Introdução
Nas décadas de 1960 e 1970, do ponto de vista institucional, administrativo e financeiro, a manutenção dos programas de pós-graduação existentes no Brasil ainda era instável e, consequentemente, os mesmos eram ameaçados, no curto prazo, “pela inexistência de garantias, pela fragilidade dos vínculos entre os cursos e suas instituições, e pela perspectiva de redução ou cortes de verbas.” (BRASIL, 2004a, p. 124)
Nesse período, a falta de credenciamento dos cursos de pós-graduação também significava grande empecilho. Isso porque, dos 673 cursos de pós-graduação (490 mestrados e 183 doutorados) em 1975, apenas 251 estavam credenciados, o que correspondia a 37,1% dos cursos de pós-graduação (BRASIL, 1976, p. 10). O I Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) identifica essa questão:
O credenciamento dos cursos de pós-graduação, de competência do Conselho Federal de Educação, constitui um procedimento formal pelo qual se reconhece a qualidade daqueles cursos e é assegurada aos seus titulados as prerrogativas legais. O credenciamento tem sido um processo a posteriori e, por isso, de repercussão menos imediata na preservação da qualidade e nos padrões de produtividade dos cursos, não obstante o empenho que nesse sentido tem posto o Conselho Federal de Educação. Tendo em conta a necessidade de expansão do Sistema Nacional de Pós-Graduação, é de prever que o processo de credenciamento, por certo necessário, venha a harmonizar-se gradualmente com as demais diretrizes deste Plano, em correspondência com medidas de natureza pedagógica e administrativa aqui previstas. (BRASIL, 2004a, p. 143)
Tais direcionamentos e o financiamento da pós-graduação por meio de pesquisas contribuíram para um processo de expansão quantitativa dos programas de pós-graduação.
[…] objetivo do referido relatório foi debater sobre questões no desenvolvimento de pesquisas, inovação e investimentos, os quais estão cada vez mais atrelados a temas econômicos, como algo que ganha grande atenção dos governos mundo afora […] (FERREIRA, 2015, p. 76)
E, por isso, passam a ser considerados como prioridade no Brasil. Vejamos:
‘Admiramos o que aconteceu de bom nessas últimas décadas. Mas temos que ser mais ambiciosos. Precisamos massificar a prática da ciência e convencer a iniciativa privada de que vai ganhar mais dinheiro se investir em pesquisa básica e em pesquisa aplicada. Enquanto essa massificação não for realizada, não adianta a gente discutir inovação, porque não vamos ter gente para fazer inovação. Sem isso, vamos pegar receitas que vêm de fora e tentar aplicar esses modelos numa cultura totalmente diferente’, analisou Miguel Nicolelis […] ‘Nossos empresários ainda preferem copiar técnicas importadas. Daí, temos muitos produtos made in Brazil, mas não temos praticamente nenhum created in Brazil. São produtos fabricados aqui com invenções de fora’, observa o senador Cristovam Buarque, economista e ex-reitor da Universidade de Brasília. (SENADO FEDERAL, 2012, p. 11-12, grifo do autor)
O excerto demonstra que a universidade assume, portanto, um papel fundamental na execução das políticas de ciência, tecnologia e inovação, especialmente no âmbito da pós-graduação como único lócus de produção de conhecimento, de modo que as políticas de pós-graduação se agregam às políticas científicas, especialmente às agendas governamentais.
Sobre esse contexto de expansão, pode-se destacar o relatório oficial de governo intitulado Análise sobre a Expansão das Universidades Federais 2003 a 2012, cujo objetivo era dar conhecimento dos resultados da expansão nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) e com o dever de constituir uma “[…] comissão incumbida de acompanhar as ações do ministério, com vistas à consolidação dos programas de expansão.” (BRASIL, 2012)
O relatório citado demonstra que no período investigado os programas de expansão do ensino superior federal apresentaram duas fases: a primeira, denominada ‘Expansão I’, refere-se ao período de 2003 a 2007, que “[…] teve como principal meta interiorizar o ensino superior público federal, o qual contava até o ano de 2002 com 45 universidades federais e 148 campi/campus/unidades.” (BRASIL, 2012) A segunda refere-se ao momento de promover condições necessárias às universidades para ampliação do acesso e permanência com programas de apoio ao Plano Reuni, criado pelo Decreto n. 6.096/2007, que resultou na consolidação de uma política nacional de expansão nas IFES. Para tanto, o MEC destinaria ao Programa recursos financeiros, reservados a cada universidade federal. Este programa expressou mudanças substanciais no interior das universidades federais, com expansão desproporcional no conjunto de funcionamento das instituições. De forma mais recente, o atual Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), com vigência de 2011 a 2020, cuja organização, em dois volumes, pauta-se em dois movimentos chaves: a internacionalização e a expansão da pós-graduação, especialmente voltada para a ampliação na formação de novos doutores.
É nesse cenário histórico sobre expansão e pós-graduação que observamos a ‘meta 14’ do novo Plano Nacional de Educação, implementado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência por 10 (dez) anos. A meta dispõe sobre as estratégias de expansão para a pós-graduação, com o objetivo de “elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.” (BRASIL, 2014) mais especificamente a estratégia 14.12 sobre a ampliação no número de doutores no país.
Norteia-se, assim, a questão central deste estudo: Em que medida a expansão na formação de doutores se consolida no Brasil na conjuntura da meta proposta no novo Plano Nacional de Educação? Sob o objetivo de analisar a estratégia para a expansão na formação de doutores, com o intuito de verificar o andamento da meta 14 do PNE e sua relação com a política da pós-graduação.
Organiza-se o estudo em cinco seções: a primeira é a introdução geral ao tema; a segunda é reservada para apresentar a meta 14 do atual PNE e suas estratégias, com o esforço de localizar o foco da pesquisa; a terceira é sobre as questões metodológicas do estudo, e a quarta seção busca apresentar os resultados da expansão na formação de Doutores. Na última seção, aborda-se a tentativa de interligar o histórico do Plano Nacional de Pós-Graduação com a política de pós-graduação no Brasil e os desafios na expansão da formação doutoral.
1 Novo Plano Nacional de Educação e os encaminhamentos estratégicos
O novo Plano Nacional de Educação, implementado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência por 10 (dez) anos, apresenta 20 (vinte) metas a cumprir até 2024. O referido Plano é fonte de pesquisa para estudiosos do campo da Educação Superior, como Chaves e Amaral (2015), que visam a compreender as políticas de financiamento da Educação Superior e as políticas de Estado, questionando sobre “qual a efetividade da proposta de financiamento do PL 8.035/2010, hoje Lei implementada (Lei 13.005/2014) para atender às metas 12, 13 e 14 de expansão da educação superior.” Para esta questão, as análises sobre o mapeamento da expansão e financiamento, em andamento, já apontam que:
não há grande diminuição da população em idade educacional no período 2014 a 2024, período do PNE. Os jovens com idade entre 18 e 24 anos (educação superior) serão aqueles que praticamente não sofrerão uma redução; o quantitativo de crianças em idade do Ensino Fundamental sofrerá a maior redução. Dessa forma, a próxima década será decisiva na educação brasileira e as decisões políticas precisarão ser ousadas e destinar elevados recursos financeiros ao setor da educação, sendo que, a partir das próximas décadas, a própria dinâmica populacional colaborará para que os problemas educacionais brasileiros sejam diminuídos. (CHAVES, 2015, p. 111)
Em relação à Meta 14, que dispõe sobre as estratégias de expansão para a pós-graduação, elenca-se o objetivo de: “elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores”, observou-se que o processo de ampliação desdobra-se em 14 estratégias:
14.1) expandir o financiamento da pós-graduação stricto sensu por meio das agências oficiais de fomento;
14.2) estimular a integração e a atuação articulada entre a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e as agências estaduais de fomento à pesquisa;
14.3) expandir o financiamento estudantil por meio do Fies à pós-graduação stricto sensu;
14.4) expandir a oferta de cursos de pós-graduação stricto sensu, utilizando inclusive metodologias, recursos e tecnologias de educação a distância;
14.5) implementar ações para reduzir as desigualdades étnico-raciais e regionais e para favorecer o acesso das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas a programas de mestrado e doutorado;
14.6) ampliar a oferta de programas de pós-graduação stricto sensu, especialmente os de doutorado, nos campi novos abertos em decorrência dos programas de expansão e interiorização das instituições superiores públicas;
14.7) manter e expandir programa de acervo digital de referências bibliográficas para os cursos de pós-graduação, assegurada a acessibilidade às pessoas com deficiência;
14.8) estimular a participação das mulheres nos cursos de pós-graduação stricto sensu, em particular aqueles ligados às áreas de Engenharia, Matemática, Física, Química, Informática e outros no campo das ciências;
14.9) consolidar programas, projetos e ações que objetivem a internacionalização da pesquisa e da pós-graduação brasileiras, incentivando a atuação em rede e o fortalecimento de grupos de pesquisa;
14.10) promover o intercâmbio científico e tecnológico, nacional e internacional, entre as instituições de ensino, pesquisa e extensão;
14.11) ampliar o investimento em pesquisas com foco em desenvolvimento e estímulo à inovação, bem como incrementar a formação de recursos humanos para a inovação, de modo a buscar o aumento da competitividade das empresas de base tecnológica;
14.12) ampliar o investimento na formação de doutores de modo a atingir a proporção de 4 (quatro) doutores por 1.000 (mil) habitantes;
14.13) aumentar qualitativa e quantitativamente o desempenho científico e tecnológico do País e a competitividade internacional da pesquisa brasileira, ampliando a cooperação científica com empresas, Instituições de Educação Superior - IES e demais Instituições Científicas e Tecnológicas - ICTs;
14.14) estimular a pesquisa científica e de inovação e promover a formação de recursos humanos que valorize a diversidade regional e a biodiversidade da região amazônica e do cerrado, bem como a gestão de recursos hídricos no semiárido para mitigação dos efeitos da seca e geração. (BRASIL, 2014, p. 12)
Em relação à execução de cada estratégia citada, fez-se o movimento de investigar cada uma delas, identificando-se duas dimensões básicas:
a)Dimensão das estratégias com efetividade histórica, ou seja, aquelas que se consolidaram quanto à política pública e são identificadas de modo a ampliar sua atuação, como as estratégias 14. 1; 14.2; 14.9; 14.10; 14.12; e 14.13. Nesse sentido, ações que tratam da expansão do financiamento da pós-graduação stricto sensu por meio das agências oficiais de fomento (Estratégia 14.1), por exemplo, apresentam histórico de investimento desde a década de 1970 (Cf. 1º PNPG), embora o processo de expansão do investimento das agências tenha se acentuado após 1998, especialmente no decênio 2004 a 2014, quando se tem 458,4% de aumento (Total do Orçamento da CAPES em relação à Bolsa de Estudo no país, no exterior, Ciência sem Fronteiras e outros) sob valor executado, 2004 e 2014, atualizada a preços de janeiro de 2016. Em relação a 2014-2015, o aumento no investimento de Bolsas de Estudo foi de 28%. Considerando que, entre 2013-2014, o percentual foi de 8%, é possível constatar uma queda a partir de 2013 no investimento de bolsas e a não recuperação da projeção de expansão em 2014 (CAPES, 2016a). Assim, essa estratégia tem uma efetividade histórica e parece passar no PNE como um ‘registro’ dentre as ações que compõem o cenário da pós-graduação, haja vista que não mensura o indicador de expansão nem ‘quanto’ se quer expandir até o ano de 2024, dando margem a pequenas expansões.
Na mesma lógica se portam as demais estratégias citadas, pois ‘consolidar programas, projetos e ações que objetivem a internacionalização’, o ‘estímulo à inovação’ e aumentar qualitativa e quantitativamente o desempenho científico e tecnológico do país são ações que apresentam estudos sobre a expansão da pós-graduação (FERREIRA, 2015; FERREIRA; CHAVES, 2016) o trabalho docente (SILVA JÚNIOR, 2011, 2015) e o financiamento da educação superior (CHAVES, AMARAL, 2005; CHAVES, 2005), que podem mostrar essas políticas e seus fundamentos. Com exceção da estratégia 14.12, sobre o investimento na formação de doutores, que, embora tenha lastro histórico e política atrelada a toda a história da pós-graduação no país, ao identificar uma métrica “de modo a atingir a proporção de 4 (quatro) doutores por 1.000 (mil) habitantes”, consegue lançar desafio material quantitativo sobre a trajetória de expansão até 2024, ação que será foco de análise no item posterior.
b)Dimensão das estratégias inovadoras são as demais estratégias (14.03 a 14.08 e 14.14), aquelas que são novidades no campo da pós-graduação stricto sensu, que lançam desafios estruturais e geográficos de valorização à diversidade regional, como as 14.5; 14.7 e 14.14 que atentam para a biodiversidade da região amazônica e do cerrado. Todavia, há outras que marcam novos campos de repasse do fundo público para o privado, como a estratégia 14.3, que prevê a expansão do financiamento estudantil por meio do Fies à pós-graduação stricto sensu, da qual se tem notícias pelo Ministério da Educação, em 1º de julho de 2014, com o anúncio da ampliação do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) para a pós-graduação.
O presidente da Capes por onze anos (2003-2015), Jorge Almeida Guimarães, lembrou que a iniciativa atende a uma demanda antiga das instituições privadas, conforme destacado: “É um passo importante para que os estudantes matriculados nos cursos de mestrado e doutorado dessas instituições se candidatem ao financiamento. Este é mais um avanço na reconhecida pós-graduação brasileira.” (BRASIL, 2014) Segundo a reportagem no site no MEC, o intuito da “nova modalidade do Fies terá 31,6 mil potenciais beneficiários, matriculados em mais de 600 programas de pós-graduação stricto sensu ofertados por cerca de 170 instituições privadas.” (BRASIL, 2014)
Outro exemplo é a Estratégia 14.4 sobre a expansão na oferta de cursos especialmente por meio de tecnologias de educação a distância, com vistas a ampliar a oferta e o acesso, especialmente a mestrados profissionais. Em 2015, a Capes lançou o Edital nº 03/2015 - Fomento à inovação para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias de informação e comunicação em educação, no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), cujo objetivo é estruturar as Instituições Públicas de Ensino Superior (IPES) que já oferecem cursos de graduação, via UAB, e possibilitar sua ampliação na oferta de pós-graduação. Ainda nessa Estratégia, têm-se os mestrados de rede nacional, implementados pela Capes em parceria com algumas entidades.
No sítio oficial da Capes (https://www.capes.gov.br/educacao-a-distancia) são apresentados, em modalidade semipresencial, via UAB, sete Programas: 1) Programa de Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional (PROFMAT), de 2010, em parceria com a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM); o Programa de Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (ProFis), de 2013, com iniciativa da Sociedade Brasileira de Física (SBF); 3) Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras), de 2013, coordenado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); 4) Programa de mestrado profissional em Artes (Prof-Artes), coordenado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), reconhecido pela Resolução CEE/SC nº 072, em outubro de 2015; e 5) Programa de Mestrado Profissional em História (ProfHistória), coordenado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Vale ressaltar que os cinco mestrados profissionais da Rede Nacional citados estão associados à formação de professores da educação básica, como parte da política de formação continuada de melhorar a qualidade da Educação Básica firmada pelo atual PNPG. (CAPES, 2010)
Os demais dois programas da rede foram demandas da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e da Agência Nacional de Águas (ANA), respectivamente: 6) Curso de mestrado profissional em Administração Pública (ProfiAP) iniciado em 2014, aberto aos graduados de qualquer área reconhecida pelo MEC em seleção nacional; e 7) Programa de Pós-Graduação em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos (ProfÁgua), com lançamento em maio de 2016, coordenado pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), e objetiva “proporcionar a formação continuada dos profissionais que atuam em órgãos gestores de recursos hídricos (em níveis federal, estadual e municipal), agências de água, comitês de bacia hidrográfica ou conselhos de recursos hídricos.” (CAPES, 2016)
De modo geral, identifica-se que as estratégias buscam articular-se com agências de fomento, regulação e amparo à pesquisa, nacionais e estaduais, com projeção de expansão, mas sem indicadores que consigam mensurar o quanto se espera de crescimento até o ano de 2024, além de incentivarem o financiamento do fundo público para as Instituições de Ensino Superior privadas, o que pode conferir à pós-graduação um papel central na produção de um conhecimento orientado pela demanda da predominância financeira e de mercado.
O Brasil tem uma oportunidade real de se tornar a quinta potência econômica mundial na próxima década. Já somos autossuficientes em petróleo, temos uma excelente produção de alimentos, somos líderes na fabricação de aviões, temos uma população das mais jovens do mundo, temos água em abundância, acabamos de descobrir uma enorme reserva de petróleo no pré-sal e temos uma estabilidade política que nos coloca como um local privilegiado para os investimentos do capital. O único obstáculo que pode ser colocado no caminho desse grande sucesso é a falta de mão de obra qualificada para ocupar os novos postos de trabalho. A escolaridade média do brasileiro é muito baixa. (CAPES, 2010, p. 157, grifo nosso)
No excerto do atual PNPG, destaca-se a preocupação da Capes com a elevação da qualificação profissional do Brasil, a qual parece reverberar nas estratégias expostas para a pós-graduação, seja na atuação de mestrados profissionais a distância para qualificação da educação básica seja na expansão no número de doutores (Estratégia 14.12), da qual trataremos na seção a seguir. Trata-se de políticas que não perdem de vista seu objetivo mais ampliado: a “oportunidade real de se tornar a quinta potência econômica mundial na próxima década”, visão estratégica que aponta a densidade histórica, em curso, incorporada ao campo de pesquisa sobre as políticas educacionais e seu papel na economia internacionalizada. (SILVA JÚNIOR et al, 2014; SILVA JÚNIOR, 2015)
Entende-se ser necessário analisar e conferir constantemente as demandas estratégicas postas na meta 14, tanto por meio do mapeamento dos dados da expansão e do financiamento da pós-graduação no país sobre as referidas estratégias e sua implementação quanto pela mensuração da evolução no número de doutores, conforme veremos a seguir, ainda no período de 2000 e 2014, com vistas a compreender a totalidade e a projeção dessa Meta até o ano de 2024.
2 Especificações metodológicas
A pesquisa tem o objetivo de fazer uma análise exploratória de abordagem qualitativa, cujo objetivo da amostra é de produzir informações significativas e ilustrativas, não necessariamente pelo tamanho da amostra (pequena ou grande), o importante é que ela seja capaz de “produzir novas informações.” (DESLAURIERS; KÉRISIT, 2008, p. 138).
Como primeiro momento, foi realizado um estudo documental que priorizou os documentos oficiais e os planos nacionais relacionados a pós-graduação. Partiu-se da Lei nº. 13.005/2014, sobre o Plano Nacional de Educação (2014-2024), para identificação das estratégias sobre a Meta 14. Mapeadas as estratégias, partiu-se para os demais documentos trabalhando a partir de três descritores complementares de busca e leitura: expansão da pós-graduação; expansão de doutores; e doutores titulados.
Os seguintes documentos foram investigados: os cinco Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPGs); III Novas Perspectivas para o Sistema de Ensino Superior - CAPES: operacionalização e implantação do Plano Nacional de Pós-Graduação (MEC; CAPES, 1975), entre outros programas e regulações nacionais.
O segundo momento consistiu na coleta e organização de dados, principalmente a partir das seguintes bases estatísticas:
Sistemas de Informações Georreferenciadas (Geocapes) da CAPES;
Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do CNPq.
O acesso e a análise das informações disponíveis nessas plataformas foram realizados de janeiro a junho de 2017. O termo plataforma aproxima-se da definição de portal de Abdala e Torres (2016), que corresponde a sistemas na Internet que reúnem uma série organizada de conteúdo de dados e informações associados a um tema.
Em termos das perspectivas analíticas, buscou-se direcionar dois tipos de análises aproximativas: um em relação ao escopo e abrangência de informações disponibilizadas nas plataformas, expondo sua trajetória histórica, e o outro se refere a um exame teórico, conectando os dados com estudos sobre o tema.
3 A expansão na formação de doutores
Na tentativa de compreensão e interpretação da realidade, fez-se um levantamento histórico sobre a expansão de doutores no Brasil, optou-se por partir do ano de 1998, por ser um ano ‘marco’ para a pós-graduação, seja pela elaboração de novas normas e critérios de desempenho na avaliação de cursos stricto sensu (Cf. Portaria da Capes n. 2.264, de 19 de dezembro de 1997), seja pela implementação dos mestrados profissionais (Cf. Portaria Capes n. 80, de 16 de dezembro de 1998). Com a tabulação dos dados pôde-se identificar um processo de expansão contínua, partindo-se de 1998 com 26.697 mil matrículas no doutorado e 3.915 titulados, para em 2016 somar 107.640 doutorandos matriculados e 20.603 titulados, conforme visualização no Gráfico 1.
Identifica-se, ainda, com as informações do Gráfico 1 que a evolução no ‘doutorado matrícula’ (em azul) corresponde a um aumento de 302% no período, enquanto o número de titulados apresenta percentual mais expressivo 426% .
No período 1998-2016 a expansão de titulados quase quintuplicou em 18 anos, verificando-se agora qual o esforço necessário para cumprir a estratégia número 14.12 de “ampliar o investimento na formação de doutores de modo a atingir a proporção de 4 (quatro) doutores por 1.000 (mil) habitantes.”
O primeiro movimento foi identificar e mapear o número de habitantes e doutores em 2014, ano de publicação da Lei, para identificar o tamanho real dessa estratégia e os desafios postos ao Estado, exposto na Tabela 2.
UF | Região | Nº. Habitantes (IBGE, 2014) | Nº. de Doutores (Censo, 2014) | % de Dr. por 1 mil habitantes |
DF | CENTRO-OESTE | 2.852.372 | 4.258 | 1,49 |
GO | 6.523.222 | 2.934 | 0,45 | |
MS | 2.619.657 | 2.388 | 0,91 | |
MT | 3.224.357 | 2.048 | 0,64 | |
Total Centro-Oeste: | 15.219.608 | 11.628 | 0,76 | |
AL | NORDESTE | 3.321.730 | 1.364 | 0,41 |
BA | 15.126.371 | 6.146 | 0,41 | |
CE | 8.842.791 | 3.407 | 0,39 | |
MA | 6.850.884 | 1.177 | 0,17 | |
PB | 3.943.885 | 3.779 | 0,96 | |
PE | 9.277.727 | 5.134 | 0,55 | |
PI | 3.194.718 | 1.187 | 0,37 | |
RN | 3.408.510 | 2.730 | 0,80 | |
SE | 2.219.574 | 1.543 | 0,70 | |
Total Nordeste: | 56.186.190 | 26.467 | 0,47 | |
AC | NORTE | 790.101 | 355 | 0,45 |
AM | 3.873.743 | 2.078 | 0,54 | |
AP | 750.912 | 281 | 0,37 | |
PA | 8.073.924 | 2.653 | 0,33 | |
RO | 1.748.531 | 473 | 0,27 | |
RR | 496.936 | 306 | 0,62 | |
TO | 1.496.880 | 717 | 0,48 | |
Total Norte: | 17.231.027 | 6.863 | 0,40 | |
ES | SUDESTE | 3.885.049 | 1.943 | 0,50 |
MG | 20.734.097 | 14.393 | 0,69 | |
RJ | 16.461.173 | 17.242 | 1,05 | |
SP | 44.035.304 | 33.124 | 0,75 | |
Total Sudeste: | 85.115.623 | 66.702 | 0,78 | |
PR | SUL | 11.081.692 | 10.780 | 0,97 |
RS | 11.207.274 | 12.196 | 1,09 | |
SC | 6.727.148 | 5.636 | 0,84 | |
Total Sul: | 29.016.114 | 28.612 | 0,99 | |
Total Brasil | 202.768.562 | 140.272 | 0,69 |
Dados: IBGE; CNPq.
Nota: Número de pesquisadores doutores cadastrados nos censos do Diretório, sem dupla contagem.
Fonte: Elaborada pelas autoras
Região | Nº. de Doutores (Censo, 2014) | Nº. de Doutores (Censo, 2016) | Δ (%) 2014-2016 |
Centro-Oeste | 11.628 | 12.690 | 9,1 |
Nordeste | 26.467 | 27.524 | 4,0 |
Norte | 6.863 | 7.713 | 12,4 |
Sudeste | 66.702 | 67.514 | 1,2 |
Sul | 28.612 | 31.318 | 9,5 |
Total Brasil | 140.272 | 146.759 | 4,6 |
Dados: CNPq/DGP (2017).
Nota: Número de pesquisadores doutores cadastrados nos censos do Diretório, sem dupla contagem.
Fonte: Elaborada pelas autoras
Os dados da Tabela 1 evidenciam a assimetria regional como a principal característica das políticas científicas do país. Observa-se que a região Sudeste, a mais populosa, concentra 42% da população brasileira e é também a que detém o maior percentual de doutores, possuindo 47,6% dos doutores do país, juntamente com a região Sul que apresenta o mesmo índice de doutores, apesar de congregar um percentual menor de habitantes: 14,6%. A região Nordeste, com 18,9% dos doutores brasileiros, é a segunda mais populosa do país, com 27,7% da população.
Por sua vez, a região Centro-Oeste abriga o menor percentual populacional - apenas 7,5% da população - e possui 8,3% de doutores do país. A região Norte detém o segundo menor índice de habitantes, com 8,5% da população brasileira, e possui o menor percentual de doutores do país: apenas 4,9%.
Se considerarmos o número de doutores por 1.000 habitantes do país, os dados evidenciam que o Brasil possui um baixo índice de doutores: 0,69. O Distrito Federal é o que apresenta o melhor resultado, com 1,49 doutores por mil habitantes, e o estado do Maranhão tem o menor número de doutores por mil habitantes: somente 0, 17, seguido de Roraima com 0,27 doutores. Analisando os dados por região, observa-se que a região Sul apresenta o melhor resultado com 0,99 doutores por mil habitantes e a região Norte, o pior, com 0,40, seguida pela região Nordeste, com 0,47 doutores por 1.000 habitantes.
Os dados mostram que a ampliação na formação dos doutores no Brasil está aquém das metas nacionais expostas no PNE. Ao tabular informações do Diretório de Grupos de Pesquisa (DGP) do CNPq, pode-se observar (Tabela 3) que a distribuição dos doutores segundo a região geográfica não apresenta evolução significativa para 2016:
Verifica-se na Tabela 2 que seria necessário quintuplicar o número de titulados, em 2016, 20.603 doutores (GEOCAPES, 2017), para alcançar a meta 14.12 do PNE e aproximar ao número de 4 doutores por mil habitantes. Nesse cenário a expansão do financiamento da pós-graduação se torna referência, ou será necessário investigar novas estratégias para esta atividade de grande porte.
4 A lógica da expansão na pós-graduação e o papel das agências de fomento
O Brasil buscou aprimorar os mecanismos de fomento à pós-graduação, à ciência, à tecnologia e inovação (CT&I), conforme afirma Mercadante (2011), ainda como Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (2011-2012). Para ele, essa lógica prioritária do governo Lula da Silva de maior investimento em pesquisa e inovação é parte de um período denominado de ‘novo desenvolvimentismo’, no qual, os atores são as agências executoras de pacto nacional de CT&I, dentre as quais se destacam: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) e as agências estaduais de financiamento à pesquisa. Dentre estas, a CAPES e o CNPq têm um papel especial pelo envolvimento direto com a pós-graduação, na regulação ou no investimento na produção de conhecimento.
Na última década, os elementos oferecidos pelo histórico jurídico-normativo mostram um processo em transição no qual a CAPES tem assumido o papel de incentivar e conduzir um pretenso desenvolvimento econômico e social do país pautado na expansão da pós-graduação, que, de fato, será consolidada quando a transferência de tecnologia e de recursos assumir ainda maior importância na vida institucional de pesquisadores, programas de pós-graduação e empresas, favorecendo a redução das discrepâncias existentes na pesquisa e na pós-graduação entre as regiões do país.
Ações nessa direção já se colocam em prática, seja por meio de regulações como a Lei de Inovação Tecnológica, n.º 10.973, de 2 de dezembro de 2004, que “estabelece medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do País” (BRASIL, 2004b, p. 1), seja pela Lei do Bem, nº. 11.196, de 21 de novembro de 2005, que criou a concessão de incentivos fiscais às pessoas jurídicas que realizarem pesquisa, cuja essência se configure pelo desenvolvimento de inovação tecnológica que orienta demandas do capital produtivo, ou seja, ainda pelos últimos Planos Nacionais de Pós-Graduação: o IV e V PNPGs.
Dentre as diretrizes propostas no IV PNPG para os anos de 2005 a 2010, destaca-se: a estabilidade e a indução; estratégias para melhoria do desempenho do sistema; ampliação da articulação entre agências para criar e apoiar programas estratégicos; ampliação da articulação entre as agências federais com os governos dos estados e secretarias de ciência e tecnologia e fundações de apoio; ampliação da articulação entre as agências federais com o setor empresarial; participação mais efetiva dos fundos setoriais na pós-graduação; redefinição de novas tipologias regionais; políticas de cooperação internacional e de formação de recursos humanos no exterior; e a avaliação e qualidade dos programas de pós-graduação.
O V PNPG, com vigência de 2011 a 2020, parece concretizar e fortalecer uma política que há quase duas décadas vem se consolidando, numa tentativa de mudar a cultura da educação superior, sobretudo a pública, na qual a produção do conhecimento e a formação de novos pesquisadores ficam atreladas ao desempenho de produção, principalmente pelo “[…] aumento do valor agregado de nossos produtos e a conquista competitiva de novos mercados no mundo globalizado.” (CAPES, 2010, p. 37)
O referido PNPG se volta para a expansão da titulação, tendo como uma das suas principais metas a formação de novos doutores, isto é, a expansão da pós-graduação para o desenvolvimento produtivo e tecnológico do país:
A formação de doutores tem sido considerada de extrema importância na produção e transmissão do conhecimento e é considerada um indicador do tipo de sociedade moderna que se deseja construir. Segundo Baeninger (2010), em 2008, existiam 132 mil doutores no Brasil, correspondente a 0,07% da nossa população. Para alcançar as proporções dos países desenvolvidos seria necessário, no mínimo, multiplicar esse número por 5 vezes. (CAPES, 2010, p. 255)
O V PNPG, no item ‘Financiamento da Pós-Graduação’, aborda a questão, afirmando que a referência de financiamento se dá predominantemente por duas esferas distintas: “[…] os dispêndios do setor federal, com foco nas duas maiores instituições de fomento, CAPES e CNPq, e os dos setores estaduais - neste caso, as Fundações de Apoio à Pesquisa (FAP’s).” (CAPES, 2010, p. 255)
Numa análise mais global, a atual situação de crise econômica brasileira afetou também a produção de pesquisas e investimento na pós-graduação, uma vez que a mesma está atrelada às políticas econômicas do país. Exemplo disso é que, no início do mês de julho de 2015, foi anunciado pelo Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, o corte de “47% dos recursos destinados às universidades federais” para o ajuste fiscal, o que também reduz os recursos da Capes, na qual a Pós-Graduação teria um “contingenciamento de 75% dos recursos destinados ao Proap e ao custeio do Proex” (FERREIRA; CHAVES, 2016 apud UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO). Este fato deixou toda a comunidade acadêmica apreensiva em relação à manutenção dos programas, já que, em médio e longo prazo, poderá tornar inviável a proposta de uma maior expansão e das metas do atual PNPG.
Ter-se-ia que adotar uma política de produção com menos recursos e um investimento na publicação online e cursos de pós-graduação a distância para manter os programas, o que traria consequências drásticas para a qualidade da pós-graduação brasileira e para o trabalho do professor, ainda mais intensificado, tendo cada vez mais que captar recursos, inclusive privados, para a produção de conhecimento.
Para isso, foi de fundamental importância o trabalho desempenhado pelas principais agências executoras deste pacto nacional, a saber, CAPES e CNPq, pela consolidação de um sistema nacional de CT&I que vem introduzindo, nos últimos 20 anos de mudanças políticas, jurídicas e culturais, a produção de conhecimento na universidade. Revela-se essa situação como uma via de mão dupla, pois assim como as agências de regulação e fomento incentivam áreas prioritárias para o desenvolvimento econômico, são agentes estratégicos para as políticas econômicas e o desenvolvimento científico do Estado. Para Silva Júnior (2011), os professores que mais se destacam nos indicadores de produção científica internacional, num processo recíproco e intensificado, também exercem suas atividades laborais balizados pelas formas de financiamento e avaliação do trabalho docente vinculadas à pós-graduação.
Importante frisar que o contexto corrobora Gramsci (1991, p. 20, grifo do autor), quando apresenta que
a relação entre os intelectuais e o mundo da produção não é imediata, como ocorre nos grupos sociais fundamentais, mas é “mediatizada” em diversos graus, por todo o tecido social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisamente os “funcionários”.
Nesse sentido, sem o intelectual comprometido com a formação e a pesquisa, não há direção, não há organização e, dessa forma, não pode haver nova concepção nas instituições. Observa-se, com isso, que a realidade posta é apenas uma parte de um processo mais amplo e complexo que envolve a relação Estado-Sociedade, produção de conhecimento e desenvolvimento do capital, o qual é o resultado de numerosos fatores que, para Chesnais (1996, p. 14), “[…] desembocam num novo conjunto de relações internacionais e internas que ‘formam um sistema’ e que modelam a vida social, não apenas no plano econômico, mas em todas as suas dimensões.”
Considerações finais
Analisou-se, neste estudo, o processo de expansão da pós-graduação na formação de doutores, pelo prisma das metas estratégicas do PNE. Em síntese, apresenta-se um cenário complexo, posto que as agências que regulamentam e financiam pesquisas e, consequentemente, programas de pós-graduação, revelam uma via de mão dupla, pois assim como as agências de regulação e fomento, CAPES e CNPq, e fundações estaduais de apoio à pesquisa incentivam áreas prioritárias no desenvolvimento econômico e estratégico para as políticas de Estado.
Notou-se que a relação no número de doutores por habitante ainda é de um doutor para cada mil habitantes no Brasil e muito menos que isso em relação às regiões brasileiras. Contexto em que projetos antagônicos estão em disputa no processo de regulação e planejamento da política educacional.
Demonstrou-se, assim, que a pós-graduação no Brasil reflete as contradições postas no âmbito do Estado com os meios de produção capitalistas, que entram na pós-graduação de forma funcional, colocando a aplicação das ciências no ciclo das cadeias produtivas. O que, em nosso entendimento, está posto no perfil dos professores envolvidos na pós-graduação e na produção de conhecimento gerada, nesse caso, numa sociabilidade produtiva.