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Reflexão e Ação

versão On-line ISSN 1982-9949

Rev. Reflex vol.29 no.3 Santa Cruz do Sul set./dez 2021  Epub 03-Out-2023

https://doi.org/10.17058/rea.v29i3.16554 

Dossiê temático: Ensino Médio e Educação Integral na América Latina

Impactos da pandemia de covid-19 em um curso integrado ao ensino médio

Covid-19 pandemic impacts in a high school integrated course

Impactos de la pandemia covid-19 en um curso integrado al bachillerato

Silvana de Fátima dos Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-4811-1562

Neusa Maria Dal Ri2 
http://orcid.org/0000-0002-3000-2280

1 Universidade Estadual Paulista - UNESP - Marília - São Paulo - Brasil.

2 Universidade Estadual Paulista - UNESP - Marília - São Paulo - Brasil.


Resumo

Este artigo teve por objetivo analisar a reorganização do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, de tempo integral, do Instituto Federal de Rondônia, Campus Ariquemes, diante da pandemia de Covid-19 e seus impactos na permanência dos estudantes de 1º Ano. Os procedimentos metodológicos utilizados foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. O levantamento e a análise foram realizados no 1º semestre de 2021, com suporte em documentos institucionais e relatórios de resultados do processo e finais do ano letivo de 2020. Conclui-se que o uso de artefatos tecnológicos com acesso à internet, para garantir a continuidade do Curso, representou uma alternativa excludente para os estudantes desprovidos de condições materiais para a realização das atividades remotas.

Palavras-chave: Ensino remoto; Tempo escolar; Integração curricular; Pandemia Covid-19

Abstract

The article’s objective was to analyze the reorganization of the Integrated Agricultural Technical Course for High School, full-time, at the Instituto Federal de Rondonia, Campus Ariquemes, regarding Covid-19 pandemic and its impacts related to the first-year students’ permanence. The methodological procedures used were bibliographic research, and documentary research. The survey and analysis were carried out in the first semester of 2021, having as support institutional documents and reports of the process results at the end of the 2020 school year. It is concluded that the use of technological devices with internet access, to guarantee the course stability, represented an exclusive alternative for students lacking these conditions to carry out remote activities.

Keywords: Remote Teaching; School Time; Curriculum Integration; Covid-19 pandemic

Resumen

Este artículo tuvo como objetivo analizar la reorganización del Curso Técnico de Agropecuaria Integrado al Bachillerato, de tiempo integral, del Instituto Federal de Rondonia, Campus Ariquemes, frente a la pandemia de Covid-19 y sus impactos relacionados a la permanencia de los estudiantes de primer año. Los procedimientos metodológicos utilizados fueron la investigación bibliográfica, y la investigación documental. El levantamiento y el análisis fueron realizados en el primer semestre del 2021, teniendo como soporte documentos institucionales e informes de resultados del proceso y finales del año lectivo del 2020. Se concluye que el uso de artefactos tecnológicos con acceso a internet, para garantizar la continuidad del curso, representó una alternativo excluyente para los estudiantes desprovistos de condiciones materiales para la realización de las actividades remotas.

Palabras clave: Enseñanza remota; Tiempo escolar; Integración curricular; Pandemia Covid-19

INTRODUÇÃO

Para esta pesquisa, realizamos um recorte que conduziu à análise da reorganização do tempo e dos espaços pedagógicos, perante aos impactos impostos pela pandemia da Covid-19, como fator que interfere na permanência de estudantes do 1º ano do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio ofertado pelo Instituto Federal de Rondônia (IFRO), Campus Ariquemes.

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) elevou o alastramento geográfico de contaminação mundial causada pelo novo Coronavírus, Sars-Cov-2, à pandemia de Covid-19. A conjuntura imposta pela pandemia repercutiu além de uma crise sanitária em inúmeros países. Desde o início de 2020, as populações do mundo, de modo geral, têm enfrentado alterações bruscas no cotidiano, as quais interferem diretamente nas relações sociais, pessoais e interpessoais. Os impactos da pandemia também afetam, de modo direto, as relações entre as instituições de ensino e seus sujeitos, como os profissionais da educação, estudantes e famílias envolvidos nos processos que materializam o ato de ensinar e aprender institucionalmente.

Nesse contexto, devido às restrições de aglomerações, as aulas presenciais no IFRO foram interrompidas a partir de 17 de março de 2020. Desse modo, intentamos identificar e analisar a reorganização institucional, que levou ao desenvolvimento das atividades formais de ensino de forma remota, e os principais impactos para os estudantes ingressos no Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio do IFRO, Campus Ariquemes.

Embora a Instituição ofereça três cursos técnicos integrados ao Ensino Médio e em tempo integral (Alimentos, Agropecuária e Manutenção e Suporte em Informática), este estudo se debruçou na compreensão da reorganização do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, pois é o que mais recebe alunos oriundos do meio rural da região e, consequentemente, os mais impactados pela nova organização das relações de aprendizagem diante da pandemia. Esse também foi o curso com menor permanência de estudantes ingressos no 1º Ano, no período analisado.

A questão norteadora conduziu à identificação e análise das alternativas de reorganização e acompanhamento institucional frente à pandemia de Covid-19 e aos resultados de estudantes ingressos no Curso Técnico Integrado em Agropecuária no ano letivo de 2020. O período investigado compreende os resultados alcançados pelos estudantes ingressos no curso, de março de 2020 a março de 2021, com a finalização do ano letivo.

Os procedimentos metodológicos utilizados foram a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada com levantamento, seleção, leitura e documentação das principais obras que contemplam as temáticas trabalhadas. A pesquisa documental foi realizada com levantamento, documentação e análise de documentos institucionais, tais como: Projeto Político Pedagógico do Curso; Regulamento da Organização Acadêmica; Atas de reuniões de órgãos colegiados; Atas de resultados bimestrais e final de quatro turmas de 1º ano do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio; e os editais de auxílios direcionados aos estudantes matriculados, publicados no decorrer no ano letivo de 2020.

O CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO: PRECEITOS LEGAIS E LOCAIS

A atual organização do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio assenta-se na proposta do Decreto nº 5154, de 2004, que permitiu a articulação entre formação técnica e a etapa final da Educação Básica. A consolidação da formação técnica articulada ao Ensino Médio ocorreu com a alteração da Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB), Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008, que destituiu o caráter apenas propedêutico dessa etapa de escolarização.

No estado de Rondônia, a oferta do Ensino Médio integral e integrado teve sua gênese a partir da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Desse modo, o Campus Ariquemes, lócus desta pesquisa, faz parte de uma das unidades do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO). Denominado como campus agrícola, suas edificações e infraestrutura se localizam na área rural do município de Ariquemes, a 13 km da cidade.

A maior parte dos estudantes do Campus Ariquemes é oriunda de outros municípios do Estado, principalmente da região do Território Vale do Jamari . Como suporte aos estudantes, o Campus possui uma residência estudantil masculina, com capacidade de alojar até 100 estudantes.

O Curso analisado, por ser ofertado em período integral, teve a jornada ampliada, com o início das atividades, no período matutino, das 8h05min às 11h40min e das 13h05min às17h30min no turno vespertino, perfazendo um total de 35 (trinta e cinco) horas semanais. O módulo aula corresponde a 55 minutos.

Para garantir os direitos de acesso dos estudantes à educação, com o advento da pandemia de Covid-19, balizados por documentos orientadores nacionais e institucionais, em reunião de colegiado, foi deflagrada a continuidade de atividades de ensino, que teve como suporte principal o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e os recursos de ferramentas como o Google Meet, o WhatsApp, e-mail, dentre outros, que têm como mediação o uso de tecnologias da comunicação e informação com acesso à rede mundial de computadores.

FORMAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL EM UM CURSO INTEGRADO

A organização do currículo institucional na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) traz impregnado o direcionamento de uma política destinada ao atendimento de uma proposta de formação humana, que não perde de vista os interesses hegemônicos do capital.

Dentre os fatores determinantes na elaboração do currículo, a organização “[...] é objeto de regulações econômicas, políticas e administrativas [em que] a política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula, e indiretamente através de sua ação em outros agentes moldadores” (SACRISTÁN, 2000, p. 108-109). Logo, sobre o currículo incidem elementos que demarcam e refletem as contradições conceituais e operacionais, uma vez que, por meio da política educacional, mediada por determinações legais, a matriz curricular é pensada, organizada e direcionada às relações constituídas pelos atos de ensinar e aprender.

O Projeto Político Pedagógico do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio (2018), que trata da conclusão da etapa final da Educação Básica e da formação técnica, tem como aparatos legais, que lhe dão sustentação, a Resolução nº 2, de 30 de janeiro 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

Nos documentos orientadores e normatizadores do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, apresentam-se apontamentos acerca da perspectiva de formação integral a ser considerada no Curso, conforme apresentado na Fig. 1:

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021)

Figura 1 PRINCÍPIOS DA ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO NO CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO NOS DOCUMENTOS NORMATIZADORES E NORTEADORES 

Ao analisar o princípio de formação integral aliado à ampliação da jornada escolar na etapa final da Educação Básica do curso analisado, observamos que as relações estabelecidas entre as variáveis tempo, espaço e relações entre os sujeitos na produção e apreensão de conhecimentos deveriam apontar, em sua centralidade, uma formação humanizadora.

Conforme discorre Ciavatta (2012, p. 84), a formação no Ensino Médio articulada com o Ensino Técnico na mesma instituição deve considerar que “[...] integrar tem o sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso”. Isso implica tratar o processo formativo em uma perspectiva concreta, considerando a realidade objetiva em sua totalidade. Nesse sentido, a integração curricular deve ser vista além de uma necessidade imposta pelo quantitativo de componentes curriculares, com cargas horárias que só podem ser contempladas em dois turnos diários.

A composição curricular em jornada ampliada, conforme afirmam Leclerc e Moll (2012, p. 23), deve considerar que:

[...] as variáveis tempo, com referência à ampliação da jornada escolar, e espaço, com referência aos territórios em que cada escola está situada e aos possíveis itinerários educativos que podem ser traçados desde esses territórios, ajudam-nos a apresentar a questão deste enfoque e o caminho que percorreremos para respondê-la.

A política de articulação e os desdobramentos que ocorrem com o alargamento do tempo escolar na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), para cumprir a função social a que se propõe, deveria ter como premissa que as relações estabelecidas no processo não sejam circunscritas em torno de um currículo engendrado pela lógica da formação de profissionais com uma visão restrita e mercantil. Para Ciavatta (2015, 2015, p. 64), “[...] formação integrada remete ao sentido de aproximação das partes, dos campos de saber, das formas de conhecimentos, das classes sociais.”

Nessa propositura, a ampliação da jornada escolar na EPT deveria ter como foco a ampliação de possibilidades de vivências, oportunizar a compreensão de relações sociais e modificar a postura dos sujeitos frente às relações com o mundo e com o outro.

Para a compreensão do conhecimento proposto pelo currículo prescrito do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, apresentamos, no Quadro 1, a seguir, os componentes curriculares e suas respectivas organizações, assim como a carga horária semanal, total e o quantitativo de horas a ser dedicado ao conhecimento teórico e prático em cada componente curricular:

Quadro 1 COMPONENTES CURRICULARES DO CURSO 

CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO ― CAMPUS ARIQUEMES Aprovada pela Resolução nº 08/CEPEX/IFRO/2018
Carga horária do Curso dimensionada para 40 semanas, com garantia de 200 dias letivos anuais
ITINERÁRIOS FORMATIVOS DISCIPLINAS AULAS SEMANAIS POR ANO LETIVO
1º Ano 2ºAno 3º Ano Horas-Aula
NÚCLEO DA BASE NACIONAL COMUM DO ENSINO MÉDIO Língua Portuguesa e Literatura Brasileira 3 3 3 360
Matemática 3 3 3 360
Física 2 2 1 200
Química 2 1 2 200
Geografia 2 2 - 160
História - 2 2 160
Biologia 2 2 1 200
Filosofia 1 1 1 120
Sociologia 1 1 1 120
Arte - 2 - 80
Educação Física 2 2 2 240
TOTAL 18 21 16 2.200
NÚCLEO DIVERSIFICADO Língua Estrangeira Moderna: Inglês 2 1 - 120
Língua Estrangeira Moderna: Espanhol - 2 1 120
Informática Básica 2 - - 80
TOTAL 4 3 1 320
NÚCLEO PROFISSIONAL Orientação para Prática Profissional e Pesquisa 1 - - 40
Produção Vegetal I 3 - - 120
Produção Animal I 3 - - 120
Solos 2 - - 80
Manejo Fitossanitário 2 - - 80
Mecanização Agrícola 2 - - 80
Legislação e Políticas Agropecuárias - 1 - 40
Produção Animal I 3 - - 120
Construções e Instalações Rurais - 1 - 40
Produção Vegetal II - 3 - 120
Produção Animal II - 3 - 120
Topografia - 2 - 80
Processamento de Alimentos - 2 - 80
Produção Vegetal III - - 3 120
Produção Animal III - - 3 120
Irrigação e Drenagem - - 2 80
Gestão Agropecuária - - 2 80
Extensão Rural - - 1 40
Empreendedorismo - - 1 40
TOTAL 13 12 12 1.480
Núcleo Complementar Prática Profissional 240
Total Geral de aulas por semana 35 36 29 -
Nº Total de Componentes Curriculares a cada ano 17 19 16 -
Carga Horária Anual (Hora-aula) 1.361 1.440 1.199 -
Total geral de aulas por semana 35 36 29 -
CARGA HORÁRIA TOTAL DO CURSO 4.240

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021) a partir da matriz curricular do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio de 2018.

O Curso analisado apresenta, por meio dos itinerários formativos, uma matriz curricular dividida em torno de quatro núcleos: núcleo comum; núcleo diversificado; núcleo profissional; e núcleo complementar.

Os componentes curriculares que fazem parte do núcleo comum são os integrantes das áreas de conhecimentos em conformidade com a Resolução de nº 2, de 2012, referentes às áreas de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas.

O núcleo diversificado da matriz curricular é composto por Informática Básica e pelos componentes curriculares de Língua Estrangeira Moderna, Inglês e Espanhol.

Os componentes curriculares do núcleo profissional e do núcleo complementar estão normatizados pela Resolução de nº 6, de 2012, que definiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio.

Como o curso é organizado em módulos anuais, os componentes curriculares são alocados, na matriz, de acordo com o ano em que são cursados e suas respectivas cargas horárias. De acordo com os componentes curriculares e a carga horária, no 1º ano são trabalhadas 35 aulas semanais; no 2º ano, 36 aulas semanais; e, no 3º ano, 29 aulas semanais. O módulo aula é de 55 minutos. Desse modo, o curso é composto por um total de 4.240 horas-aula.

O ano letivo é composto de, no mínimo, 200 dias letivos, conforme preconiza a LDB nº 9394/96 para a Educação Básica . O Regulamento de Organizações Acadêmicas (ROA), de 2016, prevê que até 20% da carga horária do curso poderá ser ofertada na modalidade a distância. A plataforma que dá suporte às atividades não presenciais (a distância) é o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

A centralidade da organização do currículo prescrito está em torno do que Frigotto (2010, p. 181) menciona como a “[...] educação básica para uma formação abstrata e polivalente [...] é uma demanda efetiva imposta pela nova base tecnológico-material do processo de produção”. Nesse sentido, a proposta de formação na perspectiva da EPT e, no caso específico do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, é resultante da reforma do ensino, com o Decreto nº 5154/2004.

Os componentes curriculares e os conteúdos eleitos para compor o currículo, e que se desdobram na relação de ensino, não são escolhidos por acaso. Há uma engrenagem de articulação política, que (re)estrutura e/ou (re)organiza os elementos contemplados em cada momento. Desse modo, “[...] quando definimos o currículo estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá-la num momento histórico e social determinado” (SACRISTÁN, 2000, p. 15).

A respeito da organização da escola em tempo integral e as dimensões que esta assume na sociedade capitalista, Arroyo (2012, p. 33) aponta que:

Uma forma de perder seu significado político será limitar-nos a oferecer mais tempo da mesma escola, ou mais um turno - turno extra -, ou mais educação do mesmo tipo de educação. Uma dose a mais para garantir a visão tradicional do direito à escolarização. Se pararmos aí, estaremos perdendo a rica oportunidade de mudar o nosso sistema escolar, por tradição tão gradeado, rígido e segregador, sobretudo dos setores populares. [...].

A partir dos pressupostos epistemológicos, filosóficos e sociológicos da educação, o currículo é o veículo que faz a mediação entre as intenções do ensino e sua concretização por meio dos conteúdos a serem trabalhados, que traz em sua essência a concepção de homem, de sociedade e das relações de trabalho. Para Duarte e Saviani (2013), na sociedade capitalista, o conhecimento é um elemento intrinsecamente ligado aos meios de produção e, portanto, torna-se propriedade do capital que determina os modos como será socializado.

Leclerc e Moll (2012, p. 26) trazem a reflexão de que “[...] a ‘integralidade’ da política [...] não se constitui como algo que, por adição, venha alongar um todo que está curto ou compor um todo que existe a priori - nisso consiste o equívoco de se ‘oferecer mais do mesmo’”. No caso analisado, a implementação da jornada ampliada de ensino é vista como uma necessidade para a efetivação da política da EPT, que apresenta, dentre suas contradições, a redução do termo formação integral, um dos princípios de uma proposta humanizadora do ensino escolar, em formação da força de trabalho a serviço do capital.

A ampliação da jornada escolar não se constitui a partir de princípios que têm como premissa a formação dos sujeitos em suas múltiplas potencialidades: intelectual; físico; emocional; e de sociabilidade humana. O viés que direciona a ampliação do tempo escolar se justifica pela ampliação da matriz do Curso, por meio da oferta dos componentes curriculares que compõem o núcleo profissional.

Desse modo, a formação integral apontada pelos documentos normatizadores é reduzida à profissionalização vinculada ao Ensino Médio, abarcando uma visão estreita de homem, reduzida à aquisição de conhecimentos e informações eleitas como necessárias à venda ou à disposição da força de trabalho ao mercado.

DO TEMPO INTEGRAL PRESENCIAL AO TEMPO INTEGRAL VIRTUAL

Os desdobramentos organizativos e a efetivação das ações de ensino, a partir da interrupção das aulas presenciais, em março de 2020, no IFRO, Campus Ariquemes, têm ocorrido mediante dilemas que repercutem em dois âmbitos: da educação institucionalizada e dos sujeitos, enquanto agentes sociais.

Se, por um lado, os esforços institucionais foram concentrados em torno do direito à educação, com ações que envolveram desde a mobilização de servidores e professores para o acompanhamento sistemático aos estudantes, aulas e atividades remotas, disponibilização de recursos financeiros por meio de projetos voltados à permanência e êxito escolar, por outro lado, a realidade concreta dos sujeitos da aprendizagem tornou-se fator limitador e repercutiu nos resultados finais dos estudantes.

Em um contexto em que a ampliação da jornada escolar, em muitas situações, “[...] está diretamente relacionada ao enfrentamento de uma lógica perversa e seletiva que atravessa os sistemas de ensino, estruturados em condições desiguais e participando de modo desigual na distribuição de saberes e de oportunidades” (LECLERC; MOLL, 2012, p. 23), as iniciativas das atividades remotas, mediadas pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), representaram um obstáculo ainda maior para as muitas famílias, estudantes e também para a instituição nesse período.

Os estudantes matriculados no Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio ofertado pelo IFRO, Campus Ariquemes, são oriundos de diversos municípios do estado de Rondônia. O levantamento realizado por meio dos endereços que constam na ficha de matrícula no momento de ingresso apontou que aproximadamente 33% dos estudantes ingressos pertencem à área rural do estado. Um grande contingente desses estudantes deixa seus familiares e passa a residir no município de Ariquemes, no decorrer do curso.

Os resultados de um questionário socioeconômico aplicado pela Reitoria, em 2019 , apontaram que 80,2% dos 293 estudantes matriculados no Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio informaram residir na área urbana, no período em que estavam estudando, conforme dados mostrados na Fig. 2, a seguir:

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021) a partir da análise de informações extraídas dos formulários socioeconômicos dos estudantes (2019)

Figura 2 LOCALIDADE DE MORADIA DOS ESTUDANTES NO DECORRER DO CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA 

Porém, com o advento da pandemia e a suspensão das aulas presenciais, os locais de moradia sofreram alteração. Os aproximadamente 100 jovens do gênero masculino, pertencentes à área rural de Ariquemes e de outros municípios, que antes moravam no residencial estudantil, o qual foi desativado, e os demais jovens que moravam na cidade retornaram para suas famílias nesse período pandêmico.

As ações Institucionais que culminaram na reorganização do tempo escolar, nesse período, abrangeram as dimensões pedagógica, administrativa e financeira. Entretanto, as decisões pedagógicas, assentadas em Portarias e Pareceres emanados pelo Ministério da Educação, pelo IFRO e por deliberações dos órgãos colegiados desta instituição tiveram repercussões na reorganização do tempo e nas relações econômico-sociais.

A Lei n. 14.040, de 2020, aprovada quatro meses após o início da suspensão das aulas presenciais, definiu normas excepcionais a serem implementadas por escolas e universidades, como parte das medidas de enfrentamento à pandemia. Dentre essas normas, estava a reorganização do calendário acadêmico. No caso analisado, houve uma extensão do calendário escolar até março de 2021.

O Quadro 2, a seguir, exemplifica as principais alterações institucionais:

Quadro 2 COMPARAÇÃO ENTRE A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO PRESENCIAL E À DISTÂNCIA 

Durante as aulas presenciais No período da pandemia
Cumprimento de no mínimo 200 dias letivos e a carga horária dos componentes curriculares. Cumprimento da carga horária dos componentes curriculares.
Aulas teóricas e práticas presenciais e atividades com até 20% da carga horária no AVA. Aulas síncronas utilizando ferramentas do Google Meet, WhatsApp. Aulas assíncronas: e-mail e AVA.
Recuperação semestral. Recuperação paralela.
Aulas de componentes curriculares de todos os núcleos ministradas na mesma semana. Alternância a cada 15 dias, entre os núcleos da Base Nacional Comum Curricular e Núcleo diversificado versus Núcleo Profissional.
Formação de professores em serviço organizada a cada semestre pelo Campus. De acordo com a necessidade, por meio de oficinas, palestras, cursos e discussões mediadas pelo Google Meet.
Reuniões entre professores e equipe multidisciplinar definida no calendário do Curso. Reuniões quinzenais para se discutir os problemas.
Acompanhamento da equipe multidisciplinar aos estudantes e famílias, conforme o cronograma e/ou demanda. Acompanhamento quase que diário, por meio de e-mail, ligações telefônicas, WhatsApp.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021) conforme atas e memorandos de reorganizações de ações do Campus, emitidos pelo Departamento de Apoio ao Ensino.

O uso das ferramentas do AVA não foi uma novidade para os professores e estudantes. Entretanto, o redirecionamento e o uso quase que diário da plataforma como suporte para os planos de aulas, vídeos, fóruns, atividades avaliativas, dentre outras funcionalidades, impactou de forma negativa, principalmente aqueles que não dispunham dos artefatos para acesso: o computador e a internet.

Para muitos estudantes, a escola vai além do local físico que frequentam para se apropriarem e partilharem do conhecimento científico. A instituição escolar em tempo integral, para muitos dos jovens do curso - vários deles moradores do residencial estudantil e distantes da família - se torna espaço de referência de relações sociais individuais e coletivas. Os estudantes constroem vínculos de amizade, usufruem de artefatos e espaços coletivos de vários tipos, vivem e convivem.

Nesse sentido, entendemos, conforme nos ensina Algebaile (2009), que:

[...] a materialidade da escola como equipamento de uso coletivo e como lugar de encontro, a cotidianidade de seu uso, sua vinculação implícita ou explícita a outras instituições [...] fazem da escola uma instituição social saturada de significações e dimensões que extrapolam certos limites de sua ‘especialização’ convencional (ALGEBAILE, 2009, p. 41).

Um levantamento feito antes da pandemia sobre o local onde os 293 estudantes do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio tinham acesso ao computador, apontou os resultados sintetizados na Fig. 3, a seguir:

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021) a partir de questionário socioeconômico da Pró-Reitora de Ensino

Figura 3 LOCAL ONDE OS ESTUDANTES DO CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA TÊM ACESSO AO COMPUTADOR 

Desses 293 estudantes, constatamos que 164 (56%) utilizavam o computador em casa. Entretanto, o significativo número de 109 estudantes (37,2%) utilizava o computador no Campus. Outros 20 estudantes (6,8%) utilizavam o computador em outro lugar.

Com o advento da pandemia, os estudantes que não utilizavam o computador em casa (44%) foram os que tiveram maiores dificuldades com o ensino remoto. A Instituição tomou a iniciativa de empréstimos de equipamentos de informática para servidores e estudantes, firmando carta de responsabilidade. No entanto, o número de máquinas disponibilizadas não era suficiente para atender à demanda, e surge a problemática dos desafios para a conexão à rede mundial de computadores.

O acesso à internet em áreas rurais de Rondônia representa uma realidade distante para muitas famílias, o que o dificultou o processo de interações entre os estudantes e professores, a realização das atividades propostas e, por conseguinte, a permanência no curso. A Fig. 4, apresenta um registro de equipamentos existentes no meio rural de Ariquemes, para captar sinal de internet:

Fonte: Arquivo pessoal de Silvana de Fátima dos Santos (2021)

Figura 4 TORRE DA ANTENA E MODEM DE INTERNET INSTALADA NA ÁREA RURAL DO MUNICÍPIO DE ARIQUEMES 

Na Fig. 4, podemos observar a torre, com aproximadamente cinco metros de altura, e o modem instalado próximo ao telhado de um galpão; estes são os equipamentos existentes para se ter acesso e navegar na internet no meio rural. Considerando que muitos dos estudantes se encontram junto às famílias em áreas rurais do estado, as dificuldades de acesso à internet são um empecilho para o acesso às aulas remotas.

Salientamos que os valores cobrados das populações rurais dessa região Amazônica para a instalação de torre com antena, que possibilite a contratação de um provedor, são bastante elevados. Muitas famílias não possuem condições financeiras para custear os gastos. A qualidade da conexão que chega até os usuários é precária e não possibilita o atendimento às demandas requeridas pelas atividades remotas, tais como: assistir aulas síncronas pelo Google Meet; realizar o download de matérias, conteúdos e vídeos; enviar atividades por meio do AVA e/ou e-mail, dentre outras.

Com as medidas preventivas para a Covid-19, especialmente a permanência das famílias em casa, também os jovens que residem na área urbana, muitas vezes com dois ou três estudantes na mesma casa, se deparam com demandas por conexões à internet e por equipamentos para a realização das atividades remotas, que não podem ser atendidas.

Vale esclarecer que os estudantes do curso têm uma carga horária elevada e em dois turnos, mesmo nas atividades remotas. Devido às inúmeras aulas e atividades, que ocupam aproximadamente oito horas diárias, manter-se on-line em tempo integral é para poucos. Além disso, há que se considerar a condição de estafa a que esses jovens são submetidos. Segundo Arroyo (2012, p. 33), “[...] se um turno já é tão pesado para tantos milhões de crianças e adolescentes condenados a opressivas reprovações, repetências, evasões, voltas e para tão extensos deveres de casa, mais uma dose do mesmo será insuportável”. A essa assertiva somam-se os fatos de precariedade e/ou inviabilidade do acesso à internet.

Acrescentamos que, nesse período pandêmico, muitos jovens assumiram a responsabilidade com os cuidados de irmãos mais novos, afazeres domésticos e auxílios para o provimento financeiro da família. Desse modo, a necessidade de sobrevivência se entrelaça à responsabilidade pelo sucesso escolar. O ensino e a aprendizagem foram colocados em tão más circunstâncias, que o processo se torna uma negação do direito à educação, marginalizando, ainda mais, aqueles que mais carecem de acesso ao conhecimento.

Nesse contexto, o IFRO desenvolveu também outras ações, como as publicações de editais para auxílio à permanência, conforme demonstra a Fig. 5:

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021)

Figura 5 EDITAIS DE AUXÍLIO DA INSTITUIÇÃO 

Embora haja a iniciativa da instituição, por meio de editais de auxílio e distribuição de alimentos, com o intuito de garantir o direito de acesso ao conhecimento nesse período de pandemia, o número de estudantes contemplados não representa a dimensão da carência, pois os candidatos esbarraram em obstáculos que vão desde a falta de informação sobre a existência dessas iniciativas, até as más condições para a realização de inscrições on-line.

No cenário caótico imposto pela pandemia e pela falta de políticas federais adequadas para o combate ao vírus e para o enfrentamento da situação emergencial, as desigualdades sociais se tornam, ainda mais, condições limitadoras para o acesso dos estudantes ao ensino. A invisibilidade da carência financeira e material de muitos estudantes que não têm acesso aos artefatos e tecnologias de suporte, interação e disseminação do conhecimento é o retrato de uma sociedade que naturaliza a desigualdade. As iniciativas para minimizar os problemas ocorrem a partir de uma concepção idealista de educação e de sociedade, para a qual os problemas e as desigualdades sociais são abstratos e podem ser superados pelo esforço individual.

OS IMPACTOS DA PANDEMIA

O Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio no Campus Ariquemes, no ano de 2020, teve quatro turmas de alunos ingressantes no 1º ano, três turmas de 2º ano, e duas turmas de 3º ano. Entretanto, as maiores dificuldades e impactos do cenário pandêmico recaíram sobre os alunos mais jovens, do 1º ano. Os estudantes ingressantes não tiveram tempo de conhecer a Instituição, seus espaços físicos e organizacionais. A socialização com colegas, professores e equipes de assistência estudantil e pedagógica também foi prejudicada. A interrupção das aulas presenciais, em março de 2020, fez com que os ingressantes de outros municípios retornassem para suas casas, em locais diversos e difusos do estado, com a necessidade de darem continuidade aos estudos de modo remoto.

O acompanhamento da participação dos estudantes na realização das atividades pelo AVA e aulas virtuais mediadas pelo Google Meet tem sido feito pela equipe de assistência estudantil do Campus, que dispõe de dois assistentes sociais, uma orientadora educacional, uma psicóloga, dois enfermeiros e cinco assistentes de alunos, além da equipe pedagógica composta por pedagogos e técnicos em assuntos educacionais que dão assessoramento ao desenvolvimento das atividades propostas pelos professores, Direção de Ensino e Coordenações de Cursos.

Constatada a ausência do estudante no AVA e nas aulas virtuais por 15 dias consecutivos, a equipe de assistência estudantil realiza a tentativa de contato com a família, por meio de telefone ou e-mail. Entretanto, os registros demonstram que um dos empecilhos enfrentados pelos profissionais é a falta de efetivação do contato, ocasionada pela frequência de mudança de operadora telefônica pela família, que não atualiza as informações junto à Instituição ou não responde ao e-mail.

Os resultados finais do ano letivo de 2020, finalizado em março de 2021, mostrou um alto índice de insucesso escolar dos ingressos no Curso, conforme apresentamos no Gráf. 1:

Fonte: Elaborado pelas autoras (2021), a partir das fichas de matrícula, atas do conselho de classe e ata de resultados finais

Gráfico 1 RESULTADOS FINAIS DOS(AS) ESTUDANTES MATRICULADOS(AS) NO 1º ANO DO CURSO TÉCNICO EM AGROPECUÁRIA INTEGRADO AO ENSINO MÉDIO REFERENTE AO ANO LETIVO DE 2020 

Dos 126 estudantes que ingressaram no Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, em 2020, apenas 54 deles (43%) obtiveram a aprovação total. Outros seis estudantes (5%) obtiveram aprovação parcial. Dentre os estudantes que participaram de uma ou outra atividade, mas que estiveram a maior parte do tempo ausentes e, portanto, não concluíram o ano letivo, somam-se 43 estudantes (34%). O índice de retenção foi de 8%, enquanto os estudantes que solicitaram transferência da Instituição representaram 5% dos ingressos.

Ao discutir o espaço escolar como direito social, Telles (1999, p. 61) afirma que “[...] a perda do espaço público significa a perda dessa condição de igualdade que apenas a liberdade pública pode construir. Excluídos e privados desse espaço, os homens ficam fixados na sua diferença.”

Pesquisa realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC.BR) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.BR), em 2021, apresentou uma investigação acerca dos impactos da pandemia relacionada ao uso da rede de internet pelos brasileiros. Segundo o CETIC.BR (2021, p. 82), os dados apontam que:

Entre as regiões do país, os usuários da Região Norte foram os que mais reportaram o acompanhamento das aulas ou atividades por meio de materiais impressos (37%) e de transmissões em canal de televisão (21%) e os que reportaram em menor proporção o uso de aplicativos da escola, universidade ou da Secretaria de Educação (44%) e de website, rede social ou plataforma de videoconferência (52%).

Em relação às atividades remotas, observamos que inúmeras exigências recaíram sobre os docentes e as equipes de suporte pedagógico e de assistência estudantil. No entanto, por maior que tenham sido a dedicação e a disponibilidade desses profissionais, as principais demandas requeridas pelos estudantes encontram-se na estrutura mesma do sistema e, ainda, agravadas em meio às tensões e contradições que eclodiram na realidade concreta da pandemia.

Os resultados escolares apontam que tratar de modo igual os sujeitos submersos em condições materiais e de vivências diferentes é decepar as possibilidades de uma parcela significativa de estudantes.

CONCLUSÃO

Acerca dos princípios que norteiam o Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, pudemos constatar que a formação integral, prescrita por documentos que norteiam e orientam a organização curricular, é um fetiche. No caso estudado, a ampliação da jornada escolar, para atender às disposições legais, foi elevada para abarcar cargas horárias de até 36 horas-aula semanais. Se em condições normais o rol de atividades e o cumprimento da carga da horária exigem grande esforço de docentes, equipes e estudantes, em situação emergencial as condições se complicam.

A pandemia de Covid-19 e a falta de políticas adequadas do governo federal para enfrentar a situação estão impondo muitas dificuldades para todas as camadas sociais. Entretanto, seus impactos estão sendo ainda mais devastadores para a parcela da população mais pobre.

Nesse contexto, o deslocamento do cumprimento da carga horária por meio de atividades remotas on-line ou virtuais, da forma como está sendo realizada, não representa a garantia do direito à educação e à produção do conhecimento para os jovens ingressos no Curso Técnico Integrado em Agropecuária.

A falta dos artefatos tecnológicos necessários e de recursos financeiros das famílias no sentido de atender às demandas estudantis para acompanhar o curso apareceu como sendo o principal problema que levou ao insucesso escolar. No que tange à escolarização dos filhos da classe trabalhadora, a interrupção das aulas presenciais nas escolas estatais do Território Vale do Jamari acirrou a disputa nas moradias por tempo, espaços e condições materiais para a participação em aulas e realização de atividades remotas.

Neste período, desvelou-se que a chamada sociedade da informação, caracterizada pela crescente demanda de uso tecnológico, se refere a uma parcela da população imersa em um contexto privilegiado, em comparação ao contingente de estudantes com mais de 16 anos que não tem acesso à internet ou utilizam uma internet de má qualidade para a realização das atividades remotas.

Outro desvelamento da pandemia é a desigualdade e a vulnerabilidade sociais a que os estudantes estão expostos. As desigualdades de condição de acesso às tecnologias digitais atreladas às outras atribuições desenvolvidas pelos estudantes durante a pandemia, como os cuidados com a casa, dos irmãos mais novos, a necessidade de auxílio no trabalho junto à família ou a busca por um emprego são fatores que recaem sobre os resultados escolares de um ensino que exige tempo integral para a realização das atividades e participação nas aulas.

Desse modo, os tempos, espaços e vivências escolares ainda são fatores que contribuem para a garantia de acesso ao conhecimento e consecução do direito à educação.

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Recebido: 03 de Maio de 2021; Aceito: 08 de Julho de 2021

Silvana de Fátima dos Santos Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Mestra em Educação, Pedagoga, Técnica em Assuntos Educacionais no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO)

Neusa Maria Dal Ri Professora Associada Livre-Docente III da Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marília. Líder do Grupo de Pesquisa Organizações e Democracia e editora do periódico ORG&DEMO Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFC, Campus de Marília Bolsista PQ do CNPq nivel 1 D

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