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Eccos Revista Científica

versão impressa ISSN 1517-1949versão On-line ISSN 1983-9278

Eccos Rev. Cient.  no.61 São Paulo abr./jun 2022  Epub 09-Fev-2024

https://doi.org/10.5585/eccos.n61.21715 

Artigos

PERGUNTAS PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: MELHORIAS NA QUALIDADE DA EDUCAÇÃO

PEDAGOGICAL QUESTIONS IN INITIAL TEACHER TRAINING: IMPROVEMENT IN EDUCATION QUALITY

PREGUNTAS PEDAGÓGICAS EN LA FORMACIÓN INICIAL DEL PROFESORADO: MEJORAS EN LA CALIDAD DE LA EDUCACIÓN

Adriele Ribeiro dos Santos Lamim, Doutoranda em Ciências1 
http://orcid.org/0000-0003-0055-1120

Manoel de Souza Lamim Netto, Mestrando em Educação2 
http://orcid.org/0000-0002-5873-3376

Dulcimeire Aparecida Volante Zanon, Doutora em Educação3 
http://orcid.org/0000-0002-3728-6175

1Doutoranda em Ciências, Universidade de São Paulo - USP. São Carlos, SP - Brasil.

2Mestrando em Educação para Ciência, Universidade Estadual Paulista - Unesp. Bauru, SP - Brasil.

3Doutora em Educação, Universidade Federal de São Carlos - UFSCar. São Carlos, SP - Brasil.


Resumo

Na contemporaneidade, a preocupação em relação à qualidade da educação tem aumentado consideravelmente nas diferentes dimensões e espaços da sociedade, sendo manifesta por meio de políticas governamentais e de ações sociais e de educadores. Tendo por base o pressuposto de que os professores aprendem com as situações provenientes do ambiente escolar, sendo modificados por elas e as modificando, considera-se relevante discutir as implicações da formação docente na qualidade da educação. Nesse sentido, a proposição de uma formação inicial pautada na reflexão consubstancia-se como uma alternativa para a qualificação e o desenvolvimento profissional docente, pois o professor com o pensamento reflexivo desenvolvido pode apresentar maior repertório de ações em relação ao aluno, contexto escolar, ensino, aprendizado e desenvolvimento profissional, na medida em que ele procura dar respostas às situações que emergem no cotidiano articulando-as com a teoria e as ressignificando. Pretendendo contribuir para esse processo formativo, o artigo apresenta o uso das Perguntas Pedagógicas contidas no Ciclo de Smyth, sendo estas ferramentas relevantes para suscitar reflexões do futuro professor sobre sua atuação na escola, permitindo-lhe analisar, reconstruir e melhorar a qualidade de sua intervenção.

Palavras-chave ciclo de Smyth; educação em química; formação inicial; professor reflexivo; qualidade na educação.

Abstract

Nowadays, concern about education quality has increased considerably in different society dimensions and spaces, expressed through governmental politics and social and educator actions. Bearing in mind that teachers learn from the situations derived from school environment and that they do not only modify them but are also modified by them, it’s more and more important to discuss the implications of teacher training on the quality of education. The proposition of an initial formation of teachers based on reflections is an alternative for the qualification and professional development of teachers, because teachers with developed reflexive thoughts can have a bigger set of actions about students, scholar context, teaching, learning and professional development insofar as they look for answers to daily situations that arise, linking them with theories and giving new signification. Intending to contribute to this formative process, this paper presents the use of the Pedagogical Questions contained in the Smyth Cycle as a relevant tool to raise reflections of future teachers about their performance at school, allowing them to analyze, reconstruct and improve the quality of their intervention.

Keywords Smyth cycle; chemistry education; initial teacher training; reflective teacher; education quality.

Resumen

En la contemporaneidad, la preocupación por la calidad de la educación ha aumentado considerablemente en las diferentes dimensiones y espacios de la sociedad, manifestándose a través de políticas gubernamentales y acciones sociales y educativas. Partiendo del supuesto de que los docentes aprenden de las situaciones que surgen del ambiente escolar, siendo modificados por ellas y modificándolas, se considera relevante discutir las implicaciones de la formación docente en la calidad de la educación. En este sentido, la proposición de una formación inicial basada en la reflexión es una alternativa para la calificación y desarrollo profesional de los docentes, ya que el docente con pensamiento reflexivo desarrollado puede presentar un mayor repertorio de acciones en relación al estudiante, contexto escolar, enseñanza, aprendizaje y desarrollo profesional, en tanto busca dar respuesta a situaciones que surgen en la vida cotidiana, articulándolas con la teoría y resignificándolas. Con la intención de contribuir a este proceso formativo, el artículo presenta el uso de las Preguntas Pedagógicas contenidas en el Ciclo Smyth, las cuales son herramientas relevantes para provocar la reflexión de los futuros docentes sobre su desempeño en la escuela, permitiéndoles analizar, reconstruir y mejorar la calidad de su intervención.

Palabras clave ciclo de Smyth; educación química; formación inicial; maestro reflexivo; calidad en la educación.

1 Introdução

Na contemporaneidade, a preocupação em relação à qualidade da educação tem aumentado consideravelmente nas diferentes dimensões e espaços da sociedade, sendo manifesta por meio de políticas governamentais e de ações sociais. Embora sejam muitas as tentativas de caracterizar o que significa promover e ter uma educação de qualidade, o tema é polissêmico e subjetivo, estando envolto por diferentes interpretações.

Dentre os muitos significados atribuídos à palavra qualidade no dicionário Michaelis tem-se descrito “grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão”. Tal definição explicita duas características relevantes desse conceito: a primeira delas implica que o ato de qualificar consiste em utilizar uma comparação, pois é por meio de uma relação estabelecida com um padrão de referência que se pode afirmar ser algo qualificado ou não. A segunda, diz respeito à relatividade do conceito, pois cada pessoa tem sua própria concepção de perfeição. Desse modo, o que é considerado um padrão de excelência por um indivíduo pode não ser para outros. É nesse sentido que qualidade em educação assume uma pluralidade de significados. Por ser assim entendida:

[...] uma educação de qualidade pode significar tanto aquela que possibilita o domínio eficaz dos conteúdos previstos nos planos curriculares; como aquela que possibilita a aquisição de uma cultura científica ou literária; ou aquela que desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema produtivo; ou, ainda, aquela que promove o espírito crítico e fortalece o compromisso para transformar a realidade social, por exemplo (DAVOK, 2007, p. 506).

A qualidade educacional abarca toda essa complexidade lexical por influir na sociedade e ser por ela influenciada. Gadotti (2010) afirma que não é possível separar a educação de qualidade da qualidade do todo, uma vez que ela está diretamente entrelaçada ao bem-estar das comunidades, assim como estas são afetadas pelas melhorias da comunidade escolar. O sistema educacional não pode ser bom se a qualidade dos docentes, do alunado e do entorno for ruim. Desse modo, a educação é perpassada pelas esferas econômicas, sociais, culturais e políticas de uma dada sociedade e um conjunto de fatores contribuem para a sua qualificação (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, 2007; GADOTTI, 2010).

Nesse sentido, depara-se com questões externas e internas à escola que repercutem diretamente no processo educativo e influenciam em sua qualidade. Os aspectos externos referem-se às dimensões socioeconômica e cultural que incluem situações de núcleos familiares fragilizados, preconceitos de gênero e raça, drogas e aquelas relacionadas à atuação do poder público, efetivada mediante políticas sociais e programas suplementares (DOURADO; OLIVEIRA; SANTOS, ibid.). Somado a isso, existem os aspectos internos, de natureza organizacional, burocrática e estrutural da própria escola que, por vezes, tornam mais complexa a tarefa de compreender as premissas de um ensino de qualidade. Como exemplo, aqueles relacionados ao investimento e custeio de alunos, infraestrutura, acesso e permanência estudantil, avaliação da aprendizagem e formação docente (TANCREDI, 1998).

No que concerne à formação docente, tema central desta pesquisa, são frequentes as associações feitas entre a baixa qualidade da educação e a formação de professores (NETO; CYRINO; BORGES, 2014). Nesse cenário, surge o chamado argumento da incompetência, cujo bojo se instala na premissa de que a reduzida qualidade do sistema educacional está relacionada com a incompetência docente, pois:

... em função de sua má-formação inicial, os professores não saberiam como lidar com a diversidade de alunos presente nas escolas hoje, especialmente aqueles das camadas populares. Conseqüentemente, seguindo essa linha de raciocínio, a única, ou a principal ação a ser perseguida para melhorar a qualidade do sistema educacional, seria melhorar a competência dos professores (SOUZA, 2006, p. 484).

Considerando que a formação inicial docente é um quesito importante para a qualidade da educação, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2005) destaca a necessidade de propiciar, ao futuro professor, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa, de uma visão crítica das reformas educacionais e de uma maior associação entre teoria e prática. Entretanto, há uma certa dificuldade de implementação desses aspectos em decorrência do predomínio da formação pautada no modelo da Racionalidade Técnica. Neste modelo, baseado em uma perspectiva positivista, o conhecimento teórico encontra-se desarticulado da prática. Dessarte, a ação docente é instrumental e restrita à aplicação de conhecimentos e métodos científicos para a resolução de questões de ensino (SCHÖN, 1998; ECHEVERRÍA; BENITE; SOARES, 2007).

A Racionalidade Prática e a Racionalidade Crítica surgem como alternativas para a superação da Racionalidade Técnica. Ambos os modelos rompem com a dicotomia entre teoria e prática e ressaltam a importância do professor reflexivo. Eles se distinguem pelo fato de que, no primeiro modelo, o professor reflete e examina sua própria prática individualmente, enquanto no segundo, a ação docente tem caráter político-social. Isto amplia o viés da reflexão, pois o docente reflete e examina para problematizar e transformar suas intervenções educacionais e seu entorno (DINIZ-PEREIRA, 2014; SILVA; MESQUITA, 2018).

É nesse sentido que se destaca a importância da formação de um educador reflexivo. Sendo assim, os cursos de formação inicial devem propiciar a aquisição de conhecimentos, preparar os professores para a difusão de saberes construídos historicamente e favorecer a reflexão sobre as práticas para que sejam “profissionais produtores de saber e de saber fazer” (NÓVOA, 1992, p. 16). A adoção dessa perspectiva crítico-reflexiva como eixo de formação e de atuação dos professores configura-se como uma alternativa para a busca do desenvolvimento profissional docente e de uma melhor qualidade do ensino.

2 A formação inicial de professores e o desenvolvimento profissional docente

A formação inicial tem sido alvo de múltiplas investigações e estudos (COCHRAN-SMITH; FRIES, 2005). As discussões acerca da temática evidenciam que os processos de aprender a ensinar e de aprender a ser professor são lentos, pois se iniciam antes mesmo do espaço formativo dos cursos de formação e se prolongam por toda a vida profissional. Além disso, há o reconhecimento de que a escola e outros locais de conhecimento são contextos importantes nessa formação. Assim, os saberes teóricos e os oriundos da experiência pessoal e profissional são objetos de aprendizagens constantes (MIZUKAMI, 2008). Dessa forma, entende-se que a profissão docente e o seu desenvolvimento constituem um elemento fundamental para assegurar a qualidade da aprendizagem dos alunos, haja vista que o professor é um dos agentes aptos a modificar e a ser modificado pelo contexto escolar.

É nesse cenário de troca de experiências e saberes que a formação dos professores precisa considerar as transformações e mudanças dinâmicas que têm ocorrido na sociedade, que traz para escola seus anseios e necessidades. Esta tem como responsabilidade formar cidadãos críticos, capazes de tomar e participar de decisões sociais e aptos a atender às demandas de mercado. Assim, o professor assume um papel de destaque devido a sua importância para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem e para uma progressão na qualidade dos resultados dos estudantes (LUDKE, 2005; MORGADO, 2014). Desse modo, ele necessita de atualização e aprimoramento constantes, os quais estão atrelados ao desenvolvimento profissional docente.

O desenvolvimento profissional docente é concebido como um processo intencional, sistemático e contínuo que abrange um conjunto de “atividades destinadas a melhorar o conhecimento profissional, as destrezas e atividades dos educadores para que eles possam, por sua vez, melhorar a aprendizagem dos alunos” (GUSKEY, 2000, p.16) e, consequentemente, a qualidade da educação. Todavia, tal compreensão tem sido ampliada no reconhecimento de sua complexidade, sendo melhor aceita a concepção do professor enquanto profissional do ensino que “pode ser entendida como uma atitude permanente de indagação, de formulação de questões e procura de soluções” (MARCELO GARCÍA, 2009, p. 9). Nesta perspectiva, o desenvolvimento docente se consubstancia como um processo que supera a segregação estabelecida entre a formação inicial e a formação continuada, por ser um longo desdobramento que perpassa todas as fases da vida do professor. Ademais, está vinculado ao ambiente escolar, por ser ele o locus no qual ocorrem as situações e experiências que o educador vivencia e que podem suscitar a reflexão do docente bem como a articulação da teoria com a prática.

Estudos têm evidenciado que as escolas que oferecem uma boa qualidade educacional contam com um quadro de profissionais capazes de relacionar teoria e prática (UNESCO, 2002, 2008), o que fomenta a aquisição, por parte do professor, de adquirir novas aprendizagens que implicam em seu desenvolvimento profissional e em melhorias na qualidade de sua atuação. Entretanto, essa articulação dificilmente é encontrada tanto na formação inicial quanto no exercício da docência.

Uma alternativa para promover a vinculação da teoria com a prática está contida na reflexão docente, que se relaciona com uma postura questionadora (ALARCÃO, 1996) e, por isso, pode ser caracterizada a partir de suas funções, como por exemplo, ocorrer em comunidade, por meio da interação, a fim de suscitar oportunidades de compartilhamento de ideias com pares ou professores mais experientes; exigir atitude de valorização do crescimento individual e intelectual, pautada em entusiasmo, responsabilidade, curiosidade, prontidão e vontade como atributos de crescimento pessoal. Desse modo, tornar-se um professor reflexivo exige um esforço para a análise de situações e atribuição de significados a fim de buscar modificações, qualificação e melhorias contínuas.

3 A reflexão na formação docente

A presença da reflexão na formação de professores tem sido enfatizada por muitos autores como forma de promover melhores práticas educativas (ALARCÃO, 1996; DEWEY, 1933; NÓVOA, 1992; SCHÖN, 1983, 1987; ZEICHNER, 1993). Nesse sentido, será apresentado um breve panorama da ideia de ensino reflexivo destacando-se alguns dos seus principais teóricos e defensores.

John Dewey, filósofo da educação, escreveu extensivamente sobre o papel da reflexão nos seus livros How we think (1933) e Logic: The theory of inquiry (1938). Ele defende o desenvolvimento do pensamento reflexivo, que se origina no confronto com situações problemáticas, pois elas são observadas, pensadas e refletidas para se buscar resoluções. Assim, um professor que apresenta um pensamento reflexivo formado pode encontrar com maior facilidade meios e estratégias para lidar com ocorrências inesperadas e conflituosas que ocorrem durante a prática.

Donald Schön (1983) é um dos responsáveis pelo entendimento hodierno do conceito de reflexão. Por meio de sua teoria, expressa no livro The reflective practitioner (1983), o professor pode ser compreendido como um profissional prático reflexivo, que tem um pensamento constituído por três componentes: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.

O conhecimento na ação “é o conhecimento que os profissionais demonstram na execução da ação; é tácito e manifesta-se na espontaneidade com que uma ação é bem desempenhada” (ALARCÃO, 1996, p. 18). A reflexão na ação ocorre durante a prática, quando o professor reflete, durante sua atuação, sobre o contexto em que se encontra. O terceiro conceito, reflexão sobre a reflexão na ação, efetua-se após a prática e possibilita ao docente analisar seus conhecimentos tácitos, sua intervenção e relacioná-los com a teoria. É o momento no qual há a possibilidade de determinar ações futuras e de se desenvolver profissionalmente (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013).

Nóvoa explicita a necessidade dos cursos de formação de professores se transformar em “... um lugar de reflexão sobre as práticas, o que permite vislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer” (1992, p. 36). Desse modo, uma formação pautada na reflexão concede autonomia ao futuro docente, que é visto como apto a construir conhecimentos (produtor de saber) e a intervir no ambiente escolar (saber-fazer).

Como discutido, a inserção da reflexão na formação de professores é algo histórico, porém, pertinente aos contextos atuais de formação e de busca por melhorias na qualidade da educação. O professor com o pensamento reflexivo desenvolvido pode apresentar maior repertório de ações em relação ao seu aluno, ensino, aprendizado e desenvolvimento profissional, na medida em que ele procura dar respostas às situações que emergem no cotidiano articulando-as com a teoria e as ressignificando (REALI; REYES, 2009).

4 Estratégias metodológicas promotoras de reflexão

Tendo por base que as práticas reflexivas podem suscitar melhorias na qualidade da formação do professor, seja esta inicial ou continuada, e, consequentemente, melhorar a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem, investigou-se ferramentas para promover a reflexão docente. Com relação à formação inicial, literatura aponta diversas estratégias que o professor orientador pode se valer para formar professores reflexivos, dentre as quais destacamos: as narrativas, o estudo de casos, a observação de aulas, o trabalho de projeto, a investigação-ação e as perguntas pedagógicas (ALARCÃO, 2003; AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013).

As narrativas pedagógicas são estratégias que permitem a organização e preservação das experiências docentes para posterior análise e discussão promotoras de reconstrução permanentes e cuja elaboração e leitura devem ser incentivadas pelos supervisores na formação inicial e mantido ao longo dos anos. Elas são importantes para o desenvolvimento profissional, pois se constituem de fontes de informação para a reconstrução de situações e contextos, propiciando a reflexão pessoal e profissional.

O estudo de casos envolve a análise e discussão de acontecimentos ocorridos nos contextos de atuação profissional, a partir dos quais é possível extrair lições teóricas, propor soluções alternativas, partilhar diferentes pontos de vista e promover o exercício da reflexão. Além disso, o professor formador poderá lançar mão de casos de ensino já elaborados para que os licenciandos posteriormente construam seus próprios casos e os partilhem na forma de portfólios, favorecendo, também, reflexões colaborativas.

As observações são de ferramentas de captura que auxiliam os licenciandos a descreverem os acontecimentos dentro das salas de aula, contribuindo para o exercício da investigação acerca dos comportamentos próprios, individuais e coletivos do ambiente escolar. Segundo Estrela (1986), elas podem ser de três tipos: naturalista, ocasional e sistemática. No primeiro caso, registra-se de maneira imparcial e descritiva todos os comportamentos observados. O segundo tipo de observação ocorre quando a descrição focaliza determinado incidente, selecionando determinado aspecto da situação de ensino e aprendizagem. Finalmente, a observação é dita sistemática quando se recorre a instrumentos como registros audiovisuais.

O trabalho de projetos é apontado enquanto estratégia de formação capaz de reunir grupos de formandos a partir de situações-problemas coletivamente debatidas, analisadas e solucionadas. Para tal, pressupõe-se que os futuros professores reflitam sobre suas próprias ações, dos seus colegas e do supervisor, além de estabelecer relações entre teoria e prática e promover habilidades de observação e questionamento (LEITE et al., 1989).

A investigação-ação possibilita, ao licenciando, aproximar a teoria com a prática, tornando-se investigador e se permitindo ser investigado. É a partir da investigação que o futuro professor desenvolve uma postura questionadora e crítica no exercício insistente de reconhecer as consequências de suas ações, virtudes e fraquezas. Naturalmente, a investigação-ação conduz a um processo reflexivo (WOOD, 1991) que pode auxiliar o professor no planejamento, condução e reconstrução de suas aulas.

Isso posto, ressalta-se a possibilidade do uso síncrono das estratégias de supervisão, haja vista que a adoção de uma formação reflexiva abarca uma dinâmica complexa de questionamentos, observações, descrições, discussões e trocas de experiências (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013). O primeiro passo para melhorar a qualidade da educação é o questionamento do contexto, da forma de ensinar, das aprendizagens obtidas pelos alunos e da atuação docente. Dessarte, no presente trabalho, investiga-se as contribuições das perguntas pedagógicas do Ciclo de Smyth como alternativa para suscitar a reflexão de professores.

5 As perguntas pedagógicas do ciclo de Smyth: possibilidade de questionamento e reflexão

Dentre as estratégias desenvolvidas para se propiciar o pensamento organizado e crítico dos professores destacam-se as perguntas pedagógicas, nas quais o questionamento de aspectos micro e macro envolvidos em suas ações possibilita a elaboração de diferentes níveis de reflexão. De acordo com Campos e Da Silva Diniz: “... essa estratégia pode ter duas dimensões: a de elaborar perguntas e a de responder à perguntas, tendo como princípios comuns a problematização e o diálogo com as situações” (2003, p. 3). Ademais, tais questões promovem o questionamento das práticas e teorias e desencadeiam a busca por melhorias na qualidade do ensino e formação de professores.

Nesse contexto, Smyth (1991) propõe o desenvolvimento de um trabalho de formação docente que capacite os professores a serem agentes modificadores das condições de ensino (AMARAL; MOREIRA; RIBEIRO, 2013). O trabalho proposto por ele consiste em uma série de perguntas que compõem o seu ciclo reflexivo e que permitem descrever, teorizar e confrontar o ensino, conforme Figura 1 a seguir.

Fonte: Próprios autores.

Figura 1 Momentos do ciclo de Smyth para a revisão da prática docente 

A etapa da descrição consiste no detalhamento dos procedimentos realizados na situação de ensino vivenciada na escola e ocorre o seguinte questionamento: O que foi feito? A expressão na forma escrita da situação de ensino poderá levar a posteriores debates e ao desenvolvimento dos licenciandos como professores, pois são analisados, com clareza, os aspectos que podem e devem ser mudados e os que deram certo e que possivelmente serão mantidos e aperfeiçoados (SMYTH, 1991).

Na etapa seguinte - informar - o futuro professor visa responder aos questionamentos: Quais os princípios que embasaram as ações? Quais as estratégias de ensino e os recursos pedagógicos utilizados durante a aula?

Posteriormente, ocorre o confronto de opiniões entre todos os envolvidos: do licenciando que acompanhou a intervenção do colega em sala de aula, do docente supervisor da escola, bem como do professor orientador da universidade e dos demais estudantes integrantes das disciplinas de estágio. Essa etapa tem como objetivo a emissão de pareceres sobre diversos elementos que compõem a prática pedagógica como a postura, a adequação da metodologia proposta, o comportamento dos alunos, os indícios de aprendizagem e as dificuldades percebidas. Têm-se os questionamentos: Qual a relação entre o planejamento (intenção) e a execução (intervenção)? Quais os indícios de aprendizagem e as dificuldades percebidas? Como a aula foi avaliada (individualmente, com os pares, com o professor da escola e da universidade)?

E, na etapa de reconstrução, cabe ao futuro professor realizar o processo de reflexão pedagógica, no qual busca entender as razões e consequências de suas ações (GALVÃO, 2005) a fim de ressignificá-las: Como poderia agir de forma diferente? Quais as forças e fraquezas? Para tanto, constrói uma narrativa reflexiva contendo todas as etapas supracitadas. Esta escrita torna possível a investigação sobre o “ser professor”, uma vez que permite ao licenciando ser sujeito e objeto de estudo e alcançar um duplo potencial de investigação e formação (CUNHA; CHAIGAR, 2009).

Dentre as contribuições dos questionamentos de todas as etapas, pode-se salientar, no âmbito de formação de professores:

... a apropriação dos elementos essenciais para o desenvolvimento da observação e da problematização de situações, torna-se capaz de formular questões mobilizadoras de pesquisa, de encontrar os métodos e fundamentos teóricos adequados para estudá-las; e assim, poderá desenvolver a capacidade de analista da realidade e ter acesso à produção do conhecimento e não somente aos produtos (AUTOR, 2014, p. 20).

Ao considerarmos as perguntas pedagógicas presentes em cada etapa do Ciclo de Smyth, partimos dos seguintes pressupostos teóricos: Os (futuros) professores fazem a diferença no ensino (TUCKER; STRONGE, 2007); os (futuros) professores aprendem uns com os outros ao partilhar as suas competências em conjunto (HARGREAVES, 1998) e, por isso, poderá ter impacto na qualidade das aprendizagens dos alunos (DAY, 2001). O questionamento durante o período de formação inicial possibilita a “... reflexão pelos futuros professores sobre representações, prática pedagógica e sobre o contexto social em que está inserida essa prática” (CAMPOS; DA SILVA DINIZ, 2003, p. 3).

6 Considerações finais

Tendo em vista as considerações e argumentos delineados neste trabalho, argumenta-se que o exercício reflexivo baseado no Ciclo de Smyth e suas perguntas pedagógicas podem ser consideradas como uma importante ferramenta para o desenvolvimento profissional docente, com implicações diretas na qualidade do ensino. Posto que o educador tem como base para a reflexão as experiências que ocorrem no contexto escolar, com objetivo de analisá-las para ampliar seu repertório de atuação e intervenção, “... as escolas não podem mudar sem o empenhamento dos professores; e estes não podem mudar sem uma transformação das instituições em que trabalham. O desenvolvimento profissional dos professores tem de estar articulado com as escolas e os seus projetos” (NÓVOA, 1992, p. 28). Em outras palavras, o desenvolvimento docente é produzido dentro do ambiente escolar e, por conseguinte, uma melhoria em sua atuação modifica a qualidade do ensino.

Ademais, evidenciou-se a importância de estimular os licenciandos durante o processo de formação inicial, bem como os professores atuantes nos contextos de formação continuada, a analisarem criticamente suas ações, pensamentos e sentimentos para que eles sejam capazes de atuar e modificar as comunidades escolares, alavancando resultados de aprendizagens dos estudantes e consequentes promoção da qualidade de ensino.

A apropriação do Ciclo de Smyth auxilia o processo de descrição, teorização, confronto e posterior reconstrução das práticas de ensino em formatos de perguntas pedagógicas capazes de nortear o caminho a ser seguido pelo docente na busca por uma melhor qualidade da educação. No que diz respeito às perguntas pedagógicas, estas podem ser entendidas como ponte para auxiliar os futuros professores a construírem uma relação dialética entre teoria e prática, o que pode favorecer um melhor planejamento de situações educativas vindouras, desenvolvimento de novas ações e postura docente, pois os aspectos teóricos possibilitam uma compreensão dos problemas vivenciados em sala de aula.

Certamente, a apropriação deste método reflexivo, assim como de outros, por si só não é suficiente. Dewey (1989) sugere uma união entre os métodos e as atitudes promissoras de reflexão - entusiasmo e responsabilidade - como elementos imprescindíveis para a qualidade da prática reflexiva. Nesse sentido, a formação não se constrói por acumulação de conhecimentos, mas, sim, por meio da reflexão crítica sobre a própria experiência e em interação com pares (VELLENICH et al., 2017).

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Recebido: 26 de Fevereiro de 2022; Aceito: 27 de Junho de 2022

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