Introdução
Na tentativa de contextualizar o histórico do Curso de Pedagogia no âmbito da disciplina do Estágio Supervisionado, especialmente para estudantes Público da Educação Especial (PEE), este artigo traz o recorte de uma pesquisa mais ampla, desenvolvida em uma dissertação de mestrado financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Os cursos de Pedagogia no Brasil passaram por um contexto histórico turbulento desde a sua criação em 1939, até o momento da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia - Resolução CNE/CP n. 1/06 (BRASIL, 2006) -, expedidas em 15 de maio de 2006. Esse contexto permite o entendimento de que o Curso de Pedagogia tem sido objeto de contraditórias reflexões sobre sua finalidade e identidade, configurando um percurso de lutas e indefinições (PAPI, 2005).
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (2006) objetivaram ditar princípios, condições e normas a serem observadas nos planejamentos e avaliações das instituições de Ensino Superior e pelos órgãos dos sistemas de ensino de todo o país. De acordo com as orientações do referido documento, os projetos pedagógicos dos cursos de formação deviam ser protocolados nos sistemas de ensino em um ano, a contar da promulgação da Resolução e alcançar todos os estudantes ingressantes.
No tocante à disciplina de estágio supervisionado, ela esteve presente nos cursos de formação de professores no Brasil desde a criação das Escolas Normais durante as primeiras décadas do século XX, inicialmente orientadas por legislações estaduais e, após 1946, pela Lei Orgânica do Ensino Normal, perpassando pelo Decreto 627/69 que foi um dos pioneiros na nomenclatura de Estágio Supervisionado, até a Resolução CNE/CP n. 1/06, que define as funções do estágio supervisionado. Nesse encaminhamento, Melo (2008, p. 98-99) reconhece que a prática pedagógica e o estágio representam “[...] o ponto de partida para a teoria, para sistematizar novos conceitos e para compreender e decodificar a realidade vivenciada”. [...] situa-se como um processo de investigação/explicação de uma determinada realidade educacional e pedagógica”.
A Lei 11.788/08 dispõe sobre o estágio de estudantes e define que ele é o ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de graduandos do curso de Pedagogia em ambientes do ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de Ensino Médio, da Educação Especial e dos anos finais do Ensino Fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos. O estágio visa a aprendizagem de competências próprias da atividade profissional e a contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho (BRASIL, 2008a).
Maciel (2012) menciona que o estágio supervisionado possui grande relevância nos cursos de licenciatura no Brasil, uma vez que se constituem oportunidade de vivências específicas da docência. Essas vivências do ser professor, da experiência do magistério e da regência de classe devem transcender a obrigação curricular, assumindo uma função de protagonismo em meio à formação inicial. Sendo assim, é necessário que se discuta o estágio como espaço da formação que contribui para a reflexão crítica sobre a ação docente; para a articulação entre teoria/prática; para a pesquisa e para a produção de saberes sobre o ensinar e o ser professor.
Para Alarcão e Roldão (2008) a reflexão crítica na prática proporciona que o docente questione e problematize, pois ocorrerá um distanciamento da situação e possível busca de soluções. Os autores destacam a importância de verificar como se estabelece a relação entre supervisionados (estudantes em prática) e supervisores (professores formadores) nas práticas de estágio, já que a escola também se torna instituição aprendente ao vislumbrar a relação no foco humano e profissional, que pode auxiliar a prática e a reflexão crítica dos supervisionados no dia a dia da sala de aula após sua formação.
Observa-se, que com o transcorrer da história do curso de Pedagogia houve também o avanço da oferta do estágio supervisionado. Por outro lado, como salienta Pimenta e Lima (2004), há equívocos e retrocessos presentes na atual legislação, como o enfoque técnico na formação docente, tida como o desenvolvimento de competências e a fragmentação da formação por meio da divisão das horas integralizadas entre atividades científico-culturais, estágio e outras atividades acadêmico-científico-culturais. Infere-se, que a concepção de estágio presente na legislação encontra-se na contramão das pesquisas que o apontam como lócus de formação dos saberes e da identidade docente.
Neste sentido, Bueno e Marin (2011) colocam que a extinção das habilitações específicas, já reduzidas em relação à demanda, criou um vácuo à medida que não houve qualquer ação política para as determinações de parâmetros normativos e as instituições de Ensino Superior não conseguiram se organizar para preencher a exigência determinada para a formação de professores especializados.
Nesse entendimento, é importante que o professor adquira nos cursos de formação inicial uma base teórica sólida em diferentes áreas de atuação da educação escolar, entre elas o conhecimento sobre as necessidades adicionais de apoio às pessoas PEE e seu processo de ensino-aprendizagem, para que os cursos sejam capazes, na prática, de possibilitar sucesso na aprendizagem e na inclusão escolar desses estudantes, assinala Macedo (2010). Os estágios supervisionados aliados às disciplinas específicas em Educação Especial podem proporcionar ao estudante uma formação mais ampla sobre as pessoas PEE, não somente conhecer quem é esse público, mas como identificá-lo, encaminhá-lo para que esse aluno possa desenvolver seu potencial plenamente.
Sendo assim, importa perceber que a profissão docente, como muitas outras profissões, é permeada por barreiras e cobranças, como o seguimento estrito do currículo e as diversas funções desempenhadas pelo docente, pois não há abertura de espaço para que seja um agente de mudança. Para Leite e Fernandes (2010), os professores desempenhariam melhor o seu papel na construção de inovações se possuissem e mobilizassem um conjunto de novas competências e capacidades, nomeadamente a de problematizar e de refletir coletivamente sobre os cotidianos escolares e o que fazer para se concretizar o princípio da equidade e da justiça social.
Diante do exposto, questionou-se como se dava o estágio supervisionado para graduandos de Pedagogia no tocante a estudantes PEE em três instituições de Ensino Superior (IES); duas públicas e uma particular e qual o perfil desses graduandos.
Para atender ao questionamento traçou-se como objetivo principal aprofundar o conhecimento sobre a formação inicial de professores/as e a prática de estágio supervisionado e como objetivos específicos: i) verificar e analisar as matrizes curriculares das disciplinas de estágio supervisionado dos cursos de Pedagogia referente à Educação Especial; ii) investigar como foram as experiências dos graduandos durante os estágios junto aos estudantes público da Educação Especial; e iii) caracterizar o perfil dos graduandos.
2 Método
Este estudo se apresentou como sendo de natureza exploratória e de caráter descritivo. Marconi e Lakatos (2003) destacam que estudos exploratório-descritivos combinados são estudos que têm por objetivo descrever completamente determinado fenômeno, pois podem ser encontrados tanto descrições quantitativas e/ou qualitativas quanto acumulação de informações detalhadas como as obtidas por intermédio da observação participante.
Para tanto, os locais da pesquisa foram três IES com Curso de Graduação em Pedagogia do interior do estado de São Paulo, sendo uma universidade federal, uma universidade estadual e uma faculdade particular as quais são denominadas: IES A, IES B e IES C, respectivamente. Os participantes foram 118 graduandos do último ano do curso de Pedagogia. Os aspectos éticos foram seguidos, sendo que as IES assinaram o termo de anuência na participação da pesquisa e os graduandos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa teve a aprovação do Comitê de Ética em Seres Humanos sob o parecer número CAEE: 45335515.8.0000.5504.
O instrumento utilizado para coleta de dados foi o questionário, o qual foi dividido em dois blocos, A e B, entretanto, serão apresentados neste artigo os resultados obtidos do Bloco A, o qual é subdividido em três categorias (A1, A2 e A3) quais sejam: Categoria A1 - Análise Curricular dos Estágios e da Educação Especial; Categoria A2 - Experiência com o PEE; e Categoria A3 - Perfil dos graduandos.
Buscou-se nas páginas da internet das IES A, B, e C as ementas de disciplinas, os projetos pedagógicos dos cursos de Pedagogia, as matrizes curriculares e outros documentos disponíveis nos sites das instituições.
Na IES A foram pesquisados os seguintes documentos: Projeto Pedagógico do curso de Licenciatura em Pedagogia, gestão 2008, com revisão e adequação na gestão 2011; Matriz curricular do curso de Pedagogia - Matutino e Diurno; e Catálogo do Curso. Na IES B foram encontrados e analisados três documentos: o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia na gestão 2006/2007; o Termo de Adequação do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da gestão 2013-2015 e as Ementas das Disciplinas Obrigatórias e Optativas. A IES C configura-se com uma conjuntura um pouco diferenciada das demais, sendo que nela foi analisada a Matriz curricular disponível na internet, porém não constava no site do referido curso as Ementas das disciplinas e o Projeto Pedagógico, assim sendo, foram solicitados via e-mail junto à coordenação do curso.
Valeu-se de análise documental para a verificação das ementas e planos de ensino dos cursos de Pedagogia pesquisados. Salienta-se que as respostas foram agrupadas de acordo com a semelhança entre elas de cada IES pesquisada.
3 Resultados e discussão
Categoria A1. Análise Curricular dos Estágios e da Educação Especial
Como pontua Miranda e Sousa (2021), oficialmente o estágio supervisionado é a primeira grande oportunidade para que estudantes de cursos de licenciatura adentrem o universo concreto de sua futura profissão, vivenciem práticas pedagógicas e construam novos saberes. Dessa forma, em uma busca nas disciplinas das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia e nos planos de ensino das três IES pesquisadas, constatou-se a existência da (s) disciplina (s) de estágio supervisionado com pelo menos 300 horas obrigatórias, de acordo com a Resolução CNE/CP n. 1/06.
Na IES A havia quatro disciplinas de estágio supervisionado obrigatórias. No 5º semestre foi disponibilizada a disciplina ‘Prática de Ensino e Estágio Docente em Alfabetização e Língua Portuguesa’ com 60 horas; no 7º semestre duas disciplinas voltavam ao estágio, a disciplina ‘Estágio Supervisionado em Administração Educacional - Ensino Fundamental e Ensino Médio’ e a disciplina ‘Prática de Ensino e Estágio Docente nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental Regular’, ambas totalizando 90 horas. Já no 8º semestre também eram oferecidas duas disciplinas, a disciplina ‘Estágio Supervisionado em Administração Educacional - Educação Infantil’ e a disciplina ‘Pratica de Ensino e Estágio Docente na Educação Infantil’, totalizando 90 horas; e por fim, no 10º semestre havia a disciplina ‘Prática de Ensino e Estágio Docente na Educação de Jovens e Adultos’ com 60 horas, somando 300 horas.
Na IES B existiam cinco disciplinas voltadas ao estágio supervisionado. No 3 º semestre foi ministrada a disciplina ‘Estágio Curricular Supervisionado em Educação Infantil: Creches’, com 100 horas; no 4º semestre a disciplina ‘Estágio Curricular Supervisionado em Educação Infantil: Pré Escolas’, também com 100 horas; no 6º semestre a disciplina ‘Estágio Curricular Supervisionado em Gestão Educacional’ com 100 horas; no 7º semestre a disciplina ‘Estágio Curricular Supervisionado: Anos Iniciais do Ensino Fundamental I’ , com 100 horas; e por fim no 8º semestre a disciplina ‘Estágio Curricular Supervisionado: Anos Iniciais do Ensino Fundamental II’ também com 100 horas. Assim, nessa IES ao final do curso, o graduando integralizou 500 horas de estágio supervisionado.
Na IES C existiam quatro disciplinas voltadas ao estágio supervisionado. No 4º semestre foi ofertada a disciplina ‘Estágio Supervisionado na Educação Básica: Educação Infantil’ com 70 horas; no 5º semestre a disciplina ‘Estágio Supervisionado da Educação Básica - Anos Iniciais’, com 70 horas; no 6º semestre a disciplina ‘Estágio Supervisionado na Educação Básica: Educação Especial e Inclusiva’, com 100 horas; e por fim no 7º semestre a disciplina ‘Estágio Supervisionado na Educação Básica: Gestão Educacional’, com 70 horas, totalizando 310 horas.
Pode-se constatar, que as três IES ofertaram a carga horária obrigatória estabelecida por lei, 300 horas. No entanto, notou-se que a IES B ofertou 200 horas a mais de estágio obrigatório. Além disso, todas as instituições ofertaram o estágio voltado para Gestão ou Administração Escolar, Educação Infantil e Ensino Fundamental ou Educação Básica Anos Iniciais. Apesar da similaridade em alguns aspectos, observou-se discrepância em outros . A IES A ofereceu um estágio para Educação de Jovens e Adultos - EJA -; A IES B ofereceu voltou o estágio para a Creche, além do estágio obrigatório na Educação Infantil, dividindo-o em dois semestres. Essa mesma IES, ofertou o estágio no Ensino Fundamental II o que não ocorreu nas demais IES; e por fim, a IES C foi a única que trouxe como obrigatório o estágio na Educação Especial e Inclusiva.
Por outro lado, na análise das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia sobre conteúdos referentes à Educação Especial pode-se notar que há a oferta de disciplinas relacionadas à Educação Especial nas três IES, sendo que a IES C se destacou por ofertar uma carga horária superior, frente às IES A e IES B. Para exemplificar, o Gráfico 1 demonstra o total de carga horária ofertada nas disciplinas diretamente voltadas a Educação Especial e obrigatoriamente ofertadas pelas IES pesquisadas.
Detalhando o resultado encontrado, pode-se observar que a IES A ofertava 90 horas direcionadas à Educação Especial e as disciplinas voltadas ao tema foram: Disciplina 1 - Educação Infantil - a criança, a infância e as instituições, apesar do foco da disciplina não ser Educação Especial, na sua ementa apresentava como um dos objetivos a questão das necessidades especiais e diferenças voltadas à Educação Infantil. Essa disciplina foi ofertada em caráter obrigatório e com carga horária de sessenta horas; Disciplina 2 - Fundamentos de Educação Especial e Políticas de Inclusão - caracterizava-se os conceitos da Educação Especial, inclusão, apresentação do PEE e discussão sobre eles. Essa disciplina era ofertada como obrigatória e com carga horária de sessenta horas; e Disciplina 3 - Introdução a Língua Brasileira de Sinais- Libras I - a ementa não estava disponível, porém na análise da Matriz Curricular aparecia a oferta como disciplina obrigatória com carga horária de trinta horas.
A IES B ofertava 120 horas destinadas à Educação Especial, estando dividas em três disciplinas que eram: Disciplina 1. “Educação Especial”: possuía caráter obrigatório de oferecimento e carga horária de sessenta horas. Nesta disciplina abarcava-se a Educação Especial de maneira mais ampla, buscando, também, inserir o PEE; Disciplina 2 - “Educação Inclusiva”: é oferecida em caráter optativo, ou seja, não faz parte das disciplinas regulares e obrigatórias do curso de Pedagogia, sendo a oferta facultativa. Nessa disciplina o foco era a educação inclusiva e seus processos; e a Disciplina 3 - ”Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS” - foi incluída em 2015 por meio do Termo de Adequação do Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da gestão 2013-2015. Nesse documento explana-se que seria ofertada a disciplina no curso de Pedagogia.
Já a IES C, que ofertava 460 horas, estava dividida em sete disciplinas voltadas ao tema da Educação Especial, quais sejam: Disciplina 1 - “Fundamentos e Políticas de Educação Especial e Inclusiva” - com carga de 40 horas tinha como foco trabalhar a questão da inclusão, para isso, abordava sobre conceitos e legislação; Disciplina 2 - “Educação Especial e Inclusiva: Deficiência Física” - buscava tratar sobre adaptações do ambiente e metodologias de ensino para pessoas com deficiência física. Essa disciplina contemplava 40 horas; Disciplina 3 - “Educação Especial e Inclusiva: Deficiência Visual” - abordava sobre o método Braille e a educação do deficiente visual. Possui carga horária de 40 horas; Disciplina 4 - “Estágio Supervisionado na Educação Básica: Inclusão”era uma disciplina de estágio obrigatório voltada à inclusão, desenvolvia em 100 horas de atividades de observação e docência e 40 horas de supervisão/orientação com o professor responsável. Assim o total da carga horária dessa disciplina era de 140 horas; Disciplina 5 - ‘LIBRAS e Deficiência Auditiva I’ visava estudar conceitos básico do deficiente auditivo, metodologias de ensino, bem como uma introdução à LIBRAS. Para tanto, esta disciplina tinha a carga horária de 80 horas; Disciplina 6 - “Educação Especial e Inclusiva: DI e AH e Superdotação” - trabalhava com dois públicos distintos: deficiência intelectual que objetivava conhecer, identificar e trabalhar com deficiência intelectual, e dotação e talento. Importa ressaltar que a ementa da disciplina explicita tudo o que irá trabalhar com o deficiente intelectual, porém no que se refere à dotação e talento indica somente que irá ser trabalhada essa especificidade. Essa disciplina também contemplava 80 horas; e por último, a Disciplina 7 - ‘LIBRAS e Deficiência Auditiva II’ que visava trabalhar com conceitos teóricos e práticos do ensino da LIBRAS, bem como sobre a pessoa com deficiência auditiva. Para tanto tinha 80 horas de carga horária.
Dessa forma, nota-se um expressivo número de horas de disciplinas ofertadas relacionadas à Educação Especial, especialmente na IES C. Macedo (2010) também destaca que é importante que o professor adquira nos cursos de formação inicial, uma base teórica sólida sobre as diferentes áreas de atuação da educação escolar, dentre elas o conhecimento sobre as características das crianças PEE e seu processo de ensino-aprendizagem, a fim de que ele seja capaz de possibilitar sucesso no processo de aprendizagem na prática.
Assim, de maneira geral em relação a análise das matrizes curriculares dos cursos de Pedagogia pesquisados, inferiu-se que as três IES tinham a carga horária obrigatória de estágio mínima, e em específico a IES C ofertava uma disciplina de estágio específica em Educação Especial.
Categoria A2. Experiência com o PEE
Em relação à experiência prática dos graduandos participantes com estudantes PEE durante os estágios foi possível constatar que apenas 59 graduandos dos 118 participantes relataram que tiveram experiências com algum PEE durante seus estágios. A seguir foram detalhadas suas respostas.
Especificamente sobre a prática trazida por meio dos estágios, a pesquisa de Miranda e Sousa (2021) ressalta que os estudantes investigados compreenderam que o estágio é importante para a formação inicial de professores, pois permite vivenciar a realidade concreta de uma escola, observar as práticas pedagógicas dos professores, desenvolver suas próprias práticas e produzir novos conhecimentos, a partir daqueles aprendidos na universidade.
Apesar de apenas 59 estudantes terem contato com o PEE nos estágios, tal dado demonstra que eles estão na escola, conforme a proposta de um sistema educacional inclusivo, evidenciado na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEI) (BRASIL, 2008), visto que é um direito humano para além de cultural, social e pedagógico, como ação política promotora de uma educação de qualidade para todos os estudantes.
Nesse sentido, é importante trazer uma discussão de cunho mais político e social para a questão da inclusão escolar, segundo Biesta (2012) devemos estar atentos a ideia do cidadão ignorante, ou seja, uma cidadania que não se insere apenas em conhecimentos particulares sobre o que seria ser um bom cidadão. Deve-se pensar na ideia do bom cidadão da democracia política desde um contexto mais amplo, já que a política estava pré-estabelecida quando chegamos, sobretudo sem questionar sobre suas bases, reproduzindo o sistema político existente. Dessa forma, importa dizer que a inclusão escolar vista atualmente não foi ação de uma pessoa ou de uma assinatura, caracteriza um avanço social e político, em que vários sujeitos estiveram implicados, lutaram e motivaram política estabelecida na PNEEI (2008), no entanto, não significa que ela não deva ser discutida, analisada, ampliada e revista.
Segundo as respostas dos graduandos, as especificidades do PEE vivenciadas nos estágios foram: Deficiência Intelectual, especialmente a Síndrome de Down; a Deficiência Visual; a Deficiência Auditiva; a Deficiência Física; Múltiplas deficiências; a Paralisia Cerebral; o Transtorno Global do Desenvolvimento com foco no autismo; e a Altas Habilidades ou Superdotação.
Um graduando da IES A declarou ter tido contato com um estudante com Altas Habilidades ou Superdotação. Salienta-se que há baixa incidência de identificação desse grupo de estudantes nas escolas brasileiras, mesmo sendo inseridos como PEE (LYRA, 2019).
Quanto à experiência com público PEE, notou-se nas respostas dos graduandos que julgaram a experiência enriquecedora, como também, pontuaram dificuldades, experiências negativas e falta de formação, como ilustrado no Gráfico 2.
Entre os graduandos das três IES pesquisadas 28,8% destacaram a experiência como positiva e rica, porém 21,2% mencionaram terem sentido dificuldades em trabalhar com esse público, uma experiência ruim ou negativa, complicada e que necessitavam de mais formação e, também, anunciaram o pouco tempo de contato com os estudantes durante os estágios. Desse modo, supõe-se que os graduandos possuíam afinidade com a Educação Especial devido às experiências pessoais anteriores ou mesmo o sentimento de empatia apresentado no momento do contato com o PEE.
Travain e Garcia (2021) pontuam que o grande desafio no contexto educacional inclusivo é o de proporcionar aos estudantes com deficiência o acesso e a permanência nos ambientes de ensino juntamente com seus pares, de modo que ocorra a verdadeira inclusão e não apenas a garantia da entrada em um dos níveis de ensino. Nesse sentido, no processo de inclusão, o educador pode desempenhar um importante papel na percepção dos estudantes sobre suas potencialidades e limitações diferentes. Por meio da convivência com a diversidade, os discentes têm oportunidade de aprender mais do que o currículo formal pode ensinar (STAIMBACK e STAIMBACK, 1999).
Os graduandos responderam sobre como sentiram a experiência: “Assustadora”; “A inclusão é uma utopia, diante dessa falta de formação”. Sobre as experiências não serem positivas, Fumegalli (2012) assinala que o medo de mudar, de abandonar o que por muito tempo nos dá segurança faz com que a educação inclusiva não consiga ainda se configurar totalmente na educação brasileira, como uma proposta que verdadeiramente corresponde a uma luta por uma escola que não discrimina, não rejeita nenhum estudante e que consegue ser justa para todos. Esse autor menciona ainda, que na estrutura da instituição educacional, apesar de existirem políticas públicas educacionais avançadas, as escolas regulares em esmagadora maioria carecem de recursos físicos e financeiros, e principalmente, humanos (professores especializados) para que contribua para a inclusão em sala de aula.
Tal reflexão vai ao encontro das respostas obtidas dos participantes, visto que possivelmente a negatividade expressada a respeito da experiência nos estágios com estudantes PEE pode estar vinculada à maneira como eles estão sendo incluídos nas escolas comuns e a formação dos graduandos nos cursos de Pedagogia.
Categoria A3. Perfil dos graduandos
No que diz respeito à idade, ao gênero, a formação e o trabalho os resultados nas três IES demonstraram similaridade, um perfil nos cursos de Pedagogia compostos por mulheres jovens, que estão na primeira graduação e que trabalham, seja em estágios extracurriculares ou em outros ramos do mercado laboral.
Quanto ao gênero, foram 92% de predominância de mulheres. O curso de Pedagogia é efetivamente feminino, explicita Silva (2011), pois se trata de um contexto histórico e cultural atrelado à formação de professor; desde a primeira regulamentação em 1939, sendo que ocorreu um entrelaçamento da história ao percurso da Educação no país e a história das Mulheres na sociedade brasileira.
A constituição desse curso, concomitante à busca pela participação feminina no campo profissional, sobretudo pelo desenvolvimento industrial, colaborou para a inserção das mulheres no mercado de trabalho. A profissão docente permitiu às mulheres o acesso a um dos espaços públicos anteriormente frequentados pelos homens, no entanto a profissão foi sendo representada como similar ao trabalho no lar - o cuidar das crianças. Essa concepção é utilizada para naturalizar/reforçar o magistério, especialmente das séries iniciais, como uma profissão feminina, afirma Silva (2011).
No mesmo sentido, uma possível justificativa para haver um percentual tão restrito de homens no curso de Pedagogia, segundo André (2002), está no fato do magistério apresentar características tradicionalmente consideradas para o sexo feminino. Contudo, entende-se que é preciso aprofundar ou desconstruir algumas ideias em torno desse processo de feminização do magistério a fim de não simplesmente justificá-lo ou naturalizá-lo como decorrente das características próprias da mulher.
Em contrapartida, observou-se que na IES A houve a maior predominância de graduandos homens (21,4%), evidenciando que mesmo com a incidência feminina, o curso de Pedagogia é buscado também por homens que desejam exercer a profissão docente.
Sobre a faixa etária, a maioria dos respondentes era de jovens, entre os 21 a 25 anos (65,2%). O Gráfico 3 ilustra o número de graduandos por faixa etária.
Um dado significativo de uma pesquisa da Unesco (2004) destaca que no Brasil há uma concentração significativa de pedagogos nas faixas de 26 a 35 anos e de 36 a 45 anos (33,6% e 35,6% do total, respectivamente). Os professores jovens com até 25 anos somam 8,8%. Com mais de 45 anos se encontram 21,9% dos docentes. A mesma pesquisa ressaltou que, considerando a idade do professor constitui uma das marcas de sua atuação, pois chama a atenção para algumas questões eventualmente relacionadas à condição etária, como a renovação dos quadros docentes por efeito de concurso/aposentadoria, a aceitação de novas concepções pedagógicas, a maior ou menor experiência, entre outras. Cabe ainda pontuar que a concentração de docentes em atividade em sala de aula até 45 anos, na pesquisa mencionada, pode estar relacionada a uma aposentadoria antecipada ou, ainda a situações de abandono da profissão.
No estudo desenvolvido por Gutierres et al (2012), o autor demonstrou que a maioria dos acadêmicos do curso de Pedagogia (54,48%) estava na faixa etária que compreendia dos 16 aos 25 anos. Essa característica indicou que ao concluírem o curso de graduação serão profissionais docentes ainda bem jovens.
Salienta-se que a IES C foi a única a apresentar o mesmo número de graduandos com idade entre 21 a 25 anos e 26 a 35 anos, cerca de onze alunos em cada faixa etária. Talvez, uma hipótese provável para essa paridade seja as IES privadas possuam provas de ingresso mais acessíveis que as públicas e, também, ofertarem um número maior de vagas, o que daria maior oportunidades à população mais madura (26 a 35 anos) ao curso.
No que se refere à formação dos graduandos participantes, notou-se um número irrisório que cursaram outros cursos (pós-graduações lato ou strictu sensu). O Gráfico 4 apresenta esses dados.
É possível perceber que a grande maioria dos graduandos (78%) não possuía outra formação, assim, é possível inferir vários motivos como sendo primeira opção nos vestibulares, curso com baixo custo de pagamento, especificamente na IES C, entre outros. Compreende-se que devido à grande parte dos graduandos serem jovens ainda não tiveram ‘tempo’ hábil para cursarem outra graduação ou mesmo pós-graduação.
Vale mencionar que as IES A e B tiveram o maior número de estudantes já graduados anteriormente e, até mesmo pós-graduações, nível mestrado e doutorado. Salienta-se que os quatro graduandos, que indicaram ter concluído o mestrado e /ou doutorado cursaram em Educação.
Nesta perspectiva, a pesquisa de Silva e Sgobbi (2014) buscou as razões que levaram esse grupo a escolher o Curso de Pedagogia. Como resultado encontraram três razões: recomendação dos pais (3%); boa opção profissional (29%); sempre gostei (21%); complemento a outros estudos universitários (14%) e outras (33%). Ressaltando também que as participantes ao justificar a escolha pelo curso a maioria, 33%, assinalou a opção “Outras”, argumentando que optou pela Pedagogia por não ter conseguido entrar em outra carreira, principalmente Psicologia. Nesse sentido, é importante ressaltar que a maioria dos estudantes apontou o Curso de Psicologia como sendo a aspiração profissional mais almejada.
Já as atividades remuneradas exercidas pelos graduandos das três IES estão representadas no Gráfico 5.
Percebe-se, que 53% exerciam atividade remunerada na área da educação. Para ilustrar, dados do ENADE (INEP, 2014) apresentaram 13,1% dos estudantes de cursos de Pedagogia exerciam atividade remunerada como estagiário e mais de 51% já exerciam atividades como professores contratados ou concursados em escolas públicas e privadas. Nesse sentido, foi possível notar que alguns dos graduandos do curso de Pedagogia exerceram as funções de professor ou estagiário, o que vai ao encontro com os dados levantados nas três IES pesquisadas, ou seja, em primeiro a função de estagiário e após a de professor. Constatou-se, sobretudo, um número considerável de graduandos não exercer atividade remunerada (26%), pois, eles alegaram que não teriam concluído a graduação ou a falta de oportunidades de trabalho na área. Além disso, , 21% deles optaram por trabalhar em outras áreas, em que os salários eram mais atrativos; constatado entre os graduandos das IES A e B.
Nessa esteira, pensar sobre o porquê esses estudantes trabalharem /estagiarem ou não trabalharem torna a discussão um pouco mais complexa. Sob o ponto de vista da realidade dos discentes de graduação e suas necessidades, para além da sala de aula, é consideravelmente complicada e multifacetada. Assim, esses alunos procuram optar por cursos e turnos de estudo em que consigam conciliar o trabalho e estudo, ou acabam optando por não trabalharem, devido a extensa carga horária de estágios obrigatórios existentes no curso (CARDOSO e SAMPAIO, 1994; TAVARES et al, 2014).
As autoras Tavares et al (2014) constataram que 100% dos estudantes que preencheram o questionário da pesquisa explicitaram que escolheram o curso noturno devido à possibilidade de trabalhar durante o dia. No entanto, essa conciliação encontra empecilhos, uma vez que o curso de Pedagogia, organizado sob a Resolução do CNE/CP 01/2006, reúne todas as habilitações anteriormente separadas em licenciaturas e, por vezes, torna-se um impasse cumprir com as exigências da formação, a qual necessita de estágios e observações na Educação Infantil e Anos Iniciais, principalmente, realizados durante o dia em horário laboral dos graduandos. Nesses casos, os citados autores comentam que deixar de trabalhar para se dedicar ao curso de Pedagogia não se apresentava como uma escolha individual, pois a necessidade de manutenção da vida própria e de familiares se expressava como uma força imediata que se confrontava, ao mesmo tempo, com o desejo de dar continuidade aos estudos.
Nesse mesmo caminho de entendimento, Moreira et al (2011) demonstrou alguns problemas relacionados aos graduandos que estudavam no período noturno em conciliar trabalho e estudo, pois os que trabalham têm menos tempo para se dedicar aos estudos e, com isso, enfrentam maiores dificuldades para acompanhar o curso, consequentemente, eles têm um menor rendimento acadêmico. Estudar e manter os estudos em dia requer do estudante um planejamento de tempo, sendo que há necessidade de estabelecimento de um plano de estudo para o dia, semana ou mesmo para o ano letivo, conciliado ao trabalho, estudo e família.
Assim, foi possível observar que os graduandos participantes tiveram nas grades curriculares de seus cursos uma formação voltada para a Educação Especial, destacando que na IES C tiveram um maior número de disciplinas pertinentes ao tema. Cabe mencionar que durante os estágios, 50% dos participantes tiveram contato com estudantes PEE e uma grande parte relatou ter tido uma experiência positiva. Considera-se, esse resultado relevante, visto que a inclusão escolar do PEE é uma realidade e para que o graduando se sinta mais preparado para atuar são necessários a combinação de conhecimento acerca desse público aliadas às práticas, que podem ser vivenciadas durante o estágio supervisionado.
4 Considerações finais
A pesquisa demonstrou a importância de conhecer o perfil dos graduandos dos cursos de Pedagogia pesquisados, porque permitiu compreender como eles sentiram a experiência do estágio supervisionado com estudantes PEE. Como traço comum, observou-se que as três IES apresentaram a maioria de mulheres discentes e jovens (entre 21 a 25 anos), que não cursou outras formações e que exercia algum tipo de atividade remunerada.
Os resultados obtidos nas três categorias estabelecidas expressaram uma similaridade de respostas dos graduandos, apesar de cada instituição ser composta por suas singularidades. Questiona-se, se o proposto na Resolução CNE/CP n. 1/06 com a oferta de 300 horas de estágio supervisionado seria o suficiente frente a tantas demandas que os graduandos terão como estagiários nas salas de aulas regulares, especialmente quanto à possibilidade de encontrarem e lidarem com estudantes PEE nas escolas, preparando-os para a futura função docente.
Foi possível inferir com a investigação que metade dos estudantes teve algum contato com estudantes PEE durante o estágio, isso ocorreu, talvez, pelo movimento inclusivo que tem ocorrido nas escolas brasileiras. Torna-se essencial repensar como são ofertadas as disciplinas da Educação Especial para os graduandos e se elas visam construir uma visão positiva e humana aos estudantes PEE, como respaldo à formação de futuros docentes atuarem efetivamente de maneira inclusiva.
Vele mencionar que essa discussão não se esgota, pois, há necessidade de continuidade de estudos no âmbito de instituições de ensino superior de outros estados brasileiros, tendo em vista que os resultados aqui apresentados se limitaram a três instituições do estado de São Paulo.