Introdução
O estudo aqui apresentado encontra-se respaldado nos dados narrativos produzidos no interior de uma pesquisa de doutorado cujo cenário investigativo foi o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, Pibid, da Universidade Federal de São Carlos, UFSCar (ZAQUEU-XAVIER, 2019). Tais fontes são constituídas por documentos oficiais do Pibid desta instituição - Projeto Institucional e Regimento Interno - e de narrativas produzidas a partir de momentos de entrevistas com oito coordenadores de área de subprojetos e dois ex-coordenadores1 institucionais que haviam ocupado tais posições durante o período de vigência do edital analisado, a saber, edital de nº 061/2013.
Em relação a produção dos dados, cabe ressaltar que o Pibid-UFSCar se caracteriza por ser intercampi e, por isso, os dados dizem de mobilizações narrativas nos campi de Araras, São Carlos e Sorocaba. Além do mais, destaca-se que as entrevistas com os coordenadores de área de subprojetos contemplaram cinco áreas do conhecimento, a saber: Biologia, Interdisciplinar, Letras, Pedagogia e Química.
Desse modo, apresentar e discutir alguns modos de mobilização de narrativas na (e para a) formação de professores no Pibid-UFSCar, é o objetivo deste artigo. Além disso, dentre os três instrumentos narrativos propostos institucionalmente no programa desta instituição - portfólios, diários e relatórios - optamos por dar ênfase naquele que diz respeito ao trabalho com portfólios.
Com isso, afirmamos que se trata de um trabalho qualitativo cujo movimento analítico buscou aproximações e inspiração na análise narrativa proposta por Bamberg (2012), haja vista que, segundo esse autor, uma análise narrativa caracteriza-se a partir do momento em que a pesquisa assume que as narrativas são o foco de seu estudo. Nesse contexto, afirmamos que nossos interesses de pesquisa estão pautados na subjetividade dos colaboradores e, assim, inferimos que as narrativas tendem a dizer de relações interpessoais, de relação de poderes, de produção de realidades, de desejos e verdades que, por sua vez, se constituem na “tensão entre valores, ideologias e normas socioculturais” (MOUTINHO; CONTI, 2016, p. 2), o que as tornam foco de nossa análise.
Estudar a mobilização de narrativas, sobretudo na (e para a) formação de professores, vai ao encontro das necessidades e desafios que perpassam a Educação no país. Segundo Gadelha (2017), os desafios que enfrentamos atualmente não são nada modernos. Segundo ela, em um estudo em que analisa os desafios da Educação no país, parte relevante dos enfrentamentos que temos hoje são reflexos de uma política de desmonte implementada ainda na década de 1960, quando foram firmados acordos entre o Ministério da Educação, MEC, e a United StatesAgency for InternationsDevelopment, USAID, dos Estados Unidos. Esses acordos, também conhecidos como MEC-USAID, vislumbravam a “subordinação das universidades aos interesses imediatos dos empresários e na formação voltada às áreas tecnológicas em detrimento das humanidades, ao lado de propostas que visavam a eliminação da gratuidade das universidades públicas do país” (GADELHA, 2017, p. 168).
A precariedade da educação no Brasil é reconhecida também pelos organismos internacionais. O Relatório da Unicef de 2011 aponta como causas da enorme evasão escolar no país: (1) insuficiente número de escolas; (2) deficiente estrutura física das escolas; (3) falta de valorização dos professores (...); (4) ausência de formação adequada dos professores; (5) deficiente qualidade de ensino; (6) falta de acesso e meio de transporte para estudantes (...). O Relatório de 2016 (online) revela a tragédia de 38% de adolescentes em todo país estarem vivendo em situação de extrema pobreza. O dado representa um aumento de 29% em relação à média da população brasileira (GADELHA, 2017, p. 171).
Nesse contexto, as narrativas tendem a contribuir para que os sujeitos possam refletir sobre essas e outras questões que vão além dos muros da escola, rompendo com pressupostos de que o espaço escolar, a educação e as relações que perpassam a escola são impermeáveis aos fatores externos, isto é, aos efeitos da política, da economia e do meio sociocultural. Desse modo, entendemos que as formas narrativas, uma vez que podem ser vistas como meios pelos quais nos subjetivamos e compreendemos a nós mesmos e ao mundo que criamos, em uma época em que as singularidades, subjetividades, pluralidades e coletividade têm sofrido duras críticas em prol de um ensino/pensamento livre de ideologias (se é que é possível), elas têm se mostrado potentes para o desenvolvimento e discussão de temas sensíveis às realidades que envolvem o processo de formação de professores.
Além disso, entendemos que professores/ educadores estão interessados no processo de ensino-aprendizagem e em como ele se dá e, por isso, têm interesse em discutir e problematizar temas que os possibilitem “saber lidar com as vidas diferentes, os valores diferentes, as atitudes diferentes, as crenças, os sistemas sociais, as instituições e estruturas e no como eles estão unidos para aprender e ensinar” (CLANDININ; CONNELLY, 2015, p. 22). Nesse sentido, defendemos que as narrativas, quando mobilizadas na (e para a) formação de professores, têm a potência de criar espaços para que tais problematizações ocorram.
No que diz respeito à abordagem narrativa, esta inicia-se em contexto Europeu por volta dos anos de 1980. No Brasil, tal movimento passa a ser percebido nos anos de 1990, quando há uma intensificação em trabalhos que envolvem pesquisas biográficas e autobiográficas. Autores como Nóvoa (2000) defendem que a pesquisa com formas narrativas retrata uma necessidade em (re)pensar a produção de conhecimento. Nesse sentido, com o passar dos anos, a abordagem narrativa tem ampliado seu campo de atuação e vem sendo mobilizada para diferentes fins como, por exemplo, fonte de dados, pesquisa, formação etc. (NACARATO; PASSOS; SILVA, 2014).
Cumpre ressaltar a necessidade em atentar-se aos usos do termo “narrativa”, isto porque, esta mesma palavra assume diferentes significados e abordagens a depender dos teóricos que as mobilizam. Há, portanto, uma polissemia de sentidos que deve ser considerada. Aqui, defendemos as narrativas como os modos possíveis de se expressar, comunicar, dar sentido e criar realidades. São os meios pelos quais podemos nos constituir. Desse modo, não há um único caminho como, por exemplo, a escrita ou a oralidade, lidamos com possibilidades. Por conta disso, optamos, sempre, por nos questionarmos sobre “o que podem as narrativas?” em especial, no campo da Educação (Educação Matemática), ao invés de “o que são as narrativas?” (TIZZO, 2019; ZAQUEU-XAVIER, 2019).
Nesse sentido de potência, temos defendido que elas possibilitam a tomada de consciência do processo formativo, ou seja, trata-se de um modo de reconhecer-se, de compreender movimentos que podem ter influenciado a constituição do atual, mas passageiro, ser professor, ser pesquisador etc. Mobilizar as narrativas na (e para a) formação docente não se trata de uma organização arquivística e sistemática, ou melhor, não se limita a este procedimento e sim, vai além dele, ou seja, trata-se de um documentar para “descobrir e conhecer, (...) analisar, reconstruir/ reprojetar, (...) conservar a memória, (...) “estar em relação” com os alunos, (...) informar e comunicar” (MARQUES; ALMEIDA, 2016, p. 277-27). Por isso, em um momento em que quase tudo é instantâneo e ligeiro, entendemos que as narrativas podem ser tomadas como dispositivos através dos quais efetuamos algumas pausas para a reflexão e compreensão de si (SÁ-CHAVES, 2004).
No âmbito educacional, ela nos permite ir além dos muros da escola, da sala de aula e discutir questões que perpassam e influenciam direta ou indiretamente a realidade daqueles que vivenciam o espaço escolar. Problemas sociais, políticos e econômicos que afligem não só o país, como os Estados, regiões, cidades, bairros e comunidades, fazem parte das preocupações e norteiam estratégias de formação, em especial, a de professores. Além disso, ao trabalhar com formas narrativas, em uma perspectiva ampla tal como a apresentamos, identificamos que os espaços formativos não mais se resumem aos institucionalizados, o que possibilita que as discussões ultrapassem o conteúdo específico das disciplinas e tendem a superar percepções e formulações cunhadas ao nível de senso comum2.
Assim, no que se segue, iremos apresentar algumas considerações sobre o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, Pibid, política pública de formação de professores que, desde 2007, entre altos e baixos, inconstâncias políticas e divergências ideológicas, tem tido importância significativa no processo formativo daqueles que por ele passaram (GOMES; FELÍCIO, 2017). Em especial, teceremos uma versão possível para o Programa em ação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), cenário investigativo da pesquisa de doutorado que permitiu com que este artigo fosse elaborado3.
Após se familiarizar com a política Pibid, sobretudo, o Pibid-UFSCar, o leitor encontrará uma sessão destinada à apresentação e discussão de alguns modos de mobilização de narrativas na (e para a) formação de professores no Pibid-UFSCar, com ênfase no trabalho com portfólios e outra, na qual consta nossas considerações finais.
Uma versão possível para o Pibid-UFSCar
O Pibid é um programa de incentivo e valorização da carreira do magistério, idealizado a partir de um estudo de Ruiz, Ramos e Hingel (2007) que indicou uma defasagem e possível falta de professores, em breve, principalmente nas áreas de Matemática, Física, Química e Biologia. Diante disso, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), em parceria com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Secretaria de Educação Superior (SESu) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituíram, por meio do Edital MEC/CAPES/FNDE de 12 de dezembro de 2007, o Pibid.
No início, foram contempladas as Universidade Federais e, com o passar dos anos e novos editais, a Capes cuidou para que o Programa se estendesse para todas as instituições formadoras bem como que seus objetivos fossem reforçados, principalmente, aqueles que almejavam o incentivo, a valorização, a integração do Ensino Superior com a Educação Básica e a criação de meios que possibilitassem a vivência dos participantes com novas metodologias, tecnologias e práticas docentes inovadoras e interdisciplinares.
No ano de 2013, por meio da Lei nº 12.796 de 4 de abril de 2013, que alterou o texto da Lei nº 9.394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) - o modelo Pibid tornou-se parte de uma Política de Estado e não mais de Governo. Assim, a LDB passou a incluir, em seu Art. 62, os seguintes parágrafos:
§ 4º - A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e permanência em cursos de formação de docentes em nível superior para atuar na educação básica pública. § 5 º - A União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios incentivarão a formação de profissionais do magistério para atuar na educação básica pública mediante programa institucional de bolsa de iniciação à docência a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de graduação plena, nas instituições de educação superior.
Em outras palavras, a União, Distrito Federal, Estados e Municípios, passaram a ter o dever de incentivar a formação de professores para atuar na Educação Básica via programas institucionais de bolsas de iniciação à docência, ou seja, ações e programas com características do Pibid, mas não necessariamente, o Pibid em si. Desse modo, queremos ressaltar que não é o programa Pibid que foi instituído na LDB e sim, ações tais como as que ele desenvolve.
Assim sendo, o modelo de Programa que vemos hoje pode, a qualquer tempo, ser (re)pensado, finalizado ou reestruturado desde que haja outra medida que atue na valorização e aperfeiçoamento da carreira do Magistério, de forma institucional e com bolsas aos participantes. Nessa direção, o Programa Residência Pedagógica é um exemplo de medida que se difere do Pibid, mas que contempla as imposições da Lei.
Nos últimos anos, acompanhando a crise político-econômica que tem acometido nosso país, o Pibid sofreu para garantir sua permanência diante das duras restrições orçamentárias e cortes que ocorreram em todo cenário educacional. Tais medidas geraram impactos que configuraram em uma desvalorização nos processos e movimentos cunhados no interior do Pibid que defendiam uma perspectiva democrática do ser professor, da função da escola, do papel do aluno, da sociedade etc.
As restrições orçamentárias impostas para a área que, aqui cumpre ressaltar,acometeram outros setores que não só o da Educação, geraram dificuldades na gestão institucional do Pibid como, por exemplo, cadastrar novos bolsistas, ter acesso a verbas para subsídios de materiais de consumo, auxílio para participação em eventos, diárias etc. Muitos projetos institucionais sobreviveram graças as parcerias cunhadas com as escolas de educação básica e doações dos próprios participantes. As constantes ameaças de novos “cortes” e encerramento do Programa, trouxeram uma zona de instabilidade, insegurança e prejuízo “formacional” para muitas parcerias (ZAQUEU-XAVIER, 2019).
A partir das entrevistas constantes no trabalho de Zaqueu-Xavier (2019), é possível dizer que o Pibid, desde o ano de 2015, vem passando por um processo de precarização. Sobre isso, ao dizer do Pibid enquanto programa pertencente a uma política pública, a professora Heloisa Sisla, coordenadora do subprojeto Pibid Pedagogia-UFSCar/São Carlos, afirmou que
O Pibid tem tido uma precarização. Ele tinha condições bárbaras no começo, em termos materiais. Agora, nesse ano de 2015, a gente trabalhou o ano inteiro sem um real, um centavo. Nós pagamos para trabalhar no Pibid (...) foi a escola quem emprestou os materiais de algumas das ações e quando isso não acontecia, era porque nós tínhamos um pouco de material aqui na universidade, que havia sobrado de compras anteriores (...) essa precarização, ela se revela nos portfólios. (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 43 - 44).
Nessa direção, a professora Fernanda Silva, coordenadora do subprojeto Pibid Interdisciplinar-UFSCar/Sorocaba, afirma que, principalmente em 2015, atuar no Pibid estava “(...) uma dificuldade, a Capes já não está mais inserindo alunos novos e a política é só de corte (...) a gente está em um momento de muita turbulência e indecisão, onde ninguém sabe o que vai acontecer” (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 72).
Em contrapartida, o professor EstéfanoVizcondi, coordenador do subprojeto Pibid Interdisciplinar-UFSCar/Araras, destacou o que poderia ser extraído de positivo dessa crise institucional. Para ele, diante do vivenciado, principalmente, no ano de 2015, operar em meio a “(...) uma crise que o país vem enfrentando e a dificuldade financeira, os bolsistas começam a descobrir como é que se trabalha em época de crise, sem dinheiro. Isso ajudou muito na criatividade deles” (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 96).
Na direção de criar um movimento de resistência e permanência do Pibid, segundo a professora Isabela Bozzini que, na época, era coordenadora institucional do Pibid-UFSCar, o Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, Forpibid, criado com o intuito de promover o diálogo entre coordenadores institucionais do Pibid, Capes e instituições, assumiu papel relevante para que o Programa sobrevivesse e que novos Editais fossem lançados. Para ela, o Forpibid
(...) teve papel fundamental na articulação política e na agilidade em lidar com as decisões que ocorriam rapidamente, já que éramos atropelados pelas reformas (...) diante de tudo o que foi acontecendo, eles “vestiram a camisa” e acabaram atuando em prol da permanência do programa (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 163).
Diante do exposto, cumpre ressaltar que existem autores que defendem o Pibid “como espaço de resistência, já que foi praticamente o único programa que sobreviveu na última década, após queda nas arrecadações, mudanças de Ministros da Educação, de governo federal, e principalmente aos ataques neoliberais” (BOZZINI, 2018, p. 28). Hoje, o Programa mantém parte de seus objetivos, mas limitou suas ações aos licenciandos que cursam a primeira metade do curso. Para aqueles que já integralizaram mais de 50% da carga horária total do curso, existe a possibilidade de se inscrever no Programa Residência Pedagógica, caso a instituição de ensino superior também participe dessa ação. É de fundamental importância ressaltarmos que, apesar da criação de outro Programa voltado para a formação docente, ambos não contemplam todo o público das licenciaturas, ou seja, muitos licenciandos ainda não têm a possibilidade de fazer parte do Pibid ou do RP.
Assim, no que diz respeito ao Pibid, gostaríamos de destacar também, a partir da leitura que fazemos dele, sua potência em gerar espaços formativos que se aproximem do que Zeichner (2010) denomina de “terceiro espaço”, isto é, ambientes, físicos ou não, a partir dos quais as relações tais como, professor-aluno, universidade-escola, ensino-pesquisa, dentre outras, possam se dar de forma menos hierárquicas.
Nessa direção, a parceria universidade-escola que, historicamente é tida verticalmente, passa a constituir-se de modo mais horizontal, isto é, a escola assume, assim como a universidade, papel significante no processo formativo dos futuros professores. Além disso, minimiza-se a relação dicotômica entre teoria e prática e busca-se romper com a ideia de que produção de conhecimento e pesquisa se faz na universidade, assumindo que a escola básica é também espaço para tal.
Em um plano ideal, enxergamos o Pibid como um programa articulador e caminho pelo qual se firmam parcerias institucionais de forma colaborativa, isto é, “tanto a escola, quanto a universidade deve ser considerada campo de ação-investigação colaborativa e, espaço de produção de conhecimentos e de formação de professores” (SOUSA, 2018, p. 59).
Com isso, entendemos que ele possa vincular os processos formativos, ou seja, agregar a formação dita inicial com a continuada, sendo esta última, vista como “toda intervenção que provoca mudanças no comportamento, na informação, nos conhecimentos, na compreensão e nas atitudes dos professores em exercício” (IMBERNÓN, 2010, p. 115) e não como um mero momento de treinamento, capacitação e reciclagem, como se defendia na década de 1990 e que, em geral, ainda reflete nas práticas atuais.
Agora, ao analisarmos o Pibid-UFSCar especificamente, podemos afirmar que o processo de elaboração do Projeto Institucional teve início em 2007 e efetivou-se em 2009, resultando no Projeto intitulado “Parceria Colaborativa entre Universidade e Escola: contribuições para a formação de professores”. Trata-se de um Projeto que abrange diferentes licenciaturas e que envolve três dos quatro campi da instituição, a saber: Araras, São Carlos e Sorocaba.
A partir do Projeto Institucional do Pibid-UFSCar, pode-se afirmar que sua ação parte do pressuposto de que a atuação docente é situada, isto é, “as ações individuais são desempenhadas enquanto práticas socialmente compartilhadas, com dimensões contextuais” (GAMA; SOUSA, 2011, p. 133) o que vai ao encontro dos princípios da parceria colaborativa que, para nós, trata-se doeixo norteador das ações deste Pibid e a partir da qual emergem as ações interdisciplinares e a mobilização de narrativas, em especial, os portfólios. Sobre isso, sabe-se que
A parceria colaborativa permite com que o Projeto possa contemplar os seguintes objetivos já perseguidos em editais anteriores: articular e coordenar atividades de Prática de Ensino; de conteúdos curriculares e extracurriculares com ações colaborativas junto aos professores de escolas públicas estaduais e municipais, tendo em vista:1) a iniciação à docência dos licenciandos da UFSCar; 2) a formação continuada dos professores em serviço na Escola Pública e 3) a promoção da melhoria do ensino e da aprendizagem na Educação Básica, por meio de ações que contemplam os objetivos do edital PIBID/CAPES e as Propostas Curriculares tanto dos municípios, quanto da rede estadual, atualmente em vigor (PROJETO INSTITUCIONAL, 2013, p. 2).
Em relação a parceria colaborativa, nosso entendimento é o de que ela assume dupla função, que se interconectam: a de mediar e abrir espaço para a universidade na escola e o de minimizar os processos hierárquicos que, historicamente, caracterizam a relação entre elas. Além disso, podemos afirmar que tal conceito está pautado nos estudos de Foerste (2005). O autor defende que conduzir um trabalho pautado na parceria colaborativa “implica uma postura epistemológica diferenciada, pautada na flexibilização curricular e ação dialógica, que impulsiona a introdução de outros sujeitos, saberes e espaços institucionais alijados ou pouco considerados” (FOERSTE, 2005, p. 3) no processo formativo.
Nessa direção, estudos de Gama e Sousa (2011) e Sousa (2012, 2018), que fazem um balanço e dizem sobre a proposta do Pibid-UFSCar, ressaltam que o Programa dessa instituição defende que desenvolver um projeto respaldado nesta metodologia implica investigar processos de aprendizagem da docência a partir da integração de, pelo menos, duas comunidades: futuros professores e professores da educação básica e superior. Assim, ao trabalharem de forma articulada, consideram a mutualidade de seus objetivos, suas múltiplas perspectivas e defendem a ideia de que cada parceiro contribui com seu conhecimento e vivências. Esse movimento tende a promover na escola um sentimento de pertencimento junto ao processo e não o decircunscrever-se a uma etapa, como, em geral, acontece.
Agregado aos princípios da parceria colaborativa, encontra-se a ideia de interdisciplinaridade, amplamente defendida pelos participantes do Pibid-UFSCar. Para eles, as atividades devem ser pensadas sob a ótica do “há de se educar para a dúvida e faz-se necessário transformar a insegurança num exercício do pensar, num construir” (SOUSA, 2012, p. 64). Com isso, entende-se que, a partir dodiálogoentre os participantes das diferentes áreas do conhecimento, é possível promover espaços de reflexão a respeito do processo e do conteúdo disciplinar. Sobre isso, cabe ressaltarmos que a noção de diálogo que aqui trabalhamos não se trata simplesmente de uma conversação, mas de um modo de “compor e partilhar significados, evidenciar coerências em busca de entendimentos mais profundos acerca da nossa realidade e nós próprios” (ARAGÃO; NAVARRO, 2004, p. 111).
Assim, o trabalho interdisciplinar no Pibid-UFSCar pauta-se em, pelo menos, três princípios elencados por Abreu (1997), a saber: diálogo, agente histórico e educação e pesquisa. Sobre eles, podemos afirmar que o primeiro princípio envolve um diálogo genuíno em torno de uma realidade compartilhada que, para Sousa (2012), remete à Educação Libertadora. O segundo, refere-se a um sujeito capaz de transformar uma realidade social de modo coletivo e, o terceiro, a conceitos que se integram e dão continuidade um ao outro.
Frente a esses princípios e ao conceito de parceria colaborativa, o Pibid- UFSCar norteia suas ações formativas a partir de seis eixos temáticos: E1 - discussões, reflexões e desenvolvimento de situações de aprendizagem e outros temas curriculares; E2 - fortalecimento das relações escola/aluno/comunidade; E3 - desenvolvimento curricular; E4 - reflexões sobre a avaliação; E5 - sensibilização dos alunos para a aprendizagem e valorização do conhecimento; e E6 - abordagem das relações entre Educação e Trabalho (PROJETO INSTITUCIONAL, 2013). De acordo com o Regimento interno do Programa, o Pibid-UFSCar realiza
(...) em parceria com as escolas, ações curriculares e extracurriculares de cunho interdisciplinar, planejadas a partir de Eixos Temáticos (ET) que consideram: as demandas das escolas, a parceria colaborativa entre escolas e a universidade e a necessidade de se formar professores que aprendam a desenvolver um trabalho interdisciplinar, integrado e não fragmentado na Educação Básica (REGIMENTO INTERNO, 2014, p. 2).
Além disso, essa configuração do Programa vem acompanhada por uma proposta de trabalho em torno das narrativas. Segundo o Projeto Institucional do PIBID-UFSCar, os licenciandos
(...) são convidados a, juntamente, com coordenadores das áreas e supervisores, escreverem e apresentarem em eventos acadêmicos: 1) atividades de ensino e/ou situações de aprendizagem; 2) projetos de ensino; 3) artigos; 4) relatos de experiências; 5) capítulos de livros; 6) relatórios científicos e 7) escritas reflexivas, no formato de portfólios (PROJETO INSTITUCIONAL, 2013, p. 4, destaque nosso).
Ainda, no que tange o Regimento Interno elaborado pela Comissão de Acompanhamento do Pibid-UFSCar, CAP, fica previsto, no capítulo III, que trata “Dos instrumentos de registro das atividades”, em seu artigo de número 18, que
O desenvolvimento dos Subprojetos do Projeto Institucional será acompanhado pela CAP e pela Coordenação Institucional do Pibid- UFSCar, mediante instrumentos de registros das atividades, incluindo a obrigatoriedade de: I - diário de atividades; II - relatórios; III - portifólios (REGIMENTO INTERNO, 2014, p. 5, destaque nosso).
Pode-se notar que desde a elaboração do Projeto Institucional havia uma movimentação em torno do trabalho narrativo. Em entrevista concedida ao trabalho de Zaqueu-Xavier (2019), Maria do Carmo de Sousa, professora que coordenou institucionalmente o Pibid-UFSCar entre os anos de 2007 e 2015, afirmou que
Nós, professores do DME e envolvidos com as disciplinas de estágio, entendíamos que uma forma do aluno começar a ter uma visão menos óbvia da escola, sem ser tão respaldada no senso comum, era se ele tivesse que escrever e pensar sobre a sua própria escrita. (...) Nossa ideia era uma escrita mais livre, de forma que pudessem narrar e, ao mesmo tempo, na medida do possível, ir teorizando sobre suas narrativas. Nós escolhemos os portfólios (...) A ideia não era somente que os alunos fizessem isso para compreender a escola. Nós, mesmos que implicitamente, colocamos essa escrita como uma forma avaliativa (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 119-120).
Esse movimento, ao que tudo indica, foi ganhando espaço até o instante em que deixou de ser um convite e passou a ser uma obrigatoriedade no interior do Pibid- UFSCar, ampliando, inclusive, seus objetivos que eram, inicialmente, os de criar formas de registro e espaços de reflexão, para seu uso como instrumento de avaliação e acompanhamento de processos. Abrimos um parêntese para ressaltar que, do modo como analisamos as narrativas e os documentos oficiais, não concebemos esse movimento de institucionalização - obrigatoriedade - como algo negativo, mas sim como uma possível estratégia do Pibid-UFSCar em criar meios de autogerenciamento e constituição de uma imagem geral do Pibid desta instituição frente as dificuldades de se atuar e gerir uma ação que é intercampi, ou seja, é como se essa proposta fosse capaz de abarcar, controlar e atuar efetivamente sob os mesmos princípios, em municípios, escolas, cursos, licenciandos, docentes, situações e contextos distintos.
Assim, pode-se dizer que o Pibid-UFSCar, de modo geral, defende a importância da escrita como um modo pelo qual os alunos possam registrar, sistematizar e refletir sobre as ações ocorridas. Entende-se que, via práticas narrativas, seja possível “entrelaçar a vida pessoal e profissional do professor nos espaços formativos, trazendo ao tempo presente do narrador e protagonista sua trajetória e suas perspectivas” (GAMA; SOUSA, 2011, p.138). Sobre isso, o Regimento Interno prevê que
§2º - O diário de atividades compreende o conteúdo dos relatórios e dos portifólios e deverá ser acompanhados pela supervisão e coordenação de área dos Subprojetos do Projeto Institucional. §3º - Os relatórios são instrumentos de registro das atividades das escolas, elaborados de forma coletiva pelas equipes das escolas. §4º - A elaboração dos portifólios contribuirá para o aperfeiçoamento da leitura e escrita dos licenciandos bolsistas. Os portifólios são instrumentos de formação e registro das atividades individuais e devem ser acompanhados pela supervisão e pela Coordenação de Área dos Subprojetos do Projeto Institucional, os quais são co- responsáveis pela formação dos licenciandos bolsistas. Os portifólios devem ser elaborados a partir de coletânea das evidências que documentam o processo da iniciação à docência e devem evidenciar aspectos descritivos das atividades, a reflexão cognitiva sobre o processo, a fundamentação teórica e auto-reflexão do licenciando, induzindo-o à auto-avaliação e consolidação de suas aprendizagens (REGIMENTO INTERNO, 2014, p. 6, grifo nosso).
Nessa direção, podemos dizer que, via instrumentos narrativos, seria possível “congelar” o tempo em que as ações se deram e assim, questioná-las, avaliá-las e repensá-las de modo a promover uma reflexão distanciada do exercício profissional, que favorece um olhar global dos fatos, o que possibilita promover uma aprendizagem que articula “em diferentes contextos, tempos e interações, vários conhecimentos relativos ao saber ser, saber fazer e saber conduzir-se” (FREITAS, 2006, p. 276).
No que se segue, apresentaremos o trabalho com narrativas na (e para a) formação de professores no âmbito do Pibid-UFSCar, enfatizando as abordagens via portfólios.
Narrativas na (e para a) formação de professores: algumas possibilidades mobilizadas junto ao Pibid-UFSCar
A partir da caracterização do Pibid-UFSCar tecida anteriormente e da apresentação de algumas das formas narrativas mobilizadas pelos sujeitos que atuam no Programa desta instituição, destacamos o trabalho com os portfólios, diários e relatórios, sobretudo dos portfólios que, apesar de institucionalizados, podemos notar que a partir da análise das narrativas e documentos oficiais é que há uma pluralidade de compreensões e modos de mobilização que vão ao encontro das necessidades dos subprojetos, da área de atuação e dos referenciais teóricos que embasam as práticas dos docentes coordenadores, dentre outros aspectos.
Exemplo disso pode ser visto quando observamos o “convite” para mobilizar formas narrativas impressas no Projeto Institucional e a “obrigatoriedade” desses usos via Regimento Interno. Além disso, em relação à pluralidade de compreensões, por exemplo, a professora Heloisa Sisla afirma que o “portfólio é um instrumento importante para o pibidiano aprender a ser professor. É para isso que serve o texto do portfólio” (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 42) e segue dizendo que
A ideia do portfólio do pibidiano é a de que ele seja composto por vários textos que, por sua vez, sejam empregados no processo de ensino aprendizagem desses estudantes e como modo de acompanhar a evolução de seu aprendizado com sua participação no Pibid. Portanto, o caráter desse portfólio é reflexivo (ibid., p. 38, destaque nosso).
Ainda sobre isso, a fala da professora Elaine Furlan, coordenadora do Subprojeto Pibid Química-UFSCar/Araras, ressalta que
(...) quando falo de narrativas, não estou dizendo somente da oralidade e da escrita. Estou falando de formas de expressão. (...) Nós trabalhamos muito com as manifestações culturais, como por exemplo, representar questões da Ciência ou da Docência por gravuras, pintura, música, poesia, teatro etc. que é quando eles elencam um tema de estudo e precisam desenvolver alguma atividade que esteja relacionada com uma questão cultural. (...) Essas outras manifestações, elas ocorrem, mas é um processo difícil. Os alunos demoram para perceber que isso também faz parte, então, quando ficamos neste meio mais formal, escrito e oral, é o que eles compreendem melhor (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 176-177, destaque nosso).
Para o professor Estéfano, a narrativa conta “uma história, que é uma história de vida, contar uma história, você pode fazer isso através de uma fotografia, de um desenho, de um vídeo ou você pode escrever” (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 104, destaque nosso), enquanto, para a professora Fernanda Silva, o “portfólio é importante tanto para o processo formativo dos meus alunos quanto como interesse de pesquisa” (ibid., p. 79, destaque nosso).
Por fim, ressaltamos a fala da professora Isadora Gregolim, coordenadora do Subprojeto Pibid-UFSCar/São Carlos, ao afirmar que, para ela,
(...) o portfólio tem duas funções. (...) a gente considera que o portfólio, ao mesmo tempo, é organizador, porque é uma materialidade escrita, que permite você acompanhar o processo, as reformulações, mas também revelador. O portfólio, portanto, não só organiza, mas também revela para si mesmo, para os licenciandos e para os orientadores e supervisores, os avanços, os movimentos (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 112, destaque nosso).
Com isso, pode-se notar que, apesar da institucionalização, há uma pluralidade de compreensões do que sejam as narrativas bem como suas possibilidades. Isso também pode ser visto em relação às mobilizações o que, para nós, faz sentido uma vez que se têm diferentes linhas de entendimento. Sobre isso - pluralidade de mobilizações - recorremos à fala da professora Heloisa Sisla, ao afirmar que
(...) as narrativas, aqui no Pibid da UFSCar, elas são, como na formação de professores em geral, escritas. Existe uma orientação geral, a todos os pibidianos, para que eles produzam textos semestrais e analíticos, sob a supervisão dos coordenadores. (...) Essa orientação que comentei, tem quatro passos (...) Portanto, nos portfólios tem a contextualização, uma parte descritiva, uma analítica e uma analítica de diálogo com referenciais teóricos. (...) ao longo desses anos em que venho corrigindo portfólios, fui cercando os problemas que eram recorrentes e construí um instrumento de devolutiva: uma tabela. (...) eu vejo essas questões de se entregou no prazo; se acatou as orientações; se eliminou os erros ortográficos; se realizou revisão para tornar a redação mais clara; se buscou concisão; se apresentou outras dificuldades na escrita; se incluiu trechos do diário; se tem diálogo com a literatura; qual a qualidade e a quantidade de referências,isso porque vinha gente com portfólio com uma ou duas referências. (...) se cumpriram com as normas descritas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, ABNT; se fez citação e referência de acordo com a ABNT. Isso é uma coisa quea gente tem que cuidar.Tanto do português quanto da escrita acadêmica (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 35, destaque nosso).
E da professora Clelia Mara, coordenadora do Subprojeto Pibid Química -UFSCAR/São Carlos, ao afirmar que seu
(...) objetivo com esses portfólios é tanto formativo quanto avaliativo, certo? Ele é tudo isso. Nós queremos que os alunos adquiram o hábito de escrever, de registrar suas ideias, de descrever o que fez e ir refletindo sobre o que faz e sobre o que pretende fazer. Tudo o que é pensado deve ser colocado no portfólio. Isso é parte fundamental da formação. Agora, quando eu digo “avaliação”, claro que o portfólio não é um instrumento que vai decidir se um aluno fica ou não no Pibid. Fazer ou não um bom portfólio, não é critério de avaliação, mas ele ajuda a verificar onde estão as dificuldades do aluno (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 150, destaque nosso).
Assim, constatamos que, por mais que existem diferenças, muitas vezes sutis, entre uma forma de compreensão, de mobilização e outra, é possível identificar um pano de fundo que tangencia grande parte das ações com narrativas. Ou seja, percebemos um consenso de que a ação de escrever sobre as vivências e refletir sobre elas são de fundamental importância para o desenvolvimento pessoal e profissional, e que o uso desse tipo de estratégia tende a contribuir para processos de formação, avaliação e aperfeiçoamento e domínio da Língua Portuguesa, promovendo a capacidade comunicativa do licenciando que é algo que todos os docentes, independente da área de atuação, devem contribuir.
Apesar dos documentos oficiais não explicitarem as bases que fundamentam o trabalho com portfólios no Pibid-UFSCar, as entrevistas das professoras Clelia Mara, Maria do Carmo e Isadora Gregolin revelam um embasamento teórico nos trabalhos de Villas Boas (2004) que, por sua vez, entende que a escrita perpassa os princípios de construção, reflexão, criatividade, parceria, autoavaliação e autonomia. Ou seja, para essa autora, as narrativas, em especial os portfólios de que ela trata, englobam os princípios de construção, criatividade e autonomia, uma vez que são os alunos quem elaboram, sistematizam, escolhem e criam seu material segundo suas intenções e, além disso, perpassam os princípios de reflexão, autoavaliação e parceria, na medida em que os alunos pensam sobre os porquês dos episódios selecionados, comparam e analisam o progresso de seus trabalhos e, estabelecem um diálogo com seus formadores.
Nessa direção, a professora Isadora afirma em sua narrativa que o modo como conduzem o trabalho narrativo no Pibid-UFSCar, em especial no subprojeto que coordena, contribui para que o aluno desenvolva sua criticidade e exemplifica essa situação ao afirmar que
Recentemente, tivemos e ainda está tendo, uma discussão sobre a Base Nacional Comum Curricular, BNCC, e nós tivemos vários bolsistas que trouxeram para os portfólios, visões críticas sobre a própria existência dessa Base Nacional e de como, naquele contexto em que eles estavam inseridos, isso poderia interferir de uma forma negativa. Então, eles já vão se posicionando criticamente enquanto professores e vão saindo de uma posição de alunos de licenciatura e incorporando em seus textos, esses movimentos mais críticos em direção a uma concepção mais transformadora da realidade (ZAQUEU-XAVIER, 2019, p. 110-111, destaque nosso).
Com isso, percebemos que o trabalho narrativo apresenta ou dá indícios de um imperativo sobre a reflexão. Assim, destacamos que nosso entendimento sobre o movimento reflexivo é o de que ele tende a ser um processo em que o sujeito reflete “sistematicamente sobre o modo pelo qual suas práticas podem fomentar as aprendizagens de seus alunos, tanto para compreender melhor como isso pode ocorrer, como também para redirecionar suas ações pedagógicas” (REALI; REYES, 2009, p.12).
Nesse contexto, o Pibid-UFSCar, de modo geral, tem adotado os portfólios como um dispositivo cuidadosamente discutido, pensado e elaborado em conjunto para que pudesse atender as necessidades que os docentes entendem ser fundamentais na (e para a) formação docente. Eles têm como objetivo “apontar as características da literatura sobre a fase inicial da carreira docente, em especial, no que diz respeito aos sentimentos de descoberta e sobrevivência na profissão” (PROJETO INSTITUCIONAL, 2013, p. 3)e predetermina quatro etapas para elaboração, a saber:
1ª.) Narrativa descritiva (evitar uso exagerado de anotações no momento); 2ª.) Interpretação: o licenciando escolhe um episódio e faz uma discussão/interpretação (narrativa interpretativa); 3ª.) Subjetividade: o licenciando faz uma interpretação de natureza subjetiva, colocando seus sentimentos, juízos de valor, emoções etc. e, 4ª.) Interpretação dos fatos com base em aportes teóricos. Aqui, os licenciandos escrevem e falam sobre as possíveis relações que podem existir entre teoria e prática (Ibid., p. 3).
A partir desse modelo, entende-se que a escrita desses portfólios possa possibilitar uma diversificação e ampliação do olhar do aluno e, assim, estimular “a tomada de decisões, a necessidade de fazer opções, de julgar, de definir critérios, de se deixar invadir por dúvidas e por conflitos, para deles poder emergir mais consciente, mais informado, mais seguro de si e mais tolerante quanto às hipóteses dos outros” (SÁ-CHAVES, 2004, p. 15). Outro ponto de destaque é a possiblidade de que haja, pelo menos, três fases que se referem ao processo de escrita, reflexão e formação junto aos portfólios: otimista ingênua, pessimista ingênua e otimista crítica4.
Sobre isso, Gregolin (2018) ao analisar portfólios elaborados por licenciandos participantes do subprojeto Letras/Pibid-UFSCar, afirma que o exercício da escrita em portfólios, “a presença de licenciandos e docentes da universidade nas escolas, participando de reuniões de planejamento, elaborando e implementando atividades, avaliando e sugerindo ações” (GREGOLIN, 2018, p. 97), aliado às orientações e discussões teóricas, conduzem o aluno de uma visão otimista ingênua, na qual parte-se do pressuposto de que a escola, sozinha, é capaz de mudar realidades; passa pela pessimista ingênua, em que os alunos entendem a escola como reprodutora de desigualdades e de ideologias dominantes; até chegar à visão otimista crítica, almejada, segundo a autora, no Pibid-UFSCar. Nessa última visão, a escola é tida como produtora de conhecimento, como instituição capaz de promover transformações sociais e há uma valorização da reflexão e abandono do princípio da neutralidade.
Ao mobilizar as narrativas na (e para a) formação de professores, em especial os portfólios, entende-se que espaços outros são gerados para a discussão e problematização de temas e conteúdos que perpassam a formação de todos os envolvidos. O que se percebe é um processo em que a coletividade e a pluralidade de ideias, valores, crenças, ideologias, saberes e verdades são tão valorizadas quanto às subjetividades e singularidades, constatação essa que vai ao encontro das preocupações que surgiram a partir dos anos 2000 e que mudaram o foco das investigações sobre formação de professores de questões sobre “como formar o professor?”, para “como nos tornamos educadores(as)?”, ou seja, há um destaque para a temática de construção das identidades múltiplas dos docentes.
O trabalho narrativo, quando acompanhado, orientado e problematizado tende a criar um espaço de produção e formação de docentes e pesquisadores que supera uma ideia de universalidade abstrata em prol da pluriversalidade que, por sua vez, reflete um modo de agir e pensar que promove uma descolonização do sujeito e valoriza as diferenças, características essas, presentes nas epistemologias de Sul de que trata Santos (2019).
Considerações finais
Nossa intenção ao elaborar este artigo foi o de apresentar e discutir a mobilização de narrativas na (e para a) formação de professores a partir de um estudo que tomou como cenário investigativo o Pibid-UFSCar. Para isso, focamos nossa discussão sobre o que, para os envolvidos no Programa desta instituição, há de potente ao trabalhar com instrumentos narrativos, em especial, o portfólio.
De modo geral, no âmbito do Pibid-UFSCar, há uma pluralidade de formas e objetivos almejados ao mobilizar estes instrumentos. As intenções que mais se sobressaem são a formação e a avaliação, sendo está última, tomada no sentido de acompanhamento de processos. Cabe ressaltarmos que, ao falarmos em potencialidades, estamos nos referindo ao que está em estado de potência, ou seja, tanto no que tange aspectos positivos quanto negativos.
Desse modo, devemos ter em mente que, ao trabalharmos com instrumentos narrativos, é grande o número de resultados “positivos” para a formação, entretanto, não podemos nos esquecer das responsabilidades e dificuldades que surgem em meio a esse movimento como, por exemplo, deixar claro ao estudante que existem diferentes formas de se trabalhar a formação sem a limitação da oralidade ou escrita.
Se tomarmos como referência um dos propósito das Epistemologias do Sul, ou seja, a de que “temos que transformar o mundo ao mesmo tempo que permanentemente o reinterpretamos; tanto quanto a própria transformação, a reinterpretação do mundo é uma tarefa coletiva” (SANTOS, 2019, p. 9), o trabalho narrativo que aqui apresentamos, mostra-se como uma estratégia possível para que possamos entrar nesse movimento e (re)conduzir nossas práticas no que diz respeito não só a formação de professores como a Educação de modo geral.