Introdução
O ciclo de uma política pública compõe-se de cinco estágios, nem sempre estanques e sequenciais, quais sejam: 1) organização da agenda; 2) formulação; 3) implementação; 4) avaliação; e 5) término (PALUMBO, 1998).
Não obstante a crucialidade de cada um dos estágios supracitados, Palumbo (1998, p. 43-44) aponta que, via de regra, maior atenção é dada aos estágios iniciais das políticas públicas (organização da agenda e formulação), sendo diminuta ou insuficiente a atenção conferida aos estágios intermediários e finais (implementação, avaliação e término), nos quais “[...] os fatores mais importantes que delineiam a política têm seus efeitos”.
No caso do planejamento educacional brasileiro, como inexiste uma larga tradição histórica de pautar a educação nacional mediante planos de Estado sistêmicos e de longo prazo como antídoto as esparsas, episódicas e descontínuas políticas de governo1 reinantes na área, recorrentemente os planos de educação elaborados até a primeira década do século XXI não ultrapassaram os primeiros estágios do ciclo de políticas, seguindo marcante tendência de abandono total ou de execução parcial.
Como bem afirma Arelaro (2015, p. 33), o Brasil não costuma “[...] considerar o que foi estabelecido nos seus Planos, quando da decisão de prioridades de investimento de seus recursos financeiros, metas ou ações. Ao contrário, sua elaboração é burocrática e seu dever com os Planos termina tão logo os mesmos sejam aprovados”.
Na mesma direção, ao analisar a trajetória do planejamento educacional e dos planos de educação no país, Bordignon (2014, p. 47) ressalta que “[...] a preocupação predominante era focada na elaboração do plano como documento técnico. Tarefa concluída, missão cumprida. Registra-se pouca preocupação com o planejamento das ações para sua implementação”.
Portanto, como demonstra a experiência brasileira, se já “[...] não é fácil aprovar um plano de educação, mais difícil ainda é garantir sua implantação de forma efetiva” (PINTO, 2017, p. 17).
Tal empreitada, contudo, se torna um desafio ainda maior no Brasil tanto por ser relativamente recente a avaliação de políticas públicas (PARENTE; PEREZ; MATTOS, 2011; RUA, 2013; VAITSMAN; RODRIGUES; PAES-SOUSA, 2006), quanto pelas políticas da área da educação - histórica e majoritariamente de governo - serem reiteradamente descontinuadas “[...] ao sabor das circunstâncias de cada Governo” (BORDIGNON, 2009, p. 92), sem que ocorra algum tipo de avaliação substantiva sobre a implementação e os impactos delas.
Sem dúvida, a fase da avaliação é imprescindível para o êxito das políticas públicas, pois permite “[...] determinar como as políticas estão sendo implementadas e se elas estão alcançando os objetivos desejados” (PALUMBO, 1998, p. 56).
Assim, Vaitsman, Rodrigues e Paes-Sousa (2006, p. 5) enfatizam que “[...] monitoramento e avaliação constituem uma das etapas mais sensíveis na gestão de programas e políticas públicas, sobretudo de desenvolvimento social [...]”.
Portanto, considerando que “a ausência de monitoramento e avaliação [...] afeta bastante a realização da própria política e, consequentemente, seus resultados” (PARENTE; PEREZ; MATTOS, 2011, p. 26) e tendo em vista a parca tradição brasileira de monitorar e avaliar políticas e planos educacionais, o presente artigo2 tem como objetivo precípuo analisar conceitual e legalmente estes dois termos e cotejar como as questões atinentes ao monitoramento e à avaliação figuram nos Planos Nacionais de Educação (PNEs) aprovados no corrente século.
De abordagem qualitativa, o trabalho utilizou-se de revisão bibliográfica acerca da temática em tela e de pesquisa documental, a qual contemplou como corpus de análise os seguintes documentos legais federais: Lei nº 10.172/2001 - PNE I (2001-2010) e Lei nº 13.005/2014 - PNE II (2014-2024).
Afora esta introdução, o presente artigo está estruturado em quatro seções: a primeira passa em revista os principais intentos de pautar a educação brasileira mediante Planos de Estado, até culminar no PNE vigente. A segunda seção conceitua e caracteriza os termos monitoramento e avaliação, mediante emprego da literatura especializada concernente. A seção subsequente apresenta e coteja o tratamento conferido pelos PNEs I e II à temática do monitoramento e da avaliação dos planos educacionais. A última seção, por sua vez, apresenta as considerações finais.
A trajetória dos Planos de Educação no Brasil: dos primórdios à contemporaneidade
É lugar-comum a referência ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, como o grande marco histórico do planejamento educacional no Brasil (AZANHA, 1998; BORDIGNON, 2014; DOURADO, 2017a; FALEIRO, 2016; LIBANEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003; LOUREIRO, 2016; MARTINS; PIMENTA; NOVAES, 2014; SAVIANI, 2008). Desde então, vários foram os intentos no sentido de pautar a educação brasileira mediante planos educacionais.
A Constituição Federal (CF) de 1934 (BRASIL, 1934), sob forte influência do referido Manifesto, estabeleceu como competência da União “fixar o plano nacional de educação” (art. 150) e incumbiu o Conselho Nacional de Educação (CNE) da sua elaboração (art. 152). Elaborado pelo órgão colegiado mencionado, o projeto de Plano Nacional de Educação (PNE) foi encaminhado à apreciação da Câmara dos Deputados em maio de 1937, mas, em razão do advento do Estado Novo, a sua tramitação foi interrompida e o PNE “acabou sendo deixado de lado” (SAVIANI, 2008, p. 179).
Após a derrocada do Estado Novo, sob a vigência da CF de 1946 (BRASIL, 1946) e da nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 4.024/61 (BRASIL, 1961), outra proposta de PNE foi formulada pelo Conselho Federal de Educação (CFE)3 em 1962. Contudo, sem ser aprovado como lei (LOUREIRO, 2016) e num quadro de acentuada inflexão política e social com “[...] a renúncia de Jânio Quadros e as turbulências subsequentes [...]” (SCAFF; OLIVEIRA; LIMA, 2018, p. 908), tal documento não foi efetivamente implementado.
Durante o período do regime militar iniciado em 1964, o planejamento estatal no Brasil, em todos os setores, foi tornando-se hegemonicamente tecnocrático. No caso do planejamento educacional, especificamente, o protagonismo no tocante à sua elaboração transferiu-se dos educadores para os economistas (BORDIGNON, 2014; DOURADO, 2017a; SCAFF; OLIVEIRA; LIMA, 2018).
Ao resgatarem a trajetória dos planos nacionais de educação elaborados no percurso histórico brasileiro, Scaff, Oliveira e Lima (2018, p. 906) constataram “[...] sua fragilidade frente as oscilações políticas e sociais em seu entorno, o que tem comprometido severamente a efetivação e, inclusive, a aprovação de todos os planos elaborados [...]”. Segundo as autoras supracitadas (2018, p. 918), via de regra, as tentativas de elaboração dos referidos planos no Brasil “[...] foram obstruídas por golpes de Estado, que interromperam a democracia em âmbito nacional, instaurando períodos ditatoriais caracterizados pela centralização do planejamento [...]”.
Tal fato foi registrado em 1937, cuja ditadura instaurada pelo denominado “Estado Novo” interrompeu o processo democrático de construção do PNE, então, mobilizado pelo Movimento dos Educadores da Educação Nova. Embora o ideário de planejamento educacional tenha sido retomado com a abertura democrática do país, em 1945, outro golpe de estado interrompe o já avançado processo de elaboração do PNE de 1962, dando início ao longo período ditatorial, que se estendeu de 1964 a 1985, concentrando o planejamento nas mãos da tecnocracia [...]. (SCAFF; OLIVEIRA; LIMA, 2018, p. 919).
Resultante de amplo processo constituinte e com notórios avanços no campo dos direitos sociais, a CF de 1988 veio retomar a ideia de planejamento pensado exclusivamente para a área educacional, conforme disposto no seu artigo 214: “A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual4, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do poder público” (BRASIL, 1988). Ao determinar a instituição de um PNE estabelecido por lei, a CF de 1988 visou assegurar “a continuidade das políticas educacionais independentemente do governo, caracterizando-o mais como plano de Estado do que como plano governamental, o que é uma das vantagens de sua aprovação como lei” (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003, p. 159).
Na vigência da CF de 1988 e na esteira da Declaração Mundial sobre Educação para Todos resultante da Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), cujo Brasil foi um dos signatários, o Governo Itamar Franco aprovou em 1993 o Plano Decenal de Educação para Todos. Entretanto, o referido plano pouco pautou a política, o planejamento e a gestão educacional do país, tanto durante a vigência do governo que o aprovou quanto do governo subsequente de Fernando Henrique Cardoso no seu duplo mandato presidencial (DOURADO, 2017a; SAVIANI, 2008).
Até o findar do século XX, os planos de educação elaborados seguiram a tendência nacional de abandono total ou de execução parcial, reforçando a forte marca da descontinuidade administrativa característica do planejamento educacional brasileiro (AZANHA, 1998; BORDIGNON, 2014).
Novo alento para a reversão do quadro ora descrito se delineou com a aprovação da Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001), que aprovou o PNE para o decênio 2001-2010, em atendimento ao artigo 214 da CF de 1988 e aos artigos 9º e 87 da vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996). No entanto, o PNE 2001-2010, mesmo aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pela Presidência da República, “[...] tendo, portanto, força de lei, não vai se constituir na referência-base do planejamento e das políticas educacionais” (DOURADO, 2017a, p. 36).
De tramitação peculiar5, marcada pelo embate entre dois projetos antagônicos - o PNE proposto pela sociedade brasileira, construído coletivamente por entidades educacionais, profissionais da educação e estudantes durante os dois Congressos Nacionais de Educação (CONED I e II) realizados em Belo Horizonte nos anos de 1996 e 1997, e o PNE de viés neoliberal apresentado pelo Executivo Federal -, o PNE 2001-2010 aprovado foi resultado da “[...] hegemonia governamental no Congresso Nacional, que buscou traduzir a lógica de suas políticas em curso” (DOURADO, 2011, p. 25).
Carente de organicidade interna, numericamente excessivo em termos de metas fixadas e desprovido de mecanismos concretos de financiamento, o PNE 2001-2010 configurou-se como um plano estruturalmente limitado e meramente formal (DOURADO, 2011; SAVIANI, 2008), não se traduzindo na prática como a principal diretriz para as políticas, o planejamento e a gestão da educação nacional. “Exemplo desse fato encontra-se no reduzido número de planos estaduais e municipais de educação aprovados em decorrência de tal PNE, embora se constituísse em exigência legal”6 (SCAFF; OLIVEIRA; LIMA, 2018, p. 911).
Além de ter a sua concretização significativamente inviabilizada pela falta de suporte financeiro para a sua execução (ARANDA; PERBONI; RODRIGUES, 2018; BORDIGNON, 2014; DOURADO, 2011; 2017a; MARQUES, 2016; SCAFF; OLIVEIRA; LIMA, 2018; SAVIANI, 2008), o PNE
2001-2010 também foi obliterado pela instituição do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)7, em 2007, o qual
[...] se apresentou como plano executivo do MEC, um grande guarda-chuva de seus programas, complementados pelos Planos de Ações Articuladas (PARs) dos estados e municípios. O PDE foi assentado em seis pilares: visão sistêmica da organização da educação; territorialidade; desenvolvimento; regime de colaboração; responsabilização; mobilização social. (BORDIGNON,2014, p. 46).
Werle e Metzler (2014, p. 237), numa análise crítica do PDE, afirmam tratar-se de um
[...] plano com traços gerencialistas e centralizadores, em que se evidencia o predomínio do Executivo, com viés neoliberal no que toca à preocupação com a modernização e a eficácia do Estado, a valorização do aparato técnico e o controle, marcando um distanciamento das possibilidades de autonomia e gestão democrática. [...] Ademais, entra em cena uma nova forma de intervenção e operacionalização do planejamento educacional: o Plano de Ações Articuladas (PAR). A intervenção da instância federal passa a ocorrer, a partir do PDE, de forma direta, por intermédio do PAR, de maneira a desenvolver ações entre o Ministério da Educação (MEC) e o ente (municípios e estados) a ser apoiado [...].
Depreende-se, portanto, que o PNE 2001-2010, como plano de Estado na área da educação, “[...] nunca foi observado, nem pelo Governo que o propôs, Fernando Henrique Cardoso II (Gestão 1999/2002), nem pelos que o sucederam, Governos Luis Inácio Lula da Silva I e II (2003/2006 e 2007/2010)”, os quais “[...] priorizaram e realizaram o que consideraram como ‘suas’ políticas, não necessariamente coincidentes com o estabelecido em Planos nacionais”. (ARELARO, 2015, p. 34-35).
Mais recentemente, após disputado, complexo e moroso processo de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovado pela Lei nº 13.005/2014 o PNE para o corrente decênio (2014-2024), de modo a renovar os ânimos em termos de planejamento educacional como política de Estado.
O processo de elaboração/aprovação do PNE 2014-2024 avançou em relação ao PNE findado ao ser fruto, também, de ampla participação da sociedade civil, como bem sintetizado por Martins, Pimenta e Novaes (2014, p. 282):
No dia 25 de junho de 2014, a presidente Dilma Rousseff sancionou (sem vetos) o Plano Nacional de Educação, [...] após quase quatro anos de tramitação durante os quais negociações foram encetadas entre legisladores, representantes do governo, entidades do magistério e da sociedade civil organizada. Nesse processo, o Projeto de Lei 8.035/2010 (PNE), encaminhado pelo executivo federal, recebeu milhares de propostas de emendas, tendo sido a maior parte delas discutida e deliberada na Conferência Nacional de Educação (Conae) em 2010, durante a qual participaram quase dois mil municípios e três mil delegados.
O PNE vigente, portanto, “[...] se entendido como eixo das políticas educacionais, pode representar um avanço para a educação básica e superior, a despeito de alguns limites, tensões e ambiguidades do texto aprovado” (DOURADO, 2017a, p. 26).
A Lei nº 13.005/2014, em seu artigo 8º, estabeleceu, também, que todos os entes federativos subnacionais deveriam “elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas [no atual] PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei”8 (BRASIL, 2014a). A referida exigência, segundo Scaff, Oliveira e Aranda (2018, p. 135), “[...] culminou em intensos movimentos nos estados e municípios em direção à organização da comunidade para o cumprimento de tal dispositivo legal”.
Assim, atendendo ao disposto no artigo 8º da Lei nº 13.005/2014, praticamente todos os estados e municípios brasileiros, além do Distrito Federal, elaboraram/adequaram seus respectivos planos decenais em conformidade com as diretrizes, metas e estratégias dispostas no PNE, o que, além de resultar numa inédita (quase) universalização9 dos planos educacionais infranacionais, representa um grande avanço em termos de planejamento educacional sistêmico e de Estado no Brasil.
Portanto, o desafio premente destas distintas esferas públicas de poder consiste em efetivamente implementar e materializar os seus respectivos planos subnacionais de educação, o que demanda, indubitavelmente, monitoramento e avaliação, conforme se conceitua na sequência do trabalho.
Monitoramento e Avaliação: precisando os conceitos de um par indissociável
Uma vez praticamente universalizada a elaboração e a aprovação dos planos decenais de educação no Brasil, o desafio crucial consiste na implementação destes planos, fase do ciclo das políticas públicas que não se restringe à mera execução da(s) decisão(ões) anteriormente tomada(s). Dessa maneira, apesar de envolver a execução, a implementação também implica em tomada de novas decisões, as quais “[...] não se encerram durante a formulação [...] de uma política pública” (RUA, 2013, p. 91).
Portanto, se é ao longo da implementação “[...] que as políticas ganham dinâmica, mudam, são reorientadas e renegociadas” (MARTINS, 2014 apud ARANDA; PERBONI; RODRIGUES, 2018, p.429), se faz necessário que, no decorrer do processo de implementação da política pública (e não somente na fase relativa ao seu término), monitoramento e avaliação figurem como componentes centrais.
Imprescindíveis “na fase de implementação do plano, de jogar o jogo, de colocar em marcha as estratégias da caminhada rumo às metas [...]” (BORDIGNON, 2014, p. 36), o monitoramento e a avaliação podem ser sinteticamente distinguidos:
[...] o monitoramento é um processo contínuo, que precisa produzir informações com grande celeridade, pois deve subsidiar as decisões sobre a condução das políticas, programas e projetos. A avaliação é um exame realizado em profundidade, que produz informações complexas e poderá ou não ser usada na tomada de decisões. (MALCONES, 2012, p. 15).
Não obstante tal distinção, monitoramento e avaliação são etapas complementares e constituem-se em importantes instrumentos de gestão das políticas públicas, ao possibilitar a adoção de medidas corretivas (possíveis ajustes, alteração de rota, reorientação) durante o próprio curso da implementação da política, concorrendo decisivamente para seu aperfeiçoamento e êxito.
Nesse sentido, Rua (2013) pontua que se a finalidade da avaliação for o aperfeiçoamento de uma política pública, programa ou projeto, a modalidade “formativa”, a seguir conceituada, deverá ser adotada.
A avaliação formativa, também conhecida como “retroalimentadora”, tem por função proporcionar informações úteis à equipe gestora da política pública, do programa ou do projeto, com o propósito de aperfeiçoá-los durante o ciclo de execução; ou aos planejadores, com vistas a poderem realizar a atualização contínua dos programas ou projetos, de sorte a maximizar seus objetivos. [...] Sua finalidade é subsidiar a tomada de decisão que sucede durante o processo da política pública, em relação à estrutura ou ao desenho do programa ou projeto, aos ajustes necessários, às melhorias da gestão, etc. Tem a natureza de diagnóstico parcial e contextual e leva a decisões sobre o desenvolvimento do programa ou projeto, inclusive, modificações e revisões deles. (RUA, 2013, p. 117).
Por outro lado, se a avaliação tiver por escopo a prestação de contas, a responsabilização ou as decisões concernentes à continuidade/descontinuidade da política pública, do programa ou do projeto, a “somativa” se apresenta como o tipo mais indicado.
A avaliação somativa tem por função subsidiar decisões finais sobre a continuidade ou não de um programa ou um projeto associado à determinada política pública, como redimensionamento do público-alvo, mitigação de efeitos colaterais, etc. [...] Leva a decisões terminativas sobre a execução, a continuidade ou o encerramento de um programa ou um projeto. (RUA, 2013, p. 117).
No caso específico dos planos decenais de educação, a complexidade da implementação de longo prazo demanda, portanto, um processo em que:
O monitoramento se torne um ato contínuo de observação pelo qual são tornadas públicas as informações a respeito do progresso que vai sendo feito para o alcance das metas definidas. A avaliação seja entendida como o ato periódico de dar valor aos resultados alcançados até aquele momento, às ações que estejam em andamento e àquelas que não tenham sido realizadas, para determinar até que ponto os objetivos estão sendo atingidos e para orientar a tomada de decisões. (BRASIL, 2016a, p. 6, grifos nossos).
Depreende-se, então, que monitorar e avaliar são etapas que se articulam mutuamente durante o processo de implementação de um plano de educação, pois “[...] não é possível o monitoramento sem que, periodicamente, ocorram avaliações. De igual forma, não convém avaliar sem que haja informações obtidas a partir do monitoramento contínuo do que foi proposto por meio de indicadores adequados” (DOURADO; GROSSI JÚNIOR; FURTADO, 2016, p. 457-458).
Adicionalmente, porém, cabe destacar que, de acordo com a análise de Ramos e Schabbach (2012, p. 1.280), a avaliação vai além do monitoramento, “[...] pois verifica se o plano originalmente traçado está, de fato, produzindo as transformações pretendidas”.
Etapas distintas e complementares de um processo único, monitoramento e avaliação são, portanto, indissociáveis (DOURADO; GROSSI JÚNIOR; FURTADO, 2016) e indispensáveis à materialização dos múltiplos planos educacionais atualmente vigentes no Brasil.
Partindo do pressuposto defendido por Dourado (2017a) de que não há uma relação simples e linear entre os processos de proposição e materialização das políticas, o monitoramento e a avaliação “[...] figuram-se como ações imprescindíveis para o êxito dos Planos de Educação, garantindo subsídios aos gestores e à sociedade civil sob o cumprimento ou não das metas e estratégias propostas e possibilitando a readequação destas caso necessário” (ALVES, 2017, p. 2316-2317).
Assim, a próxima seção do trabalho apresenta e coteja o tratamento conferido pelos dois Planos Nacionais de Educação aprovados por lei sob a égide da Carta Magna vigente - PNE I (2001-2010) e PNE II (2014-2024) - às questões atinentes ao monitoramento e à avaliação dos planos educacionais.
O “lugar” do Monitoramento e da Avaliação nos Planos de Educação: do PNE I ao PNE II
Ao reportar-se à trajetória histórica dos planos de educação no Brasil, Bordignon (2014, p. 47) destaca como um dos fatores decisivos para o abandono ou para a pouca efetividade dos mesmos “[...] a ausência quase total de processos de acompanhamento e avaliação”.
Compreendendo o monitoramento e a avaliação como elementos constituintes e fundamentais do planejamento educacional e almejando equacionar o histórico problema supramencionado, tanto o PNE I (2001-2010) quanto o PNE II (2014-2024) vieram a contemplar nos seus respectivos textos, ainda que de maneira distinta, previsões de monitoramento e avaliação dos planos decenais de educação, de modo a contribuir, inclusive, para “[...] a institucionalização da avaliação como parte integrante [...] da implementação de políticas públicas” (JOPPERT, 2009 apud RUA, 2013, p. 137) educacionais no país.
Um dos mais importantes instrumentos legais da política educacional nacional, o PNE I, instituído pela Lei nº 10.172/2001, foi estruturado em seis seções10 e contemplou cerca de três centenas de metas.
A exagerada quantidade de metas fixadas (295 ao todo) no plano denota, segundo Saviani (2008, p 275), “[...] um alto índice de dispersão e perda do senso de distinção entre o que é principal e o que é acessório”.
Na mesma linha de análise, Souza (2017, p. 985) avalia que o excessivo número de metas constantes do PNE 2001-2010 “[...] acabou por pulverizar e fragmentar a ações previstas”.
Ademais, na perspectiva de alguns especialistas (BORGES; CONCEIÇÃO, 2017; SOUZA, 2017; SOUZA; DUARTE, 2014), um elevado número de metas, além de comprometer a própria implementação do plano de educação, pode inviabilizar seu monitoramento e a sua avaliação.
Não obstante tal complicador, o PNE I dedicou atenção à temática em tela em duas ocasiões: no corpo da Lei nº 10.172/2001 e em seção específica do plano propriamente dito. No primeiro caso, estipulou:
Art. 3º A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e a sociedade civil, procederá a avaliações periódicas da implementação do Plano Nacional de Educação. §1º O Poder Legislativo, por intermédio das Comissões de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados e da Comissão de Educação do Senado Federal, acompanhará a execução do Plano Nacional de Educação. §2º A primeira avaliação realizar-se-á no quarto ano de vigência desta Lei, cabendo ao Congresso Nacional aprovar as medidas legais decorrentes, com vistas à correção de deficiências e distorções. (BRASIL, 2001).
Por sua vez, na sexta e última seção do PNE I, intitulada Acompanhamento e Avaliação do Plano, “[...] é sinalizado o papel estratégico da colaboração entre os entes federados e entre determinadas instituições da sociedade civil e o valor dos dados e das análises qualitativas e quantitativas disponibilizados pelo sistema de avaliação do MEC” (MENEZES; SOUZA, 2018, p. 615).
Além de uma tímida e genérica definição das instâncias responsáveis pelo acompanhamento e pela avaliação do PNE I, bem como dos seus congêneres infranacionais, também concorreram para dificultar tal avaliação “[...] a generalidade de algumas metas e a ausência de indicadores específicos” (SAMPAIO, 2011, p. 64).
A despeito das avaliações sobre o PNE I realizadas por diferentes interlocutores institucionais11, “[...] a avaliação do Plano efetivou-se parcialmente, na medida em que não resultou em correções de suas deficiências [...]” (DOURADO, 2011, p. 11).
Diferentemente do plano precedente, o atual PNE II apresenta uma estrutura mais “enxuta” e objetiva, sendo composto por 14 artigos, 20 metas e 254 estratégias voltadas a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino. Destarte, ao fixar apenas 20 metas, a Lei nº 13.005/2014, instituidora do PNE vigente, veio a favorecer “[...] o engajamento da sociedade civil e o controle social na execução do plano, fundamentais para seu sucesso” (MARTINS, 2014, p.15), bem como tornar seu processo de monitoramento e avalição mais exequível.
Com o advento do PNE II, as questões relativas ao monitoramento (termo adotado em substituição a “acompanhamento”, constante no PNE I) e à avalição dos planos decenais de educação ganharam notável destaque (BONAMINO; CARVALHO; WALDHELM; CRUZ, 2014), sendo tratadas primordialmente no próprio corpo da lei supracitada e não mais em seção específica, como ocorreu com o PNE anterior.
Além de estipular monitoramento contínuo e avaliações periódicas acerca da execução e do cumprimento das metas e das estratégias do PNE 2014-2024 e de seus similares em nível estadual, distrital e municipal (Art. 5º e Art. 7º, §3º), a Lei nº 13.005/2014 foi além do PNE I e avançou ao definir com maior precisão as instâncias responsáveis pela realização de tal processo em âmbito federal. Textualmente:
Art. 5º A execução do PNE e o cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas, realizados pelas seguintes instâncias:
I - Ministério da Educação - MEC; II - Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal; III - Conselho Nacional de Educação - CNE; IV - Fórum Nacional de Educação. (BRASIL, 2014a).
Após atribuir a um conjunto de distintos e importantes atores institucionais a responsabilidade pelo monitoramento e pela avalição do plano federal, a Lei do PNE determina também que todos os entes federados deverão proceder de forma semelhante em relação aos seus respectivos planos subnacionais. Na letra da lei:
Art. 7º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios atuarão em regime de colaboração, visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias objeto deste Plano. [...] § 3º Os sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios criarão mecanismos para o acompanhamento local da consecução das metas deste PNE e dos planos previstos no art. 8º. (BRASIL, 2014a).
Na precisa explicação de Dourado, Grossi Júnior e Furtado (2016, p. 457):
Como decorrência do PNE, os planos de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios também devem ser monitorados e avaliados periodicamente, com a verificação do cumprimento dos dispositivos legais e da implementação das políticas educacionais no âmbito de cada território, contribuindo, assim, para a efetividade do PNE, que só logrará êxito se todos os planos subnacionais cumprirem com os objetivos propostos.
Assim, de forma análoga à lei do PNE, os planos infranacionais de educação, além de prever sistemáticas de monitoramento e avaliação dos referidos documentos, devem também definir expressamente quais serão os atores institucionais encarregados desta imperiosa tarefa. Nesse sentido, Oliveira et al. (2016, p. 31) elencam as instâncias mais indicadas para tal incumbência:
Nos estados:
Secretaria Estadual de Educação;
Comissão de Educação da Assembleia;
Conselho Estadual de Educação (CEE);
Fórum Estadual de Educação.
Nos municípios:
Secretaria Municipal de Educação
Comissão de Educação da Câmara ou a própria Câmara;
Conselho Municipal de Educação;
Fórum Municipal de Educação.
Ademais, já praticamente no final do corpo textual do PNE II, na meta 19, concernente à gestão democrática da educação pública, comparece a estratégia (19.3) de “incentivar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a constituírem Fóruns Permanentes de Educação, com o intuito de coordenar as conferências municipais, estaduais e distrital, bem como efetuar o acompanhamento da execução deste PNE e dos seus planos de educação” (BRASIL, 2014a), numa perspectiva mais ampliada de participação social em tal empreitada.
Para subsidiar o processo de monitoramento e avaliação dos múltiplos planos decenais de educação, a Lei do PNE II, além de definir como referência para a aferição da evolução das metas traçadas renomadas fontes oficiais de dados - “[...] a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, o censo demográfico e os censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados [...]” (Art. 4º) -, também determinou que a cada dois anos, até o final da vigência do PNE 2014-2024, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP “[...] publicará estudos para aferir a evolução no cumprimento das metas estabelecidas [...], com informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito nacional [...]” (Art. 5º, §2º).
Ao estabelecer essa periodicidade bianual para a publicação de estudos de aferição do cumprimento das metas, o PNE define, assim, um referencial temporal para o monitoramento e avaliação do Plano: ao longo de sua vigência, devem ocorrer cinco12 ciclos de monitoramento e avaliação, antecedidos por uma linha de base com informações sobre o período anterior à publicação da Lei. (BRASIL, 2016b, p. 15).
Trata-se, assim, de uma delimitação temporal bastante razoável, tendo em vista que períodos avaliativos muito espaçados geralmente configuram-se como inócuos em termos de possível necessidade de replanejamento e/ou correção de rumo perdido. Até o momento, o INEP publicou três documentos com a finalidade anteriormente mencionada, a saber: a) Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024: Linha de Base (2015), o qual apresenta uma contextualização acerca da situação inicial do Plano à época da sua publicação e sobre cada uma das suas metas; b) Relatório do 1º Ciclo de Monitoramento das metas do PNE: biênio 2014-2016, que, além de aprimorar os indicadores constantes no documento anterior, apresenta uma análise atualizada sobre a evolução do cumprimento das metas; e c) Relatório do 2º Ciclo de Monitoramento das metas do Plano Nacional de Educação - 2018, o qual não somente atualiza as séries históricas de indicadores utilizados no Relatório precedente, “[...] como também apresenta reformulações e define novos indicadores que foram constituídos para melhor representar e aferir o que as metas propõem” (BRASIL, 2018, p. 12).
Cumpre registrar que, ainda no intuito de viabilizar a consecução das metas e das estratégias dos planos de educação das distintas esferas subnacionais de poder, a Rede de Assistência Técnica vinculada à Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE)13 do MEC, após assessorar o correspondente processo de elaboração dos referidos documentos decenais, deu continuidade, a partir de 2015, ao trabalho de apoio aos entes federativos mediante construção e disponibilização14 - via adesão15 - de metodologia voltada à sistematização e à realização de processos de monitoramento e avaliação de tais planos.
Considerações Finais
Ao se passar em revista a trajetória histórica do planejamento educacional no Brasil, constata-se uma incipiente tradição em pautar esta área tão importante e complexa mediante planos de Estado, sistêmicos e longevos. Prova disso é que apenas a partir de 2001 que o País consegue manter simultaneamente em vigência a CF/1988, a LDB/1996 e o PNE 2001-2010, efetivando “[...] a tríade normativa do planejamento educacional [...]” (BORGES; CONCEIÇÃO, 2017, p. 125).
Posteriormente, após tramitar no Congresso Nacional por praticamente quatro anos, o PNE 2014-2024 foi aprovado por meio da Lei nº 13.005/2014, resultando numa subsequente e inédita (quase) universalização dos planos educacionais infranacionais.
O desafio premente da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, portanto, consiste na implementação, no monitoramento e na avalição dos respectivos planos decenais de educação vigentes, tal qual demandado pelos artigos 5º e 7º da lei supracitada (ANTUNES, 2019; DOURADO; GROSSI JÚNIOR; FURTADO, 2016; NASCIMENTO; GROSSI JÚNIOR; PEREIRA, 2017; SCAFF; OLIVEIRA, 2018).
Diante da recente prática brasileira no campo da avaliação das políticas públicas e frente ao adverso cenário político e econômico nacional do tempo presente - pautado pelo ajuste fiscal, supressão dos direitos sociais e ataques à educação pública, representando grande óbice à materialização do PNE 2014-2024 e do conjunto de planos subnacionais aprovados à luz de sua vigência -, a tarefa a ser desenvolvida, além de enorme aprendizado, se torna mais grandiosa e desafiadora ainda.
Ainda que contemporaneamente compreendidos como inerentes e fundamentais para aperfeiçoamento e êxito dos planos de educação e não obstante os avanços registrados na passagem do PNE I para o PNE II (maior exequibilidade em função do conciso número de metas fixadas e da definição mais precisa e abrangente das instâncias institucionais responsáveis pela condução do processo), o monitoramento e a avaliação da implementação dos planos educacionais decenais da União, Distrito Federal, Estados e Municípios somente se efetivarão a partir de ampla e permanente mobilização e participação da sociedade civil e política, de modo que tais planos possam configurar-se verdadeiramente “[...] como epicentro para as políticas educacionais [...]” (DOURADO, 2017b, p. 23).