1 Considerações iniciais
Inicialmente, é fato que a morte do professor Ubiratan D’Ambrosio - em 12 de maio de 2021 - foi um acontecimento que marcou profundamente não apenas seus familiares e amigos, mas também os admiradores de sua pessoa e legado, por tamanho impacto de suas reflexões, essas que reverberam não apenas no seio das ciências exatas. Diretamente, convergem a favor de um progresso da prática docente em seus variados campos de estudos.
Sua (D'Ambrosio) vida não se limitou ao Brasil, desenvolvendo tais estudos por vários países pelo mundo; em especial nos Estados Unidos e país da África negra, sendo professor visitante da United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization - UNESCO no programa de pós-graduação do Centre Pédagogique Supérieur de Bamako, na República do Mali. O sucesso lhe foi companheiro, prova disso foram os prêmios internacionais atribuídos às suas contribuições: a disciplina de Matemática, cabendo citar a medalha Felix Klein da Comissão Internacional de Instrução Matemática - recebida em 2005 - e Prêmio Kenneth O. May, laureado pela Comissão Internacional de História da Matemática com o Prêmio Kenneth O. May por seu trabalho em história da Matemática, em 2001.
O exercício de construção do “eu”, enquanto engrenagem social transformadora, foi carro chefe de uma visão profunda a que ele se ponha a estudar em vida e obra. Ideia essa para a qual converge a perspectiva em que a identidade docente se revela para além da mera transferência de conteúdo; promove a emancipação do aprendente. Novas abordagens voltadas ao mundo factual são ressignificadas e colocadas em prática, práxis.
D'Ambrosio é conhecido primordialmente pelo estudo da etnomatemática, campo marcado pelo cuidado aos diferentes contextos culturais que possam existir a uma dada realidade, ao que se tecem inferências ao ensino da Matemática em uma visão ampliada e - por que não dizer também, significativa e acolhedora. Tal relevância a esta temática percebe-se na publicação de Pombal (1982) que tratava da aritmética como marco central da aula de comércio, em Portugal e no Brasil, a partir de um olhar da etnomatemática e transdisciplinar.
O presente artigo trata de uma parcela integrante do projeto de pesquisa intitulado “ENSINO DA MATEMÁTICA POR MEIO DO YOUTUBE: PLANEJAMENTO DOCENTE E CURRÍCULO EM MOVIMENTO”, que tem por objetivo geral analisar como os professores de Matemática que utilizam a plataforma YouTube desenvolvem seu planejamento didático e suas competências considerando a Formação Continuada - BNC.
O pensamento de D’Ambrosio é fonte fundamental do citado projeto de pesquisa, vindo a dialogar com currículo, competências, formação docente e, em especial, a adoção de tecnologia da informação e comunicação para o Ensino da Matemática na contemporaneidade.
Importante ainda salientar que este autor foi adotado tanto pela relevância atribuída aos estudos culturais - esses delimitados pelo ambiente digital ao decorrer da pesquisa - como pelas contribuições promovidas ao processo de formação de professores, compreensão do cenário da educação que vêm tendo significativas mudanças decorrentes dos ditames da digitalização dos processos. Dentre esses, cabe destaque os estudos de comunidades virtuais que contribuem para a disseminação de saberes matemáticos.
2 Percurso metodológico
Constituindo-se pesquisa inserida no seio das Ciências Humanas focada na investigação da subjetividade do contexto aferido, adota-se caráter qualitativo (COUTINHO, 2014).
Como técnica, optou-se pelo levantamento bibliográfico a partir de livros, pesquisas científicas e autores relevantes à temática aportada, sempre a primar pela análise minuciosa destes (GIL, 2008). Com isso se configura a referida análise como explicativa e documental com o que se almeja refletir sobre o impacto dos pensamentos de Ubiratan D’Ambrosio a respeito da adoção de Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação - TDIC para o ensino da Matemática, na contemporaneidade.
O artigo deriva de estudo que foca em uma série de professores, youtuber e matemáticos inseridos em contexto de relações mediadas pelo digital, estes investigados na dissertação através da netnográfia como proposta metodologia, adotando ainda como matriz de análises a percepção das relações sociais. A etnomatemática também trata de relações sociais e constituição de contexto cultural; contudo, sendo fomentado por sua vez pela disciplina Matemática em sua riqueza de aplicações e interpretações.
A presente pesquisa se justifica pelo alinhamento dos conceitos de D’Ambrosio a necessidade proposta em tecer concatenações ao ensino da Matemática mediado por uma rede social. Esta parcela é fundamental para a produção textual submetida à apreciação por banca qualificada, ao adquirir relevância para além das delimitações propostas por este artigo.
3 A Matemática e o mundo conectado
Vista por muitos como uma matéria para poucos por conta de seu grau de rigidez lógica, a Matemática possui como premissa a abstração de ideias e o registro delas por meio de equacionamentos e representações gráficas. Ela age por meio do anseio do indivíduo em tratar sobre certa situação problema, pegando assim, dados nebulosos e confusos de sua percepção sensível, direta ou através de aparelhos, para então formular uma ideia matematicamente (Brasil, 2018).
Por meio de dispositivos digitais, multiplicam-se as possibilidades de interação com os mais variados assuntos tratados no universo das exatas, haja vista poder-se, pelo do dinamismo gerado, produzir melhores representações de seus conteúdos de estudo e - assim - proporcionar maior engajamento do discente. Faz-se necessária a articulação entre tecnologia e currículo, reconstruindo conceitos e propostas norteadoras (Moura, 2022).
Por fim, definimos o ensino da Matemática - especificamente - por tratar-se de uma disciplina historicamente marcada por dificuldades de aprendizagem evidenciadas em variadas avaliações de larga escala desenvolvidas no Brasil e no mundo. Dentre essas podemos destacar o Programme for International Student Assessment - PISA, coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP.
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes ainda é desenvolvido e coordenado pela Organisation do Ecomic Co-operation and Developmente - OECD - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Esta, por sua vez, tem por iniciativa uma avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa etária entre 15 anos e três meses (completos) e 16 anos e dois meses (completos) de idade no início do período de aplicação da avaliação, matriculados em instituições educacionais localizadas no país participante, a partir do 7º ano do Ensino Fundamental (INEP, 2019).
Dados publicados pela OECD (2019) referentes ao PISA no relatório PISA 2018 - What Students Know and Can Do Volume I (2019), mostram que o Brasil vivenciou um retrocesso na área da Matemática constatado na passagem do ano de 2012, em que pontuou 389, a 2015, onde pontuou 377 (INEP, 2019). Apesar de ter voltado a subir em 2018, alcançando 384 pontos, historicamente, o desempenho do Brasil nesta disciplina se encontra abaixo da média da OECD: esta que apresentou 492 neste último ano. Outro dado inquietante é que 68,1% dos estudantes brasileiros estão no pior nível de proficiência em Matemática e não possuem nível básico, patamar que a OECD caracteriza como necessário para que o discente possa exercer plena cidadania (INEP, 2019).
Outro importante instrumento de análise da educação nacional é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB. Em 2019 objetiva-se um índice de 4,6; contudo foi alcançada tão somente 3,9. Naquele ano a média de proficiência em Matemática foi de 268,61 um nível considerado baixo. Dados atuais referentes aos resultados relativos a 2021 apontam para uma estagnação nos 4,6 pontos, sendo 262,37: teto inferior alcançado pela referida proficiência (Fundação Lemann, 2022).
Tais documentos, além de objetivarem nortear a Educação Nacional, mostram-se atentos às demandas do atual momento vivido pela sociedade em âmbito global. Evidencia-se assim uma clara oportunidade de mudança na cultura escolar, haja vista a necessidade de incorporação das novas tecnologias (Nunes, 2015) e - consequentemente - uma atenção especial à capacitação da classe docente.
De acordo com relatório recente do site statista.com, 41% da população mundial faz uso da internet, o que condiz a aproximadamente 4,13 bilhões de usuários (Johnson, 2021a). Destes, 162 milhões são do Brasil, país da América Latina com maior quantitativo nesta região, superior a México e Argentina juntas, segundo e terceiro lugares respectivamente. Estima-se ainda que no Brasil, tal quantitativo de usuários na Web chegue a 185,57 milhões até 2026 (Johnson, 2021c).
Corroborando tais dados, em documento intitulado Education in Brazil: An International Perspective (A Educação no Brasil: uma perspectiva internacional), divulgado em junho de 2021, constatou-se que os docentes brasileiros davam maior importância a habilidades em tecnologias informacionais e de comunicação, visão aproximada à de professores de outros países da América Latina - Latam e da OECD.
No que diz respeito às prioridades nos gastos com Educação, 95% dos professores no Brasil (ao contrário de muitos outros países) indicaram o “desenvolvimento profissional” como uma delas, sendo 55% a média da OECD nesta categoria (OECD, 2021).
O domínio das tecnologias para o pleno acesso aos dados existentes no ciberespaço evidencia a clara necessidade de um constante processo formativo, pois o contexto digital - dentre tantas adjetivações - também é caracterizado pelo dinamismo e por seu constante processo de mutação.
Sendo assim, segundo D’Ambrosio (2009) apenas resta uma única alternativa aos professores, adotar a teleinformática com absoluta normalidade, pois negligenciar tal afirmação acarretaria o aparecimento de figuras docentes inúteis em seu exercício profissional.
Com o advento da Pandemia de COVID-19, em certa escala, foi ressignificado o sentido da busca e aceitação das plataformas digitais como suporte aos processos educacionais (Santos, 2021). Forçosamente, uma janela se abriu direcionando os professores se adequassem a um horizonte de práticas pedagógicas formatadas a um contexto remoto, contudo, a duras penas, percebemos o quão distantes nos encontrávamos do cenário ideal da oferta plena e eficiente de uma educação mediada pelas TDIC.
Em nota técnica divulgada pela organização Todos pela Educação, intitulada “Ensino a distância na Educação Básica frente à pandemia da COVID-19”, constatou-se que - dos professores aferidos - 67% alegaram necessitar de aperfeiçoamento no que diz respeito ao uso pedagógico de tecnologias educacionais.
Ainda neste documento, foi informado que cerca de 76% dos professores - no Brasil - buscaram formas de aprimorar seus conhecimentos sobre o uso das tecnologias; contudo, apenas 42% indicaram ter cursado algumas disciplinas que tratavam de tecnologias durante sua formação inicial. Somente 22% participaram de algum curso de formação continuada sobre a utilização de TDIC voltada ao ensino e aprendizagem (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020).
Professores de Matemática (e demais áreas do conhecimento) são estimulados a se adaptarem às novas tecnologias digitais melhorando seu exercício docente, sendo a produção e divulgação de conteúdos no ciberespaço algo estimulada em grande parte pelas redes sociais.
É sabido que produções audiovisuais requerem o domínio de uma série de dispositivos para sua execução. Neste sentido, infere-se que a grande adesão a estas redes sociais foi estimulada, em grande parte, pelo fato de que muitos deles (dispositivos) já se fazerem difundidos na cultura popular mundial, a exemplo de smartphones, tablets e notebooks.
O educador matemático se insere neste contexto adaptando suas aulas ao uso das TDIC, apropriando-se de saberes experienciais provenientes do autodidatismo tão característico deste contexto digital, haja vista não provirem de instituições de formação (Tardif, 2014). Assim sendo, ocorre a apropriação de competências para o exercício docente no processo formativo destes professores.
Tais competências podem ser traduzidas como a capacidade de mobilizar recursos cognitivos voltados ao enfrentamento de certas situações (Perrenoud, 2000), ou ainda como um conglomerado de saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais (Tardif, 2014).
A Meta 15 do Plano Nacional de Educação - PNE - tem como objeto garantir que todos os professores da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam. O indicador de Adequação da Formação Docente referente ao ensino da Matemática, em 2020, apresentou seu menor percentual nos anos finais, 62,9%, sendo que nos anos iniciais chegou a 70,4%; o ensino médio, a 77,2% (INEP, 2021a).
Para além da promoção de uma formação que permita ao docente exercer com plenitude sua prática laboral, cabe refletir sobre o impacto da educação ofertada ao público discente, O ato de ensinar não trata de uma transferência de conteúdos voltados a moldar a forma, o estilo ou a alma de um corpo indeciso e acomodado, mas sim, implica uma relação em que discente e docente não se reduzem à condição de objeto um do outro: “quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender” (Freire, 2021, p. 25).
Alterações ocorreram no que dizem respeito ao papel do educador matemático, este que para além de um mediador, hoje anseia por habilidades que melhor dialoguem com a modernidade. Esta perspectiva de educador enquanto mediador se configura a partir de teorias freirianas onde, com o rechaçamento do então denominado ensino bancário, a ação do ensinar se conduz pela promoção de uma conduta ativa do aluno no processo de aprendizagem. O próprio planejamento para produção de conteúdo - atualmente - deriva do domínio de tecnologias que até pouco tempo se encontravam distantes do ambiente escolar tradicional.
Trata-se aqui de uma trajetória educacional construída - em grande parte - pelas contribuições dos discentes oriundas das particularidades e experiências vivenciadas por eles, potencializando os conteúdos tratados no contexto formal de aprendizagem; como também emancipadoras, haja vista sua não neutralidade perante a realidade ao se estimular a criticidade perante o mundo que o rodeia. Cabe ressaltar que, apesar da ampla adesão a esta perspectiva, ainda é comum a existência de professores com práticas bancárias e pouco adequadas às demandas contemporâneas.
Presenciamos um crescimento no quantitativo de usuários adeptos das vias digitais; por conseguinte, sua imersão a um contexto mediado pelas telas dos dispositivos eletrônicos. Não obstante, os processos educacionais veem-se compelidos a se adequar a este novo mundo, onde professores se deparam com discentes que fazem uso de dispositivos midiáticos de forma ininterrupta, rotinas essas afeitas às demandas de uso e consumo no ciberespaço (Moura, 2022).
O currículo é uma construção social (D’Ambrosio, 2009; Silva, 2010), derivada de um longo processo cumulativo de organização intelectual e de difusão, não dicotômicas entre si, sendo moldadas pelas relações de poder econômicas, políticas, religiosas, dentre outros existentes.
Nesse sentido, não cabe uma hierarquização entre manifestações culturais, tão pouco definir critérios que as estratifiquem. Com o devido respeito a cada contexto, “nenhuma forma pode se dizer superior à outra” (D'Ambrosio, 2009, p.116).
Múltiplas são as possibilidades de produção de conhecimento decorrentes das relações sociais, porém o que nos difere de um passado não tão remoto é o fato da internet promover, em grande escala, a disseminação de tais relações e, consequentemente, exacerbar o horizonte de possibilidades de reflexão e análise nos mais variados nichos e conteúdos.
Já dizia D’Ambrosio (2009), na última década dos anos 2000 passada, que nos deparávamos com a tida “sociedade do conhecimento” (termo cunhado pela UNESCO com objetivo de caracterizar o contexto social no qual a produção de conhecimento se torna o principal produto de riqueza e fonte de poder); neste contexto, de fundamental importância mostrar-se o estímulo à aquisição, organização e geração de conhecimentos vivos, estes integrados às expectativas e aos valores demandados pelo social, uma necessidade inevitável, pois, como mesmo conclamava, a “informática e comunicação dominarão a tecnologia educativa do futuro” (2009, p.80).
Apesar da afirmativa de D’Ambrosio de que aqueles docentes que não conseguirem se utilizar das novas tecnologias não terão espaço na educação, também é enfatizado que “nada substituirá o professor” (2009, p.79). Sendo assim, a ele cabe a busca por processos formativos, aperfeiçoamentos, uma formação continuada que supra tal demanda.
O ato de ensinar seria esta mobilização de saberes aplicados por múltiplas vezes, e neste processo, adaptações incidiriam em transformação a tais conhecimentos (Tardif, 2014). Compreendemos assim que competência é a capacidade de se mobilizar o que se sabe, dentro de um determinado contexto, para se realizar aquilo que se projeta.
Este alvo a ser alcançado não decorre de um esforço unilateral empreendido tão somente pelo professor. O ato de ensinar não se resume à mera transferência de conhecimentos, mas, pelo contrário, nutre possibilidades de autoconstrução, de autoprodução, perspectiva esta característica do pensamento freiriano, ao passo que se faz um acena a ideia de que um professor competente é primordialmente um ser mediador.
Falar em mediação é falar em conflitos, a aproximação dos anseios das instituições escolares aos dos alunos por meio de programas, currículos, configura-se como a primeira tarefa de um professor, e para isso, este deve conhecer bem o seu conteúdo.
Neste contexto, não cabe à imposição aos alunos, como também não seria o caso de fazer tudo a que os alunos querem. Demanda-se certo grau de sensibilidade, o que se traduzirá como mais uma mostra de competência deste docente. Quando indicada a necessidade de se conhecer recursos que permitam a este professor escolher dada representação em particular ou optar por algum material em detrimento de outro para a condução das aprendizagens de um conceito matemático (Moura, 2022).
Vale ressaltar que - em decorrência da digitalização dos conteúdos - tal competência ampliou sua importância. Ter acesso ao conhecimento nunca foi tão fácil, no entanto, não são todas as fontes de dados que são confiáveis. A autoridade do professor é claramente percebida quando efetuadas tomadas decisões, orientadas as atividades e/ou cobrando produções, quer sejam coletivos ou individuais (Freire, 2021); sempre com tolerância, compreensão e respeito pelo outro.
Falar em autoridade tem a ver com responsabilidade, principalmente no que se refere à proatividade, ao ato de iniciar alguma coisa, sendo assim, faz parte da responsabilidade do professor assumir o papel de iniciar permanentemente situações e demandas, quer sejam por ação, ser sejam por omissão. O professor precisa tomar iniciativas.
Ter autoridade tratar-se da segurança a que um dado profissional da educação “se expressa na firmeza com que atua” e delibera, sempre respeitando seus alunos (Freire, 2021, p. 89).
Cabe ao docente ter plena compreensão deste contexto em que a educação nacional se constrói e se submete, sendo esta, mais uma das competências assinaladas por Carrillo (2013) quando aponta a necessidade da compreensão dos parâmetros de aprendizagem de Matemática no que se refere às diretrizes e de especificações curriculares, envolvendo o que está previsto em cada etapa de ensino.
Sendo assim, é necessário que a formação continuada se constitua parcela integrante da carreira docente, haja vista tratar-se aqui de uma profissão dinâmica e que exige de seu profissional posicionar-se como um eterno aprendiz, apropriando-se dos saberes demandado pela realidade hodierna pari passu a construção de subsídios específicos de sua função, no caso, o domínio didático-pedagógico dos conteúdos para o ensino da Matemática.
Conforme D’Ambrosio (2009), é impossível pensar em um professor como ser formado em sua totalidade. Tal inferência demanda da classe docente um exercício de autorreflexão, e neste sentido, exige um repensar a formação de professores.
Cabe salientar que este processo formativo se conduz em grande parte no exercício da prática docente, experienciando os ônus e os bônus do labor pedagógico. Freire (2021, p.122) traduz bem isto quando afirma que é “ensinando matemática que ensino também como aprender e como ensinar, como exercer a curiosidade epistemológica indispensável à produção do conhecimento”.
Em outras palavras, é ao transcurso da experiência profissional que o professor adquire expertises que delineiam sua figura enquanto protagonista, posto que, é no ato de conduzir seus aprendizes em direção ao conhecimento que se constrói a sua (do professor) função social, sendo assim, as relações de saberes não são estritamente cognitivas.
No que se refere às buscas na Web, o termo de pesquisa “Matemática” ganha maior destaque entre os estados da região nordeste. Segundo dados do Google Trends, consultados em 14 de março de 2022, os estados do Maranhão, Piauí, Ceará e Alagoas figuram as primeira, segunda, terceira e quinta colocações - respectivamente - no que se refere a buscas por este termo nos últimos cinco anos. Contudo, filtrando para pesquisas pelo YouTube a uma equiparação entre as 27 unidades federativas.
Com vistas a não se fazer prolixa tal análise, haja vista ter sido assunto abordado com relativa profundidade ainda na seção introdutória, trazemos recortes que atuarão como justificativa a intencionalidade explicita de lançarmos luz a região nordeste. Promovemos reflexões sobre as condições que a referida análise apresenta perante as demandas em âmbito educacional e impacto ao ensino da Matemática e que - ainda - de forma colateral, por vezes exacerbam desigualdades sociais.
Desafiadora é a realidade a que se apresenta o exercício da docência no Brasil, sendo - em especial - a cadeira das exatas a mais impactada. Manchetes em várias mídias repercutem esta realidade nos últimos anos como, por exemplo, uma intitulada “Faltam Professores de Matemática” publicada pelo G1, Globo (UGB FERP, 2021). Um caos que se constitui como um prelúdio às dificuldades vindouras e que ganha maior notoriedade, cabendo destaque a região nordeste quando observada a baixa proficiência matemática, conforme o PISA 2018.
Na Figura 1 são apresentados breves recorte das descrições dos Níveis de proficiência matemática: Abaixo do Nível 1 - não especifica as habilidades desenvolvidas; Nível 1 - Conseguem realizar ações que são, quase sempre, óbvias e que decorrem diretamente dos estímulos dados; Nível 2 - São capazes de fazer interpretações literais de resultados; Nível 3 - Suas soluções indicam que eles se envolvem em interpretações e raciocínios básicos; Nível 4 - São capazes de construir e de comunicar explicações e argumentos com base em suas interpretações, argumentos e ações; Nível 5 - Começam a refletir sobre suas ações e são capazes de formular e de comunicar suas interpretações e raciocínios; e Nível 6 - Conseguem refletir sobre suas ações e formular e comunicar com precisão suas ações e reflexões relacionadas às constatações, interpretações e argumentações que elaboram; são ainda capazes de explicar por que razão estas são adequadas à situação original (INEP, 2020, p.112-114).
Para além destes jovens aos quais foram auferidas suas competências - incluindo a própria Matemática - temos uma população nacional a quem, em sua maioria, possuem pouca afinidade a área das exatas, assim como, no âmbito das políticas públicas, vêm se distanciando de tendências internacionais afeitas ao desenvolvimento de tal esfera do conhecimento.
Nos últimos anos, vários outros países vêm se empenhando em atrair mais estudantes para as áreas das ciências, tecnologia, engenharia e Matemática, buscando “aprimorar a transição da educação para o trabalho”; contrariamente, o Brasil possui um dos mais baixos índices de concluintes nestas, 17%, sendo que a média da OECD, 24% (OECD, 2018).
Não bastasse isso, existe uma defasagem no que tange às políticas de valorização dos profissionais da educação no Brasil. Se essas políticas forem comparadas a de outros países aferidos em outro estudo também da OECD, professores do Brasil detêm o menor salário inicial (Puente, 2021). Nos anos finais, a média anual do grupo de países analisados foi de US$ 33,126 mil; os brasileiros recebem tão somente US$ 13,971 mil (OECD, 2018).
É sabido que a profissão docente é marcada por constantes processos de enfrentamento, a incluir a própria valorização salarial de sua classe, contexto que oprime possíveis aspirações de formação superior por parte daqueles que venham a desejar exercer o magistério, ainda mais se falando em nordeste (Moura, 2022).
Localidades | Quantitativo de professores | Piso Salário | Inferências |
---|---|---|---|
Brasil | 2.189.005 | ||
Região Nordeste | 613.629 | ||
Maranhão (MA) | 99.029 | 6.358,96 | 38,95% dos professores recebiam acima do PSPN. |
Piauí (PI) | 43.978 | 3.420,94 | |
Ceará (CE) | 97.383 | 3.648,77 | |
Rio Grande do Norte (RN) | 33.695 | 1.260,20 | 61,05% dos professores recebiam abaixo do PSPN. |
Paraíba (PB) | 46.595 | 2.557,95 | |
Pernambuco (PE) | 86.285 | 2.557,74 | |
Alagoas (AL) | 33.662 | 2.764,29 | |
Sergipe (SE) | 22.959 | 2.455,35 | |
Bahia (BA) | 153.583 | 2.145,36 |
Fonte: Adaptado de INEP (2021b) e CNTE (2020).
Cruzando dados do Censo Escolar de 2021 no que concerne ao quantitativo de professores por estado e dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - DIEESE - referentes aos pisos salariais, constata-se que no Nordeste seis estados pagavam abaixo Piso Salarial Profissional Nacional - PSPN, que era de R$ 2.886,15 em 2020 (CNTE, 2020).
Paulo Freire (2021, p. 139) já buscava resposta à resiliência que acompanha a maioria dos professores que permanecem na educação, convocando o termo “vocação” frente à “imoralidade dos salários” que são praticados. Contudo, o exercício docente não se resume tão somente ao apreço a sua função, mesmo sendo esta postura de fundamental importância, como apreciado em seções anteriores deste estudo.
O professor é um indivíduo de múltiplas competências e com o desejo genuíno de vivenciar a práxis de seu ofício. Uma alternativa para mudar o quadro existente e oportunizar que o professor melhor demonstre suas capacidades seria a adesão às redes sociais como forma de divulgação de sua atividade profissional, seja pela visibilidade proporcionada à sua aula e didática de ensino, seja pela própria alternativa de renda complementar que as plataformas digitais podem permitir.
4 Considerações finais
O pensar do “eu” enquanto figura a compor uma coletividade está rico em saberes culturais próprios e visões acerca de tal disciplina: O ensino da Matemática enquanto instrumento de mudança social.
A formação docente deve perpassar a clara necessidade de compreensão das múltiplas realidades impostas ao decorrer do processo de formação deste professor em sua carreira profissional, assim como, ser capaz de dialogar com dispositivos norteadores da educação nacional buscando assim dirimir as fragilidades existentes e constatadas nas avaliações a exemplo do PISA.
Compreender o quão distantes nos encontramos de um contexto ideal de conhecimento matemático agregado em nossa comunidade discente corrobora com a constatação de que esta realidade decorre de gerações detentoras de falhas reincidentes. A relutância identificada em muitos professores ao uso das TDIC foi evidenciada nos últimos anos, a duras penas: muitos perceberam a necessidade de se adequar ao ensino mediado por dispositivos digitais nas múltiplas frentes que constituem o ser (sujeito) docente.
D’Ambrosio (2009) nos deixou ensinamentos de grande valia, principalmente no que diz respeito a este cenário contemporâneo. Mostra-nos, para além do que fora exposto ao decorrer deste artigo, como o comportamento humano pode ser negligente com o que é tão caro - e passível de se obter solução - como a plena educação e formação de pessoas tanto de educandos como de educadores. Percebe-se marcante inquietação diante do quadro da ausência de cuidado com o social e as gerações vindouras; contudo, salienta as contribuições decorrentes do avanço da Matemática em vários ângulos, que claramente promovem grandes maravilhas.