Introdução
Este trabalho discute a apropriação do termo cogestão pelos atores que alteraram o decreto nº 15.943, de 17 de agosto de 2007b que regulamentou o Programa de Atendimento Especial à Educação Infantil (PAEEI) implementado no município paulista de Campinas em abril de 2007 pela Lei 12.884. A respectiva lei criou os “Centros de Educação Infantil (CEI), unidades de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação, cuja gestão se realiza em parceria com instituições de direito privado sem fins lucrativos” (CAMPINAS, 2007a). O PAEEI ficou popular e publicamente conhecido como Programa ‘Nave-mãe’.
As unidades do PAEEI são construídas, equipadas e mantidas pelo poder público, mas têm sua gestão transferida a instituições privadas, selecionadas conforme exigências técnicas e jurídicas publicadas pela prefeitura de Campinas em Edital de processo seletivo público. Para gerir as ‘Naves-mães’, a entidade privada recebe, trimestralmente, um montante de recurso público calculado com base no número de crianças matriculadas, diferenciando-se pela faixa etária atendida (DOMICIANO, 2012; 2016; 2017).
A alteração do decreto citado, passou a designar o PAEEI como um formato de cogestão da Educação Infantil. Considerando o levantamento teórico, entendemos cogestão como um dos mecanismos para democratizar a gestão da escola (PARO, 1997; 2012), para verificar se de fato o Programa se configurava como um meio de democratizar a gestão ou de um formato de privatização, buscamos apresentar, compreender e problematizar o significado do termo relacionando-o às características do PAEEI.
Adotamos como metodologia, a análise de documentos primários - pesquisa documental - que incluíram o Decreto nº 17.523/2012a, a Lei 12.884/2007a, os documentos expedidos pela Secretaria Municipal de Educação denominados Guia Gestor (2010; 2013) além de levantamento teórico relacionado à cogestão. O período da investigação englobou os anos de 2007 a 2014 que correspondeu ao primeiro ano de implantação do Programa seguindo até o momento em que se identificou alteração legal relacionada ao tema.
As informações aqui apresentadas e analisadas resultam de tese de doutorado defendida em 2016 na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, desenvolvida no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (Greppe) e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Organizamos o texto em três partes, além da introdução e das considerações finais. A primeira composta pela apresentação e discussão do conceito de cogestão desde sua origem até sua relação com a educação; na segunda discorremos sobre administração e cogestão na educação básica para depois tratarmos especificamente da cogestão, da participação e do gerencialismorelacionados à Educação Infantil. Na terceira parte reunimos as características do Programa ‘Nave-mãe’ analisando-as com base na literatura apresentada. Por fim, nas considerações finais, discutimos se o formato de administrar unidades públicas de Educação Infantil em Campinas, via setor privado, se caracteriza como cogestão no sentido atribuído neste trabalho.
Introdução ao conceito de cogestão
No decreto regulamentador do Programa ‘Nave-mãe’, o termo cogestão é utilizado para caracterizar o convênio firmado entre o governo municipal e entidades privadas para gestão dos Centros de Educação Infantil.
Art. 16 - As oportunidades de firmar convênio com o Município para a cogestão de CEIs serão publicadas no Diário Oficial do Município, através de Edital de processo seletivo público. Parágrafo único. As instituições interessadas na cogestão de um determinado CEI deverão apresentar Plano de Trabalho, nos moldes definidos no Edital. (CAMPINAS, 2012, p. 4)
A acepção do termo utilizado pelo legislador designa implicitamente a administração “conjunta” de Unidades de Educação Infantil públicas com o setor privado, entretanto a simples designação não dá conta do sentido atribuído historicamente ao vocábulo.
Para Fernando Prestes Motta (1982), a cogestão surge em meados dos anos de 1950 como uma ferramenta que tenta amenizar os inúmeros conflitos presentes no interior das empresas, intensificados pelo controle e exploração do trabalhador no processo de produção capitalista e para manter a estabilidade desse sistema.
Cogestão para o autor “é uma forma avançada de participação administrativa que implica co-decisão em determinadas matérias e direito de consulta em outras” (MOTTA, 1982 p. 204), podendo ser paritária ou não. Participação administrativa é por ele definida como “um tipo especial de participação, que se organiza por representação”
No marco do capitalismo, a cogestão é considerada por Motta (1982) como uma das formas mais avançadas de participação. O desenvolvimento das formas de participação
se deve, por um lado, aos novos estágios das forças produtivas, forçando uma adaptação das relações de produção e, por outro, às novas configurações assumidas pelo equilíbrio de forças entre a classe operária, o empresariado, e a alta burocracia pública e privada. (MOTTA, 1982, p. 7)
As bases da cogestão se assentam na ideia de que há conciliação possível, entre o sistema de livre mercado, no qual a empresa se insere, e os interesses do trabalhador, “uma harmonização geral dos interesses do capital e do trabalho, que por definição são inconciliáveis” (MOTTA, 1982, p. 33)
Entretanto, afirma o autor, não se pode conceber a cogestão apenas como um “maquiavélico projeto burocrático” (MOTTA, 1982, p. 23), mas também como conquista da classe trabalhadora na medida em que “surge a possibilidade de os trabalhadores influírem na natureza das decisões que afetam a vida do estabelecimento ou da empresa, e, portanto, a sua vida” (MOTTA, 1982, p.35).
Para Maurício Tragtenberg (2004, p. 56), no âmbito da empresa, os mecanismos de cogestão como os instituídos por meio de Conselhos de fábrica atuam “como equilíbrio de poderes, tendo em vista o (seu) bom funcionamento” contribuem para “pacificação” do trabalhador, reforçando sua exploração. O autor considera que a cogestão comporta co-decisão e equivale à participação, “sendo esta entendida como participação nos lucros ou aumento do patrimônio” De acordo com ele, cogestãoe participação “são conceitos que procuram definir o lugar do trabalhador na empresa” (TRAGTENBERG, 2004, p. 56).
No campo do direito trabalhista, José Luis Quadros de Magalhães (1991) considera a cogestão como um direito do trabalhador, toma a definição de José Armando Caro Figueroa (1986) para o termo segundo o qual, a cogestão pode ser conceituada como “um conjunto de disposições, legais ou não, que possibilitam aos trabalhadores de uma unidade produtiva, empresa ou centro de trabalho, intervir no governo (gestão) da mesma, através da presença de seus representantes no órgão de direção” (MAGALHÃES, 1991, s/p)
Ainda que de modo divergente, teóricos como Motta (1982; 1984) e Tragtenberg (2004) mostram que a forma de participação consubstanciada em cogestão integrou um momento específico do capitalismo em que buscou-se compatibilizar os interesses do capital com os do trabalhador.
As definições dadas pelos autores estudados (MAGALHÃES, 1991; MOTTA, 1982; 1984; TRAGTENBERG, 2004), sugerem que a cogestão é uma forma de democratizar a gestão das organizações ou dos sistemas por meio da participação “do elemento humano na vida administrativa e econômica” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 1987, p. 204).
Entretanto, quando se fala em participação é preciso considerar os diferentes sentidos atribuídos ao termo, bem como as diferentes maneiras de se “tomar parte” dentro de uma organização ou um sistema.
Motta (1984, p. 201) sustenta que, “participar não significa assumir um poder, mas participar de um poder, o que desde logo exclui qualquer alteração radical na estrutura de poder” Explica o autor que, participar não pressupõe que todas as pessoas ou grupos opinem sobre todas as matérias, “mas implica necessariamente em algum mecanismo de influência sobre o poder”
Já para Vitor Paro (1997), uma efetiva participação com vistas à democratização da gestão passa, necessariamente, pela distribuição do poder dentro das organizações ou dos sistemas. Para tanto, defende que a participação não deve se restringir ao nível da execução, mas somar-se à tomada de decisões.
A esse respeito, quando uso esse termo, estou preocupado, no limite, com a participação nas decisões. Isto não elimina, obviamente, a participação na execução; mas também não a tem como fim e sim como meio, quando necessário, para participação propriamente dita, que é a partilha do poder, a participação na tomada de decisão. (PARO, 1997, p. 16)
Juan Díaz Bordenave (1994, p. 12), no início da década de 1980 escreveu que, naquela época, tanto os setores progressistas, cujo desejo era o da democracia mais autêntica, quanto os “setores tradicionalmente não muito favoráveis aos avanços das forças populares” defendiam a participação. O motivo, explica o autor, “é que a participação oferece vantagem para ambos. Ela pode se implantar tanto com objetivos de liberação e igualdade como para a manutenção de uma situação de controle de muitos por alguns” (BORDENAVE, 1994, p. 12).
De acordo com Bordenave (1994, p. 30), em um grupo ou organização as questões-chave da participação são: “o grau de controle dos membros sobre as decisões e quão importante são as decisões de que se pode participar” Dentre os graus, Bordenave (1994), assim como Motta (1982; 1984), considera a cogestão um patamar avançado em que a “administração da organização é compartilhada mediante mecanismos de co-decisão e colegiabilidade” (BORDENAVE, 1994, p. 32), o que implica, conforme o autor, “a influência direta dos administrados na eleição de um plano de ação e na tomada de decisões por meio de comitês, conselhos ou outras formas colegiadas”
Licínio Lima (1988) expõe que participação aparece, muitas vezes, relacionada à cogestão, democracia, autogestão, descentralização variando em formas e graus, perspectivas e pontos de vista. Considera que as diferentes acepções sobre a palavra, não se descolam das circunstâncias sociais, culturais e históricas, tampouco da política e da legislação.
No mesmo sentido que o apresentado por Lima (1988), Motta (1982, p. 17) apresenta as feições das diferentes formas de participação.
(as quais) Variam de acordo com as diferentes formações sociais, o que implica dizer que a estrutura social e econômica prevalecente, as instituições jurídico-institucionais, os fatores culturais, incluídos as tradições e o fundo histórico em que todos esses aspectos se concretizam, tendem a influir de modo significativo nas formas de participação.
Voltando-se para o âmbito da escola pública, Paro (1997) vai dizer que há condicionantes internos e externos à esta organização, que influenciam nas formas de a comunidade participar, podendo tais determinantes potencializar ou obstar a participação nas tomadas de decisões. O autor elenca quatro tipos de condicionantes internos à unidade escolar: materiais, institucionais, político-sociais e ideológicos e três, externos a ela: os condicionantes econômico-sociais, os culturais e os institucionais.
Condicionantes internos à unidade escolar:
De modo resumido, os condicionantes materiais referem-se “às condições objetivas em que se desenvolvem as práticas e as relações no interior da unidade escolar” (PARO, 1997, p. 43); os institucionais dizem respeito a criação de mecanismos de ação coletiva como a Associação de Pais e Mestres (APM) ou equivalente e ao Conselho de Escola; os políticos sociais correspondem aos interesses dos grupos dentro da escola que podem ser divergentes, porém, não contrários nem impeditivos da participação nas decisões e, por fim, os condicionantes ideológicos que são entendidos como “as concepções e crenças sedimentadas historicamente na personalidade de cada pessoa e que movem suas práticas e comportamentos no relacionamento com os outros.” (PARO, 1997, p. 47).
Condicionantes externos à unidade escolar (econômico-sociais; culturais e institucionais):
Grosso modo, os condicionantes econômico-sociais, dizem respeito as reais condições de vida da população ou seja, o tempo disponível para “tomar parte” dos espaços de decisões, suas condições materiais e a disposição pessoal em participar; os condicionantes culturais relacionam-se a “visão das pessoas sobre a viabilidade e a possibilidade da participação, movidas por sua visão de mundo e de educação escolar que lhes favoreça a vontade de participar” (PARO, 1997, p. 54), já os condicionantes institucionais referem-se às instâncias coletivas de decisões, institucionalizadas ou não, cuja população possa dispor para encaminhar sua ação participativa (PARO, 1997).
Os condicionantes internos e externos à participação levantados por Paro (1995, 1997), explicitam as contradições, complexidades e potencialidades para concretização da partilha do poder dentro de uma organização burocrática, com vistas a interferir nos processos decisórios.
Tal intervenção constitui-se o cerne do modo de administrar pela via da cogestão, a qual, segundo os autores apresentados (BORDENAVE, 1984; MOTTA 1982; 1984; PARO, 1997; 2012), se caracteriza como uma forma de democratizar a gestão das organizações burocráticas por meio de mecanismos de participação criados para distribuição de poderes, é, conforme Bordenave (1984), um dos graus mais elevados de controle exercido pelos membros de um grupo, organização ou sistema, sobre as decisões.
Tendo esta definição como mote, passa-se a pensar, especificamente, sobre o significado de cogestão e participação no contexto da educação básica brasileira para posteriormente refletir se o Programa ‘Nave-mãe’ é um formato de administrar unidades públicas de Educação Infantil que pode se caracterizar como cogestão no sentido atribuído neste trabalho.
Administração e cogestão da educação básica brasileira: notas iniciais.
No âmbito da gestão da educação brasileira não é novidade dizer que se teve marcadamente um sistema centralizado e autoritário. No que diz respeito aos estudos sobre administração escolar no Brasil tem-se, nas palavras de Vitor Paro, duas posições antagônicas
A primeira, que “se fundamenta na pretensa universalidade dos princípios de Administração adotados na empresa capitalista, os quais são tidos como princípios administrativos das organizações de modo geral” (PARO, 2012, p. 17). E a segunda, que se opõe radicalmente à primeira “colocando-se contra todo tipo de administração ou tentativa de organização burocrática da escola” (PARO, 2012, p. 17).
Neste último caso encontram-se os adeptos da autogestão, que tem como principal expoente no Brasil, Mauricio Tragtenberg para o qual, sinteticamente, a autogestão seria a auto-organização, ou a organização autônoma dos trabalhadores para gerir as instituições da qual fazem parte (escola, empresa, fábrica). (TRAGTENBERG, 2004).
Conforme Paro (2012), o problema dessas duas vertentes é que não consideram os determinantes sociais e econômicos da Administração Escolar nem a pensam com vistas à transformação social. A primeira faz isso ao defender a administração capitalista no interior da escola contribuindo para legitimar o domínio e a hegemonia de um tipo de administração que serve aos interesses econômicos e à manutenção do status quo. A segunda, o faz por não “dar conta das verdadeiras causas da dominação na sociedade, mostrando-se impotente para agir contra tais causas (...).” (PARO, 2012, p. 19)
Abstraindo então as determinações historicamente situadas, Paro apresenta o conceito em geral de administração como “a utilização racional de recursos para a realização de fins determinados.” (PARO, 2012, p. 25). Pautado em Marx, o autor mostra que o ato de administrar se configura como atividade exclusivamente humana e necessária à vida do homem, sendo, portanto, um trabalho humano, este entendido como atividade orientada a um fim (PARO, 2012).
Explica o autor que a atividade administrativa é uma atividade grupal e que para acontecer com a devida adequação entre meios e fins, é necessário a utilização racional do esforço humano coletivo, chamado por ele de coordenação do esforço humano coletivo ou simplesmente “coordenação”.
Utilizo a palavra “coordenação” muito precisamente para indicar o campo de interesse teórico-prático da administração que diz respeito ao emprego racional do esforço humano coletivo. Enquanto a “racionalização do trabalho” se refere às relações homem/natureza, no processo administrativo, a “coordenação” tem a ver, no interior desse processo, com as relações do homem entre si. (PARO, 2012, p. 32)
Se a própria atividade administrativa pressupõe a coordenação do esforço humano coletivo, não é possível pensá-la de modo que tal esforço seja despendido por pessoas isoladamente (PARO, 2012). Nessa reflexão de Paro (2012) reside o compromisso da atividade administrativa com vistas a superação do tradicional modelo de concentração da autoridade nas mãos de uma só pessoa, como sói acontecer com a figura do diretor na Administração Escolar.
Preocupado, com a democratização da Administração Escolar, Paro (2012, p. 209) defende que “todos os que estão direta ou indiretamente envolvidos no processo escolar possam participar das decisões que dizem respeito à organização e funcionamento da escola”. Embora não cite o termo, o ideário de Paro (2012) se coaduna com a forma de administrar pela via da cogestão.
Entretanto, a Administração Escolar pauta-se historicamente “pelo autoritarismo em suas relações e pela ausência de participação dos diversos setores da escola e da comunidade em sua realização” distanciando-se de uma “concepção de sociedade democrática a que se pretende chegar pela transformação social” (PARO, 2012, p. 209).
Cogestão, participação e gerencialismo: diálogos com a educação infantil
O termo cogestão no campo da educação no Brasil não é usual como o é na saúde (CUNHA; CAMPOS, 2010; GUIZARDI; CAVALCANTI, 2010). Trabalhos como o de Márcia Angela Aguiar (2009) indicam os Conselhos Escolares como espaços de cogestão nas unidades educacionais. Ainda que não defina explicitamente o termo, ao atribuir a esta instância consultiva e deliberativa, o local de construção conjunta sobre o papel da escola incluindo a resolução de problemas de seu cotidiano, admite que se trata da democratização da gestão da escola em que usuários, professores, gestores, servidores participam dos processos decisórios.
Outro exemplo de cogestão é encontrado no artigo de Ediógenes Aragão Santos (1989) que analisa a experiência de mobilização por parte dos professores e alunos da Escola Estadual de Segundo Grau Prof. Ayres de Moura em 1983 no município de São Paulo. O autor descreve que a partir de uma tomada de consciência da centralização do poder e da ineficiência e inadequação do ensino às especificidades da faixa etária, professores e alunos se mobilizaram em busca da transformação da realidade escolar. O movimento culminou na suspensão das aulas, greves, assembleias, construção de pauta coletiva que, dentre outras coisas, exigia maior autonomia, poder de decisão, participação e cogestão da escola junto aos órgãos oficiais. Concluiu o autor que a ação coletiva de professores e alunos promoveu novas relações sociais e educacionais no interior da escola, mas esbarrou-se na organização centralizadora e burocrática da Secretaria Estadual de Educação cujas estruturas administrativas, burocrática e autoritária, mantiveram o controle dos processos educacionais limitando os avanços conquistados pelo movimento.
Percebe-se mais uma vez, a cogestão entendida como democratização da gestão da escola que, no Brasil, passa a ser mais comumente nominada de gestão democrática.
A gestão democrática ganha notoriedade na década de 1980, período em que a ditadura militar começa a declinar e a pauta histórica dos movimentos sociais relacionadas à democratização da organização da educação se sobressai.
Conforme Adrião (2006, p. 57) as ações,
apoiavam-se na defesa, principalmente, da implantação de uma administração coletiva da escola, da eleição dos dirigentes escolares, da participação da comunidade usuária na definição das metas e objetivos das unidades escolares, da constituição das instâncias coletivas de trabalho docente e da exclusividade do financiamento da escola pública pelo poder público.
Como mecanismos que permitiam a participação dos usuários da escola, sendo estes os pais, alunos, servidores, professores e funcionários administrativos obteve-se a generalização dos colegiados, como por exemplo, os Conselhos de Escola ou equivalentes cujas normativas, de modo geral, os designavam como instância deliberativa nos assuntos de ordem administrativa, pedagógica e financeira da escola (ADRIÃO, 2006).
Conforme lembra Adrião (2006) embora tais mecanismos “participacionistas” tenham esbarrado nos limites e contradições de um sistema composto por órgãos superiores, “pouco permeáveis à participação e pressão dos usuários, as medidas democratizadoras da gestão da escola eram - e são - defendidas como imprescindíveis para a constituição de uma escola voltada para os interesses da maioria” (ADRIÃO, 2006, p. 61).
A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394/96, consagraram o princípio da gestão democrática do ensino público e a participação da comunidade na gestão escolar. Do ponto de vista legal não se pode negar que tal mecanismo, potencialmente democratizador, “favoreceu a generalização de políticas voltadas para o aumento da participação dos educadores e usuários na gestão escolar nas redes públicas que ainda não ocorriam” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p. 70), mas estas políticas se restringiram à esfera das unidades escolares, não avançando em nada em mecanismos que pudessem materializar a real participação de trabalhadores e usuários das redes públicas “em instâncias decisórias dos sistemas de ensino” (ADRIÃO; CAMARGO, 2007, p.70).
Oito anos depois, a LDB 9.394/96 reafirmou o princípio da gestão democrática do ensino público e a participação da comunidade escolar. A esse respeito, Paro (2007, p. 78) considera que, “embora vaga, a determinação contida no inciso VI do Art. 12 reconhece a importância desse aspecto, acenando para o fortalecimento da participação dos usuários na gestão da escola”.
Se na década de 1980 a participação na gestão escolar significava, entre outras coisas, admitir a presença dos usuários da escola com vistas a deliberar sobre determinados assuntos e adquirir direito de consulta em outros, nas décadas posteriores o significado de participação muda de sentido.
Relembra Adrião (2006) que ganhavam destaque no início dos anos de 1990 dois tipos articulados de proposição no conteúdo da participação. O primeiro ligado à ampliação do grau de informação aos usuários sobre o desempenho da “sua” escola frente ao das demais, ou seja, se defendia uma instrumentalização meramente informativa, ligada à avaliação externa acreditando-se que tais atitudes por parte dos usuários, melhoraria a qualidade do ensino. Tal grau de participação restringia-se meramente a uma apropriação de informação não implicando tomada de decisão.
O segundo tipo relacionava-se ao estímulo às parcerias entre escola e “todo e qualquer setor social” (ADRIÃO, 2006, p. 78). Fomentava-se ainda a transferência da manutenção dos equipamentos escolares e o desenvolvimento de atividades extracurriculares ao voluntariado. Em ambos os casos, a ênfase à participação recaia sobre o âmbito do privado, o qual se transformou no ator principal da oferta das políticas sociais pós década de 1990.
Conforme Marcio da Costa (2005) as propostas na agenda educacional, que, dentre outras coisas, enfatizavam a gestão local e a parceria com grupos ou instituições fora do Estado, caracterizados pelo autor como “programas de inspiração participativa” (COSTA, 2005, p.14).
forjam um modelo específico de ação estatal, produzem ou promovem novos atores sociais, reforçam algumas elites políticas, geram impactos variáveis sobre os sistemas educacionais constituídos e, sobretudo, tornam-se peça destacada nos discursos políticos de alguns governos (COSTA, 2005, p.14).
Entendemos com Peroni e Adrião (2005), que os “programas de inspiração participativa”, como denominado por Costa (2005), são, na verdade, processos de privatização da educação básica, os quais se aprofundaram no Brasil a partir dos final dos anos de 1990 frente aos arranjos políticos e econômicos relacionados à redefinição do papel do Estado, seja mediante a inauguração de diferentes acordos entre o Estado e o genérico Terceiro Setor ou pela consolidação de uma esfera “pública-não estatal”, resultante tanto da coexistência de padrões de gestão privada na esfera pública, quanto da alteração da natureza jurídica dessas mesmas esferas. As orientações de redefinição do papel do Estado encontramos no Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE), defendido e elaborado por Luís Carlos Bresser Pereira durante o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso - 1995 - 1998 (PERONI; ADRIÃO, 2005).
Justificada pela ineficiência da gestão pública, a reforma da administração pública brasileira, denominada por Bresser Pereira (1998) de administração pública gerencial, adotou elementos comuns da Nova Gestão Pública incorporando ao Estado práticas gerenciais pautadas na eficiência, eficácia, produtividade, avaliação e controle de resultados (GARCIA; ADRIÃO; BORGHI, 2009; JUNQUILHO,2002).
A gestão desenvolvida no âmbito do setor privado é tida como o modelo ideal de administração, a que carrega todas as “virtudes” (eficiência, eficácia e produtividade) necessárias para resolver os problemas do Estado brasileiro, assim como é também neste setor, que se encontram os melhores “colaboradores” dos governos nas diferentes esferas da federação para oferta e gestão dos serviços sociais públicos. A primazia do setor privado ganha materialidade legal a partir da Emenda Constitucional nº 19 de 1998 (EC-19/98), pela qual se alterou vários dispositivos da Constituição Federal de 1988 relacionados ao funcionamento da administração pública e às normas até então vigentes para os seus servidores (ADRIÃO; BEZERRA, 2013)
Dentre as alterações, Adrião e Bezerra (2013) chamam atenção para: 1) a introdução do princípio da eficiência; 2) a retirada da exigência de uma legislação específica para criação das entidades paraestatais e 3) a introdução do Contrato de Gestão. No primeiro caso, as autoras consideram a eficiência um precedente indissociável da gestão pública, mas advertem que ao figurar no texto constitucional, induziu a introdução de modelos de gestão baseados na administração privada, dadas as bases ideológicas nas quais se assentou a reforma do Estado.
Já a flexibilização da exigência para criação das entidades paraestatais, Adrião e Bezerra (2013) afirmam que, além de facilitar a generalização de entidades de natureza mista, favoreceu e legitimou o acesso aos recursos públicos por parte destas instituições. Por fim, a introdução do Contrato de Gestão para a operacionalização dos serviços sociais por meio das Organizações Sociais, formalizou a ideia do público não-estatal, diluindo as fronteiras entre o público e o privado.
Especificamente na gestão escolar, Nádia PedrottiDrabach (2018) compreende que os princípios da Nova Gestão Pública (NGP) ou gerencialismo aparecem na forma de avaliação de resultados das unidades escolares e/ou dos estudantes servindo de justificativa para a busca da ampliação da produtividade e da eficiência. Entende também que os dirigentes das unidades educacionais são considerados gerentes/executivos responsáveis máximos da instituição e aqueles que articulam parcerias com a comunidade escolar para o desenvolvimento das atividades educacionais.
Para Drabach (2018), na concepção gerencialista, a participação não se constitui um elemento da gestão da escola, pois é vista como um impedimento aos bons resultados, também não está presente na elaboração e construção do Projeto Político Pedagógico. Tais ações se centralizam na figura do diretor ou são terceirizadas para algum agente externo à escola. Nessa perspectiva da Nova Gestão Pública (NGP), os conselhos escolares assumem função fiscalizadora, secundarizando-se suas ações consultiva e deliberativa.
Na educação infantil a NGP é pouca ou quase nada explorada. No que tange as avaliações, se por um lado os “resultados” esperados nesta etapa da educação básica não estão sujeitos aos testes externos, como no ensino fundamental, é histórico o seu entendimento como educação compensatória ou preparatória (KRAMER, 1995) para o ensino ulterior ou ainda, articulada a perspectivas defendidas no campo da economia, que focaliza seu papel positivo tanto em relação à educação futura quanto à sua maior empregabilidade quando adultos (FERNANDES; CAMPOS, 2015). Conforme Fernandes e Campos (2015), faltam pesquisas que discutam os efeitos dessas políticas educacionais para Educação Infantil.
A respeito da gestão da educação infantil e sua relação com o gerencialismo e com as políticas neoliberais adotadas para a gestão dos sistemas educacionais a partir do final do século XX, Fernandes e Campos (2015) argumentam que se tratam de velhas conhecidas na educação das crianças pequenas (convênios, relação público privada; vale creche; emprego de professores leigos), entretanto, ressaltam as autoras, as justificativas governamentais se deslocaram do campo da falta de recursos para expandir o atendimento às crianças mais vulneráveis e se assentaram ideologicamente na busca pela eficiência sendo “apresentadas como parte de estratégias que, ao introduzir maior competitividade nas políticas públicas, assegurariam maior controle da qualidade pelos usuários desses serviços.” (FERNANDES; CAMPOS, 2015, p. 151).
Para além do discurso governamental da eficiência apresentados por Fernandes e Campos (2015), acrescentamos que a disputa cada vez mais ampliada por fundos públicos por parte das organizações privadas, lucrativas ou não, seja para ofertar vagas ou para administrar equipamentos educacionais públicos transforma a educação da criança pequena em mercadoria, inserindo-a em uma lógica mercantil e privatizante (DOMICIANO, 2005; 2006; 2011; 2012; 2020).
Características “administrativas” do Programa de Atendimento Especial à Educação Infantil (PAEEI - ‘Nave-mãe’).
Para definir se o Programa ‘Nave-mãe’ é uma forma de administrar unidades públicas de Educação Infantil que possa se caracterizar como cogestão, examinam-se suas principais características “administrativas” - ou seriam gerencialistas? -elaboradas a partir da legislação que o regulamenta, pois não há nenhuma “orientação” ou “Plano de Gestão” emitidos por parte do poder público de Campinas, que as entidades privadas seguem.
Primeiramente, reafirma-se que cogestãoé entendida como uma forma de democratizar a gestão por meio da distribuição de poder dentro de um grupo, organização e/ou sistema via participação e interferência nos processos decisórios por parte dos membros que compõem tais instâncias (BORDENAVE, 1994; MOTTA 1982; 1984; PARO, 1997; 2012). No caso específico da Administração Escolar, é admitir a interferência dos usuários, funcionários e/ou servidores, pais, professores, crianças nos processos decisórios da unidade escolar por meio dos Conselhos Escolares, da construção do Projeto Político Pedagógico, da gestão dos recursos financeiros.
A partir da leitura dos documentos que normatizam o PAEEI, elaboramos as principais características “administrativas” conforme segue:
A gestão das unidades de educação infantil públicas é disputada por entidades privadas via edital de seleção pública;
A entidade privada responsável pela gestão da unidade escolar é selecionada por sua condição técnica (Projeto Pedagógico, Experiência na Área da Educação, Projeto de Gerenciamento de Recurso) e jurídica (documentos comprobatórios de finalidade não lucrativa, utilidade pública e ausência de débito perante aos órgãos públicos);
Uma entidade privada, pode e administra uma “rede” ou um conjunto de Centros de Educação Infantil ‘Nave-mãe’;
O/A diretor/a da unidade educacional é selecionado/a pela entidade privada gestora sem consulta à comunidade local;
Para seleção do/a diretor/a exige-se formação em Pedagogia sem condicionar o tempo de experiência docente à seleção (critérios ficam a cargo da entidade privada);
A administração da Unidade pública de Educação Infantil é transferida à entidade privada a partir da assinatura do Termo de Convênio que prevê o repasse de recursos públicos por criança matriculada;
A gestão da escola (processos decisórios, organização da unidade escolar, contratação dos trabalhadores; educação da criança menor de 6 anos) está submetida ao interesse da entidade privada que assume a gestão;
o/a diretor/a e a equipe gestora da unidade educacional responde às demandas da entidade privada contratante;
Cada Centro de Educação Infantil deve constituir um Conselho de Escola composto por: 15% de docentes e/ou especialistas; 35% dos demais funcionários e 50% de pais de crianças (CAMPINAS, 1991).
De início destacamos a disputa pública a qual a gestão dos Centros de Educação Infantil (CEI) ‘Nave-mãe’ é submetida produzindo concorrência entre as entidades privadas gestoras na busca pelo CEI e pelo recurso público, transformando o direito da criança pequena em mercadoria (DOMICIANO, 2020).
Outro elemento importante consiste na seleção do/da diretor/a da unidade educacional sob gestão privada. No caso do PAEEI a regulamentação prevê a formação em Pedagogia, mas não exige experiência anterior na docência, conforme preconizado no art. 67 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) 9.394/1996. Além disso, a responsabilidade pela seleção está a cargo da entidade privada o que não exclui relações clientelistas nessa ação seletiva (CARVALHO, 1997).
Nos parece central a seleção de todo corpo de trabalhadores dos CEI ‘Nave-mãe’ e, especificamente, do/a diretor/a como um elemento do gerencialismo, pois caso não estejam agindo de acordo com o deliberado e exigido pela entidade privada gestora, podem perder o cargo e serem substituídos. Evidencia-se aqui a responsabilização individual pelos processos pedagógicos e administrativos justificados pelos princípios da eficiência e da eficácia, conforme preconizado por Drabach (2018).
Excetuando a obrigação de instituir o Conselho de Escola, não se visualizam no PAEEI - Programa ‘Nave-mãe’ - características que possam se consubstanciar na democratização da gestão dos Centros de Educação Infantil como sói acontecer sob as bases da cogestão e da gestão democrática.
Consideramos positiva a obrigação de constituir o Conselho de Escola no âmbito das unidades educacionais, entretanto, a normatização e exigência não garante sua materialidade e funcionalidade efetiva. Sobre este órgão colegiado, em um dos CEI ‘Nave-mãe’ investigados por Chicone (2016), a autora chama atenção para ações mobilizadoras voltadas a arrecadação de fundos para a unidade educacional, não aparecendo outras que pudessem se relacionar às funções consultivas e deliberativas, de modo que consideramos a existência meramente formal do Conselho de Escola.
Reforça o caráter formal do Conselho, a ausência da descrição de sua composição no Projeto Político Pedagógico (PPP) de outro CEI ‘Nave-mãe’ ao qual se teve acesso no decorrer da pesquisa. Evidencia-se também por este PPP, a inexistência da participação das famílias nos processos decisórios ao encontrar no texto do documento o acesso às atividades realizadas; a participação nos eventos e reuniões entre famílias e professores; o acesso ao desenvolvimento das crianças por meio das avaliações, como formas de participação e inserção dos usuários da escola no cotidiano educacional.
Considerando algumas especificidades da Educação Infantil - chegada recente da creche aos sistemas educacionais, a indissociabilidade entre o cuidar e educar, a histórica relação público-privada - as considerações de Fernandes e Campos (2015, p. 152) sobre à subordinação da gestão desta etapa da educação básica a “modelos de gestão desenhados para outros níveis educacionais, modelos esses que contam com uma história e com uma legitimidade que reforçam sua imposição às instituições de educação da criança pequena”, revelam e reforçam ainda mais a fragilidade e a facilidade com que a gestão das unidades educacionais são submetidas aos padrões gerenciais e privatizantes característicos da Nova Gestão Pública cujos efeitos merecem aprofundamento investigativo.
Considerações finais
Torna-se corriqueiro em propostas ou documentos que regularizam e formalizam a transferência da gestão da escola pública para o setor privado o uso de gestão compartilhada, cogestão e outros termos semelhantes em uma clara acepção de “colaboração conjunta” ou de “gestão democrática” entre os respectivos setores.
Como se sabe, o princípio da gestão democrática no ensino público encontra-se consagrado no artigo 206, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, assim como no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/1996. Para além desses marcos normativos, a Lei Federal nº 8.069/1990, que estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece o direito dos pais ou responsáveis de tomarem ciência do processo pedagógico, assim como participar da construção e definição das propostas educacionais.
A Lei Orgânica do município de Campinas, repete em seu Capítulo II, art. 223, inciso IV, “a gestão democrática do ensino, garantida a participação de representantes da comunidade” (CAMPINAS, 1990).
No entanto, apesar de todo arcabouço legal, garantindo a gestão democrática e a participação dos usuários da escola nas decisões educacionais, o poder público de Campinas, implementou o Programa ‘Nave-mãe’ sem nenhuma discussão com docentes, gestores ou qualquer outro membro da comunidade escolar.
O histórico de tramitação do Projeto de Lei (PL) do PAEEI , disposto na página oficial da Câmara Municipal de Campinas, mostra que o Programa não passou por audiência pública, seguindo direto para discussão e aprovação dos vereadores. A proposição e autoria do PL foi registrada no nome do prefeito de Campinas em exercício na época, Hélio de Oliveira Santos (DOMICIANO, 2016)
Soma-se à essa conclusão, o fato de o Programa PAEEI não apresentar em suas características “administrativas”, elementos que permitam configurá-lo como cogestão no sentido defendido por Motta (1982; 1984),Bordenave (1994), Paro (1997, 2012), Aguiar (2009) pelas razões já elencadas neste trabalho, mas com vários traços do gerencialismo.
Se para os ordenadores da política local cogestão é entendida como administração conjunta entre município e setor privado, entende-se que tal “aliança” seja uma forma de privatizar a administração de unidades públicas de Educação Infantil, pois, conceitua-se cogestão como uma forma de democratizar a gestão de organizações burocráticas por meio da distribuição de poder dentro de um grupo, organização e/ou sistema, via participação e interferência nos processos decisórios por parte dos membros que compõem tais instâncias (BORDENAVE, 1984; MOTTA 1982; 1984; PARO, 1997; 2012).
Desta forma, se implicitamente o termo denota a ação colaborativa e democrática entre os setores públicos e privado, explicitamente, tal política pública materializa, em nível local, um formato peculiar de privatização da gestão de equipamentos públicos de educação infantil se distanciando de modelos de assessoria para gestão como a oferecida pelo Instituto Ayrton Senna (ADRIÃO; PERONI, 2011; ADRIÃO; PINHEIRO, 2012) e do formato de compra de vagas com subsídio público em escolas privadas stricto senso, como o Bolsa Creche (DOMICIANO, 2006; DOMICIANO; ADRIÃO, 2005; DOMICIANO, 2011).
Trata-se da gestão da escola empreendida na sua totalidade por entidades privadas com subsídio público. O que o Programa ‘Nave-mãe’ tem em comum com as “estratégias” citadas é o direcionamento da educação básica pública para o campo e sob o interesse do setor privado, transformando-a em uma mercadoria e em fonte de disputa por recursos públicos entre os atores privados.
O PAEEI, materializa a tendência de transferência da gestão do equipamento público para o setor privado, na perspectiva da lógica gerencialista defendida pelos setores hegemônicos com vistas à “flexibilização” da gestão pública, confirmando a tendência anunciada por Adrião e Bezerra (2013).
O modelo apresentado, outorga para o segmento privado a elaboração e execução do Projeto Pedagógico, cujas consequências merecem aprofundamento; desloca a contratação de todos os profissionais envolvidos, direta ou indiretamente, no processo pedagógico às entidades privadas e, o principal, entrega a educação da criança menor de seis anos a este segmento, subordinando-a aos interesses de grupos privados, cujos objetivos, bem se sabe, distinguem-se profundamente do setor público, este sim instância garantidora de direitos. Com isso, a Secretaria Municipal de Educação acaba por cumprir papel meramente fiscalizador e regulador do processo pedagógico.
Por essas condições e características não se pode admitir que o Programa seja considerado uma forma de participação que se coaduna com o princípio democrático da cogestão, sendo, portanto, um processo explícito de privatização(ADRIÃO, 2018) da gestão de Unidades públicas de Educação Infantil.
Não se pode negar, que a disputa em torno dos conceitos não é neutra, e por isso primamos por manter a radicalidade dele no sentido de lhe dar o significado social e historicamente construído não permitindo a banalização de seu conteúdo, tampouco a apropriação indevida por setores hegemônicos que tenta legitimar ou consolidar sua atuação como um dos atores que participam da democratização da gestão da escola, democratização ainda tão frágil em nosso país.