O professor é importante em todos os lugares, até no hospital.
A. R., 5 anos, criança hospitalizada no HUUFMA- 2017
Introdução
O processo de inclusão avança com o ideal de promoção igualitária do acesso à educação, tecnologia, entre outros. Ele se destaca por tratar de algo contemporâneo e instigante que desencadeia mudanças estruturais no âmbito social, político e cultural. A escola não se distancia desta realidade porque se responsabiliza por escolarizar pessoas, porém, quando este espaço não consegue ser alcançado por conta da diversidade vivenciada por seu alunado é preciso demonstrar soluções para que o processo de escolarização não se finde.
Dentre as buscas de soluções, tem-se o atendimento escolar em diversos espaços, dos quais, o ambiente hospitalar é um deles, daí surge uma nova proposta de trabalho. Nesta perspectiva, o profissional que atua no atendimento escolar com crianças e adolescentes hospitalizados, ou seja, aqueles que estão nas séries iniciais do Ensino Fundamental, é o pedagogo, cuja legislação que fundamenta tal prática está nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, em seu artigo 5º, inciso IV (BRASIL, 2006).
Esta assertiva aponta para as discussões a respeito do processo de inclusão social, ademais as políticas educacionais no tocante à formação deste profissional deve preocupar-se com o princípio da igualdade de direito, garantindo o acesso à educação e também à permanência destes indivíduos em se desenvolverem como sujeitos intelectual e social.
É no tocante a formação inicial do pedagogo, que este debate suscita ações de extensão universitária que visam minimizar o distanciamento da criança hospitalizada com a escola e abertura de novas frentes de trabalho a este profissional. Neste estudo, aponta-se a experiência do projeto de extensão “Estudar, uma ação saudável” desenvolvido pelo Curso de Pedagogia, na Universidade Federal do Maranhão.
Este artigo tem por objetivo compreender os avanços e limites do atendimento escolar hospitalar no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão-HUUFMA, percepção apreendida na formação inicial do pedagogo, para tanto pauta-se na abordagem qualitativa de pesquisa, por se tratar de investigar um recorte da realidade. O estudo se subsidiou em documentos legais como Resolução nº 41 do CONANDA(BRASIL, 1995), e em autores como Rabelo (2014), Fonseca (1999, 2008), Ceccim (1999), Taam (2004) entre outros. A coleta de dados envolveu a observação participante e buscando obter o máximo de informações sobre o objeto da pesquisa, usou-se da entrevista semiestruturada (YIN, 2010), com as alunas do curso de Pedagogia, que eram bolsistas e voluntárias.
Atuação docente no hospital: Formação e prática
A inclusão educacional deve alcançar quaisquer sujeitos, inclusive àqueles que estão nos espaços não escolares, impedidos de alguma forma a adentrarem na escola regular, seja em prisões ou em hospitais. Neste sentido, a escola regular torna-se de maneira diferenciada para alcançar o direito à educação. Para Rabelo (2014) dá-se ênfase a um novo modelo de escola, aquela em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde “os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por processos de identificação e remoção de barreiras para a aprendizagem”(GLAT, 2007, p.16). Nesse sentido, as crianças e adolescentes hospitalizados tornam-se provocadas a romper barreiras e adentrar em outro espaço: o da escola, materializada pelas ações pedagógicas, as quais levam a esses meninos e meninas, os conhecimentos socialmente valorizados e o resgate do ser aluno tolhido pela internação.
Para ao alcance de tal ação, a formação do pedagogo não pode se distanciar deste feito, portanto, é necessário evidenciar em seu currículo, discussões que efetivam esta prática, uma vez que estão fundamentada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para este curso, quando apontam:
Art. 4º - O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se à formação de professores para exercer funções de magistério na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.
Parágrafo único. As atividades docentes também compreendem participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, englobando:
II- planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de projetos e experiências educativas não-escolares.
Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:
IV - trabalhar, em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo (BRASIL, 2006, p. 02, grifos nossos).
Esta legislação marca os desafios da contemporaneidade na atuação do pedagogo, alcançando além dos espaços escolares, e porque não citar as crianças que estão fora da escola, muitas vezes marginalizadas e até hospitalizadas.
Observa-se então, que o curso referenciado pode oportunizar práticas pedagógicas em ambientes diversos, transcendendo as paredes da escola regular. Instituído e subsidiado legalmente o exercício da docência em espaços não escolares, inicia seu desenvolvimento a partir da ruptura com a ideologia de que o espaço do pedagogo é somente na escola (LIMA; SILVA; SANTOS, 2014).
No tocante a atuação do pedagogo na sociedade, deve-se ter uma visão holística, ou seja, compreende-se que a educação “abrange todos os processos de formação dos indivíduos, de modo que, toda troca de saberes se constitui como uma prática educativa e pode se desenvolver nos mais variados ambientes sociais” (GOMES; SILVA; SILVA, 2011, p. 1).
Visando acompanhar esse movimento, o Curso de Pedagogia e o pedagogo devem se transmudarem, remodelarem-se, para adaptar-se ao modelo social, estruturando-se de acordo com os ambientes sociais, seja em espaços escolares ou espaços não-escolares.
O debate sobre a ação docente nestes espaços, situou-se na compreensão de educação formal, não-formal, informal, em que tais conceitos para Gohn(2006, p. 29), se constituem em:
Na educação formal, entre outros objetivos destacam-se os relativos ao ensino e aprendizagem de conteúdos historicamente sistematizados, normatizados por leis, [...]. A educação informal socializa os indivíduos, desenvolve hábitos, atitudes, comportamentos, modos de pensar e de se expressar no uso da linguagem, [...]. Trata-se do processo de socialização dos indivíduos. A educação não- formal capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo, no mundo. Sua finalidade é abrir janelas de conhecimento sobre o mundo que circunda os indivíduos e suas relações sociais. [...].
Na superação deste debate, Moura e Zucchetti (2010, p.632), afirmam sobre a educação não escolar evidenciar-se em processos e procedimentos que contam com a presença do professor, metodologia definida, mecanismo de avaliação interna e externa, situações essas que por vezes até lhes visam conferir um caráter oficial, por isso a necessidade de avançar nesta discussão, para não centrar-se prioritariamente em delimitar o campo do que é formal e não formal e parecer que seu conceito baseia-se apenas no espaço que a caracteriza. Ghanem e Trilla (2008) também inferem, que a educação não escolar supera o entendimento do “lugar”, e o foco é a educação permanente, em que as pessoas podem educar-se sempre. Isto não pode ser marcado pelo âmbito escolar ou não escolar, pois a ideia de educação permanente exige disponibilidade de muitos outros recursos educacionais, além dos escolares, e envolve situações de formação contínua, educação de adultos, educação ao longo da vida.
Logo, o atendimento escolar no espaço hospitalar referencia uma educação voltada à cidadania e revela a ligação intrínseca com a escola, cuja prática educativa envolve conteúdos escolares para as pessoas “excluídas” do sistema formal de ensino: as crianças, adolescentes, jovens e adultos hospitalizados, o que demanda a busca por inclusão social e com prática diferenciada, pois:
O fazer pedagógico no espaço não escolar está diretamente relacionado às atividades que envolvem trabalho em equipe, planejamento, formação pessoal, orientação, coordenação, sendo que o objetivo principal desse fazer está direcionado às transformações dos sujeitos envolvidos na prática pedagógica (NASCIMENTO, et al, 2010, p 63).
Assim, a formação do pedagogo para atuar em espaços não-escolares como, empresas, presídios, hospitais, museus, entre outros, exige a existência de saberes e fundamentos teóricos que possibilitem a imersão crítica e análise reflexiva sobre o perfil do ambiente e indivíduos neles presentes.
Na estrutura curricular do curso de Pedagogia, a formação deste profissional deve contemplar um núcleo de estudo, em que saberes e conhecimentos específicos objetivam a aprendizagem nos espaços não escolares, por se remeter as suas peculiaridades, diferentes das instituições de ensino regulares, uma vez que já está legitimado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, apontadas neste texto.
Consequentemente, o pedagogo em formação deverá ter acesso a uma visão sobre espaços não-escolares, enfocando o papel do pedagogo nos mesmos, visando oferecer a esse profissional um olhar para as diversas possibilidades existentes no exercício de sua função.
Faz-se presente assim, um novo perfil de pedagogo para atuar nos mais variados espaços da sociedade, sendo um deles: o hospitalar, que pode oportunizar às crianças e adolescentes internados, atividades escolares, estabelecendo conexões com o mundo escolar. Daí, o atendimento escolar neste ambiente se apresenta como uma estratégia diferenciada, ou seja, a de alterar o dia-a-dia da internação destes sujeitos e proporcionar uma maior humanização e interação social, assim como dar continuidade ao aprendizado dos conteúdos escolares vedados com a internação, visto que durante a infância e a adolescência, tanto um quanto o outro estão construindo e reconstruindo saberes no espaço escolar, pois segundo Matos e Mugiatti (2007, p. 28):
[...] a criança e o adolescente, nessa fase, se encontram em pleno período de aprendizagem, que estão eles ávidos por novidades, essas operadas pela observação, experiência e comunicação, elementos constitutivos da aprendizagem em condições permanentes.
Indubitavelmente, a ruptura da rotina escolar produz desconfortos e pode prejudicar os estudantes na sua volta à escola e quiçá até motivar o afastamento definitivo dela. Por isso, as intervenções do pedagogo nas atividades pedagógicas realizadas no hospital podem promover o bem-estar e impedir entraves no desenvolvimento intelectual das crianças enfermas, provocando ainda a possibilidade de retorno às salas de aula das classes regulares de ensino.
Há, portanto, uma necessidade legal de inserção de classes escolares em espaços hospitalares como forma de garantir o direito à educação, isto já está previsto na alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), pela Lei 13.786 de 24 de setembro de 2018, que diz:
Artigo 4º - É assegurado atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica internado para tratamento de saúde em regime hospitalar ou domiciliar por tempo prolongado, conforme dispuser o Poder Público em regulamento, na esfera de sua competência federativa (BRASIL, 2018, p.1).
Este dispositivo já havia sido determinado desde o ano de 1995, pela Resolução nº 41 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), no item 9, onde diz que a criança hospitalizada tem o “Direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do curriculum escolar durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995, p.1). Nesse contexto, o Ministério da Educação criou em 2002, o documento que trata da Classe Hospitalar e Atendimento Domiciliar, determinando um perfil docente para exercer o cargo neste ambiente, em que:
O professor deverá ter a formação pedagógica preferencialmente em Educação Especial ou em cursos de Pedagogia ou licenciaturas, ter noções sobre as doenças e condições psicossociais vivenciadas pelos educandos e as características delas decorrentes, sejam do ponto de vista clínico, sejam do ponto de vista afetivo (BRASIL, 2002, p. 22).
Esse profissional deverá possuir conhecimentos específicos da realidade e condição das crianças e adolescentes internados, necessários para o desenvolvimento de sua função porque poderá enfrentar desafios e situações que exigirão conceitos clínicos sobre enfermidades, rotina e técnicas utilizadas no hospital, por isso a importância deste debate está incluído na formação inicial do pedagogo.
Alguns autores como Fonseca (1999) e Ceccim (1999), afirmam que o docente deve possuir a “destreza”, ou seja, conhecer e compreender a realidade do educando e a partir desse ponto, iniciar sua intervenção, relacionando seus conhecimentos pedagógicos, centralizando-se no desenvolvimento e na aprendizagem da criança, respeitando a sua condição, o que denota uma prática desafiadora.
Este desafio é notório, pois a intervenção docente é o prelúdio do desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, que contribui para a formação dos indivíduos, além de causar transformação nas relações e comportamentos dos membros da sociedade. Portanto, proporcionar um atendimento pedagógico no hospital não é transplantar a escola para o hospital, mas desenvolver modelos de intervenção pedagógica que levem em conta as características do ambiente hospitalar e da posição existencial da criança real (TAAM, 2004).
As atividades pedagógicas no hospital devem ser pensadas considerando o seu público alvo, ou seja, as crianças enfermas que frequentam a classe hospitalar e que em sua maioria diferem de idade, série e ano escolar. Tem-se assim, um desafio para esse espaço, em que compreende-se que o currículo adotado neste espaço deva ser flexibilizado, atendendo assim, todas as crianças e adolescentes permitindo que sejam incluídas no processo ensino-aprendizagem.
Deve-se levar em consideração no planejamento do pedagogo, os interesses e conhecimentos que as crianças possuem, sendo assim, a atuação deste profissional na classe hospitalar tem como foco não,
[...] apenas manter as crianças ocupadas. As crianças estão crescendo e se desenvolvendo estejam ou não no hospital. O professor está lá apenas para estimulá-las através do uso de seu conhecimento das necessidades curriculares de cada criança (WILLES, 1987, p. 23, apudSOUZA, 2011, p. 261).
As relações estabelecidas dentro do hospital entre o professor e as crianças/adolescentes, possibilitam compreender as dificuldades e limites delas, facilitando assim, a tomada de decisão que o docente terá que fazer, no tocante aos conteúdos trabalhados, ao percurso metodológico e aos materiais utilizados.
Além de estabelecer uma relação com a criança, deve também relacionar-se com os profissionais que a assistem e com o seu acompanhante trocando informações e percepções que propiciem uma melhor adaptação a essa realidade que lhe foi posta, minimizando medos, traumas e estresses, permitindo assim, que a mesma expresse seus sentimentos e possa buscar seu bem-estar. Logo, a atuação do pedagogo dentro do ambiente hospitalar preza primeiramente pela aprendizagem e desenvolvimento da criança, levando em consideração suas limitações físicas e dificuldades que aparecer (FONSECA, 2008).
Desse modo, as classes hospitalares têm como foco a potencialização de capacidades e habilidades dos sujeitos hospitalizados, buscando sempre a valorização da sua escolaridade como sujeito de direito à educação. O professor dentro deste ambiente é um mediador, que através de suas estratégias permite que as crianças e adolescentes, jovens ou adultos possam se sentir bem nesse espaço e dispostas a participar das atividades e interagir com os outros, então a prática deve possibilitar que tenham vontade de participar da classe hospitalar e consigam aprender, respeitando sempre as condições e limites de cada um (FRANCO; SELAU, 2011).
Em se tratando da criança e/ou adolescente hospitalizados, lembra-se que estes se encontram em uma condição especial, porque estão enfermos e cuidando de sua saúde, passando por tratamentos, fazendo uso de medicamentos, exames, entre outros procedimentos, por isso podem ter dificuldade para se concentrarem nas aulas e no desenvolvimento das atividades. Tendo isso em vista, Souza (2011, p. 261) aponta que:
O papel do pedagogo/educador, [...], é oportunizar à criança situações e espaços diversificados, orientados para promover aprendizagens significativas que contribuam para garantir a continuidade do seu processo de desenvolvimento e aprendizagem e ao mesmo tempo criar formas de lidar com o tempo e as situações de forma mais prazerosa, ou menos sofredora.
O caráter destacado pela autora é o prazer em detrimento do sofrimento, tendo em vista que cotidianamente, a criança/adolescente por vezes se encontra suscetível a situações de vulnerabilidade, fragilidade, padecimento e insegurança. O trabalho desenvolvido pelo pedagogo no atendimento escolar hospitalar necessita então, se apresentar como uma prática educativa e estimuladora, proporcionando acesso a conhecimentos acumulados historicamente. Deve assim desprender-se da conotação referente à promoção de assistência ou cuidado, pois essa ação de ensinar transcende essas fronteiras (OLIVEIRA; LIMA, 2014) porque o objetivo é favorecer à criança, o acesso a educação no período em que está internada, facilitando sua adaptação na escola quando posteriormente retornar a suas atividades (FONSECA, 2008) e dar continuidade ao seu processo de escolarização.
Percebe-se a complexidade de um atendimento escolar no hospital, pois leva em conta todos os elementos já citados no texto, por isso a importância de se efetivar práticas neste contexto ainda na formação inicial para que, a exemplo do pedagogo, possa vivenciar situações divergentes do contexto educacional regular e avançar para novas frentes de trabalho.
Atendimento escolar hospitalar: concepções de alunas/professoras
Como já anunciado a formação de professores precisa atentar para as demandas do processo de inclusão educacional em espaços não escolares. Este estudo traz o debate do atendimento escolar hospital no contexto da formação inicial do pedagogo, por isso se baseia numa perspectiva de abordagem qualitativa porque atenta para uma realidade e permite:
[...] a compreensão do cotidiano como possibilidades de vivências únicas, impregnadas de sentido, realçando a esfera do intersubjetivo, da interação, da comunicação e proclamando-o como espaço onde as mudanças podem ser pressentidas e anunciadas (GHEDIN; FRANCO, 2011, p.61).
Nesta compreensão, o contato com a realidade é fundamental e a análise recai sobre o projeto de extensão “Estudar, uma ação saudável”, desenvolvido no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão, vinculado ao curso de Pedagogia desta universidade e classifica-se como um estudo de caso, uma vez que este segundo Yin (2010), se insere num foco de interesse e precisa ser um fenômeno contemporâneo e esteja ocorrendo numa situação de vida real.
Por se tratar de um fenômeno que esteja ocorrendo, os dados foram gerados pela técnica da Observação Participante e da Entrevista Semi-estruturada, pois esta induz ao pesquisador que “[...] ser bom ouvinte significa ser capaz de assimilar grandes quantidades de novas informações imparcialmente” (YIN, 2010, p. 96). Como bom ouvinte, nesta técnica, não se pode perder de vista o foco do estudo e o tipo de informação que se busca.
Os sujeitos da pesquisas foram três alunas do Curso de Pedagogia, participantes do referido projeto de extensão, atuantes como bolsistas e voluntárias, que serão denominadas neste texto de B1, B2 e V1.
A ação docente no hospital é complexa até para um pedagogo que já tenha concluído sua graduação, quiçá para aqueles que estão processo de formação inicial. Os desafios desta ação precisam ser visualizados pelas alunas/professoras, para tanto foi preciso conhecer o que pensam sobre este tipo de atendimento, cujas respostas demonstraram como um “espaço novo de atuação” (B1), “ o aprofundamento sobre o tema se deu nas reuniões de estudos do projeto” (B2) e a “experiência da ação serviu para a formação, pois o currículo do curso não proporciona nenhuma disciplina que atenda esta demanda” (V1).
As alunas/professoras têm ciência da necessidade de um debate sobre o tema na formação inicial, pois reconhecem que o campo de atuação do pedagogo está ampliado e o ato de ensinar no hospital possui peculiaridades diferentes do contexto da escolar regular, além do mais, deve-se problematizar a docência, uma vez que esta não é neutra, não se restringe apenas ao conteúdo, é intencionalizada na relação com um sujeito aluno, por isso é “[...] didático-pedagógica e, acima de tudo, compreensão da política educacional na qual tal prática se insere” (LIMA, 2001, p.143)
Assumir a tarefa de ensinar no hospital demanda responsabilidade com a formação e em se tratando de educação não escolar é preciso romper algumas barreiras, especialmente as amarras da educação como uma prática eminentemente escolar. Com isso, podem-se explorar outros cenários que vislumbrem a possibilidade da educação se constituir como um elo entre o sujeito e o mundo. Diante disso, destaca-se a importância da extensão universitária na formação inicial acadêmica dos pedagogos, pela possibilidade que essas experiências oferecem para a promoção e ampliação da atuação deste profissional (RABELO, 2014).
Sabe-se que o ambiente hospitalar possui características e rotina próprias e que o pedagogo deve adaptar a sua prática às mesmas. Visando a compreensão do desenvolvimento das atividades pedagógicas, perguntou-se sobre a rotina das ações desenvolvidas no projeto Estudar, uma ação saudável, as docentes assim descreveram:
Após o lanche das crianças começamos as atividades na brinquedoteca, chamamos as crianças em seus leitos para participarem das atividades, essas são voltadas para leitura e escrita, e sempre buscamos conciliar tais práticas com o que observamos no dia a dia das crianças internadas. (B1)
Começamos nossas atividades após o lanche, às 9h30. Mas antes passamos nos leitos para convidar as novas crianças, as que não conhecem a Brinquedoteca, a participar das atividades. E motivamos as que já conhecem a continuarem indo. Com relação às atividades desenvolvemos todas as atividades possíveis das diversas disciplinas. Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História, Arte, etc. (B2)
Rodas de conversa com as crianças, e ouvi-las sempre que quiserem falar, pois é a partir daí, que vamos identificando possíveis problemas, e recebendo o retorno positivo e negativo de nossas ações. Explicações e aplicações de atividades, com temas variados e adaptadas para as diversas faixas etárias que recebemos, sempre levamos mais de uma atividade para que todos possam se sentir incluídos e participem. (V1)
B1 e B2 ressaltam que o atendimento escolar inicia-se depois do lanche, primeiramente tem-se o momento de motivação que acontece com as visitas aos leitos, estimulando-as a participarem das atividades, além de identificarem quem recebeu alta e quem continua internado. É crucial para o desenvolvimento da criança, que ela se interesse e se sinta segura em conhecer e participar do atendimento escolar hospitalar, para que aconteça a relação estabelecida entre a escola e o aluno, tolhidos pelo ato da hospitalização. Esta relação deve ser pautada em confiança e se transcorrer a partir de diálogos, ou seja, conhecer quem é aquele sujeito e compreender seus anseios e angústias.
Pela observação participante, percebeu-se que diariamente, as visitas médicas, os exames e outros procedimentos acontecem em sua maioria, no horário da manhã, por isso nesse período, é necessário que haja uma harmonia entre as atividades médicas e o atendimento escolar hospitalar. Após esses procedimentos, as crianças se alimentam e assim podem adentrar ao espaço pedagógico, que no hospital pesquisado, acontece na sala da Brinquedoteca Hospitalar. Para o docente atuante no ambiente hospitalar é importante “ter um bom conhecimento da rotina do hospital facilita tanto o trabalho da escola hospitalar como um todo quanto o planejamento do professor” (FONSECA, 2008, p. 45).
Visando proporcionar, da melhor maneira, condições propícias para que haja aprendizagem significativa, o professor deve refletir sobre sua prática, assim como destaca B1, salientando que no decorrer das atividades, possa analisar o desenvolvimento de cada criança de forma crítica, observando a participação, o comportamento das crianças/adolescentes e também sua interferência como aluna/professora, em que de acordo com o que foi observado fará modificação em suas atividades propostas. Neste sentido, compreende-se que tal reflexão sobre as relações vivenciadas na sala servirão como base para o aprimoramento do trabalho pedagógico.
A partir da observação da prática de B1, B2 e V1, pode-se perceber que a mesma se divide em momentos conforme apontado por elas, em que há o convite nos leitos para participação das atividades. Após esse período as alunas/professoras esperam as crianças na sala, onde acontece a aula. O próximo momento é a roda de conversa que se caracteriza por “um espaço de partilha e confronto de ideias, onde a liberdade da fala e da expressão proporciona ao grupo como um todo, e a cada indivíduo em particular, o crescimento ‘na compreensão dos seus próprios conflitos’" [...] (ANGELO, 2006, p. 5, grifo do autor).
Compreende-se que a troca de informações, experiências e sentimentos é crucial para o desenvolvimento de cada criança/adolescentes, que além de propiciar a oralidade (verbalizando aos demais o que sente e pensa), possibilita aos mesmos, permitir-se participar de uma das atividades pedagógicas, se percebendo como sujeito ativo nesse processo de aprendizagem (SANTOS; FARAGO, 2015).
Nesse atendimento há também o desenvolvimento de atividades das diversas áreas de conhecimento, como aponta B2, tendo como foco as duas habilidades descritas por B1, a leitura e escrita. De acordo com Rabelo (2014, p. 107), que desenvolveu uma pesquisa sobre o projeto:
O foco do projeto de extensão iniciou-se com a leitura e a escrita porque antes de iniciar as atividades no hospital foi feito um levantamento com as crianças através de uma ficha perfil [...] que constatou uma quantidade expressiva de crianças com dificuldades de leitura e escrita.
Buscando enfrentar as dificuldades vivenciadas pelas crianças participantes do Projeto “Estudar, uma ação saudável”, foi pensado em uma prática que interviesse exatamente nessas competências, tendo como foco a superação desse obstáculo.
Deve-se ter em mente que a classe hospitalar enfoca a continuidade no processo de aprendizado iniciado na escola regular, que nos anos iniciais abrange a apropriação da língua materna, relacionando com disciplinas diversificadas, ou seja, promove o desenvolvimento do processo de escolarização através da interdisciplinaridade.
Ainda pela observação participante o foco na leitura e na escrita acontece a partir de atividades que envolvem diálogos e contações de histórias (potencializando a oralidade), produções artísticas (explorando técnicas diferenciadas, como mosaico, estilo grafite, origami, desenvolvendo a coordenação motora), entre outras que permitem a criança apropriar-se dos conhecimentos de maneira lúdica. V1 aponta que existem na sala, crianças de diferentes idades e nível de desenvolvimento, logo, a prática proposta pela aluna/professora deve possibilitar a participação e interação de todos, por isso o uso de atividades diversificadas.
Com o intuito de compreender os desafios existentes no espaço hospitalar, foi perguntado sobre as dificuldades e limitações vivenciadas no cotidiano hospitalar, B1 destaca a necessidade de uma proposta que atenda as peculiaridades momentâneas da criança, promovida pela hospitalização, ou seja, “é preciso respeitar a patologia do paciente”, contudo lidar com o diagnóstico da criança requer conhecimentos específicos e que o supera no diálogo com os profissionais da saúde, relata B2. Um grande desafio destacado por V1 é o tempo da aula, pois as atividades devem começar e terminar no mesmo dia, sem falar na separação com as crianças/adolescentes advindas da alta ou da perda, “já passei por duas perdas, uma me abalou muito, pois eu era próxima a criança, e só soube que ela veio a óbito, meses depois, isso é triste”.
Os desafios apontados pelas aluna/professoras denunciam uma prática diferenciada de ser professor, por conta do sujeito/aluno está em condições especiais e o espaço ser divergente da escola, contudo, vale lembrar que este sujeito tem direitos e o acompanhamento educacional no período de internação é um direito da criança, conforme reza a Resolução 41 (BRASIL, 1995), a reformulação da LBDEN(BRASIL, 2018)) e o documento do MEC, Classe Hospitalar e Atendimento Domiciliar (BRASIL, 2002), e tais dispositivos legais ainda não são alcançados em todos os hospitais, apesar de existirem atividades esporádicas desenvolvidas em Brinquedotecas Hospitalares sem cunho educacional, apenas terapêutico, o que minimiza o sofrimento reverberado pela hospitalização. Estas atividades são diferenciadas do projeto aqui investigado, que apesar de não ter ligação com as escolas de origem, desenvolve atividades escolares voltadas a minimizar as dificuldades de aprendizagem evidenciadas nas crianças/adolescentes hospitalizados.
Reafirma-se que as discussões sobre o atendimento escolar no hospitalar deve ser foco de debates na formação inicial do pedagogo, porque senão haverá vazios e lacunas na qual trará para ele limitações e dificuldades no enfrentamento de situações cotidianas, quando por ventura, este profissional se deparar nesta função, encontrando-se por vezes perdido e confuso, quando de sua atuação no hospital (FONSECA, 2008).
Outro grande desafio é em relação a perda das crianças, em especial o óbito, tal fato torna-se complexo na convivência, uma ve que:
O óbito das crianças e adolescente hospitalizados deixa não só o professor fragilizado, mas afeta também os demais alunos, pois além da perda de seus colegas, certamente terão medo que o mesmo venha a acontecer com eles. Para que os choques sejam amenizados, o profissional da classe hospitalar deve procurar trabalhar com e seus alunos, assuntos que abordem a realidade do óbito [...] (CARVALHO, 2011, p. 26).
Há assim, a necessidade de clareza e compreensão do contexto e situações que podem suceder no ambiente hospitalar, para assim, no exercício da prática pedagógica, enfatize-se conhecimentos que esclareçam e oportunizem o entendimento da realidade que as crianças e adolescentes internados estão sujeitas.
Além dos desafios impostos na realidade das alunas/professoras no espaço hospitalar, elas também apontaram avanços nesta experiência, como sendo “um novo espaço de atuação”(B1), envolver as crianças com as atividades escolares (B2), possibilitar a escuta coletiva (V1).
Percebe-se que se reconhecem com futuras profissionais que valorizam novas frentes de trabalho, na participação das crianças/adolescentes para promoção da aprendizagem, possibilitando interação social, ocasionado ruptura da individualidade ocasionada pelo leito e patologia, gerando aprendizagens duplas tanto na aluna/professora quanto no paciente/aluno e tal ato “é uma fonte de aprendizagem constante por meio da escuta às informações de vida da criança, com o seu conteúdo de representação da doença, do tratamento, da hospitalização e da equipe de saúde. [...]” (FONSECA, 2008, p. 37). Então, o atendimento escolar hospitalar é um rico espaço de aprendizagem e aperfeiçoamento da prática docente.
Considerações finais
A classe hospitalar garante a manutenção de uma ação presente na “antiga rotina” das crianças, a atividade escolar. O estabelecimento do vínculo com o conhecimento é uma estratégia para o enfrentamento de sua enfermidade, uma vez que há promoção do sentimento de bem-estar.
No que se refere à formação inicial para a atuação do docente, destacou-se como limite, a ausência da oferta de conhecimentos sobre esse tema, visto que no currículo do Curso de Pedagogia da UFMA, não há uma disciplina específica para a temática, contudo, o projeto de extensão investigado possibilitou o contato com esse espaço, como campo de trabalho, a fim de contribuir para o processo formativo e estabelecer trocas de conhecimento e reflexões no tocante às vivências dentro do ambiente hospitalar.
Ao analisar os avanços do atendimento escolar hospitalar, constatou-se que o Projeto de Extensão “Estudar, uma ação saudável” contribui para garantia do direito à educação, uma vez que oferece atividades pedagógicas intencionais e organizadas, criando a relação entre escola e hospital e na promoção da aprendizagem e desenvolvimento das crianças/adolescentes hospitalizados. O atendimento escolar hospitalar que acontece no referido projeto oportuniza o acompanhamento educacional-pedagógico construindo um ambiente propício para as mesmas apropriem-se significativamente de conhecimentos, favorecendo o seu desenvolvimento cognitivo e social.
Dessa forma, percebe-se que o atendimento escolar no hospital no Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão alcança patamares além do exercício da docência que as alunas/professoras vivenciam, pois estabelece o vínculo entre educação e saúde, fator constante de debates nos dias atuais, bem como abarca ainda de forma incipiente, por não haver vínculo com a escola de origem do hospitalizado, o direito à educação.