Introdução
As exigências do mundo moderno com as especificidades do profissional a ser formado levam a universidade a se dividir entre uma formação humanística e, ao mesmo tempo, sincronizada com o chamado mundo do trabalho. Essa discussão, entretanto, não é nova. Breglia (2015, p. 136-137), por exemplo, explica que, desde o Século XVII, havia um debate entre as vocações do ensino superior (erudição e preparação para o mundo do trabalho).
A autora (2015, p. 137) acrescenta que “a resistência à ideia de universidade atravessou todo o Império e chegou à República”, mas que essa argumentação contrária aessa ideia foi construída em oposição ao paradigma medieval, e não, ao existente no Século XIX, de uma instituição evoluída em relação à que se combatia no passado. Assim, consideravam-na erroneamente como uma estrutura decadente e que não estaria apta a exercer uma função que relacionasse ensino, pesquisa e extensão, como ocorre nos dias de hoje. Breglia (2015, p. 137) ressalta que o pressuposto que permaneceu para o ensino superior no país, durante esse período, foi o técnico-profissional, deixando de lado a pesquisa básica e o saber desinteressado.
Atualmente, no entanto, a finalidade do modelo universitário não deixa dúvidas, inclusive no que está prescrito no marco legal, estabelecido pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Em seu art. 52, dentre outras definições, fica bem especificada a vocação da universidade para o ensino, a pesquisa e a extensão (BRASIL, 1996).
Nessa perspectiva, as aulas podem ser mais centradas no aluno, utilizando-se as metodologias ativas de ensino-aprendizagem, com o fim de preparar o futuro profissional para situações que ele vai encontrar ao longo das atividades inerentes à sua profissão. As metodologias ativas, conforme a literatura conceitua, são um caminho pedagógico que coloca o aluno como protagonista na sala de aula e nos estudos, diferentemente do ensino tradicional, que é focado no professor (BERBEL, 2011; PINTO et al., 2013; LOVATO et al.,2018). Esses autores também ressaltam, segundo Valente, de Almeida e Geraldini (2017, p. 463), que essas metodologias criam situações de aprendizagem nas quais os aprendizes são agentes ativos da construção dos “conhecimentos sobre os conteúdos envolvidos nas atividades que realizam, bem como desenvolvem estratégias cognitivas, capacidade crítica e reflexão sobre suas práticas”. Além disso, “fornecem e recebem feedback, aprendem a interagir com os colegas e o professor e exploram atitudes e valores pessoais e sociais” (id.).
Ressalte-se, todavia, que, quando se olha para o contexto ensino, pesquisa e extensão, também é importante que o aluno desenvolva, na graduação, atividades ligadas à pesquisa acadêmica e a atividades de extensão. Essa proposta encontra amparo no art. 43 da LDB (BRASIL, 1996), no qual é definida a finalidade da educação superior.
No que concerne especificamente à produção de conhecimento acadêmico, a pesquisa e a investigação científica se encaixam perfeitamente nessa perspectiva de harmonizar a formação e o mundo do trabalho, principalmente quando o futuro docente participa de Iniciação Científica. Em programas desse tipo, o graduando tem oportunidade de despertar sua curiosidade para temas ligados à construção de sua habilitação acadêmica e de se aprofundar em pesquisas que valorizem seu interesse, sua formação e sua vocação para o desenvolvimento da Ciência, tornando-o um profissional mais qualificado e capaz de refletir sobre sua prática.
Nos anos 1940 e 1950, as universidades brasileiras já promoviam, embora de uma maneira incipiente, atividades de pesquisa com alunos ajudantes (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 174). Todavia, a instituição formal de Programas de Iniciação Científica (IC), da forma que se conhece hoje, só ocorreu com a implantação de um programa criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 1951. Nogueira e Canaan (2009, p. 43) asseveram que, inicialmente, o fomento ocorreu através das denominadas Bolsas do Estudante, porém, além de serem oferecidas numa quantidade reduzida, eram restritas a poucas áreas do conhecimento.
O financiamento anual de fomento à pesquisa na graduação, promovido pelo CNPq,por meio da modalidade de Iniciação Científica,possibilitava a instituição de uma política de apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico do país. Com o decorrer do tempo, outros órgãos também passaram a manter programas similares, estimulando talentos a seguirem a carreira de pesquisadores e preparando-os para os desafios que a ciência lhes proporciona. Atualmente, diversos estados do Brasil têm Fundações de Amparo à Pesquisa, como, por exemplo, a Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (FACEPE), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e a Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (FAPESQ), que também fomentam a Iniciação Científica.
Bazin (1982, p. 82) explica que as universidades brasileiras buscaram inspiração para seus programas de Iniciação Científica nos modelos norte-americano e francês, que desenvolviam projetos de pesquisa institucionalizada nos quais os estudantes de graduação eram apresentados logo cedo às atividades de pesquisa. No caso norte-americano, o Programa Research and Development (R & D) concedia bolsas a estudantes de Ciências e Engenharia, que, depois que as pesquisas eram concluídas, no final da graduação, defendiam um trabalho de conclusão de curso, denominado SeniorThesis, que é obrigatório nas universidades de renome. O modelo francês só exigia a apresentação de um relatório, no final de um estágio,em um laboratório universitário ou industrial. Devido à imitação desse modelo, Bazin (ibid.) considera que o modelo adotado no Brasil nasceu seletivo, elitizado e restrito às universidades onde havia pesquisa.
Entre as décadas de 1970 e 1980, houve uma diminuição na oferta de bolsas de IC concedidas pelo CNPq. Nesse período, programas de pós-graduação stricto sensu passaram a ser prioridade para o fomento de bolsas. Nogueira e Canaan (2009, p. 43) explicam que a meta titular do Plano Nacional de Pós-graduação de 1975 era de 16.800 mestres e 1.400 doutores na segunda metade da década de 1970. Embora essa opção tenha levado a um modelo que incentivou a concessão de bolsas de pós-graduação, estimulou o desenvolvimento de pesquisas e tecnologia, mas parece ter, com a consequente diminuição de bolsas de IC, prejudicado a formação de pesquisadores mais jovens, o que Nogueira e Canaan (id.) consideram que, aparentemente, refletiu no tempo de titulação desses mestres e doutores. A elevação do tempo médio dessas titulações gerou transtornos para os respectivos programas de pós-graduação.
Nesse período, ainda havia uma peculiaridade sobre a concessão de bolsas de IC, que eram distribuídas via demanda espontânea ou balcão, porém com a solicitação do pesquisador (BIANCHETTI et al., 2012, p. 571; MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 175). Isso significa que os pedidos de bolsas eram julgados por Comitês Assessores e concedidos por intermédio de cotas aos pesquisadores, os quais escolhiam os bolsistas.
Esse panorama mudou quando, em 1988, o CNPq criou o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). No âmbito desse programa, as bolsas passaram a ser concedidas diretamente às Instituições de Ensino Superior (IES) e aos Institutos de Pesquisa (IPq), que se tornaram responsáveis diretamente pelo controle administrativo dessas cotas e pela criação de dispositivos próprios para distribuí-las (MASSI; QUEIROZ, 2010, p. 175-176).
Com a criação do Pibic, em 1988, a Iniciação Científica foi normatizada e passou a ser considerada um programa voltado para o desenvolvimento do pensamento científico e iniciação à pesquisa de estudantes de graduação do ensino superior. Sobre isso, os autores afirmam:
IC é um meio de formação por excelência, pois permite introduzir os estudantes de graduação à pesquisa, colocando-os em contato com a atividade científica. Pode ser também uma estratégia de base teórico-metodológica que auxilia no processo de realização da pesquisa, além de constituir-se em uma via adequada de contribuição à construção de uma nova mentalidade do estudante no que diz respeito à relação ensino e pesquisa; graduação e pós-graduação (e, atualmente, Educação Básica) (BIANCHETTI et al., 2012, p. 572).
Os dados fornecidos pelo CNPq e publicados na literatura científica mostram que, com o advento do Pibic, houve um crescimento substancial no número de bolsas ofertadas. Apesar de ter sido um período de oscilação entre 1995 e 2003, os números são bastante satisfatórios, como pode ser visto nos gráficos apresentados, por exemplo, nos trabalhos de Nogueira e Canaan (2009, p. 44), Bianchetti et al. (2012, p. 575) e Massi e Queiroz (2014).
Diversos autores, como, por exemplo, Von Zuben (1995), Nogueira e Canaan (2009), Tenório e Beraldi (2010), Bianchetti et al. (2012) e Massi e Queiroz (2010, 2014, 2015), dentre outros, asseguram a relevância que têm adquirido os estudos acerca da Iniciação Científica no Ensino Superior.Neste artigo, analisou-se a importância da Iniciação Científica no Ensino Superior para a formação docente. Em função dessa análise, o estudo também visou apontar as potencialidades que podem ser desenvolvidas pelos futuros docentes, comparando com as situações vivenciadas pelos pesquisados.
Sob o ponto de vista da estrutura, este artigo apresenta esta introdução,que traz a justificativa sobre a necessidade de lançar um olhar sobre a prática ou não da Iniciação Científica nos cursos de formação docente; uma breve síntese da evolução dos Programas de Iniciação Científica promovidos pelo CNPq, em especial;a metodologia empregada na investigação;a análise dos resultados e as considerações finais acerca de perspectivas e limitações da pesquisa aqui apresentada.
Metodologia
A criação do Pibic, em 1988, propiciou um auxílio pertinente ao fomento da pesquisa na graduação. Num momento em que estava claro que o pequeno número de bolsistas de IC, comparados com os de Mestrado e os de Doutorado, afetava a eficiência da pós-graduação no país, já que muitos estudantes desses cursos eram neófitos em termos de pesquisa, era necessário fazer algo para mudar esse panorama. Para isso, oPibic estabeleceu, com fulcro na Resolução Normativa 017/20061 (BRASIL, 2019), a implantação de um incentivo com o intuito de resolver os problemas causados pelo modeloanterior de concessão de bolsas de IC.
Com relação à avaliação do programa, a RN 017/2006 do CNPq concede autonomia para que cada instituição possa definir, para efeito interno, critérios de acompanhamento e avaliação do programa. Ela enfoca que estas deveriam assegurar que os orientadores dos bolsistas tivessem um perfil de excelência acadêmica.
Existem críticas quanto às limitações do número de bolsas. Uma delas é que algumas IES, em particular, as privadas, eram excluídas do processo. Massi e Queiroz (2010, p. 177) afirmam que, devido às especificidades da universidade privada e do regime de trabalho de seus professores, poucos docentes se dedicavam às pesquisas, consequentemente, o número de alunos envolvidos em IC era inexpressivo. Segundo as autoras, em dados de 2006, as IES privadas recebiam 10,5% do total de bolsas do Pibic do país. Dentre essas instituições, as Pontifícias Universidades Católicas (PUCs) respondiam por 34,3% dessa concessão.
Ano | Bolsas de IC | Ano | Bolsas de IC | Ano | Bolsas de IC |
---|---|---|---|---|---|
1976 | 845 | 1989 | 6.349 | 2002 | 18.864 |
1977 | 878 | 1990 | 7.548 | 2003 | 18.238 |
1978 | 837 | 1991 | 9.117 | 2004 | 19.255 |
1979 | 877 | 1992 | 11.440 | 2005 | 19.912 |
1980 | 1.079 | 1993 | 13.212 | 2006 | 20.704 |
1981 | 1.052 | 1994 | 15.131 | 2007 | 21.025 |
1982 | 1.274 | 1995 | 18.790 | 2008 | 22.006 |
1983 | 1.175 | 1996 | 18.762 | 2009 | 24.043 |
1984 | 1.321 | 1997 | 18.856 | 2010 | 26.773 |
1985 | 1.600 | 1998 | 17.533 | 2011 | 28.580 |
1986 | 1.510 | 1999 | 17.120 | 2012 | 28.414 |
1987 | 3.921 | 2000 | 18.483 | 2013 | 26.668 |
1988 | 5.893 | 2001 | 18.778 | 2014 | 26.970 |
Fonte: CNPq (2019a)
Pode-se verificar, na tabela 1, que, de 1976 a 1987, o número de bolsas de IC ofertadas pelo CNPq cresceu timidamente. Por outro lado, a oferta era insuficiente em relação à demanda, pois, até 1980, não passava de 1.000 bolsas anuais e só em 1988 foi que esse número passou de 5.000 bolsas, provavelmente já um reflexo da criação do Pibic. A partir daí, houve um crescimento até 1995, seguido por uma oscilação que durou até 2003. Nesse período, o país foi guiado por uma política neoliberal e, apesar da estabilidade da moeda, a IC não parece ter sido valorizada. No período seguinte (2003-2014), houve um crescimento contínuo no número de bolsas, tanto que a quantidade de bolsas ofertadas em 2014 (26.970) foi de quase 50% a mais do que em 2003 (18.238). Obviamente, é necessário aumentar esses números, mas o fato de haver crescimento já indica uma política de preocupação com a qualidade da formação do graduando. A figura 1 mostra a evolução do número de bolsas de IC ao longo dessa série temporal.
Nesta investigação, em que se foi realizada a optou por estudos com abordagem qualitativa,foram feitos levantamento bibliográfico e entrevistas com profissionais que tiveram experiências práticas com o referido problema pesquisado, o que possibilita analisar de exemplos que estimulam a compreensão da discussão (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 52). Nesse tipo de pesquisa, a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são condições básicas (SILVA; MENEZES, 2001, p. 19).
Oliveira (2011, p. 43) afirma que um instrumento de pesquisa é considerado válido quando consegue medir, com precisão, o que se deseja conhecer. Como, neste estudo, pretendeu-se analisar a importância da Iniciação Científica no Ensino Superior para a formação docente, exigiu-se um instrumento confiável e preciso. Para isso, foram utilizados dois questionários, cujo conteúdo se encontra no apêndice deste artigo. Entre as perguntas realizadas, destacam-se questionamentos sobre a opinião dos pesquisados acerca do impacto de sua participação ou não em programas de Iniciação Científica em suas Graduações e no Mestrado.
Na pesquisa realizada, foram entrevistados 20 professores do Magistério público federal, todos com a titulação mínima de Mestrado. No universo pesquisado, espera-se atingir professores com várias formações e tempo de experiência profissional, proporcionando uma riqueza na coleta de dados para assegurar a confiabilidade dos resultados.
Para analisar os dados coletados, foi empregada a técnica de análise do conteúdo (BARDIN, 2011), um método muito utilizado em pesquisas qualitativas, por meio do qual se busca, a partir das respostas dos entrevistados às perguntas do questionário, produzir inferências, ou seja, fazer operações lógicas, em que se admite uma proposição em virtude de sua ligação com outras já aceitas como verdadeiras (CAMPOS, 2004, p. 613).
Resultados e discussão
Os questionários foram respondidos por 20 docentes do Magistério público federal, todos com a titulação mínima de Mestrado. Dentre eles, 55% participaram de programas de IC, e 45% não tiveram essa oportunidade. Com relação ao sexo dos entrevistados, 55% são do sexo masculino, e 45%, do feminino. Quanto à faixa etária, a figura 2 resume as informações: 10% (até 30 anos), 55% (entre 31 e 50 anos) e 35% (acima de 50 anos).
Aos docentes que fizeram IC foi perguntado como avaliam sua importância em sua formação na graduação. Todos declararam que foi consideravelmente importante. Seguem as respostas de três deles:
Fundamental! A partir da IC, obtive encaminhamentos para continuar meus estudos acadêmicos. Foi durante a IC que decidi a linha de pesquisa do mestrado e, vale dizer, não foi a mesma dos estudos que desenvolvi na IC. |
Muito importante. Comecei a IC na Universidade no segundo ano de curso. Isso me proporcionou participar e integrar um grupo de pesquisa com vários professores, estudantes de Pós-Graduação, professores e alunos visitantes, que, além de permitir a comunicação em língua estrangeira efetivamente me deu a certeza do trabalho desenvolvido por um cientista da minha área. |
A Iniciação Científica nos permite ter acesso à pesquisas em diferentes dimensões, desde à familiarização com os processos de pesquisa à abertura de oportunidades no meio acadêmico. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
Aos docentes que não fizeram IC na graduação, foi perguntado se sentiram falta, ao longo de sua formação na graduação, de não ter participado de Programas de IC. Em suas respostas, 77,8% deles admitiram ter sentido falta, e apenas 22,2% responderam não ter sentido falta.
Quanto aos docentes que participaram de programas de IC, 72,7% admitem que sua participação nesses programas facilitou sua entrada no Mestrado, e 100% dos que não participaram de programas de IC acreditam que, se tivessem feito IC, sua aprovação no Mestrado teria sido facilitada. Esse resultado corrobora o pensamento de Nogueira e Canaan (2009, p. 50) de que há uma correlação direta entre o estudante ter sido bolsista de Iniciação Científica nos mais diferentes cursos de graduação e Instituições de Ensino Superior e sua posterior entrada nos cursos de pós-graduação stricto sensu.
Estudos realizados demonstram que o número de alunos egressos dos Programas de Iniciação Científica que ingressam nos cursos de pós-graduação stricto sensu é proporcionalmente bem maior do que o dos que não passaram por essa experiência. Pires (2007, p. 130) esclarece que uma avaliação feita pelo CNPq acerca do investimento realizado no Pibic, na década de 1990, indicou que houve um aproveitamento satisfatório, porque o resultado indicou que a probabilidade de um graduado, cuja bolsa PIBIC tenha terminado no ano de sua formatura, chegar ao Mestrado foi bem mais considerável (37%) do que a dos nãobolsistas (5%) (ARAGÓN, 1999, p. 33, apudPIRES, ibid). Esse resultado também foi constatado por Nogueira e Canaan (2009, p. 66), que, em seus resultados, notaram que os bolsistas de IC tiveram mais acesso aos programas de pós-graduação stricto sensu do que os que não fizeram essas atividades.
Nesta pesquisa, apenas 66,7% dos docentes que não fizeram IC acreditam que o fato de não terem participado desses programas influenciou o tempo de conclusão do seu Curso de Mestrado. A seguir, apresentam-se três das respostas dadas pelos que pensam assim:
Sim. Passei muito tempo para compreender as nuances da metodologia de pesquisa e tive que começar tudo do zero. |
Sim. Na minha pesquisa de mestrado precisei aprender alguns métodos e técnicas de pesquisa. Se tivesse feito IC, já os dominaria e faria o curso mais rápido. |
Sim. Precisei de mais tempo para me aprofundar no tema trabalhado. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
Já os docentes que realizaram IC na graduação ficaram divididos em relação ao fato de que ter participado de programas de IC ajudou a concluir o Curso de Mestrado em menos tempo. A maioria acredita que não. Eis algumas explicações dos entrevistados:
Não, mas possibilitou uma melhor organização das etapas de execução do projeto, proporcionou um planejamento mais coerente, já havia o hábito da leitura de artigos científicos e uma experiência mesmo que inicial na escrita da dissertação. |
Não, apesar de ter adquirido experiência e ter podido concretizar o aprendizado. |
Pessoalmente, por participar de uma IC em outro departamento, não ocorreu uma correlação direta. Contudo, a transposição de práticas da IC auxiliaram no andamento dos estudos. |
Caso eu tivesse podido apresentar a tese com o primeiro tema, teria sido ajudado pelo fato de ter participado do IC. Neste caso, porque já trabalhava no tema. Por outro lado, o fato de estar relativamente acostumado com o método de desenvolvimento de projetos, auxiliou muito a obter resultados de um novo tema, proposto para ser concluído em um ano. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
No que diz respeito ao tempo médio de conclusão do Mestrado, houve um resultado um pouco diferente dos apresentados na literatura. Nogueira e Canaan (2009, p. 50) constataram que os egressos dos Programas de Iniciação Científica titulam-se mestres e doutores mais jovens do que os nãoegressos. Entretanto, nesta pesquisa, para os docentes entrevistados que fizeram IC, o tempo médio de conclusão do Mestrado foi de 29,7 meses, e para os que não fizeram, foi de 24,4 meses.
Porém, lendo os comentários a respeito das respostas, vê-se que isso pode ser facilmente explicável: 54,5% dos docentes entrevistados que fizeram IC tinham faixa etária superior a 50 anos, e dos que não fizeram IC apenas 33,3% estão nessa faixa. Os docentes com mais de 50 anos de idade cursaram o Mestrado numa época em que o curso era concluído com cerca de 38 créditos, e os mais novos concluíram cursos com 24 créditos. Ademais, alguns Cursos de Mestrado eram muito exigentes em relação à qualidade das dissertações. A redução do tempo de financiamento das bolsas de Mestrado, na segunda metade dos anos 1990, obrigou os programas de Mestrado a trabalharem com o número mínimo de créditos (24). Assim,o curso era concluído em um tempo que se adequasse ao período de financiamento da bolsa. Logo, é natural esse resultado quando visto à luz de uma análise mais profunda. De certa forma, o resultado aqui encontrado não destoa tanto do esperado.
Perguntados sobre se a participação em programas de IC influenciou o desenvolvimento de suas pesquisas no Mestrado, a maioria dos docentes que fizeram IC disse que sim. Eis alguns depoimentos:
Sim, uma vez que o reconhecimento de procedimentos metodológicos na IC auxiliaram na identificação e correlação de metodologias para alcançar nossos objetivos de pesquisa no mestrado. |
Sim, como já vim da IC com hábitos de pesquisa (onde pesquisar, anotar as fontes de pesquisa) isso facilitou minha linha de ação para facilitar os caminhos que me levassem a produzir o trabalho. |
Sim. Por ter feito IC na área de Literatura, descobri que meu interesse por essa linha de estudo era mais pessoal do que científico e busquei debruçar-me sobre as pesquisas em linguística. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
Já grande parte dos docentes que não fizeram IC perceberam que fez falta essa atividade em sua graduação, como mostramestes depoimentos:
Por não ter tido uma experiência anterior de IC, não tive uma experiência de produção de trabalho científico para me dar uma noção do que fazer no mestrado, nem algo para aperfeiçoar. Assim, a pesquisa demorou muito para ser desenvolvida. |
Fez falta para a atividade de campo e tbm na produção de relatórios. |
Sim. Não tinha a base de conhecimento necessário sobre o assunto que pesquisei, sendo assim a dedicação e o trabalho foram intensos. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
Analisando os depoimentos dos dois grupos, percebe-se que os aspectos metodológicos, a experiência com trabalho de campo, produção de relatórios e hábitos de pesquisa adquiridos na experiência das atividades de IC são diferenciais que depõem a favor da valorização dessa prática. Esse aspecto da pesquisa parece ter sido o mais relevante para a análise aqui desenvolvida. Corroborando esse resultado, os docentes que fizeram IC, com apenas uma exceção, acreditam que fazer ou não fazer Iniciação Científica na graduação é relevante para a formação do docente. Um deles referiu que o Pibidé mais relevante para o futuro docente do que o Pibic. Os que não fizeram IC foram unânimes em afirmar que é importante para o graduando de licenciatura fazer IC, conforme pode ser visto nos depoimentos destacados a seguir:
Sim. O docente que faz IC tem uma experiência de pesquisa, de aspectos metodológicos, de produzir ciência e sabe como desenvolver projetos. Suas aulas tornam-se bem mais significativas, porque o professor sabe como se dá a produção do conhecimento científico. |
Claro que sim. A experiência com pesquisa amadurece bastante o graduando, tornando-o um profissional mais preparado com toda certeza. |
Infelizmente me formei sem ter tido essa base. O curso de graduação era composto por um corpo docente que não estimulava a pesquisa. Acredito que teria sido fundamental se tivesse ocorrido. Talvez teria tido menos dificuldade na especialização. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
No final da pesquisa, os entrevistados ficaram à vontade para descrever suas impressões sobre os programas de IC. Destacam-se algumas respostas:
A linguagem utilizada na academia e o seu trato no mestrado são bastante específicos nos cursos de pós. Os discentes que estão na graduação e possuem acesso à IC, têm a oportunidade de desenvolver atividades que,com certeza, auxiliarão em suas atividades como pós-graduandos. |
Os programas de IC são de extrema relevância para a formação do estudante e deveriam ocorrer também em momentos anteriores à graduação, ou seja, durante o ensino médio. A iniciação à pesquisa forma estudantes mais completos e capazes de alcançar níveis de complexidade mais elevados, tendo em vista o caráter investigador e a relação que se estabelece entre práxis e fundamentos hermenêuticos durante a experiência como aluno pesquisador. |
Eu sou tão favorável a esses programas que hoje o colégio onde trabalho (escola Pública Federal) conseguiu concorrer a PIBIC-EM da UFPE. Desde 2013 alunos da minha escola realizam IC junto a professores daquela instituição. Também procuramos incorporar a cultura científica nas disciplinas e, todo ano, realizamos uma Feira de Ciências que ajuda a formar a cultura científica do nosso público interno. Estamos tentando fazer um programa interno de IC para nossos alunos e professores. |
Minhas impressões, mesmo com todas as dificuldades pelas quais passei sem bolsa, são sempre as melhores. Fui forjado nas dificuldades, sempre consegui muito em termos de como proceder diante de dificuldades e de como fazer para encontrar boas fontes, foi muito importante para corretamente direcionar meu trabalho. A ampliação donetwork é de fundamental importância, não esquecendo dos momentos de apresentação dos trabalhos, momentos esses de formação para poder fazer bem feito no momento de sua defesa de dissertação. |
Fonte: Elaborado pelas autoras - 2020
As respostas apresentadas acima mostram a relevância dos programas de IC, seja na formação docente, do graduando de outros cursos ou, até mesmo, de estudantes do ensino médio. Iniciar o aluno na pesquisa científica continua sendo fundamental na formação de profissionais que irão atuar nas várias áreas em nosso país. As instituições financiadoras devem estar atentas para manter e ampliaresses programas pelo bem de nosso desenvolvimento científico e tecnológico.
A literatura científica acerca do tema concorda com esses resultados, porque que, por exemplo, pesquisas demonstraram que alunos ex-bolsistas de IC apresentavam desempenho acadêmico superior aos nãobolsistas na pós-graduação (COSTA et al., 1999 apud NOGUEIRA; CANAAN, 2009, p. 50). Nogueira e Canaan (2009, p. 66), em pesquisa realizada na UFMG, no período de 1980 a 2000, verificaram que também havia mais inserção profissional na universidade de ex-bolsistas de IC.
Estudos realizados por Villas Bôas (2003) sobre a trajetória de bolsistas e nãobolsistas do Curso de Graduação em Ciências Sociais da UFRJ constataram que a taxa de evasão dos bolsistas era bem menor do que a dos nãobolsistas e que sua inserção no mercado de trabalho na área era mais fácil (NOGUEIRA; CANAAN, ibid.). Do ponto de vista de Villas Bôas (2003, p. 59), desenvolver atividades de IC levou os graduandos a ampliarem uma rede de relações, o que foi útil no ingresso na pós-graduação. A autora concluiu, ainda, em sua pesquisa, que a participação em programas de IC diminui a taxa de evasão e melhora os cursos de graduação (VILLAS BÔAS, 2003, p. 60).
Considerações finais
Neste trabalho, evidenciou-se a importância dos programas de Iniciação Científica para a formação do futuro professor. Com base nas entrevistas realizadas com profissionais qualificados que exercem o Magistério federal, constatou-se que eles são conscientes da relevância desses programas. Tanto os que desenvolveram projetos de IC como os que não tiveram a oportunidade de fazê-lo reconhecem o potencial desses programas na formação de um professor mais autônomo e preparado para enfrentar os desafios da construção do saber.
Podem-se destacar, dentre outras,as seguintes potencialidades da prática de IC no ensino superior para a formação docente, em consonância com os resultados desta pesquisa:
Promover o domínio de métodos e técnicas de pesquisa;
Compreender todas as etapas de construção do conhecimento científico;
Inserir o futuro docente num ambiente de produção acadêmica e de participação em eventos científicos e culturais;
Aumentar os estímulos para uma formação criativa, crítica e autônoma;
Preparar o futuro docente para que seja capaz de desenvolver pesquisas em nível de pós-graduação;
Proporcionar segurança ao estudante de IC, para que, este ao ingressar no mundo do trabalho, ele possa enfrentar os desafios da sala de aula com inteligência emocional, dominando o conteúdo e compreendendo como o saber foi construído.
É importante ressaltar que este artigo abre perspectivas para que novas pesquisas sejam realizadas com outros públicos e, possivelmente, até graduandos dos cursos de licenciatura, para se compreender como eles veem as potencialidades da IC em sua formação. Como não foi possível comparar públicos variados,a investigação se limitou a uma análise mais abrangente. Todavia, devido às especificidades da pesquisa, pode-se deixar essa lacuna, que poderá ser preenchida por futuros trabalhos que objetivem compreender o tema com mais profundidade.