INTRODUÇÃO
A Educação Física é um componente curricular que possui como objetivo proporcionar vivências e reflexões sobre as manifestações da cultura corporal (BRASIL, 2017). Para superar o paradigma da aptidão física e o monopólio esportivo vivenciado durante o século XX nas aulas de Educação Física Escolar, diversos autores e autoras publicaram na literatura científica da área propostas para que os/as docentes desenvolvessem a Ginástica durante todos os ciclos da Educação Básica (ZOTOVICI, 2007; MARTINS, 2009; TOLEDO, 2009; SCHIAVON; NISTA-PICOLLO, 2011; DARIDO; SOUZA JÚNIOR, 2013).
A elaboração das referidas propostas pedagógicas sobre essa prática corporal, a publicação de documentos oficiais em nível federal (BRASIL, 1997; 1998; 2000) mencionando a importância de desenvolver a Ginástica nas aulas de Educação Física e a promulgação de currículos oficiais em nível estadual (SÃO PAULO, 2008) e municipal (SÃO PAULO, 2007; 2016) contendo orientações e estratégias para tematizar essa manifestação da cultura corporal, contribuiu para que muitos/as professores/as que lecionam na escola organizassem ações didáticas para desenvolver conteúdos relacionados com diferentes práticas gímnicas.
Exemplos claros dessas experiências pedagógicas foram publicadas na literatura científica por diversos autores, tais como Maldonado e Bocchini (2015), que descreveram um relato de experiência no qual os/as estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública localizada na cidade de São Paulo vivenciaram movimentos das Ginásticas Rítmica, Artística e Acrobática, compreenderam o contexto histórico, as principais provas e as capacidades físicas utilizadas nessas práticas corporais, além de debaterem questões de gênero e étnicas envolvendo essas modalidades de Ginástica.
Sotero (2015) apresentou uma prática pedagógica com Ginástica Artística em turmas de 6º e 7º anos do Ensino Fundamental, em uma escola pública de São Paulo. Durante as aulas, os discentes vivenciaram diversas pirâmides acrobáticas por desenvolverem formas de equilíbrio e posicionamento do corpo, além de estimular algumas capacidades físicas, como a força e a flexibilidade. Ainda nesse projeto, a docente criou um perfil em uma rede social para postar fotos das aulas e outros materiais pedagógicos e compartilhou essas imagens com os/as estudantes e seus familiares.
Oliveira Júnior (2017) também relatou uma experiência em que desenvolveu a Ginástica Rítmica em turmas de 5º ano de uma escola municipal de São Paulo. Durante a sua prática pedagógica, o docente construiu alguns aparelhos da Ginástica com materiais alternativos, solicitou que os estudantes realizassem pesquisas, desenvolveu leitura de textos, assistiu um documentário para discutir se a Ginástica Rítmica era realizada apenas por meninas, convidou um especialista da modalidade para conversar com os/as estudantes, possibilitou que os/as alunos/as realizassem debates em sala de aula sobre o tema e organizou apresentações de Ginástica Rítmica na escola.
Algo interessante de se ressaltar é que além dos/das professores/as publicarem relatos de experiências das suas ações didáticas com a Ginástica na Educação Física Escolar, pesquisas de caráter descritivo e documental também passaram a mostrar que essa prática corporal está sendo desenvolvida em escolas brasileiras.
Carride e colaboradores (2017) analisaram se conteúdos da Ginástica estavam sendo desenvolvidos nas aulas de Educação Física na cidade de Itatiba/SP por professores/as de escolas públicas e particulares. Os resultados do estudo mostraram que 77,5% dos/das docentes entrevistados trabalhavam com a Ginástica em suas aulas, sendo que a maioria declarou desenvolver atividades relacionadas com a Ginástica para Todos, seguidas pelas Ginásticas Rítmica, Artística, Acrobática e de Trampolim.
Ao explorar as práticas corporais que os/as professores/as de Educação Física estavam tematizando em suas aulas, Maldonado e colaboradores (2017) analisaram anais de eventos científicos relacionados com o componente curricular realizados em São Paulo, entre os anos de 2005 e 2016, compondo um total de 1348 resumos publicados no Seminário de Educação Física Escolar, no Seminário de Metodologia de Ensino da Educação Física, no Congresso dos Professores de Educação Física Escolar e no Congresso Estadual de Educação Física Escolar. Nessa pesquisa, os/as autores/as identificaram muitos projetos educativos relacionados com o ensino de diferentes tipos de Ginástica nas aulas de Educação Física Escolar, tais como: Rítmica, Artística, Acrobática, de Academia, de Condicionamento Físico, Aeróbica e Hidroginástica.
Assim sendo, parece que um novo cenário começa a ser desenhado nas aulas de Educação Física Escolar em relação às aulas de Ginástica. Entretanto, a maioria dessas experiências didático-pedagógicas relatadas foi realizada no Ensino Fundamental, deixando uma lacuna de registros de experiências dessa prática corporal no Ensino Médio.
Entendemos que é importante que as práticas gímnicas estejam presentes nas aulas de Educação Física nesse ciclo de escolarização, pois o/a docente pode tematizar com os/as estudantes, questões relacionadas com a evolução da ginástica, sua história, origem, gênero dos praticantes, além de desenvolver vivências que podem levar os/as discentes a compreenderem, de forma ampla e sistêmica, a cultura dessas práticas corporais (VENÂNCIO; CARREIRO, 2008).
Esses conteúdos mencionados são relevantes para a formação da cidadania dos jovens e, no Ensino Médio, as reflexões e vivências podem ser realizadas com maior nível de aprofundamento e autonomia, pois os/as adolescentes possuem mais maturidade para se envolver nas atividades de ensino.
Nesse sentido, os objetivos desse relato de experiência foram: 1 - descrever experiências pedagógicas com a Ginástica em aulas regulares de Educação Física no Ensino Médio; 2 - mencionar os desafios que o docente vivenciou durante a realização dessas práticas pedagógicas; 3 - refletir sobre as experiências desenvolvidas, com uma docente de Educação Física, especialista no ensino das práticas gímnicas.
MÉTODO
Descrevemos um relato de experiência com a tematização das Ginásticas Rítmica, Artística, Acrobática e Ginástica para Todos realizado nas aulas de Educação Física Escolar no Ensino Médio. Essas modalidades de Ginástica foram tematizadas por conta do tempo que o docente tinha para ministrar as suas aulas (apenas duas aulas por semana) e pela dificuldade de desenvolver outras manifestações gímnicas no ambiente escolar.
Neira (2017, p. 54) destaca que os registros das práticas educativas organizadas pelos professores e pelas professoras de Educação Física documentam as motivações que eles e elas tiveram para tematizar um determinado tema, estabelecer os objetivos de aprendizagem, elaborar as atividades realizadas, pensar nos instrumentos de avaliação, destacar as respostas dos alunos durante a realização das aulas, identificar os resultados alcançados e descrever as impressões sobre a sua ação educativa.
Na interpretação de Contreras (2016), ao escrever um relato da sua prática pedagógica, o/a professor/a adquire maior consciência, percepção, compreensão das experiências que foram vivenciadas durante as suas aulas, colocando luz naquilo que se viveu e abrindo possibilidades para ouvir críticas sobre a sua atuação profissional. Além disso, a descrição da forma que organiza o seu trabalho pedagógico, faz com que o/a docente reflita sobre aquilo que se viveu, explore e investigue as suas ações didáticas constantemente.
Nesse sentido, as experiências aqui descritas foram organizadas em duas escolas, sendo uma estadual e outra federal, localizadas na cidade de São Paulo, entre os anos de 2015 e 2017, com quatro turmas do 1º ano do Ensino Médio integrado aos cursos técnicos de Eletrônica, Eletrotécnica e Mecânica na unidade escolar de nível federal e duas turmas de 2º e 3º anos do Ensino Médio em uma escola estadual. Todas as atividades foram realizadas durante as aulas regulares de Educação Física dessas turmas pelo docente do componente curricular.
Os registros do professor e os trabalhos realizados pelos estudantes durante um bimestre letivo nas aulas de Educação Física Escolar foram fontes de dados para a escrita desse artigo.
Em seguida, o texto foi objeto de diálogo com outra professora de Educação Física, para que houvesse uma reflexão interativa sobre a experiência pedagógica descrita, assim como indicado por Jones e Ronglan (2017) e Titchen (2003). Esse método, chamado de critical companionship ou companhia crítica, tem como objetivo o esclarecimento e geração de novos conhecimentos a partir da colaboração entre pesquisadores.
Esse processo foi realizado pelo professor que ministrou essas aulas na Educação Física Escolar e uma professora com mais experiência com o ensino de diferentes práticas de Ginástica. Esse diálogo possibilitou novas reflexões aos dois docentes, já que compartilharam as suas experiências e conseguiram expor a potencialidade das atividades realizadas na escola e as possibilidades de organizar novos projetos educativos envolvendo a tematização dessa manifestação da cultura corporal de movimento.
ORGANIZAÇÃO DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA
Com todas essas turmas de Ensino Médio começamos as nossas aulas perguntando aos/às discentes quais práticas corporais eles/as já tinham vivenciando nos anos anteriores durante as aulas de Educação Física. O diagnóstico dessa pesquisa sempre mostrou que poucos/as jovens já tinham aprendido conteúdos vinculados com as Ginásticas na escola.
Entretanto, não começamos o trabalho com essa prática corporal no 1º semestre, pois sempre preferimos conhecer melhor os/as estudantes e conquistar a confiança deles/as antes de diversificar as práticas corporais nas nossas aulas. Assim sendo, iniciamos o ano letivo tematizando os esportes.
Antes das férias que ocorrem no meio do ano, fizemos novas perguntas aos/às jovens e tivemos a mesma impressão nas turmas das duas escolas em que trabalhamos. Esses/as adolescentes tinham muitas dúvidas e interesse em discutir temas relacionados com a prática de musculação (Ginástica de academia) e realizar atividades em que eles se tornassem protagonistas nas aulas.
Decidimos então desenvolver o nosso planejamento com musculação no 3º bimestre e diferentes práticas de Ginástica no último período letivo, porque ao finalizar as aulas com a Ginástica para Todos, conseguiríamos possibilitar um protagonismo dos/as discentes quando eles e elas criassem a sua coreografia.
Como organização didático-pedagógica quando tematizamos as Ginásticas (Rítmica, Artística, Acrobática e Ginástica para Todos), sempre iniciamos as aulas mostrando vídeos de coreografias apresentadas por atletas de alto rendimento esportivo, porque muitos jovens chegam ao Ensino Médio sem ter vivenciado e analisado nenhuma dessas práticas gímnicas. Após apreciar os vídeos (retirados do Youtube), vamos ao espaço disponibilizado pela escola para as aulas práticas (no pátio, na quadra ou no ginásio) e construímos com os/as estudantes adaptações dos aparelhos da Ginástica Rítmica (fitas, bolas e maças), vivenciamos alguns fundamentos da Ginástica Artística (para de mão, rolamentos, equilíbrios, estrela e ponte) e ministramos aulas com movimentos (pirâmides) da Ginástica Acrobática.
Com essas turmas, percebemos que alguns/as estudantes conheciam alguns fundamentos, aparelhos e nomes dos/as atletas da Ginástica Artística e já tinham assistido apresentações de Ginástica Rítmica na televisão, principalmente durante os Jogos Olímpicos.
Essas aulas expositivas iniciais possibilitam que os/as jovens compreendam melhor algumas das características dessas manifestações da cultura corporal, dando maior sentido e significado para a sequência das aulas. Nesse primeiro momento, a aula que fez maior sentido aos/às jovens foi a de Ginástica Acrobática. Desde o momento que mostramos os vídeos sobre essa prática corporal na sala de aula, muitos estudantes ficaram com vontade de realizar as pirâmides que os atletas faziam nas suas apresentações.
Antes da realização desses movimentos mais complexos da Ginástica Acrobática, explicamos aos discentes o conceito de se-movimentar humano idealizado por Kunz (2007). Durante essa conversa, mencionamos que de acordo com esse conceito, cada ser humano realiza diversificados movimentos de acordo com as suas experiências anteriores e história de vida e por isso que o nível de habilidade motora entre eles é tão diferente.
Partindo desse princípio, colocamos para os/as jovens que não tínhamos como meta que eles realizassem movimentos da Ginástica com execução técnica perfeita (a partir dos modelos das ginásticas competitivas), e que não utilizaríamos esse critério como avaliação das aulas de Educação Física.
Assim, nas aulas de Ginástica Acrobática, utilizamos fotos de poses acrobáticas em pirâmides retiradas da internet e mostramos essas imagens aos/às estudantes. Após a visualização dos movimentos, eles criaram grupos e tentaram fazer as pirâmides de acordo com a experiência anterior de cada um/a. Para finalizar essa aula, os/as jovens precisaram criar uma pose estática, inspirada na Ginástica Acrobática, e apresentar para os colegas da turma. Na Figura 1 podemos observar fotos da realização dessas atividades.
Após proporcionar vivências dos fundamentos das Ginásticas Artística e Acrobática voltamos para a sala de aula e mostramos coreografias de Ginástica para Todos aos/às jovens. Os vídeos dessas apresentações foram retirados do YouTube de eventos relacionados com essa prática corporal e de coreografias elaboradas por alunos/as de outras escolas que ministramos aula. Essa estratégia didática sempre estimula e motiva os/as estudantes do Ensino Médio a criar a sua própria apresentação.
Então solicitamos aos/às alunos/as que elaborassem uma coreografia de Ginástica para Todos contendo, ao menos, dois aparelhos da Ginástica Rítmica, dois fundamentos da Ginástica Artística e uma pirâmide da Ginástica Acrobática. Além desses critérios, os/as jovens precisavam pensar em um tema de “extrema relevância para a sociedade contemporânea” como norteador para a elaboração dessa coreografia.
Nesse contexto, estudantes e professor, como mediador do processo, passaram a sistematizar juntos uma apresentação de Ginástica para Todos. Mostraremos registros realizados pelo docente durante o processo de criação das coreografias em diferentes ambientes das escolas.
Normalmente, utilizamos oito aulas para criar a coreografia com os alunos, sendo que é nesse momento que o professor auxilia os/as jovens na realização de alguns movimentos específicos, pensa junto com eles os temas que irão nortear a coreografia, escolhe a música e faz registros de todo o processo de criação dos/as discentes.
Nos últimos três anos, os/as estudantes desse ciclo de escolarização têm nos surpreendido positivamente na elaboração das suas coreografias, principalmente pelas temáticas que escolhem para organizar as apresentações. Temas como machismo, racismo, homofobia, violência, doping, religião, lutas de classes sociais, colonização indígena e diminuição da maioridade penal apareceram nas coreografias de Ginástica para Todos.
Após as oito aulas de composição coreográfica e ensaios, os/as alunos/as apresentaram as suas coreografias para os/as colegas da sua turma. Normalmente, solicitamos que algum/a estudante fotografe as exibições, que também são filmadas pelo docente. Enquanto um grupo estava apresentando os outros estavam apreciando, momento também de aprendizado para os alunos, e ao final da aula realizamos um debate sobre os temas que foram desenvolvidos nas apresentações de Ginástica para Todos. A seguir, será possível analisar alguns dos registros realizados durante essas exposições.
Portanto, após todo esse processo educativo, observamos que os/as discentes adquiriram maior conhecimento sobre essa manifestação da cultura corporal, vivenciaram diferentes tipos de Ginástica, criaram uma coreografia de Ginástica para Todos e refletiram sobre temas marcantes da sociedade contemporânea durante a elaboração das suas apresentações.
Achamos importante dizer que esse processo pedagógico nem sempre ocorre de forma tranquila e sem conflitos. Durante essas aulas de Ginástica, já tivemos problemas com alguns/as alunos/as que aprenderam anteriormente que a aula de Educação Física serve para jogar bola ou relaxar da incessante carga de estudos das outras disciplinas que fazem parte do currículo da escola. Todavia, é importante ressaltar que a minoria dos estudantes que resistiu inicialmente em realizar as atividades propostas, quando passou a se envolver, desenvolveu apresentações muito interessantes.
Outro ponto de extrema relevância a ser discutido é que o professor que organiza essas experiências pedagógicas com Ginástica não foi atleta dessa modalidade e teve seu primeiro contato com os movimentos dessas práticas corporais durante a sua formação inicial. Mencionamos isso porque muitos docentes de Educação Física relatam ter dificuldades em ensinar algumas práticas corporais na escola por falta de vivência dos movimentos dessas modalidades. Para superar essas dificuldades, utilizamos diferentes recursos didáticos e organizamos as nossas ações pedagógicas respeitando o nível de habilidade motora e as experiências de vida dos jovens, possibilitando vivências e reflexões que contribuam para a formação de cidadãos acima de tudo.
Temos solucionado o problema da falta de materiais de Ginástica nas escolas criando recursos alternativos e, quando não temos caixa de som, utilizamos os aparelhos celulares e/ou de música dos/as próprios/as estudantes para que eles/as treinem e apresentem as suas coreografias de Ginástica para Todos.
Sendo assim, mesmo com todas as dificuldades relatadas, é possível garantir que os jovens do Ensino Médio sejam participantes ativos nas aulas de Educação Física, organizando as suas próprias coreografias de Ginástica para Todos, e expressando suas opiniões sobre temas relevantes para a sociedade e necessários de serem discutidos na escola, por meio da linguagem corporal.
DIÁLOGOS ENTRE A ESCOLA E A UNIVERSIDADE: reflexões sobre a experiência pedagógica com ginástica no ensino médio
Diversos aspectos relatados nesse estudo apresentam correlações com as pesquisas desenvolvidas academicamente. Destacamos a relação entre a formação universitária inicial de professores de Educação Física e a Ginástica como uma escolha para a Educação Física Escolar.
Há de se considerar que os conteúdos ginásticos muitas vezes não são apontados como os de preferência na Educação Física Escolar por este não ser um conteúdo aprofundado na formação universitária, por não termos muitas vezes professores especialistas ministrando essas disciplinas e consequentemente formando professores que entendem a Ginástica de uma forma reduzida e pouco prazerosa (CARRIDE et al., 2017), o que gera um distanciamento dos futuros professores e consequentemente de seus futuros alunos. Nunomura, Carbinatto e Carrara (2013) apontam este problema para a Ginástica Artística, mas que poderia ser discutido para todas as práticas gímnicas. A formação insuficiente para trabalhar com Ginástica oferecida na maioria das instituições de ensino superior cursadas pelos professores de Educação Física é constatada pelos autores, que afirmam que a grade curricular dos cursos de graduação não atende às necessidades de conhecimento para atuar na modalidade, no caso a Ginástica Artística.
Similarmente, Barbosa-Rinaldi e Cesário (2010) apontam a mesma situação para a Ginástica Rítmica, comentando que os cursos de Ensino Superior em Educação Física preocupam-se mais em apresentar os movimentos característicos das modalidades do que transferir esse conteúdo para propostas que “ensinem a ensiná-los”. Esta situação pode ser transferida para discussões sobre outras modalidades e práticas ginásticas de forma ainda mais agravada, uma vez que encontramos quadros de uma quase invisibilidade das outras modalidades competitivas nas universidades, como a Ginástica Acrobática, a Ginástica Aeróbica e a Ginástica de Trampolim.
Especificamente sobre a Ginástica para Todos, Patrício (2016) indica que esta prática vem sendo trabalhada no Ensino Superior, embora ainda de maneira tímida, tendo sido encontrada na matriz curricular de 13 dos 40 melhores cursos de Educação Física do país, segundo o Ranking Universitário Folha (2015).
Sobre a formação do profissional de Educação Física, Barbosa-Rinaldi (2005, p. 15) completa:
Embora disciplinas gímnicas façam parte dos cursos de formação profissional em Educação Física desde a criação do primeiro curso no Brasil, os currículos parecem não ter acompanhado a dinâmica da construção histórica do universo de conhecimento da área da Ginástica. Encontramos, em geral, nos dias de hoje, nos currículos, disciplinas que não permitem abordar todos os campos de atuação da Ginástica, mesmo que sem aprofundamento. É importante que os acadêmicos (futuros profissionais) tenham a oportunidade de conhecer, refletir e contextualizar a área de conhecimento da Ginástica que foi produzida ao longo dos tempos de forma a contribuir para que possam ter autonomia na continuidade de seu processo de formação ao longo da vida e permitir que seus alunos também conheçam, reflitam e contextualizem a Ginástica.
Sendo assim, propostas empenhadas em trabalhar a Ginástica na escola, como a apresentada nesse estudo, ganham ainda mais importância em sua divulgação, uma vez que contribuem para a formação continuada de professores de Educação Física, servindo como fonte de conhecimento, troca de experiências entre profissionais que atuam diretamente na escola e inspiração.
Além do problema da formação inicial de professores de Educação Física, ainda há a situação da Ginástica como conteúdo da Educação Física Escolar. A Ginástica, que passou a ser conteúdo da Educação Física Escolar no Brasil no século XIX com a finalidade de educar física e moralmente os/as alunos/as para a ordem e a defesa da pátria (AYOUB, 2013), é comumente tratada na atualidade apenas em suas formas esportivizadas, ou seja, as suas modalidades competitivas oficiais, assim como os demais temas da Educação Física Escolar. Propostas que extrapolem esse grupo de práticas ginásticas, com a discussão de Ginástica de condicionamento e Ginástica para Todos, são potencialmente emancipatórias e permitem a apropriação da Ginástica, como fenômeno a ser estudado, compreendendo-a de forma ampla e plural. Nas palavras de Ayoub (2013, p. 85):
Significa respeitar as nossas alunas e alunos e instiga-los a aprofundar a reflexão sobre a cultura corporal com a rigorosidade metódica necessária para a passagem da “curiosidade ingênua” à “curiosidade epistemológica” (Freire, 1997, p. 28-33). Significa, ainda, levar em conta as suas experiências e interesses, sem abrir mão da responsabilidade de possibilitar que as nossas alunas e alunos “[...] terminem o ensino fundamental e médio com competência para apreender as possibilidades e os limites da expressão corporal enquanto linguagem no tempo histórico” (SOARES, TAFFAREL; ESCOBAR, 1992, p. 219).
A Ginástica de condicionamento físico é o maior campo de atuação do universo que a Ginástica compreende, com muitas práticas, objetivos e materiais a serem utilizados, ofertadas em diferentes contextos. Para Schiavon, Toledo e Ayoub (2017), este é um tipo de Ginástica que possui grande potencial para propiciar uma convivência com a Ginástica para toda a vida, especialmente a partir da adolescência. Do ponto de vista social, atualmente, tem-se um quadro de manipulação da imagem do corpo, fortemente exercida nos meios de comunicação, que incansavelmente tenta estabelecer padrões estéticos, desenvolvendo uma ditadura do corpo, “trabalhado arduamente e do qual os vestígios de naturalidade sejam eliminados” (SCHIAVON; TOLEDO; AYOUB, 2017, p. 221).
Evidenciamos, desse modo, o papel do profissional da área da Educação Física na compreensão sociológica do que está sendo vivido e que se deseja viver, na perspectiva de colaborar para o processo de conscientização do sujeito acerca de suas escolhas e sentidos, antes, durante e após a prática da Ginástica (SCHIAVON; TOLEDO; AYOUB, 2017, p. 222).
Além do foco proporcionado para a Ginástica de condicionamento físico, encontramos um bom exemplo de trabalho com a Ginástica para Todos e de modalidades ginásticas competitivas (Artística e Rítmica, especialmente, nessa proposta).
A Ginástica para Todos pode ser entendida como “uma manifestação da cultura corporal que possibilita um diálogo entre as diversas expressões da Ginástica, numa perspectiva lúdica, criativa, participativa e inclusiva” (GRANER; AYOUB, 2016, p. 98).
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Vale ressaltar as observações de Pérez Gallardo (2008, p. 64) a respeito da Ginástica para Todos no Brasil. Em nosso país, a Ginástica para Todos possui um sentido pedagógico, sendo um
espaço de vivência de valores humanos que possibilita a apropriação dos elementos da cultura corporal considerados relevantes pelo grupo social, com o objetivo de aumentar os recursos motores que permitam interagir de melhor forma com as pessoas as quais fazem parte da comunidade à qual o participante pertence.
A construção coreográfica coletiva também é uma comumente adotada pelos grupos de Ginástica para Todos no Brasil, proposta desenvolvida e adotada pelo Grupo Ginástico Unicamp (PÉREZ GALLARDO; SOUZA, 1995). Chaparim (2008, p. 82) afirma que “as sugestões e a interação dos praticantes tornam a composição coreográfica um lindo mosaico, em que cada um contribui com um pouco de si, de sua criatividade, de sua visão do belo, de seus valores e de sua cultura”, o que foi constatado pelos grupos participantes da experiência relata nesse texto. Assim, “apesar de ter na composição coreográfica o seu produto final e “ponto culminante” sua essência é primar para um processo de construção, aula a aula, no qual o executante torna-se protagonista da mesma (STANQUEVISCHI; MARTINS, 2006, p. 79)”.
Não apenas no Ensino Médio, mas em todos os níveis de ensino escolar, Pérez Gallardo (1997, p. 82) salienta a importância de propiciar aos educandos atividades que vivenciem os valores humanos como a criatividade, a curiosidade, o respeito às normas do grupo e às leis da sociedade, a crítica e o fornecimento de soluções dos problemas que se criticam e a disponibilidade para estar a serviço do grupo, e não o grupo a serviço do indivíduo. E, assim como destacam Graner e Ayoub (2016), a construção coreográfica não se torna uma proposta sem significado, de reprodução de uma sequência de movimentos, mas sim uma tarefa fundamentada em estudos, pesquisas e experimentações que a façam um trabalho crítico e coletivo.
Como todos os argumentos discutidos, a proposta apresentada pelo docente de Educação Física nesse estudo constitui-se um exemplo significativo do que as pesquisas acadêmicas da área aspiram, inspiram e divulgam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como indica Murbach (2017) sobre o contexto escolar, pesquisas apontam, em especial após a década de 1990, para um distanciamento na Educação Física escolar dos conteúdos relacionados à Ginástica. Os motivos para esse fato variam desde a inadequada infraestrutura das escolas até a formação inicial profissional deficiente. No entanto, tal situação vem sendo alterada por diferentes iniciativas (CARRIDE et al., 2017; MURBACH, 2017), inclusive ligadas ao novo Currículo do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2008), que incentiva a inclusão da Ginástica entre os conteúdos a serem desenvolvidos na escola.
Porém, mais do que trabalhar a Ginástica no contexto escolar, destacamos a importância das discussões sobre como ela é desenvolvida e construída com os(as) alunos(as). Isso porque, como afirmam Leonardi e colaboradores (2014, p. 43), “além de ensinar uma determinada prática esportiva, o esporte pode ser um facilitador para a formação integral do indivíduo (LEONARDI; GALATTI; PAES, 2009), capacitando-o para ser cidadão crítico no mundo em que se insere (SCAGLIA, 1999)”. Esse impacto positivo do ensino do esporte ou das práticas gímnicas em nosso caso, no entanto, dependerá da proposta metodológica de ensino-vivência-aprendizagem proposta pelo(a) professor(a) de Educação Física.
É preciso, portanto, ter um novo olhar acerca do fenômeno esportivo e gímnico, vendo-o como uma alternativa para todos os cidadãos (PAES; BALBINO, 2009), promovendo a integração dos(as) alunos(as) e proporcionando discussões emancipadoras e que promovam a discussão de assuntos primordiais para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e harmônica.
A proposta apresentada nesse ensaio tem justamente esse papel educativo. O esforço em alinhar as discussões acadêmicas com a realidade do “chão da escola” também atinge o objetivo de fomentar tanto os estudos nas universidades, com dados e resultados que mostram as propostas discutidas em sua prática, assim como mostrar aos(às) professores(as) de Educação Física exemplos vivos do desenvolvimento dos princípios sugeridos em propostas teóricas. Unindo esforços, tendo compromisso e boa vontade, as aulas de Ginástica na escola, assim como de outros conteúdos, podem ser realizadas com significado, de forma interessante e prazerosa.