com qualquer perspectiva inatista. Weber associa a vocação a fatores estritamente mundanos, humanos e individuais. A vocação, que equivale à especialização, é o que coloca o agente individual em condições de fazer “algo que permanecerá”. E o caminho da especialização não tem segredos. Nesse caminho o ponto de partida é o esforço, isto é, o empenho persistente que pode resultar numa paixão, “embriaguez singular” necessária à inspiração. A vocação pensada por Weber envolve, pois, esforço, paixão e inspiração. É nesse sentido que Deocleciano queria encaminhar Anísio Teixeira à vocação política.

9Há diversas biografias sobre Anísio Teixeira. A primeira foi publicada em 1960 em seu sexagésimo aniversário. O livro intitulado Anísio Teixeira: pensamento e ação foi organizado por Fernando de Azevedo (1960) e contém textos de treze intelectuais brasileiros. Em 1973, Hermano Gouveia Neto (1973) publicou Anísio Teixeira: um educador singular, com registros da homenagem feita na Bahia, por ocasião de seu septuagésimo aniversário. Wanda Pompéu Geribello (1977) publicou Anísio Teixeira: análise e sistematização de sua obra. A autora apresentou dados biográficos de Teixeira, fazendo interface com seus escritos e projetos. Em 1978, Hermes Lima publicou Anísio Teixeira: estadista da educação (LIMA, 1978). Pela ligação próxima do autor com Anísio Teixeira, a obra é mais do que um relato, pois contempla aspectos particulares de Anísio Teixeira, antes não divulgados. Maria Lúcia Garcia Palhares Schaeffer (1988) publicou Anísio Teixeira: formação e primeiras realizações, que enfatizou o progresso do pensamento educacional de Anísio Teixeira nos primeiros onze anos de sua vida pública - 1924 a 1935. Em 1990, Luís Viana Filho (2008) publicou Anísio Teixeira: a polêmica da educação, realçando detalhes de documentos, cartas e relatos de suas primeiras experiências educacionais. Clarice Nunes há longa data se dedica ao estudo da vida e obra de Anísio Teixeira. Entre as suas publicações a mais completa é intitulada Anísio Teixeira: poesia da ação (NUNES, 2000). Este livro foi publicado na ocasião do centenário do nascimento de Anísio Teixeira. Clarice Nunes também publicou em 2010, na Coleção Educadores, editada pelo Ministério da Educação, o livro Anísio Teixeira, que descreve resumidamente sua trajetória pela educação.

11A referência aos guardiães é inspirada em Kant (1989), num texto de 1783 sobre a imaturidade humana que se revela na “incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem”. O problema da imaturidade tardia é creditado à tutela exercida pelos guardiães, que impedem que os novos experimentem a liberdade e se tornem responsáveis. Os guardiães são expressão do bloqueio da autonomia.

12No sentido atribuído por Chartier (1991), a apropriação é uma ressignificação, uma mudança tanto no sujeito que apropria como na ideia apropriada. Apropriação é, pois, reelaboração, uma reinvenção a partir da adaptação.

13Os escritos acumulam 54 páginas, estando também o original sob guarda do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Estes escritos estão em folhas avulsas, várias em papel timbrado com as iniciais dos navios nos quais Teixeira viajou: Norddeutscher Lloyd Bremen An Borddes D. Sierra Morena (treze folhas) e S.S Gelria (quinze folhas). FVG.

14http://www.abe1924.org.br/quem-somos/galeria-dos-presidentes/98-anisio-teixeira.

15Poucos anos antes Monteiro Lobato (2009) já havia publicado o livro “América: os Estados Unidos de 1929”. Lobato também era baiano e esteve nos EUA na mesma época, como adido comercial brasileiro.

Recebido: 21 de Outubro de 2021; Aceito: 19 de Janeiro de 2022

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