Introdução
Atualmente vivemos em uma sociedade marcada pelas Tecnologias Digitais de Iinformação e Comunicação (TDIC), que permitem a circulação de informações na sociedade, utilizando-se de diversos mecanimos de comunicação, sendo que a diferença marcante entre elas é a presenca do digital nas TDIC.
O desenvolvimento das TDIC foi influenciado fortemente pela Revolução Industrial e pela Revolução da Informação. A primeira ocorreu em um período de grande desenvolvimento tecnológico, na segunda metade do século XVIII, e a segunda, em meados do século XX, a partir de resultados de pesquisas científicas.
É notório o quanto as TDIC influenciam de maneira significativa as nossas vidas, sendo muitas vezes responsáveis por novas formas de trabalho, relacionamentos, de viver, sentir, pensar e agir. (COLL; MONEREO, 2010)
Diante disso, faz-se necessário pensarmos nas possibilidades de uso dessas tecnologias no contexto educacional e nas práticas pedagógicas.
Fundamentados em autores como Coll e Monereo (2010), Fantin (2018), Ferreira e Carvalho (2018), Moreira e Januário (2014), entre outros, acreditamos que a tecnologia pode favorecer a promoção de um ensino extremamente dinâmico, por meio da revolução das práticas pedagógicas, a depender de como esta tecnologia for utilizada no contexto educacional.
Todavia, temos alguns desafios para o seu uso, tais como: a superação do tradicionalismo, o domínio precário dos conteúdos específicos das disciplinas do curso, a formação docente deficitária, a escolha adequada dos artefatos tecnológicos e a garantia do acesso à rede de internet.
É evidente ainda que há Cursos de Direito, cujo sistema tradicional de ensino é predominante, ao constatarmos a utilização de metodologias estáticas, nas quais as teorias são apresentadas pelos professores, frequentemente, por exposições orais, nem sempre contemplando o protagonismo do estudante na construção do seu saber.
No que se refere à metodologia, os docentes têm reproduzido uma tradição centenária nos cursos de Direito: a aula magistral. Também denominada de aulaconferência, ao estilo daquelas praticadas nas salas de aula da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tem-se na figura do professor o protagonismo. Cabe a ele expor o conteúdo aos alunos, permitindo apenas pouca, quando nenhuma, interação. (USTÁRROZ, 2016, p. 78-79)
Todavia, não é esse entendimento que devemos ter sobre metodologia, mas sim, de que a metodologia deve propiciar “[...] o desenvolvimento do pensamento crítico e da habilidade de solução de problemas” (HEINSFELD; PISCHETOLA, 2017, p. 1369). E, no caso específico dos cursos de Direito, como institui o Artigo 4º. da Resolução no. 5/2018, do Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação Superior (CNE/CES), deve assegurar a compreensão do “[...] impacto das novas tecnologias na área jurídica”, bem como “[...] o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito”.
Assim, este artigo apresenta o intuito de discorrer sobre o uso das TDIC e das mídias na educação na sociedade contemporânea e suas influências no ensino jurídico, a partir de uma pesquisa de cunho bibliográfico, por meio da análise de obras que abordam tais tecnologias e as mídias na educação e o ensino jurídico. A partir de uma reflexão sobre as TDIC e as mídias digitais, discutimos o uso das TDIC na Educação, sob a perspectiva de renomados autores, discursando a respeito de várias abordagens e metodologias que podem ser utilizadas. Por fim, tratamos o uso das TDIC no ensino jurídico, apontando, sucintamente, o contexto histórico dos cursos de Direito e o uso das metodologias capazes de promover alterações nas práticas educacionais, incentivando o protagonismo estudantil.
Tecnologias digitais de informação e comunicação e mídias digitais
Cotidianamente, buscamos mecanismos e recursos tecnológicos para suprir todas as nossas necessidades, tendo em vista que o mundo se tornou digital e tudo gira em torno da comunicação e da informação, desde o final da década de 1990, com o surgimento da internet. (CASTELLS, 2019)
À medida que esse movimento foi avançando sistemas integrados de manufatura, que eram internamente integrados a sistemas da própria empresa, passaram a ser integrados em sistemas com armazenamento em nuvens de dados, em postos alocados no chão de fábrica, transmitindo informações sobre as condições de produção e comportamento dos sistemas das máquinas e integrando essas informações àquelas oriundas dos próprios clientes consumidores dos produtos. (ALMEIDA, 2019, p. 23)
Conforme o referido autor, a lógica do funcionamento de redes, por meio da Internet, pode ser aplicada em qualquer tipo de atividade, em todos os contextos e locais que possuem a capacidade de se tornarem eletrônicos.
As TDIC são objeto de inúmeras pesquisas e discussões acadêmicas e não-acadêmicas. Por meio delas, é possível ministrar aulas mais dinâmicas, inovadoras, interativas e colaborativas. Tais tecnologias abriram um leque de práticas pedagógicas que podem ser utilizadas mediante sua implementação nas atividades docentes, qualquer que seja o curso superior.
Todavia, entendemos que antes de abordar a possibilidade de uso das TDIC na Educação, devemos compreender o seu conceito, o contexto histórico e toda evolução tecnológica para se chegar ao que temos hoje. Para tanto, abordamos, nesta seção, as TDIC e as mídias sociais.
Tais tecnologias podem ser entendidas como recursos tecnológicos que permitem a circulação de informações na sociedade por diversos meios diferentes de comunicação, como por exemplo, revistas, livros, jornais, fotografias, computadores, rádios, entre outros.
Conforme Coll e Monereo (2010), entre todas as tecnologias criadas pelos seres humanos, existem as que estão relacionadas com a capacidade de representar e transmitir informações, sendo responsáveis por afetarem todos os âmbitos da vida em sociedade, desde as formas de organização até as formas de compreendeensão do mundo.
Todavia, tais tecnologias passaram por transformações que podem ser explicadas em três etapas. A primeira está relacionada com a linguagem natural do ser humano diante da necessidade de adaptação do homem primitivo a um meio adverso e hostil, na qual a clareza na/da comunicação era necessária. A segunda, relaciona-se com a adaptação do ser humano, sendo exteriorizada por meio do desenvolvimento de técnicas alimentares, construtivas, vestimentais, etc. É justamente a segunda etapa que desencadeou a terceira, presente até a atualidade, que teve início com os sistemas de comunicação por meio de telégrafo e, posteriormente, por telefone, rádio e televisão. (COLL; MONEREO, 2010)
De acordo com os autores, a terceira etapa está vinculada à linguagem digital e às possibilidades das tecnologias de codificação, que são mais confiáveis e possibilitam maior conectividade.
Graças à interligação entre diferentes computadores digitais e à internet chegamos, assim, strictu sensu, à Sociedade da Informação, que poderíamos definir como um novo estágio de desenvolvimento das sociedades humanas, caracterizado, do ponto de vista das TIC, pela capacidade de seus membros para obter e compartilhar qualquer quantidade de informação de maneira praticamente instantânea, a partir de qualquer lugar e na forma preferida, e com um custo muito baixo. Neste momento, por outro lado, já estamos iniciando uma nova subetapa, caracterizada pelo desenvolvimento das redes sem fio e pela internet móvel, os quais podem tornar possível a velha utopia da conectividade total. (COLL; MONEREO, 2010, p. 20)
Essa total conectividade, interligando os computadores, é o marco da Sociedade da Informação, na qual a presença das TDIC é marcante.
Por sua vez, as mídias podem ser conceituadas como um conjunto de diversos meios de comunicação que possuem como finalidade principal a transmissão de informações e conteúdos variados. Estão estritamente relacionadas às diferentes plataformas que buscam disseminar as informações em jornais, revistas, televisão, rádio e até mesmo pela internet.
Conforme Martins (2003), a mídia é um substantivo que contém um vasto e complexo sistema de comunicação. Nesse aspecto, é interessante ressaltarmos que essa possibilidade nasce justamente pela forma de linguagem permitida pela mídia, seja oral, textual, gráfica, sonora, entre outras.
Ao conceito de mídia estão associadas as expressões “educação para as mídias” e “mídia-educação”, que aparecem
[...] em organismos internacionais, particularmente na UNESCO, nos anos de 1960 e, num primeiro momento, refere-se de modo um tanto confuso à capacidade destes novos meios de comunicação de alfabetizarem em grande escala populações privadas de estruturas de ensino e de equipes de pessoal qualificado, ou seja, às virtudes educacionais das mídias de massa como meios de educação a distância. Por mídia-educação convém entender o estudo, o ensino e a aprendizagem dos meios modernos de comunicação e expressão, considerados como parte de um campo específico e autônomo de conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que é diferente de sua utilização como auxiliar para o ensino e a aprendizagem em outros campos do conhecimento, tais como a matemática, a ciência e a geografia. (BÉVORT; BELLONI, 2009, p. 1085-1086)
Bévort e Belloni (2009) destacam que há uma diferenciação entre a mídia-educação, que é o objeto de estudo das mídias, e a mídia como auxiliar nos processos de ensino e aprendizagem nas diferentes áreas do conhecimento.
Assim, as autoras esclarecem que a mídia-educação está atrelada ao conceito de formação para uma leitura crítica das mídias em geral, tendo sua finalidade a busca por uma compreensão distanciada, analítica e crítica destas mídias, suscitando e incrementando o espírito crítico dos indivíduos.
Diante das conceituações expostas de TDIC e mídias, com foco em uma sociedade na qual o digital está presente praticamente em todas as nossas relações, abordaremos a possibilidade de uso das TDIC na Educação.
Uso das tecnologias digitais de informação e comunicação na educação
Heinsfeld e Pischetola (2017, p. 1356) destacam, em relação ao uso as TDIC na Educação, que:
Em face ao novo quadro, na era da informação e da cultura digital, emergem grandes desafios para a educação, dentre os mais marcantes a necessidade de a escola propiciar o desenvolvimento das habilidades necessárias à atuação cidadã em sociedade e a urgência de serem exploradas as potencialidades das redes digitais. Faz-se necessário entender, então, a forma de os alunos se relacionarem no mundo contemporâneo, tanto entre si quanto com a informação. Com isso, colocam-se algumas questões, para crucial reflexão: como os professores podem auxiliar seus alunos no desenvolvimento dessas habilidades? Como incluir as novas mídias digitais em sala de aula, reduzindo o estranhamento e a discrepância entre o ambiente escolar e o cotidiano dos indivíduos? Como considerar na prática docente as novas formas de se relacionar com a informação? Como criar um ambiente de aprendizagem que favoreça a autonomia, a autoria e a emancipação? Como explorar todas essas potencialidades?
Segundo as autoras, a escola desempenha um papel preponderante na vida dos estudantes, uma vez que deve propiciar o desenvolvimento das habilidades necessárias à atuação cidadã em sociedade, e as TDIC podem modificar as práticas educacionais, favorecendo o protagonismo estudantil na produção do seu próprio conhecimento.
No que diz respeito à utilização das redes digitais na educação, Heinsfeld e Pischetola (2017) registram vários apontamentos extremamente interessantes, quais sejam: a compreensão de como os alunos se relacionam no mundo contemporâneo, tanto entre si quanto com a informação; como os professores podem auxiliá-los no desenvolvimento dessas habilidades; como incluir as novas mídias digitais em sala de aula; como considerar as práticas docentes diante das novas formas de se relacionar com a informação; como criar ambientes de aprendizagem que favoreçam a autonomia, autoria e emancipação; e, como explorar as potencialidades das TDIC no ambiente escolar.
Tal compreensão subjaz ao potencial das TDIC por favorecer o acesso à informação, bem como por possibilitar a reelaboração de conteúdos. Para tanto, é fundamental a percepção de que é preciso alterar o processo de ensino e de aprendizagem.
As instituições de ensino, tanto do ensino básico quanto do superior, precisam estar conscientes de como as tecnologias digitais estão mudando e como elas estão alterando os processos de ensino e de aprendizagem. Primeiro, o aluno já não é mais o mesmo e não atua como antes. Ele não lê mais em material impresso e prefere ler nas telas. Quando solicitado a fazer uma pesquisa, provavelmente vai utilizar um sistema de busca como o Google ou os sistemas de acesso às bases de dados digitais; a biblioteca tem outra função. Tem muita facilidade para entrar em contato com as redes sociais ou com redes de especialistas e encontrar alguém que possa ajudálo a resolver problemas. Prefere os tutoriais online ou os vídeos no YouTube para entender como as coisas funcionam. Esse aluno certamente terá muita dificuldade para assistir a aulas expositivas por mais de 30 minutos.
Em segundo lugar é preciso considerar que a sociedade está ficando cada vez mais complexa. Se as pessoas não estiverem preparadas para lidar com essa complexidade elas terão muita dificuldade para navegar no mar de informações e de novas situações que estão surgindo.
Assim, em plena era digital, a questão que se coloca é: o que as instituições de ensino estão proporcionando aos seus estudantes? Nada muito diferente ou inovador. Pelo contrário, ainda oferecem uma educação tradicional, baseada na informação que o professor transmite e em um currículo que foi desenvolvido para a era do lápis e papel. (VALENTE, 2018, p. 17-18)
Conforme bem exposto pelo autor, as instituições de ensino não vêm oferecendo nada muito diferente ou inovador, ou seja, mantêm-se no ensino tradicional, no qual o professor é mero detentor e transmissor do conhecimento ao seu aluno. Todavia, tal quadro pode ser totalmente modificado pela utilização das TDIC. Para Valente (2018), a sala de aula precisa estar dinâmica e coerente com as ações que desenvolvemos cotidianamente, cada vez mais mediadas pelas TDIC.
Nesse sentido, faz-se necessária a utilização das TDIC para o desenvolvimento do pensamento crítico, buscando soluções de problemas por meio do entendimento e apropriação do funcionamento das redes colaborativas, bem como incentivando a criatividade, a curiosidade e o empreendedorismo.
Para atingir esses objetivos, podemos utilizar inúmeras tecnologias, como Recursos Educacionais Abertos e as redes sociais, assim como atividades de cultura maker, que propiciem a aprendizagem colaborativa.
Conforme Fantin (2018, p. 348),
[...] as pesquisas que abordam experiências participativas mediadas pelas tecnologias nas mais diversas áreas - artes, arquitetura, música, linguística, filosofia, educação - mostram múltiplas possibilidades das práticas colaborativas em diferentes campos do saber e suas especificidades, ao lado da necessidade de políticas públicas.
Os Recursos Educacionais Abertos (REA), conforme Ferreira e Carvalho (2018, p. 742) são “[...] materiais de ensino e aprendizagem disponibilizados na web sob licenças abertas, bem como registros de práticas pedagógicas e métodos de pesquisa.” Por estarem disponíveis, são de fácil acesso aos estudantes.
Outra possibilidade são as redes soiais, definidas por Moreira e Januário (2014) como espaços coletivos e colaborativos, nos quais se abrem possibilidades de comunicação e trocas de informações na sociedade. Essas comunidades virtuais têm se tornado grandes aliadas “[...] à aprendizagem e aos contextos organizacionais tradicionais, sendo representantes de ambientes intelectuais, culturais, sociais e psicológicos que facilitam e sustentam a aprendizagem” (MOREIRA; JANUÁRIO, 2014, p. 74). Considerando que as redes sociais são capazes de gerar interação entre os seres humanos, evidenciamos o seu caráter colaborativo de comunicação, transformando-se em um grande aliado à aprendizagem, principalmente pelo fato de serem integrantes da vida dos estudantes.
As atividades da cultura maker estão relacionadas ao “fazer”, sob a perspectiva de que o estudante adquira os conhecimentos “fazendo”, “criando”. Sobre isso, Valente e Blikstein (2019) ressaltam que a cultura maker possui relação com a disseminação das tecnologias digitais nas décadas de 1980 e 1990, através da criação do movimento hacker1 e de hackerspaces em várias cidades dos Estados Unidos e da Europa. O autor esclarece ainda que esses hackerspaces seriam lugares onde se trabalhava para investigar dispositivos, reutilizar e explorar novas tecnologias, ou seja, produzir novos objetos ou sistemas. A título de exemplo, temos a desmontagem de aparelhos eletrônicos e o reaproveitamento para criação de novos aparelhos.
As atividades da cultura maker inovam as abordagens metodológicas, tendo em vista que a aprendizagem passa a ser totalmente voltada e centrada no estudante, uma vez que ele pode aprender de acordo com as situações que lhe são propostas e com o que ele produz.
Para que ocorra a aprendizagem, é necessário que haja um processo de integração entre a criação realizada e o conteúdo curricular desenvolvido, de modo que os estudantes reflitam sobre os conceitos utilizados no processo de produção. Ou seja, não basta a criação, é preciso a reflexão das ações desenvolvidas e sua conexão com o conteúdo curricular para que o conhecimento seja propriamente construído. Além disso, durante o processo de criação, o estudante deve refletir sobre suas ações e sobre como elas podem influenciar o produto final, a partir de interações com o professor.
Diante do exposto, fica clara a atuação do estudante como protagonista e não mais como um mero receptor de informações e conhecimento. O professor não é mais o detentor do conhecimento, mas sim um agente de mediação, que busca aclarar os caminhos dos estudantes, auxiliando-os na construção do conhecimento.
Vale ressaltarmos que as TDIC podem ter ainda a função mediadora entre o estudante e o professor, visto que as interações são maiores, aumentando a troca de informações e ideias entre os envolvidos.
As TDIC podem propiciar a aprendizagem colaborativa, que é diferente da aprendizagem cooperativa. De acordo com Fantin (2018), a colaboração está relacionada com o fazer juntos, na qual todos os envolvidos trabalham em paralelo, mas na mesma atividade, ao passo que na cooperação, cada indivíduo faz a sua parte individualmente.
Assim, é possível observarmos que as TDIC podem ser amplamente utilizadas dentro da sala de aula e desempenhar um papel transformador e inovador. Todavia, conforme bem dispõe Selwyn (2017), o uso da tecnologia dentro do contexto educacional precisa ser bem estruturado.
O uso das tecnologias digitais de informação e comunicação no ensino jurídico
O ensino jurídico possui suas raízes históricas na Coroa Portuguesa e iniciou-se no Brasil por volta de 1800, atendendo a movimentos estudantis.
Os dois primeiros cursos de Direito brasileiros foram criados por meio de Lei, em 11 de agosto de 1827, nas cidades de Olinda e São Paulo, com o interesse de formar magistrados, peritos, advogados, deputados e senadores (MAROCCO, 2016). Foi essa criação que possibilitou a emancipação jurídica da Coroa Portuguesa e o início da formação da cultura jurídica brasileira. Na época, como revela o Artigo 110 do Decreto nº 1.134, de 30 de março de 1853 (BRASIL, 1853), a metodologia de ensino priorizava as aulas expositivas, com ênfase no ensino tradicional.
Por sua vez, a Portaria 1.886/94 (BRASIL, 1994), trouxe inovações, ao considerar importante a integração de atividades de ensino, pesquisa e extensão e o enfoque teórico-prático, o que pode propiciar inserção na realidade social e desenvolvimento do espírito crítico dos estudantes. Entretanto, Rodrigues (1995, p. 89) alertou que, para tanto, seria necessário substituir a “[...] educação tradicional (“bancária”) por um modelo educacional crítico e inovador.
A aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), reforça a preocupação com a formação crítica, o que demandou a revisão das diretrizes curriculares dos cursos jurídicos, originando-se a Resolução CNE/CES nº 9/2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Direito.
Conforme dispõe o Artigo 2º da referida resolução (BRASIL, 2004), o projeto pedagógico dos cursos de Direito deve abranger, dentre outros aspectos, o perfil, as competências e habilidades dos egressos e os conteúdos curriculares.
Além disso, o Artigo 3º traz que tais cursos de Direito precisam assegurar a formação sólida do estudante, desenvolver aptidões e adquirir a autonomia discente, por meio do saber dinâmico e do pleno desenvolvimento da capacidade de análise.
Para tanto, o Artigo 5º dispõe sobre a estrutura curricular, dividida em três eixos:
I - Eixo de Formação Fundamental, tem por objetivo integrar o estudante no campo, estabelecendo as relações do Direito com outras áreas do saber, abrangendo dentre outros, estudos que envolvam conteúdos essenciais sobre Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia.
II - Eixo de Formação Profissional, abrangendo, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a evolução da Ciência do Direito e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se necessariamente, dentre outros condizentes com o projeto pedagógico, conteúdos essenciais sobre Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional e Direito Processual; e
III - Eixo de Formação Prática, objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nos demais Eixos, especialmente nas atividades relacionadas com o Estágio Curricular Supervisionado, Trabalho de Curso e Atividades Complementares. (BRASIL, 2004)
Entretanto, embora os cursos tenham sido reestruturados, o que percebemos é que os métodos tradicionais de ensino ainda estão muito presentes no cotidiano dos cursos. Há um excesso de teorias, enfraquecendo as estruturas da cultura jurídica e comprometendo o desenvolvimento de competências e habilidades dos estudantes. (BURGARELLI, 2011)
Nesse sentido, é possível notarmos que, desde a implementação dos cursos de Direito no Brasil, já se passaram mais de cento e setenta anos, todavia, os cursos adotam praticamente as mesmas metodologias, mesmo tendo a clareza de que hoje há outras demandas da sociedade.
Importante ressaltarmos que as DCN, instituídas em 2004, foram alteradas somente em 2018, por meio da aprovação da Resolução CNE/CES nº 5/2018 (BRASIL, 2018), que teve o Artigo 5º modificado pela Resolução CNE/CES nº 2/2021 (BRASIL, 2021) . De acordo com a nova redação, os cursos devem priorizar a interdisciplinaridade e a articulação de saberes, e o projeto pedagógico deve incluir conteúdos e atividades que assegurem a seguinte proposta formativa:
I - Formação geral, que tem por objetivo oferecer ao graduando os elementos fundamentais do Direito, em diálogo com as demais expressões do conhecimento filosófico e humanístico, das ciências sociais e das novas tecnologias da informação, abrangendo estudos que, em atenção ao PPC, envolvam saberes de outras áreas formativas, tais como: Antropologia, Ciência Política, Economia, Ética, Filosofia, História, Psicologia e Sociologia; II - Formação técnico-jurídica, que abrange, além do enfoque dogmático, o conhecimento e a aplicação, observadas as peculiaridades dos diversos ramos do Direito, de qualquer natureza, estudados sistematicamente e contextualizados segundo a sua evolução e aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se, necessariamente, dentre outros condizentes com o PPC, conteúdos essenciais referentes às áreas de Teoria do Direito, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito do Trabalho, Direito Internacional, Direito Processual; Direito Previdenciário, Direito Financeiro, Direito Digital e Formas Consensuais de Solução de Conflitos; e (NR).
III - Formação prático-profissional, que objetiva a integração entre a prática e os conteúdos teóricos desenvolvidos nas demais perspectivas formativas, especialmente nas atividades relacionadas com a prática jurídica e o TC, além de abranger estudos referentes ao letramento digital, práticas remotas mediadas por tecnologias de informação e comunicação. (BRASIL, 2021, grifo nosso)
Além do que está grifado acima, as tecnologias são mencionadas nos itens XI e XII do Artigo 4º, segundo os quais o curso deve possibilitar formação profissional que capacite o estudante a “compreender o impacto das novas tecnologias na área jurídica” e “possuir o domínio de tecnologias e métodos para permanente compreensão e aplicação do Direito.”
Isto posto, questionamos se é possível a aplicação das TDIC nos Cursos de Direito.
Conforme discorremos, as TDIC podem ser amplamente aplicadas na Educação, havendo inúmeras possibilidades de metodologias, inclusive para o ensino jurídico.
Na área jurídica, encontramos órgãos responsaveis pela veiculação de entendimentos atualizados sobre temáticas divergentes, utilizando as mídias e as TDIC para apresentar essas novas compreensões em uma velocidade que antes não era possível.
Hoje temos acesso às legislações, doutrinas e jurisprudência atualizadas. Ilustramos que, antes da era tecnológica, as jurisprudências eram apresentadas em livros, cujo acesso só se dava por meio da aquisição dos respectivos livros. Atualmente, estão disponiveis na internet, e o acesso é possível em segundos, com alguns cliques.
Além disso, a pandemia de Covid-19 trouxe inúmeras modificações no cenário jurídico. Conforme é sabido, todo o Poder Judiciário se atualizou e passou a utilizar as tecnologias digitais, tornando-se, atualmente, raros os processos físicos encontrados. Se não bastasse isso, em algumas regiões, já está em aplicação o sistema chamado “Processo 100% Digital”, no qual todos os atos processuais são realizados de forma digital, além dos chamados Julgamentos Virtuais.
Diante disso, se pensarmos que o judiciário está, a cada dia, utilizando mais as TDIC, porque não utilizá-las também nos Cursos de Direito, que formam os futuros operadores do Poder Judiciário?
Entre as várias possibilidades de uso das TDIC, nossa vivência revela que podemos aplicá-las no ensino jurídico. Com a utilização de Recursos Educacionais Abertos e redes sociais, [...] “[...] têm surgido diversas propostas de práticas pedagógicas alternativas, como a aprendizagem ativa, na qual, em oposição à aprendizagem passiva, bancária [...] baseada na transmissão de informação, o aluno assume uma postura mais participativa, na qual ele resolve problemas, desenvolve projetos e, com isto, cria oportunidades para a construção de conhecimento.” (VALENTE, 2014, p. 81-82)
Embora entendamos que haja dificuldade para adequar o uso das TDIC aos conhecimentos jurídicos e o nível de conhecimento dos estudantes, concordamos com Valente (2014, p. 82), ao discorrer que:
[...] essas dificuldades têm sido superadas à medida que as tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) estão sendo utilizadas na educação e passam a fazer parte das atividades de sala de aula. Essas tecnologias têm alterado a dinâmica da escola e da sala de aula como, por exemplo, a organização dos tempos e espaços da escola, as relações entre o aprendiz e a informação, as interações entre alunos, e entre alunos e professor.
Outra dificuldade, refere-se ao corpo docente dos Cursos de Direito, tendo em vista que, via de regra, é composto por profissionais que nem sempre possuem formação pedagógica. Para que o uso das TDIC seja efetivo, é preciso investirmos tempo em estudos, de modo a vislumbrar as possibilidades de articulação das diferentes TDIC e metodologias ao ensino jurídico.
Conclusão
A partir do estudo podemos concluir que a sociedade e o ensino jurídico passam por constantes modificações. Diante disso, é impossível exaurirmos a temática, tendo em vista sua riqueza, que pode provocar debates de inúmeras formas. Aqui, buscamos abordar, de forma pontual, as TDIC e seu uso na educação e no ensino jurídico.
É evidente que o digital se faz presente na vida do ser humano, pois hoje já não conseguimos mais pensar em uma sociedade sem o digital, que influencia também o ambiente acadêmico. Sua presença passou a ter destaque nas salas de aula.
O ensino estático e tradicional vem perdendo espaço na sociedade, ao passo que o ensino dinâmico e colaborativo vem se ampliando rapidamente. A educação bancária não supre mais a necessidade dos estudantes, uma vez que a autonomia vem sendo cada vez mais necessária para o pleno desenvolvimento do estudante.
Ao considerarmos estes aspectos, concluímos que urge a necessidade de aplicação das TDIC na educação básica e no ensino jurídico.
De acordo com Heinsfeld e Pischetola (2017, p.1356), existe “[...] a necessidade de a escola propiciar o desenvolvimento das habilidades necessárias à atuação cidadã em sociedade”, como também de explorar as potencialidades das redes digitais.
Entretanto, ao tratarmos das TIDC no ensino jurídico, precisamos ressaltar que há vários aspectos a serem observados, dentre eles: o tradicionalismo (professores entre paredes), a questão da conectividade, o domínio e formação para o uso das tecnologias, a qualidade dos artefatos tecnológicos, o acesso à internet e a própria formação pedagógica dos docentes.
Por fim, acreditamos que as TDIC podem modificar as práticas educacionais, favorecendo a criação do protagonismo estudantil, tornando-o não apenas consumidor, mas produtor de informação, com a possibilidade de elaborar conteúdos, passando a ser incluído digitalmente e autor do seu próprio saber.