Introdução
Em inúmeros países a produção científica de artigos e livros têm crescido exponencialmente, especialmente pelo aumento dos cursos de pós-graduação stricto sensu, mas também pelo desejo de fazer ciência e agregar novos saberes e práticas ao conhecimento humano.
Além das motivações pessoais e das pressões dos programas de pós-graduação, a cultura de publicar exerce forte influência em pesquisadores visando o acúmulo de grande quantidade de estudos em revistas de prestígio para aumentar as chances de competir por fomentos, oportunidades de emprego e pós-doutoramentos (RAWAT & MEENA, 2014; COSTA et al., 2020).
Aproveitando-se desta situação, grupos desonestos vêm criando falsas editoras e revistas científicas, cujo objetivo é tão somente arrecadar dinheiro dos autores. Estas revistas têm sido denominadas de periódicos predatórios, mas outros autores também sugerem o uso de suspeitos, enganosos, fraudulentos ou falsificados (MERCIER et al., 2018; MEMON, 2019).
A denominação “periódico predatório” foi originalmente proposta por Jeffrey Beall, um bibliotecário estadunidense, que listou cerca de 1.500 revistas no período de 2010 a 2017 (MARQUES, 2018).
O problema dos periódicos predatórios não envolve somente grupos editoriais enganosos, mas também autores que podem intencionalmente levar vantagem publicando mais rápido, mesmo que sejam estudos de qualidade e desenho metodológico questionáveis.
Neste sentido, alguns autores se aproveitariam da ausência de revisão por pares em revistas predatórias para publicar rapidamente estudos falhos ou resultados questionáveis que poderão ser citados por periódicos verdadeiros (DADKHAH et al., 2017; RICHTIG et al., 2018). Ainda a este respeito, já há estudos, como o de Nieminem & Uribe (2021) que revelaram baixa qualidade das análises estatísticas de artigos publicados em periódicos predatórios em relação àqueles legítimos.
A partir da experiência de um projeto de pesquisa institucional sobre o tema, o presente artigo teve como objetivo contribuir com elementos essenciais, assim como exemplos práticos, para que a comunidade acadêmica da área de Educação (e afins) desconfie e descubra estas falsas publicações e não desperdice valiosos recursos, perdendo seus estudos de valor inestimável.
Como funciona o golpe?
Na totalidade das vezes ocorre um convite via e-mail para publicar na suposta revista científica. Com pouquíssimas exceções (menos de 1%), tais mensagens ficam retidas nas caixas de segurança dos serviços de mensagens eletrônicas (caixas de spam ou AntiSpam) (MOHER & SRIVASTAVA, 2015). Neste sentido, Grey et al. (2016) reportaram que 5 professores, pesquisadores de destaque na área médica, recebiam nas caixas de spam de seus endereços eletrônicos, em média, 312 solicitações mensais de editoras de periódicos ou conferências/eventos científicos predatórios e suspeitos, sendo quase 85% totalmente irrelevantes para suas profissões.
Outro estudo mostrou que em 83% das mensagens havia uma saudação (em inglês) não personalizada, como “eminente professor”, “caro pesquisador”, “caro professor” (KOZAK et al., 2016), o que demonstra o uso de sistemas eletrônicos de criação e envios de mensagens para listas de contatos.
Segundo Burggren et al. (2018), além de elevada repetição, a maioria das mensagens enviadas por periódicos predatórios (80%) apresentava erros gramaticais e ortográficos. Embora possam passar despercebidos por uma parcela dos autores, por se tratarem de mensagens em inglês, tais erros são muitas vezes simplesmente burlescos (Combalia, 2021).
É fundamental ressaltar que o processo de submissão de manuscritos para revistas legítimas geralmente utiliza sistemas ou plataformas eletrônicas de submissão, ao contrário dos periódicos predatórios, cujo modo mais frequente é a rápida submissão por e-mail. Neste sentido, duas mensagens abaixo, recebidas no dia 27 de março de 2022 (Figura 1), mostram como funciona a armadilha.
A figura 1 mostra que já há periódicos predatórios criados no Brasil para a simples finalidade de recolher taxas de publicação e facilitar a submissão do manuscrito.
Neste contexto, autores mais experientes sabem que a submissão de manuscritos em plataformas é um processo que demanda tempo, informações precisas e dados profissionais dos autores (endereços eletrônicos e profissionais), além de documentos obrigatórios a serem anexados, sobre a concordância com a submissão, termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) para estudos com seres humanos, declarações de originalidade do estudo, dentre outros.
Não existe publicação rápida
Mesmo periódicos que têm trabalhado para encurtar o tempo de publicação (período entre as datas de submissão e publicação), sabe-se que o mesmo é longo (vários meses ou mais de um ano) e, inclusive, aumentou como consequência da pandemia de COVID-19.
Tanto as mensagens eletrônicas, quanto as homepages destas “publicações” predatórias prometem tempos curtos para publicação, o que têm atraído inúmeros autores, inclusive brasileiros, uma vez que o Periódicos Qualis apresenta 485 revistas predatórias (PERLIN et al., 2018).
Por experiência própria, já tivemos manuscritos que levaram de seis meses a um ano e meio apenas para receberem pareceres de especialistas, totalizando quase dois anos (ou mais) até a publicação.
Ao contrário, periódicos predatórios podem aceitar um manuscrito no mesmo dia que foi submetido.
É necessário salientar que esta rapidez significa na prática que a maioria (se não a totalidade) dos manuscritos nestas revistas não passa pelo crivo da revisão por pares, tampouco por correções linguísticas ou segue normas editoriais que garantam a qualidade (escrita, metodológica, lógica e estatística) e confiabilidade dos conteúdos e resultados publicados (ALONSO-ARÉVALO et al., 2020; BRAMSTEDT, 2020). Conforme analisado por Siler (2020) como os periódicos predatórios apresentam acesso aberto (open acess) e isso requer pagamento de taxas, quanto mais artigos aceitos, maior a lucratividade, fato que explica a falta de qualquer controle de qualidade do material publicado.
Desta forma, as figuras 2 e 3, cópia de mensagens eletrônicas recebidas, respectivamente, nos dias 1 e 4 de abril de 2022, mostram a rapidez da publicação neste tipo de periódico fraudulento.
É fundamental ressaltar que, enquanto o texto da figura 1 promete revisão em até 15 dias, o que geralmente é o prazo mínimo para que os editores consigam apenas encontrar possíveis revisores, a figura 3 anuncia “revisão” em 24 horas e “publicação” em 12-18h, inclusive com número de WhatsApp®. Os exemplos tornam evidente que se trata de um negócio para recolher taxas e hospedagem em alguma homepage, mas não representam revistas científicas legítimas que fazem revisão dos artigos por especialistas, também conhecida de “revisão por pares” (COMBALIA, 2021).
Neste sentido, autores têm sugerido que tais revistas não fazem revisão, podendo inclusive contribuir para publicação de conteúdo duplicado (previamente já publicado) ou plagiado de outros autores (CARIAPPA; DALAL & CHATTERJEE, 2016; KUMAR, 2022; WESTGARTH, 2022).
Diversos autores, dentre eles Cobey et al. (2019) e Salehi et al. (2019), realizaram estudos com pesquisadores e evidenciaram que, além da rapidez, publicar em periódicos predatórios serve para reduzir as pressões por produção científica, melhorar o currículo acadêmico, “desovar” artigos “encalhados” devido a sucessivas rejeições, especialmente de estudos com menor qualidade e falhas metodológicas. É necessário salientar também que, para melhorar o currículo, alguns professores e pesquisadores têm aceito tornarem-se membros do corpo editorial de periódicos predatórios, quer saibam ou não se tratar de revistas ilegítimas (OJALA; REYNOLDS & JOHNSON, 2020).
Revistas predatórias têm falsas características e tentar imitar as legítimas
Além de falso processo de revisão, em geral, as demais características destas publicações são também enganosas ou fraudulentas.
Fiala et al. (2020) reportaram um caso que ocorreu com um de seus pós-graduandos quando o mesmo submetia seus resultados para publicação. Segundo tais autores, seu aluno procurou na web a revista Clinical Chemistry and Laboratory Medicine (CCLM), órgão oficial da Federação Europeia de Química Clínica e Medicina Laboratorial, publicada pelo Editora Europeia DeGruyter (https://www.degruyter.com/journal/key/cclm/html), fundada em 1.749, mas, por causa do buscador, confundiu-se com outro título muito similar, Journal of Clinical Chemistry and Laboratory Medicine, e acabou fazendo a submissão. Após 20 dias, recebeu uma “revisão” em que ficou claro a incompreensão dos supostos revisores de partes fundamentais do trabalho da área de medicina laboratorial. O estudante fez as correções e as submeteu, tendo o artigo sido aceito no mesmo dia. Algumas horas depois, o aluno recebeu por e-mail uma ordem de pagamento (invoice), com o timbre similar ao do verdadeiro periódico (CCLM) no valor de £2.519 (FIALA et al., 2020), correspondente, no câmbio de 08/04/2022 pelo conversor de moedas oficial do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/conversao), a R$15.598,00.
Num outro estudo, pesquisadores poloneses criaram uma falsa personagem cientista. Meses após enviarem currículo da falsa personagem para 360 revistas, 49 a aceitaram como editora, incluindo seu nome nas páginas da web. Na mesma experiência, nenhuma revista indexada no Journal Citation Reports (JCR), o que calcula os fatores de impacto, aceitou a falsa personagem como editora ou revisora (SOROKOWSKI et al., 2017).
Embora a maioria dos periódicos predatórios tenham o ISSN, ainda hoje, alguns comportam-se com a ousadia de nem este registro apresentar. O registro ISSN (international standard serial number) é requisito essencial para publicações periódicas, ou seja, as que editam e veiculam publicamente fascículos ou números de acordo com uma periodicidade (anual, semestral, trimestral etc.), mas não indica, necessariamente, a qualidade da revista (BENINGER et al., 2016).
Assim, mesmo com ISSN, muitos periódicos predatórios apresentam falsas indexações, citando repositórios de artigos, bibliotecas e outros serviços como se fossem bases indexadoras de artigos de revistas (BENINGER et al., 2016; MEMON, 2019). O pior, além das falsas bases indexadoras (CORREA, 2022), é que a revista predatória apresenta enganosos fatores de impacto que não foram produzidos pelo Institute of Scientific Information (ISI)/Clarivate Analytics, que publica o JCR (COMBALIA, 2021; ERIKSSON & HELGESSON, 2017).
Além de recrutaram falsos editores (SOROKOWSKI et al., 2017), muito periódicos predatórios simplesmente não apresentam editor, corpo editorial, local de publicação, tampouco indexações, normas claras e completas de apresentação de manuscritos e políticas editoriais claras, especialmente sobre má conduta nas publicações (BENINGER et al., 2016; COSTA et al., 2020; ERIKSSON & HELGESSON, 2017). Quando apresentam corpo editorial é possível que parte deste seja composto por pessoas que não são especialistas em sua área de conhecimento, tampouco possuem prática e experiência na revisão de manuscritos submetidos (CARVALHO & SANTOS-JR, 2019).
Para descobrir falsas indexações, é necessário pesquisar em bases de dados específicas, como Master Journal List do ISI/Clarivate, Index Copernicus, Sherpa-Romeo e outras, geralmente em língua inglesa.
Outra mensagem eletrônica recebida em 4 de abril de 2022, apresenta um periódico com nome pomposo, mas inúmeras informações falsas (figura 4).
Note na figura 4, que a revista menciona dois fatores de impacto: 7,632 e 84,65. O primeiro seria referente ao JCR e o segundo ao Index Copernicus (IC), base indexadora polonesa. Todavia, a revista não está indexada nestas duas bases, pois nunca foi incluída no JCR e perdeu seu registro no IC por ser revista fraudulenta. Porém, na sua página e no e-mail, a revista mente sobre a indexação no IC, além de não ter seus artigos no repositório internacional conhecido como Directory of Open Acess Journals (DOAJ). Ademais, o periódico predatório também cita falsas indexações, como o google scholar e International Scientific Indexing, cuja sigla seria ISI, numa tentativa de enganar possíveis autores, uma vez que ISI é, na verdade, Institute of Scientific Information. Este periódico predatório também menciona ser citada na base Chinesa SOCOLAR, o que não é verdade, e refere-se a uma base indexadora dos EUA, chamada de Newjour, que, na verdade, é da Índia e está desativada.
A área da Educação e os periódicos predatórios
A maioria dos periódicos predatórios é da grande área de biomédica e de ciências da saúde, uma vez que esta apresenta diversas subáreas em que a competição e as pressões por publicar é muito forte (COBEY et al., 2019; COMBALIA, 2021; MEMON, 2019; Richtig et al., 2018). Porém, as áreas de humanidades, ciências sociais e educação também apresentam periódicos predatórios (um exemplo está na figura 3), incluindo diversos títulos citados no QUALIS/CAPES vigente (2013-2016) e naquele ainda não oficialmente publicado (referência, 2018/2019).
Um estudo que analisou mensagens eletrônicas recebidas por três professores universitários da área de Educação na Espanha, revelou que 70% de e-mails eram convites de revistas predatórias, sendo que a maioria dos portais destas não apresentava segurança cibernética, a maioria citava falsos fatores de impacto, prometiam revisão em uma semana e compreendiam revistas fora da área de estudo dos pesquisadores (SUREDA-NEGRE; CALVO-SASTRE & COMAS-FORGAS, 2022).
Embora nem toda revista de acesso aberto seja predatória, inclusive muitas delas são gratuitas (LEENA & JEEVAN, 2022; PAPANIKOS, 2022), na área de educação e humanidades há alguns periódicos predatórios, geralmente com nomes iniciando com International Journal of... (Revista Internacional de...).
Porém, há um caso clássico de periódico predatório na área de educação. O caso é similar ao citado anteriormente do CCLM.
Estamos monitorando periódicos predatórios num projeto de pesquisa institucionalmente registrado e observamos o caso apresentado na figura 5.
Observando a figura 5, recebida na caixa de spam dia 4 de abril de 2022, é possível verificar que não há nome do editor, tampouco homepage da revista. Após busca, foi possível localizar a homepage que não traz informações sobre o local de publicação, embora seja registrada no portal ISSN como sendo de Accra, Gana.
Em uma análise detalhada da página desta revista, diversas características de um periódico predatório podem ser observadas (Figuras 6). Por exemplo, o único artigo apresentado na página não é da área de educação e a revista, pasmem, cita como bases indexadoras o ISSN, o google, o símbolo de acesso aberto, um programa antiplágio (plagscan), sendo indexado numa base (OAJI.net) que lista publicações predatórias (para tentar legitimá-las) e, obviamente, não faz menção à revista verdadeira.
Esta publicação fraudulenta copiou intencionalmente o nome de uma revista científica tradicional, publicada desde 1958 pela National Foundation for Education Research da Inglaterra e país de Gales, localizada em Berkshire (https://www.nfer.ac.uk/publications-research/educational-research-journal/). A revista tem outra homepage da tradicional editora britânica Taylor & Francis (https://www.tandfonline.com/toc/rere20/current).
A respeito desta fraude, é importante ressaltar que usando o buscador google®, a página do falso periódico aparece antes mesmo da revista original, de acordo com busca realizada no dia 7 de abril de 2022.
Conforme anunciado por entidades de pesquisa e pesquisadores dos Brasil, Estados Unidos, Índia, Peru e Turquia, publicar em periódicos predatórios significa desperdício de resultados da pesquisa e de recursos financeiros, bem como publicação de qualidade duvidosa, além da potencial perda de prestígio e reputação dos próprios envolvidos e suas instituições (GOGTAY & BAVDEKAR, 2019; GÜNAYDIN & DOĞAN, 2015; MANCIA, 2018; OJALA; REYNOLDS & JOHNSON, 2020; SOTOMAYOR-BELTRAN, 2020).
É importante salientar que a temática relacionada a periódicos predatórios ou fraudulentos ainda é pouco conhecida por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Neste sentido, uma busca bibliográfica na base Scopus revelou apenas 3,3% de textos sobre o tema em periódicos das áreas de artes e humanidades, enquanto um rastreio na base Web of Science resultou em somente 4% de artigos em revistas de educação (BEREK, 2022).
Para que estudantes e pesquisadores da área de Educação e afins possam suspeitar a respeito de determinada publicação, apresentam-se os principais sinais de uma revista predatória (Figura 7).
Conclusões
Como existem diversos periódicos predatórios na lista do QUALIS, as universidades e outras instituições de ensino e pesquisa precisam iniciar, com urgência, o debate sobre o tema de modo a impedir tanto o desperdício de recursos quanto pontuações que venham a utilizar artigos publicados em revistas fraudulentas. Ademais, considerando-se que os periódicos predatórios possuem baixa qualidade de conteúdo, erros gramaticais e estatísticos, isto representa grande preocupação, uma vez que parte destes pode ser citada e incorporada erroneamente ao conhecimento humano, prejudicando o desenvolvimento epistemológico da Educação e das mais diversas áreas do conhecimento humano.