INTRODUÇÃO
As competências socioemocionais têm sido estudadas por áreas da Psicologia do desenvolvimento e de prevenção e promoção de saúde, sendo um conceito amplamente utilizado no desenvolvimento de programas de prevenção em escolas (Justo, Santos, & Andretta, 2017). A partir dos estudos de desenvolvimento de competências socioemocionais em crianças, percebe-se a importância das figuras de cuidado para o desenvolvimento saudável das crianças no contexto escolar, em especial, a importância dos professores (Morris, Denham, Bassett, & Curby, 2013).
As figuras de cuidado (pais, professores, responsáveis) promovem o desenvolvimento das competências socioemocionais nas crianças de três formas distintas. São elas: (1) Modelação - quando o comportamento adulto é modelo para a criança que o observa e copia; (2) Contingências -validação, incentivo à supressão ou negação da expressão da criança, que por consequência aumentam ou diminuem a probabilidade do comportamento da criança se repetir; e (3) Orientação - quando os cuidadores auxiliam a criança a identificar e nomear suas emoções, a perceber as causas e consequências de suas reações e a pensar em possíveis soluções de problemas (Del Prette & Del Prette, 2005; Denham, 1998; Denham, Basset, & Zinsser, 2012). Assim, compreende-se que, para o professor ser capaz de desenvolver competências socioemocionais em seus alunos de forma efetiva, ele próprio precisa saber regular suas emoções e ter qualidade na interação social, para ser modelo; ter boa percepção do contexto e das necessidades dos alunos, a fim de poder identificar quais comportamentos e expressões emocionais acolher e quais punir; ter bom conhecimento a respeito das emoções e consciência com relação a suas estratégias de regulação emocional e, sensibilidade para perceber as necessidades dos alunos e poder ajudá-los a identificarem suas emoções, bem como auxiliá-los na solução de problemas.
Estudos que avaliam as competências socioemocionais de professores em sala de aula têm encontrado que: (1) professores que demonstram alto nível de apoio emocional compreendem as emoções amplamente e apresentam uma abordagem pedagógica no manejo de suas próprias emoções em sala de aula, sendo modelos para seus alunos quanto à regulação de suas emoções (Zinsser, Denham, Curby, & Shewark, 2015); e (2) o professor que reconhece e entende as emoções de seus alunos, assim como as consequências delas para os seus comportamentos, é capaz de atender efetivamente as necessidades dos alunos e demonstrar confiança e respeito (Jennings, 2011). Assim, compreende-se que os professores competentes sócio emocionalmente reconhecem as suas limitações, identificam, expressam e regulam suas emoções em sala de aula e identificam as necessidades dos alunos vinculadas com suas expressões emocionais (Zinsser et al., 2015; Jennings, 2011). Eles são capazes de dar limites de forma assertiva, assim como ficam confortáveis com algum nível de ambiguidade e caos necessários para que seus alunos descubram questões por si mesmos (Jennings & Greenberg, 2009).
A regulação emocional envolve mais do que apenas controlar a expressão emocional, ela requer que o indivíduo reconheça sua emoção, avalie sua intensidade e modifique ou não sua expressão, visando um objetivo (Thompson, 1994; Linehan, 2015). Gratz & Roemer (2004) identificaram seis dificuldades que indivíduos apresentam quanto à regulação emocional: (1) não aceitação das emoções em que há a tendência de existir emoções secundárias, emoções desagradáveis e/ou não aceitar reações emocionais; (2) dificuldade em se engajar em comportamentos direcionados a objetivos, que é a dificuldade em concentrar-se ou realizar tarefas enquanto vivencia uma experiência emocional; (3) dificuldades no controle de impulsos, quando o indivíduo tem dificuldade de controlar os impulsos de ação de emoções desagradáveis; (4) falta de consciência emocional, em que o indivíduo tem dificuldade em ter consciência e/ou percepção acerca de suas emoções; (5) acesso limitado a estratégias de regulação emocional, o que revela crenças de que existe pouco a ser feito quando se vivencia uma emoção desagradável; e (6) falta de clareza emocional, ou seja, o quanto o indivíduo sabe e tem clareza em relação ao que ele sente. Percebe-se, nesta última definição, uma ampliação do conceito de regulação emocional que se assemelha ao conceito de competência emocional proposto por Denham (1998). Neste, o indivíduo competente emocionalmente seria capaz de identificar, nomear e expressar suas próprias emoções, verbal e não verbalmente; monitorar e modificar a intensidade e duração de uma emoção em busca de objetivos; e identificar a emoção dos outros, estimar possíveis causas e experienciar emoções sociais mais complexas, como a culpa, por exemplo (Zinsser, et al, 2015).
Com o intuito de mensurar os comportamentos emitidos por professores que promovem desenvolvimento social em seus alunos, os pesquisadores brasileiros Del Prette e Del Prette (2008) classificaram comportamentos educativos verbais e não verbais de professores categorizando as habilidades sociais educativas desses. Esta classificação envolve quatro categorias, as quais incluem 34 subcategorias, caracterizadas como: (1) estabelecer contextos interativos potencialmente educativos - são os comportamentos que organizam o contexto físico, material ou social para favorecer momentos de interação educativa; (2) transmitir ou expor conteúdos com relação às habilidades sociais - comportamentos que apresentam conteúdos de habilidades sociais, sejam eles de ensino formal ou informal que ocorrem na interação; (3) estabelecer limites e disciplina - comportamentos relacionados com o estabelecimento de regras, normas ou valores, sejam eles para justificar, solicitar, explicitar, sugerir ou indicar estes; e (4) monitorar positivamente - comportamentos relacionados com a administração das contingências em relação ao comportamento do aluno, que envolvem apresentar consequências reforçadoras para os comportamentos desejados e estabelecer melhor acesso às informações de comportamentos passados ou futuros dos alunos.
Nesse estudo, entende-se que a regulação emocional e as habilidades sociais educativas são variáveis que se influenciam mutuamente. A habilidade do professor em conhecer suas emoções e a forma como as regula, o auxilia na orientação de seus alunos, assim como em saber utilizar suas emoções para servir como modelo. Controle de impulsos, estratégias, consciência, clareza e saber seu objetivo, auxiliam que o professor saiba o que os alunos despertam nele e possa ser efetivo no manejo dos comportamentos deles.
As habilidades sociais educativas, ou seja, o quão habilidoso o professor é em desenvolver comportamentos sociais adequados em seus alunos, influenciará sua competência emocional a partir dos estímulos ambientais; os comportamentos dos alunos reforçam ou punem as respostas dos professores, incluindo expressões emocionais. O professor que é habilidoso no manejo de comportamentos indesejáveis ao ter a resposta desejada do aluno - que ele pare de bagunçar e volte a fazer a atividade, por exemplo, - tenderá a emitir igual comportamento com a bagunça de outro aluno. No entanto, não necessariamente o que fez o primeiro aluno parar, fará o mesmo com o segundo, provocando o professor a refletir a respeito de sua ação, do comportamento e das necessidades do aluno e a lidar com a frustração que a situação provoca. Desta forma, entende-se que as habilidades sociais educativas influenciam as emoções e a forma como o professor as regula.
Assim, o presente estudo objetiva (1) avaliar os níveis de dificuldades em regulação emocional e habilidades sociais educativas de uma amostra de professores de Ensino Fundamental, mais especificamente do 1º ao 6º ano da rede pública de um município na região metropolitana de Porto Alegre; e (2) investigar a relação entre dificuldades de regulação emocional e habilidades sociais educativas por meio de um estudo transversal correlacional (Sampieri, Collado & Lucio, 2013).
MÉTODO
Participantes
Participaram deste estudo 69 (95,7% mulheres; n=66) professores de Ensino Fundamental da rede pública de ensino de um município da região metropolitana de Porto Alegre/RS. Quanto ao grau e área de formação destes professores, 49 (71,0%) possuíam pós-graduação, 17 (24,6%) possuíam ensino superior completo, 32 (46,4%) contavam com formação em alguma licenciatura, 26 (37,7%) eram formados em pedagogia e 11 (15,9%) declararam outra formação. Em 2016, 43,4% (n=30) professores trabalhavam menos de 40 horas por semana e 56, 6% (n=39) trabalhavam entre 40 e 60 horas semanais. A idade dos participantes variou entre 28 e 66 anos (M=43,5, DP=9,47) e o tempo de profissão variou entre um e 45 anos (M=16,28, DP=9,53).
Procedimentos
Para o recrutamento de participantes, os professores foram convidados - durante reuniões de professores nas 36 Escolas Municipais de Ensino Fundamental de um município da região metropolitana de Porto Alegre/RS - para a participação na pesquisa de dissertação de mestrado da primeira autora, envolvendo também uma intervenção de formação continuada de professores para o desenvolvimento de competências socioemocionais. Aqueles professores interessados preencheram uma ficha de inscrição. Todos os professores inscritos foram contatados para a participação, após o aceite, a pesquisadora combinava data, horário e local para a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a coleta dos dados.
Instrumentos
Questionário de dados sociodemográficos
Mapeamento de características sociodemográficas, tais como idade, sexo, escolaridade e formação, com a finalidade de descrever os participantes.
Escala de dificuldades de regulação emocional (DERS)
A Escala de Dificuldades de Regulação Emocional (DERS) (Gratz & Roemer, 2004; Coutinho, Ribeiro, Ferreirinha, & Dias, 2010) é uma escala que avalia seis domínios de desregulação emocional: (1) não aceitação das emoções negativas; (2) incapacidade de envolver-se em comportamentos dirigidos por objetivos, enquanto experiencia emoções negativas; (3) dificuldade de controlar comportamento impulsivo, enquanto experiencia emoções negativas; (4) acesso limitado a estratégias de regulação emocional que são percebidas como efetivas; (5) falta de consciência emocional e falta de clareza emocional. São 36 itens respondidos por meio de uma escala Likert de cinco pontos, sendo o 1 "quase nunca se aplica a mim" e o 5 "aplica-se quase sempre a mim". A versão portuguesa da escala apresentou elevada consistência interna (α=0,924), a qual se repete em todas as subescalas (α≥ 0,75), bem como excelentes valores de estabilidade temporal (r=0,82; p<0,000) (Coutinho, et al., 2010). A versão da DERS brasileira, que foi utilizada neste estudo, está em processo de adaptação por Cancian, Souza, Irigaray e Oliveira. Neste estudo, o alpha de Cronbach para a escala total foi de 0,90, considerado satisfatório.
Inventário de habilidades sociais educativas - professores (IHSE-Prof)
Trata-se de um inventário de autorrelato com 64 itens, que descrevem comportamentos sociais apresentados na relação com os alunos, respondidos pelos professores em uma escala Likert, que varia de "Nunca ou Quase Nunca" (0) a "Sempre ou Quase Sempre" (4). Os itens da escala foram elaborados a partir do Sistema de Categorias de Habilidades Sociais Educativas, proposto por Del Prette & Del Prette (2008). As propriedades psicométricas preliminares foram aferidas em uma amostra de 513 professores, que atuam com alunos do maternal (dois anos de idade) até o final do ensino médio (em torno de 17 anos). O instrumento é composto por duas escalas. A Escala 1, denominada Organizar Atividade Interativa, tem 14 itens e produz um escore total (α=0,957) e três escores fatoriais (Principal Axis Factoring, com rotação PROMAX): F1 - dar instruções a respeito da atividade (α=0,758); F2 - selecionar, disponibilizar materiais e conteúdos (α=0,800); F3 - organizar o ambiente físico (α=0,730). A Escala 2 de Habilidades de Conduzir atividade interativa tem 50 itens e produz um escore total (α= 0,948) e quatro escores fatoriais produzidos por fatoração de eixos principais (Principal Axis Factoring), com rotação PROMAX: F1 - Cultivar afetividade, apoio, bom humor (α=,895); F2 - expor, explicar e avaliar de forma interativa (α=,891); F3 - aprovar, valorizar comportamentos (α=,847); F4 - reprovar, restringir, corrigir comportamentos (α=,857). Uma análise do potencial discriminativo dos itens evidenciou que todos apresentaram discriminação positiva na diferença entre os grupos de maior e menor escore, que assinalaram os pontos máximos da escala: em metade dos itens, a diferença foi igual ou maior que 50%. A correlação entre item e escore total também foi positiva e significativa para todos os itens, variando de 0,372 a 0,692. Ainda não se dispõe de dados de precisão (teste-reteste) e sensibilidade à intervenção (Del Prette & Del Prette, 2013). No presente estudo, os alphas de Cronbach para a escala 1 foi de 0,84 e a escala 2 de 0,92, ambos considerados satisfatórios.
Análise de dados
Inicialmente, foram realizados testes de normalidade Kolmogorov-Smirnov, a partir do qual se definiu a utilização de testes paramétricos e não paramétricos e análises descritivas de frequência e médias. Para a interpretação das correlações, foi utilizada a tabela sugerida por Santos (2007) em que de 0,1 a 0,49 a correlação é fraca, de 0,5 a 0,79, é moderada e de 0,8 a 1, é forte. A DERS apresenta variação no escore total de 36 a 180, sendo que, acima de 97, pode-se considerar alto nível de desregulação emocional (Neacsiu, 2012). O IHSE-Prof não apresenta ponto de corte, sendo os escores apresentados em médias, com variação de zero a quatro, representando comportamentos de valência positiva com boas práticas de habilidades sociais educativas.
RESULTADOS
Nas análises descritivas dos dados de dificuldades em regulação emocional, apresentadas na Tabela 1, a média total da escala no escore bruto resultou em 76,82 (DP 18, 02) e no escore em percentual em 42,6 (DP=10,0) de dificuldade em regulação emocional. A subescala em que os professores apresentaram maior média de dificuldade foi em consciência (M=49,3; DP=15,0) e a subescala de menor dificuldade foi controle de impulsos (M=35,6; DP=13,4). Na análise das habilidades sociais educativas, percebem-se níveis altos de habilidades em geral, uma vez que as médias variaram de 2,33 a 3,65, sendo o valor máximo 4,0. A habilidade em que os professores apresentaram maior média foi aprovar e valorizar comportamentos (M=3,65; DP=0,35), seguida de dar instruções para atividade (M=3,33; DP=0,46) e reprovar, restringir e corrigir comportamentos (M=3,24; DP=0,41). Já o fator em que os professores apresentam menor habilidade foi selecionar, disponibilizar materiais e conteúdos, (M=2,33; DP=0,96).
Mínimo(%) | Máximo(%) | Média(%) | Desvio Padrão(%) | |
---|---|---|---|---|
DERS Total | 46(26) | 119(66) | 76,82(42,6) | 18,02(10,0) |
Não aceitação | 6(20) | 27(90) | 13,17(43,9) | 5,19(17,3) |
Objetivos | 5(20) | 22(88) | 12,26(49,0) | 3,99(15,9) |
Impulsos | 6(20) | 21(70) | 10,69(35,6) | 4,03(13,4) |
Consciência | 6(20) | 27(90) | 14,79(49,3) | 4,52(15,0) |
Estratégias | 8(20) | 29(73) | 15,85(39,6) | 5,02(12,5) |
Clareza | 5(20) | 18(72) | 10,04(40,7) | 3,20(12,8) |
E1Total- Organizar Atividade Interativa | 1,86 | 4,00 | 2,89 | 0,54 |
Dar instruções acerca da atividade | 2,00 | 4,00 | 3,33 | 0,46 |
Selecionar, disponibilizar materiais e conteúdos | 0,00 | 4,00 | 2,33 | 0,96 |
Organizar o ambiente físico | 1,00 | 4,00 | 2,76 | 0,74 |
E2Total- Habilidades de Conduzir atividade interativa | 2,14 | 3,92 | 3,10 | 0,36 |
Cultivar afetividade, apoio, bom humor | 2,00 | 4,00 | 3,12 | 0,41 |
Expor, explicar e avaliar de forma interativa | 1,43 | 4,00 | 2,61 | 0,54 |
Aprovar, valorizar comportamentos | 2,67 | 4,00 | 3,65 | 0,35 |
Reprovar, restringir, corrigir comportamentos | 2,08 | 3,85 | 3,24 | 0,41 |
Nota: Os escores da escala e subescalas DERS são apresentados em escores brutos e entre parênteses seus percentis; os escores das escalas e subescalas IHSE são apresentados em média.
Ao correlacionar as dificuldades de regulação emocional com as habilidades sociais educativas de professores, verificou-se que as dificuldades em consciência e clareza da DERS foram as variáveis de regulação emocional a se associarem com as habilidades sociais educativas de (a) dar instruções a respeito da atividade, (b) aprovar e valorizar comportamentos e (c) reprovar, restringir e corrigir comportamentos. As dificuldades em consciência emocional também foram correlacionadas com o escore total da escala dois de habilidades sociais educativas, a de habilidades de conduzir atividade interativa. Todas as correlações significativas encontradas foram de intensidade fraca e negativa, ou seja, quanto maior a dificuldade em consciência e clareza emocional, menor a habilidade social educativa (ver Tabela 2).
DERS Total | Não Aceitação | Objetivos | Impulsos | Consciência | Estratégias | Clareza | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
E1Total- Organizar Atividade Interativa | -,160¹ | -,114² | -,105¹ | -,059² | -,147² | -,089¹ | -,171¹ |
Dar instruções acerca da atividade | -,130¹ | -,028² | ,030¹ | -,081² | -,246²* | -,052¹ | -,289¹* |
Selecionar, disponibilizar materiais e conteúdos | -,092¹ | -,149² | -,113¹ | -,060² | -,009² | -,022¹ | -,011¹ |
Organizar o ambiente físico | -,163¹ | -,066² | -,159¹ | -,012² | -,143² | -,137¹ | -,145¹ |
E2Total- Habilidades de Conduzir atividade interativa | -,155¹ | ,102² | -,068¹ | -,033² | -,289²* | -,102¹ | -,222¹ |
Cultivar afetividade, apoio, bom humor | -,133¹ | ,080² | -,103¹ | -,011² | -,158² | -,078¹ | -,139¹ |
Expor, explicar e avaliar de forma interativa | -,006² | ,086² | ,103² | ,006² | -,122² | ,007² | -,055² |
Aprovar, valorizar comportamentos | -,205² | ,089² | -,084² | -,070² | -,406²** | -,102² | -,356²** |
Reprovar, restringir, corrigir comportamentos | -,188¹ | ,024² | -,089¹ | -,121² | -,373²** | -,121¹ | -,257¹* |
Nota: ¹ Teste de Pearson; ² Teste de Spearman; *p≤0,05; **p≤0,01; Valência das correlações: 0,1 - 0,49 fraca, 0,5 - 0,79 moderada, 0,8 - 1 forte
DISCUSSÃO
A partir das análises descritivas de dificuldade em regulação emocional de professores de Ensino Fundamental, do 1º ao 6º ano da rede pública de ensino de um município na região metropolitana de Porto Alegre, observou-se que esses apresentam dificuldades de regulação emocional similares às populações não clínicas de outros estudos (Fowler et al., 2014; Neacsiu, 2012). Apesar de professores serem uma classe com altos índices de adoecimento mental devido à profissão (Diehl & Marin, 2016), o que aumenta a probabilidade de terem dificuldades em regulação emocional - devido às associações entre dificuldades de regulação emocional e adoecimento mental (Berking & Whitley, 2014) - eles seguem com nível de dificuldade de regulação emocional similar à população geral. Este resultado indica que os professores avaliados, em tese, não apresentaram dificuldades em regulação emocional, embora o escore máximo demonstre que houve professores com tal dificuldade (DERS Total ≥97; Neacsiu, 2012).
Em regulação emocional, os professores apresentaram maiores dificuldades em consciência emocional, bem como dificuldade de agir em prol de objetivos, embora, da mesma forma que o escore total, os escores encontrados para todas as subescalas são similares a escores encontrados para populações não clínicas (Wolz et al., 2015)and (2. Para o contexto de sala de aula, as dificuldades em concentrar-se ou realizar tarefas ao mesmo tempo que vivencia uma experiência emocional e, ter consciência e/ou percepção em relação às suas emoções, podem interferir no trabalho do professor. Como modelo para seus alunos, é importante que o professor seja capaz de seguir seus objetivos quando passa por uma experiência negativa, como por exemplo, é importante que ele seja capaz de lecionar em dias que se sente triste ou vive estresse pessoal ou que siga orientando e manejando o comportamento de um aluno desafiador ainda que esse esteja despertando muita raiva no professor. Ter consciência de que é um modelo para os seus alunos, oportuniza ao professor, também, que ele possa utilizar suas emoções e situações de estresse para orientá-los (Zinsser et al., 2015); para tal, apresentar consciência emocional é fundamental para que ele possa auxiliar seus alunos a nomear e identificar emoções, encontrar estratégias de regulação emocional e solução de problemas.
Quanto às habilidades sociais educativas, aqueles comportamentos que os professores relataram emitir com maior frequência em sala de aula, foram os que diziam das habilidades de aprovar e valorizar comportamentos, dar instruções para atividades e reprovar, restringir e corrigir comportamentos. Entende-se que estes resultados salientam o papel do professor como agente de contingências; uma vez que tanto aprovar, dar instruções, quanto reprovar, restringir e corrigir são ações que visam modelar o comportamento do aluno. Aprovar e valorizar comportamentos diz respeito a elogiar e reforçar comportamentos adequados dos alunos e validação, como prestar atenção às falas deles; tais habilidades são fundamentais para o manejo de contingências ao reforçar comportamentos habilidosos dos alunos. Já, dar instruções para atividades, inclui comportamentos do professor de ser claro ao mostrar o que pretende, explicar o objetivo das atividades e apresentar modelos do que deseja, comportamentos fundamentais para orientar as crianças em solução de problemas e modelar o comportamento esperado. As habilidades de reprovar, restringir e corrigir comportamentos, modelam comportamentos também, porém por meio da aplicação de consequências aos comportamentos desprezados e da habilidade do professor em elucidar quais são os comportamentos desejados e indesejados em sala de aula.
Os comportamentos incluídos na habilidade de selecionar e disponibilizar materiais e conteúdos foram os que os professores relataram fazer com menor frequência em sala de aula, o que vai ao encontro às características que a literatura brasileira descreve a respeito de professores do ensino público. Compreende-se que as dificuldades, frequentemente, encontradas no contexto do ensino público, como déficits em formação continuada, falta de apoio, sobrecarga de trabalho, pressão de tempo e dificuldades com comportamentos inadequados dos alunos (Diehl & Marin, 2016), interferem nos comportamentos do professor de preparar e disponibilizar materiais e conteúdos relacionados ao desenvolvimento de habilidades sociais nos alunos.
Ao investigar a relação entre dificuldades de regulação emocional e habilidades sociais educativas, foram encontradas correlações fracas que corroboram com a literatura quanto à competência emocional e habilidades do professor em promover o desenvolvimento dos alunos em sala de aula. Falta de consciência e clareza emocional foram as duas dimensões que se associaram negativamente com habilidades de (a) dar instruções para atividade, (b) aprovar e valorizar comportamentos, (c) reprovar, restringir e corrigir comportamentos e (d) conduzir atividade interativa apenas para consciência. Tanto a consciência quanto a clareza emocional falam acerca do indivíduo ter conhecimento com relação às emoções (saber nomear, identificar reações no corpo, possíveis causas e impulsos de ação) e poder reconhecê-las. As correlações encontradas ratificam a perspectiva descrita acima quanto às dificuldades em consciência emocional e, quanto a agir em prol de objetivos; dificuldades em reconhecer suas próprias emoções podem complicar a busca por formas de seguir sendo efetivo em seus objetivos, no caso de desenvolver os alunos por meio de orientação e aplicação de contingências de comportamento. Zinsser e colaboradores (2015), em seu estudo, constataram que aqueles professores que possuíam mais conhecimento em relação às emoções, apresentavam uma abordagem mais pedagógica a respeito de suas próprias emoções e mais suporte emocional aos seus alunos em sala de aula, o que corrobora com o achado neste estudo, relacionando menos dificuldade em consciência e clareza com mais habilidade em aprovar e valorizar comportamentos.
Para Del Prette e Del Prette (2008), dar instruções para uma atividade abrange que o professor descreva o comportamento desejado ou apresente os passos a serem seguidos na tarefa. Entende-se que esta habilidade, assim como a de conduzir atividade interativa, o que inclui mediar interações, fundamentam a prática de orientar e ensinar às crianças quanto às emoções e à solução de problemas. A orientação é uma das formas com as quais adultos contribuem para o desenvolvimento das competências socioemocionais de crianças, junto com modelação e contingências (Denham, 1998). Tanto a orientação acerca das emoções quanto a solução de problemas, exigem do adulto a competência emocional de identificar, nomear, compreender as necessidades e consequências vinculadas às emoções e à compreensão das emoções no outro, como na empatia, competências estas inclusas na avaliação de clareza e consciência emocional.
A categoria de habilidades de reprovar, restringir e corrigir comportamentos se equivale a estabelecer limites e disciplina, os quais se referem a comportamentos que constituem regras, normas e valores (Del Prette & Del Prette, 2008). Considerar padrões éticos e normas sociais fazem parte das competências de consciência social e tomada de decisão responsável na definição de competências socioemocionais (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning [CASEL], 2017), sendo a aprendizagem de regras, normas e valores fundamental para tal. É consenso que reprovar, restringir e corrigir comportamentos, pode gerar, na criança, reações emocionais intensas de raiva, vergonha ou tristeza. Assim, dar este limite exige que o professor saiba ajudar a criança a autorregular-se. Este movimento de auxiliar a criança a se autorregular, exige do adulto consciência, sensibilidade e boa capacidade de tomada de decisão ao compreender a necessidade da criança e ser efetivo (Jennings & Greenberg, 2009). Sendo assim, é compreensível a associação entre falta de clareza e consciência com menos habilidade de reprovar, restringir e corrigir comportamentos na presente amostra.
Os achados deste estudo apontam para associação entre regulação emocional e habilidades sociais educativas. No entanto, as associações encontradas foram de magnitude fraca, o que indica que os resultados encontrados sugerem uma direção para compreensão da relação entre as variáveis estudas, devendo-se ter cuidado para não generalização destes resultados. Outros fatores que podem interferir nos resultados encontrados e necessitam de atenção ao avaliar os resultados desta pesquisa são o tamanho pequeno da amostra e o fato dela se constituir apenas de professores interessados em participar de uma formação continuada, o que diminui a representatividade da amostra. Sugere-se que as próximas pesquisas: (a) avaliem também variáveis, como recursos, salários, apoio e adoecimento, pois estas também podem influenciar as competências emocionais dos professores (Jennings & Greenberg, 2009; Zinsser, Bailey, Curby, Denham, & Basset, 2013); e (b) utilizem medidas de observação de comportamento e de déficits em habilidades sociais educativas para comparar a habilidade observada com a de autorrelato, uma vez que a medida de autorrelato, que mensura apenas os comportamentos habilidosos, pode ser enviesada.
Por fim, salienta-se a importância de intervenções de desenvolvimento de competências socioemocionais e promoção de saúde com professores. Sendo fundamental que essas trabalhem as competências de consciência, clareza emocional, agir em prol de objetivos e habilidades sociais educativas, em especial, dar instruções, conduzir atividades interativas, aprovar e valorizar comportamentos e, reprovar, restringir e corrigir comportamentos, assim como selecionar e disponibilizar materiais e conteúdos. Abordagens de mindfulness e de habilidades emocionais têm se mostrado efetivas para este fim (Roeser, Skinner, Beers, & Jennings, 2012), assim como abordagens diretivas de treinamento de comportamento e habilidades sociais (Rosin-Pinola, 2009; Del Prette, Del Prette, Torres, & Pontes, 1998; Vila, 2005; Corrêa, 2008).