INTRODUÇÃO
As formas de manifestação do esporte emergem conforme o ambiente de prática, a modalidade da prática e o sentido da prática (MARQUES; GUTIERREZ; ALMEIDA, 2008). No Brasil, o esporte pode ser entendido também por meio de suas manifestações e níveis de rendimento, segundo a Lei Federal 9615/1998, em âmbito educacional, de participação, de rendimento e de formação (BRASIL, 1998). No contexto nacional, o handebol é o 10º esporte mais praticado (Diagnóstico Nacional do Esporte - BRASIL, 2013), no qual o ingresso na modalidade se dá preponderantemente na escola, clubes e associações esportivas.
No Brasil há atualmente 4595 programas de pós-graduação (PPG’s) em diversas áreas de avaliação (considerando cursos avaliados e reconhecidos), na região Sudeste se concentra o maior número de programas (2.001), seguida da região Sul (985), Nordeste (948), Centro-Oeste (387) e Norte (274). Para avaliar os cursos, a fundação do Ministério da Educação (MEC) delega essa ação à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES, que atribui um conceito entre A, 3, 4, 5, 6 e 7, pautando-se no desempenho em níveis de mestrado e doutorado (CAPES, 2019). Conforme estrutura organizacional da CAPES, a denominada “Área 21” conta atualmente com 81 PPG’s (CAPES, 2021) reconhecidos e avaliados, e engloba três subcampos: Educação Física; Fisioterapia e Terapia Ocupacional; Fonoaudiologia, que são divididos em programas de graduação e pós-graduação.
A produção no campo de conhecimento da EF pode ser agrupada, em princípio, nas áreas biodinâmica, pedagógica e sociocultural, nas quais se encontram estudos relacionados com as modalidades esportivas coletivas, como o handebol, o basquetebol e o futsal. Estudos sobre o handebol se debruçaram na investigação de aspectos relacionados ao processo de ensino-aprendizagem por meio de revisões (CAGLIARI et al., 2020; KRAHENBÜHL et al., 2018) ou por meio de estudos empíricos envolvendo equipes e treinadores (DALLEGRAVE; MENDES; NASCIMENTO, 2018; MENEZES, 2018). Um dos meios utilizados para identificar o panorama produtivo sobre determinado assunto é a revisão sistemática, que parte de uma pergunta pré-definida e utiliza métodos sistemáticos para buscar, identificar, selecionar, avaliar, coletar e analisar os dados de pesquisas no escopo da temática (GALVÃO; PANSANI; HARRAD, 2015; SAMPAIO; MANCINI, 2007). Navarro (2011) analisou a produção científica de pedagogia do esporte sobre o handebol, levando em consideração Teses, Dissertações e artigos científicos disponibilizados na internet e inferiu que o número de Dissertações foi superior ao número de Teses e artigos científicos (considerando as bases de dados consultadas). No entanto, os dados encontrados apresentam diferentes lacunas e se refletem escassos para o escopo tão amplo, por exemplo, em relação aos estudos de ensino-aprendizagem-treinamento e às questões culturais, por exemplo.
Aguilar (2014) realizou uma busca pelos artigos publicados de handebol e observou um crescimento sobre as publicações na área, sendo que a sua maioria em língua inglesa, tendo a Espanha como o país com maior volume de publicações. Prieto, Gómez e Sampaio (2015) realizaram uma revisão sistemática sobre análise de jogo do handebol e concluíram que os estudos envolvendo as partidas de handebol possuem temas mais relacionados ao handebol masculino de alto nível de rendimento. Já a revisão sistemática de Modolo, Beltramini e Menezes (2018) analisou o ensino e análise de jogo do goleiro de handebol por meio de artigos indexados em diferentes bases de dados, e revelou um interesse recente no contexto brasileiro e mundial, com uma preferência maior à análise de jogo em detrimento do ensino, além do maior volume de publicações com equipes masculinas de alto nível de rendimento. Esses estudos revelaram, de maneira geral, lacunas concernentes às etapas de formação de jogadores de handebol.
No âmbito escolar brasileiro, Krahenbühl et al. (2018) reuniram os artigos relacionados ao handebol em aulas de educação física escolar e observaram o interesse por temas como habilidades motoras, métodos de ensino e desempenho dos alunos, com a maioria desses oriundos das regiões Sul e Sudeste. Cagliari et al. (2020) analisaram a temática referente ao ensino do handebol em 10 periódicos nacionais e identificaram a predominância da área pedagógica, bem como uma lacuna inerente aos estudos com handebol nas aulas de educação física escolar.
Apesar do interesse pelo handebol ser crescente no meio acadêmico, esses estudos mostraram importantes lacunas, dentre elas as temáticas investigadas no âmbito da Pós-Graduação nacional. Desta forma, os objetivos desta revisão foram a) mapear o panorama de teses e dissertações no Brasil que se apropriaram do handebol como único objeto de estudo e b) identificar os assuntos mais abordados ao longo do tempo na área pedagógica.
MÉTODO
Desenho
Esta revisão sistemática foi realizada por meio das diretrizes estabelecidas pelo PRISMA (PreferredReportingItems for Systematic Reviews and Meta-Analyses), caracterizada pela realização de uma busca pré-definida por critérios aplicáveis e claros, para a apresentação dos resultados de acordo com as características dos achados (HIGGINS; GREEN, 2008).
Critérios de Inclusão
A análise se pautou nos produtos (teses e dissertações) disponíveis no portal da CAPES, agência vinculada atualmente ao Ministério da Educação, em busca realizada em abril de 2021. Na etapa inicial a preocupação consistiu em mapear todos os estudos que, de alguma forma, abordaram o handebol, independentemente de analisar outras modalidades. Desta forma, se inseriram os descritores “handebol”, “handball”, “balonmano” e “andebol” com objetivo de alcançar o maior número possível de publicações. Destaca-se, no entanto, que algumas teses e dissertações podem não ter sido selecionadas pelo fato de ainda não terem sido cadastradas na plataforma Sucupira até a data de conclusão do estudo.
Após a busca inicial foram encontrados 198 estudos com o descritor “handebol”, 89 com o descritor “handball” e nenhum com os descritores “balonmano” e “andebol”. Excluindo-se as duplicatas, foram totalizadas 170 Dissertações de Mestrado e 36 Teses de Doutorado. Como este estudo procura analisar um panorama inerente ao handebol no âmbito da Pós-Graduação no Brasil, o critério de inclusão foi abordar exclusivamente os trabalhos direcionados ao handebol como objeto de estudo. Foram excluídos os trabalhos que abordaram outras modalidades além do handebol como temática principal. Ao final do processo de organização e tabulação dos dados encontrados, seguindo o critério de inclusão, a amostra abarcou por 90 produtos (77 dissertações - 85,6% - e 13 teses - 14,4%).
Tabulação e Organização dos Dados
Para a organização, análise e discussão dos resultados se concebeu uma planilha que reuniu as seguintes informações: a) autor(a); b) ano; c) título; d) universidade; e) programa de pós-graduação; f) nível (Mestrado - M -, ou Doutorado - D); g) área; e h) região do país. Os trabalhos foram caracterizados em relação às três subáreas de conhecimento propostas por Manoel e Carvalho (2011): biodinâmica, sociocultural e pedagógica. Para caracterizar os estudos da área pedagógica foram utilizados critérios de acordo com o tipo de pesquisa (qualitativo/quantitativo), instrumentos utilizados e as estruturas propostas por Marques (2007): esporte escolar, esporte de lazer e esporte de alto rendimento.
Os resultados se referiram aos estudos publicados ao longo do tempo, à região do país à qual se localizada a Universidade de origem e às áreas do conhecimento, os quais foram apresentados com base na estatística descritiva. Para a estatística inferencial, utilizamos o Qui-quadrado, com nível de significância fixado em p < 0,05, para comparar a frequência de registros entre categorias. De forma subsequente, foram apresentados e analisados de maneira qualitativa todos os estudos que se referiram à subárea pedagógica de acordo com as estruturas propostas por Marques (2007).
As estruturas propostas por Marques (2007) são Esporte Escolar; Esporte de Lazer; Esporte de Alto Rendimento. É possível observar trabalhos que estão inseridos numa categorização que Gonçalves et al. (2019) trazem em seu Modelo Teórico-Explicativo Multidimensional de Favorecimento ao Desenvolvimento de Conteúdos Pedagógicos no Esporte Infantojuvenil. Através disso, conteúdos como o desenvolvimento técnico-tático (desenvolvimento de habilidades motoras e desenvolvimento estratégico-tático) estão alocados na estrutura Esporte de Lazer. Assim sendo, embora haja certo contraste com aquelas estabelecidas pela Lei Federal 9615/1998 (BRASIL, 1998), todas as formas de manifestação estão contempladas.
RESULTADOS
A busca no banco de teses e dissertações do portal da CAPES revelou 90 estudos entre 1987 e 2020 (34 anos), dos quais observou-se um número maior de dissertações (n=77) do que de teses (n=13), com diferença significativa x² (1) = 45,5, p < 0,001. Na Figura 1 estão apresentados os números de dissertações e teses publicadas ao longo do período analisado.
Observa-se uma predominância, por ano, de número de dissertações em comparação às teses, com exceção de 2011 (maior número de teses), 1995, 2012 e 2014 (que apresentaram a mesma frequência).
A Figura 2 apresenta os números absolutos e percentuais dos estudos em cada subárea nas quais foram classificados. Foi possível observar a predominância de trabalhos na área biodinâmica (x² (2) = 12,2, p = 0,002), ao passo que não foi encontrada associação entre o tipo (Dissertação ou Tese) e a área (x² (2) = 1,6, p = 0,442).
Especificamente na Área Pedagógica foi possível identificar diferença significativa (x² (1) = 11,6, p = 0,001) entre Dissertações (80,6%) e Teses (19,4%) defendidas. A Figura 3 apresenta a quantidade e a porcentagem de trabalhos por região do país, na qual é possível identificar estudos provenientes de universidades de todas as regiões do Brasil, com destaque para as regiões Sudeste e Sul, x² (4) = 187,8, p < 0,001.
A Figura 4 apresenta as teses e dissertações por área e por região do país, na qual evidenciam-se as diferenças mencionadas anteriormente.
A análise dos trabalhos da área pedagógica envolvendo o handebol revelou diferença significativa em relação às regiões do Brasil (x² (3) = 32,9, p < 0,001). Adicionalmente, foi identificada predominância de pesquisa qualitativa (29), quando comparada à quantitativa (2), (x² (1) = 23,5, p < 0,001).
Os quadros 1, 2 e 3 mostram, em detalhes, os trabalhos de acordo com o contexto que está inserido (escolar, lazer ou alto rendimento), a amostra foi categorizada: Professores(as) (englobando contexto escolar, de qualquer faixa etária); Professores(as) universitários; Alunos(as) (contexto escolar de qualquer faixa etária); Alunos(as) universitários(as); Comissão técnica (representado por treinadores(as) principais e auxiliares de equipes competitivas do contexto escolar, de clubes e/ou prefeituras); Atletas (representado por atletas no contexto competitivo escolar, de clubes e/ou prefeituras); Árbitros(as) (de qualquer contexto); Documentos (de qualquer natureza como regulamentos, acervos, etc); Vídeos (de qualquer natureza e/ou categoria).
A caracterização dos tipos de pesquisa revelou que a maioria dos trabalhos encontrados na área pedagógica possui caráter qualitativo (93,5%) em relação ao quantitativo (6,5%). A entrevista semiestruturada foi o instrumento mais utilizado dentre as pesquisas qualitativas, enquanto as baterias de testes dentre as quantitativas. Partindo das definições do esporte através das suas formas de manifestação e sentido da prática, os estudos mostram que nos três âmbitos os trabalhos são divididos, não havendo predominância de um deles.
DISCUSSÃO
No estudo o objetivou-se mapear na base de dados de teses e dissertações da CAPES os trabalhos que abordaram exclusivamente o handebol como objeto de estudo, além de identificar na área pedagógica os principais pontos apresentados nos trabalhos. Identificou-se que o interesse pelo tema cresceu a partir de 2002 e alcançou picos em 2005 e 2018, apesar de apresentar alguns períodos de diminuição de trabalhos.
Esse período coincide com o crescimento científico do Brasil, com a titulação expressiva de mestres e doutores em diferentes grandes áreas do conhecimento, projetando a pós-graduação em âmbito mundial, além de se implementar paralelamente o processo de avaliações periódicas para o controle da qualidade acadêmica e desempenho dos programas (BALBACHEVSKY, 2005). Tais avaliações são realizadas pela CAPES, que expande e consolida a pós-graduação stricto sensu (Mestrado e Doutorado) em todos os programas nos Estados do Brasil.
Os anos de 2005, 2016, 2017 e 2018 podem ser considerados os mais produtivos no período de 32 anos, mesmo apresentando oscilações entre seus intervalos (em 2007, 2011, 2012 e 2013). As dissertações apresentaram aumento a partir de 2005, enquanto as teses oscilam em menor volume a partir de 2011. O crescente número de trabalhos a partir de 2016 corrobora a estimativa da CAPES em relação ao número de PPG’s no Brasil o que, consequentemente, aumenta quando aumenta o número de alunos matriculados e titulados (CAPES, 2016; 2017).
Considerando a “Área 21” há atualmente (maio/2021) 81 PPG’s nas áreas de Educação Física (n=39), Fonoaudiologia (n=12) e Fisioterapia e Terapia Ocupacional (n=30),. Desses, 36 oferecem apenas Mestrado Acadêmico, quatro oferecem apenas Mestrado Profissional, 40 oferecem Mestrado e Doutorado Acadêmico e um oferece Mestrado Profissional e Doutorado Profissional. Já em relação aos cursos de Pós-Graduação oferecidos na área 21 o montante é de 122 (76 cursos de Mestrado Acadêmico, 40 de Doutorado Acadêmico, cinco de Mestrado Profissional e um de Doutorado Profissional).
O cálculo do número de PPG’s por região do país na Plataforma Sucupira (CAPES, 2021) indica a predominância da região Sudeste (n=38), seguida pelas regiões Sul (n=18), Nordeste (n=16), Centro-Oeste (n=7) e Norte (n=2). Destaca-se que foram considerados para o cálculo os PPG’s na área de Educação Física, Fonoaudiologia e Fisioterapia e Terapia Ocupacional. O número de cursos oferecidos seguiu a mesma tendência dos dados mostrados anteriormente, e estão assim distribuídos por regiões: 62 na Sudeste, 29 na Sul, 19 na Nordeste, 10 na Centro-Oeste e 2 na Norte. Esses resultados auxiliam no entendimento das diferenças regionais encontradas no número de produtos oriundos de cada região (Figura 3). Especificamente na área da Educação Física são 39 PPG’s, dos quais 16 oferecem apenas Mestrado Acadêmico, 2 que oferecem apenas Mestrado Profissional, 20 que oferecem Mestrado e Doutorado Acadêmico e 1 que oferece Mestrado Profissional e Doutorado Profissional.
Nesse contexto, é minimamente importante relativizar as comparações entre a quantidade de cursos oferecidos pelos PPG’s de cada região e as dissertações/teses produzidas em suas universidades. Esse cálculo revela que a região Sudeste apresenta o índice de 1,1 (69 produtos e 62 cursos), as regiões Sul e Norte possuem índice de 0,5 (15 produtos e 29 cursos; 1 produto para 2 cursos, respectivamente) e as regiões Nordeste e Centro-Oeste com índice de 0,2 (3 produtos e 19 cursos; 2 produtos e 10 cursos, respectivamente). Obviamente ao se realizar esse cálculo não é considerado o tempo de existência de cada PPG, o que pode revelar direcionamentos futuros para outras ponderações. Ao analisar apenas os PPG’s da Educação Física e os produtos da área pedagógica outras discrepâncias podem ser verificadas: a região Sudeste possui 28 cursos e 21 produtos (razão de 0,75), a região Sul possui 17 cursos e 7 produtos (razão de 0,41), a região Centro-Oeste possui 6 cursos e 2 produtos (razão de 0,33), a região Nordeste possui 8 cursos e 1 produto (razão de 0,13) e a região Norte não apresentou produtos.
Além do oferecimento de um número maior de PPG’s, o aumento pelo interesse e pesquisas no handebol pode estar ancorado nos seguintes aspectos: a) em 2013 a equipe feminina brasileira sagrou-se campeã mundial, o que pode ter impulsionado o interesse pelo tema (a partir de 2014 notou-se um aumento do número de trabalhos); b) se levarmos em consideração competições como a Liga Nacional masculina e feminina, a maioria dos títulos (campeões e vice-campeões) foi conquistada por equipes paulistas. Esses aspectos podem reforçar a proeminente posição ocupada pela região Sudeste nos trabalhos sobre o handebol.
As teses e dissertações foram classificadas de acordo com a proposta de Manoel e Carvalho (2011), o que revelou maior frequência de estudos na área biodinâmica, o que pode ser decorrente de tal área conter disciplinas e linhas de pesquisas mais tradicionais e oriundas das ciências naturais. A aproximação entre a educação física brasileira e a norte-americana também pode ser uma justificativa dessa predominância, visto que a matriz epistemológica é a cinesiologia (MANOEL; CARVALHO, 2011). Este fato corrobora os achados de outros autores que encontraram maioria de estudos relacionados à Área 21 na área biodinâmica e menores proporções nas áreas sociocultural e pedagógica (CORRÊA; CORRÊA; RIGO, 2019; LOPEZ; SILVEIRA; STIGGER, 2016; MANOEL; CARVALHO, 2011), assim como daqueles que encontraram essa predominância em revisões sistemáticas (AGUILAR, 2014; PRIETO; GÓMEZ; SAMPAIO, 2015).
No Brasil há diferentes fatores que podem contribuir para a diferença entre o volume de trabalhos nas áreas investigadas (maior interesse pela biodinâmica em detrimento do menor interesse nas áreas sociocultural e pedagógica). Fatores como o número menor de periódicos nacionais para publicação nas áreas pedagógica e sociocultural (CORRÊA; CORRÊA; RIGO, 2019; MANOEL; CARVALHO, 2011) e a forma de avaliação proposta pela CAPES que pode levar a avaliações menos qualificadas nessas áreas (e menores pontuações, dados os critérios de avaliação), se apresentam como possíveis explicações para os achados deste estudo.
Quando é observada a relação entre quantidade de cursos (Mestrado e Doutorado) de acordo com as regiões (considerando que há regiões com cursos mais recentes no âmbito da Pós-Graduação) e as áreas de conhecimento (figura 4), ainda é possível comprovar a disparidade do número de PPG’s da área biodinâmica em relação às áreas sociocultural e pedagógica e, também, o maior número de Dissertações em relação a Teses. A partir de 2016 foi observado maior interesse pela área pedagógica nas regiões Sul e Sudeste, além de maior número de dissertações no Sul e Norte quando comparada à área biodinâmica. Os trabalhos na área sociocultural são em sua grande maioria oriundos do mestrado na região Sudeste.
O tema de maior interesse na área pedagógica se referiu ao processo de ensino-aprendizagem em contextos variados (escolar, de lazer e rendimento), corroborando os achados de Navarro (2011). Existe uma lacuna de trabalhos entre os anos 1997 e 2001, mas com aumento a partir de 2002. No contexto escolar foram encontrados dez estudos, nos quais cinco deles investigaram alunos e/ou professores do Ensino Médio (BRASIL, 2016; LUCCA, 2019; MAZZARDO, 2018; RIBEIRO, 2006; SANTOS, 2002), quatro sobre alunos do ensino fundamental (CAGLIARI, 2018; PINHO, 2009; SILVA, 2017; SILVA, 2020) e um com estudantes de diversas faixas etárias (PINTO, 2005).
Os resultados mostraram que o ensino nesse contexto possibilita transmitir valores e atitudes, cujas ações delineadas oferecem a oportunidade de identificar o papel e o significado da prática pedagógica (SANTOS, 2002). No que tange ao ensino-aprendizagem, a utilização de um método permeado por atividades lúdicas para desenvolvimento das habilidades específicas do handebol (PINTO, 2005) e a utilização dos modelos atuais de Pedagogia do Esporte utilizando as TIC (tecnologias da informação e comunicação) como ferramentas (CAGLIARI, 2018) apresentaram-se positivos, assim como um método de ensino centrado nas capacidades táticas (situacional) foi eficaz para o desenvolvimento do conhecimento tático processual de estudantes de 10 a 12 anos (PINHO, 2009). A utilização do Teaching Games for Understanding (TGfU) contribuiu para o desenvolvimento dos alunos, porém quando agregada a um programa específico de coordenação motora não elevou o nível de habilidade técnica (MAZZARDO, 2018). Já o modelo Sport Education pode ser utilizado como ferramenta pedagógica que proporciona experiências positivas através da vivência autêntica dos esportes, saberes da cultura corporal e promove a autonomia e responsabilidade dos discentes (SILVA, 2020). Quando atrelado ao uso das TIC o referido modelo foi positivo no processo de ensino-aprendizagem, além de promover experiências esportivas e aumentar a participação e motivação de alunos nas aulas de Educação Física escolar (LUCCA, 2019).
O conhecimento tático declarativo a partir da observação de jogos proporcionou aprendizagem e desenvolvimento dos alunos (SILVA, 2017). As competições, outro tema abordado, também podem auxiliar no processo de desenvolvimento esportivo, proporcionando um ambiente de comparações técnicas, ações coletivas benéficas para o progresso da equipe, a tolerância e a compreensão (RIBEIRO, 2006). De maneira geral, a autoavaliação e a comparação da aprendizagem prévia com o que foi desenvolvido ao longo do processo são recursos avaliativos que contribuem para o estudo do jogo esportivo, além de possibilitar reflexão sobre a responsabilidade do ensino que recai sobre o professor e também sobre a busca de aprendizado do aluno (BRASIL, 2016).
Foram encontrados onze estudos na área de handebol na perspectiva do lazer e/ou formação esportiva. Os estudos dessa área estão relacionados a aspectos como a participação em competições e os métodos de ensino preconizados pelos treinadores. Oito estudos possuem o foco no handebol nas categorias de base (DAL’COL, 2019; DALLEGRAVE, 2017; GRECO, 1995; LEONARDO, 2018; MENDES, 2006; MODOLO, 2018; MUSA, 2019; MADEIRA, 2020), dois estudos estão relacionados ao processo de ensino (TERRA, 1996) e programa de extensão proporcionado pela Universidade (RODENBUSCH, 2009), além de um trabalho sobre políticas públicas (GIRARDI, 2017).
As alterações nos regulamentos específicos das categorias de formação são importantes para o desenvolvimento do jogador de handebol, porém priorizam variáveis de desempenho em relação à aprendizagem, mesmo em competições modificadas (LEONARDO, 2018). Sobre os métodos de ensino, a ênfase exclusiva na técnica não contribuiu para o conhecimento tático do jogador na categoria sub-14 (MENDES, 2006), enquanto a priorização do comportamento tático durante os treinamentos influenciou positivamente o processo de aprendizagem e rendimento dos jogadores a partir de 10 anos, o que pode ser transferido para o ensino em diferentes contextos (GRECO, 1995 - em estudo misto - qualitativo e quantitativo). Outro aspecto verificado em entrevistas com treinadores foi a distribuição de conteúdos específicos do handebol ao longo das categorias, que mostrou características peculiares (MUSA, 2019), especialmente em relação à valorização dos aspectos cognitivos e de tomada de decisão nas categorias sub-14 e sub-16 (MADEIRA, 2020).
Durante os jogos e competições da categoria sub-16 os treinadores utilizam ações técnico-táticas (DALLEGRAVE, 2017) e no processo de ensino-aprendizagem do goleiro, priorizam o desenvolvimento de repertório motor amplo que facilite o aprendizado das técnicas específicas exigidas pelo jogo (MODOLO, 2018). Na categoria sub-18 a postura dos jogadores dentro dos espaços de treinamentos e jogos está pautada nos valores aprendidos nos espaços escolares (DAL’COL, 2019).
A prática do handebol possibilitou a reflexão e a construção crítica teórico-prática para os alunos de graduação em Educação Física (TERRA, 1996) e a criação de novas soluções para as situações-problemas por mulheres adultas (RODENBUSCH, 2009). Considerando ações para pessoas com deficiência intelectual, as oportunidades de lazer possuem um falso discurso de lazer, tornando as políticas públicas inexpressivas (GIRARDI, 2017).
No alto rendimento foram encontrados dez trabalhos. Três trabalhos foram realizados com treinadores (CALEGARI, 2002; CASTRO, 2013; MENEZES, 2011), três com análise documental (AMORIM, 2017; CAMARGO, 2016; UEZU, 2014), dois com atletas (LIMA, 2018; SIMÕES, 1987), um com experts e atletas (LEÃO, 2015) e um com profissionais de comunicação e equipes de handebol (SAAR, 2016). Atualmente é comum que alguns clubes de rendimento busquem recursos e patrocínios por meio de bolsas em universidades, para que o atleta concilie o rendimento acadêmico e o esportivo. Porém, as Universidades pouco exploram a imagem vitoriosa do handebol de alto rendimento como meio estratégico de divulgação (SAAR, 2016).
Os resultados dos trabalhos no contexto do alto rendimento apontaram que, de acordo com os atletas, os treinadores são ineficientes e apresentam comportamento falho na execução de tarefas e/ou nas relações pessoais (SIMÕES, 1987). Para o aprimoramento e capacitação do profissional, o treinador deve superar a dualidade corpo-mente, compreender as relações e interações da prática esportiva e desenvolver o conhecimento necessário (CALEGARI, 2002). A análise documental levou ao conhecimento algumas ações da Confederação Brasileira de Handebol (CBHb) em parceria com Universidades que contribuíram para interações sociais entre professores universitários e propostas para o desenvolvimento do handebol, dentre essas, o aprimoramento profissional dos treinadores (UEZU, 2014). Outra ação desenvolvida pela CBHb, o Encontro Nacional de Professores de Handebol das Instituições de Ensino Superior, também possibilitou a atualização dos docentes sobre alguns temas inerentes ao domínio técnico-tático do handebol (REIS; CASTELLANI, 2012, 2013), bem como convidá-los a intensificar a produção acadêmica e a formulação de estudos em parcerias internacionais. No entanto, esta ação foi destacada no estudo de Reis e Castellani (2012) sob um olhar que apontou fragilidades em relação ao conhecimento das produções mais recentes na área, partindo do emprego equivocado de certos termos e metodologias, e foi ratificado em estudo posterior (REIS; CASTELLANI, 2013). Ainda no âmbito da CBHb, Camargo (2016) verificou que a partir de políticas públicas os recursos da modalidade chegaram a crescer 336%, cujos recursos foram aplicados majoritariamente em atividades de treinamento, competições, manutenção das seleções e suas equipes técnicas.
A análise do jogo e os testes aplicados em treinadores e atletas têm sido bastante utilizados para pautar os treinamentos e jogos de equipes. Para isso, por meio da aplicação do Teste do Conhecimento Tático Declarativo (TCTD) foi possível verificar e identificar fatores para compreender melhor a dinâmica do jogo e apontar as variáveis técnico-táticas relevantes para a análise das fases do jogo (LEÃO, 2015). O desenvolvimento do sistema de análise de jogo torna-se relevante pela possibilidade de quantificar e armazenar um grande número de informações, bem como as possíveis formas de apresentação dessas para os jogadores (MENEZES, 2011).
As situações do jogo a serem superadas demandam o uso da inteligência, dessa forma, a opinião de treinadores(as) é de suma importância no desenvolvimento da inteligência do atleta. Treinadores(as) devem proporcionar ambientes ricos em elementos para que o/a jogador/a consiga se desenvolver, perceber e resolver as situações-problemas, “saber fazer” (CASTRO, 2013). Dentro desse contexto de formação e desenvolvimento de jogadores, a realização dos acampamentos nacionais contribuiu para traçar diretrizes para o desenvolvimento esportivo (AMORIM, 2017), que também são influenciadas pelas características pessoais de atletas, influência contextual e relacionamentos interpessoais (LIMA, 2018).
Os objetivos para a prática do handebol podem, portanto, estar relacionados à recreação, à saúde, à iniciação esportiva ou ao esporte profissional, e se torna importante que essa prática contemple os objetivos do contexto e dos praticantes. Os achados deste estudo mostraram a variedade de temas e contextos relacionados ao handebol, bem como importantes lacunas para inspirar estudos futuros.
Sendo assim, a sugestão que emerge para estudos futuros se relaciona com a abordagem de equipes e clubes do Brasil que participem de competições em diferentes níveis, de modo a revelar um panorama da modalidade em diferentes contextos, faixas etárias, por meio da investigação com diferentes protagonistas (treinadores, atletas, clubes, pais e demais envolvidos). Tais estudos também podem abordar a formação de professores/treinadores e ações dos órgãos regulamentadores para a capacitação desses e para o desenvolvimento da modalidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notório que as revisões sistemáticas podem contribuir para os profissionais e pesquisadores de diferentes áreas de pesquisa, devido às informações científicas consubstanciadas e relevantes tanto para a disseminação do conhecimento quanto para subsidiar a sua aplicação em contexto prático.
Após a busca de trabalhos na plataforma CAPES foi possível notar que a partir de 2002 o tema handebol tem sido mais explorado, tornando um tema recente, mesmo com oscilações durante os anos posteriores. Além disso, o número de dissertações foi superior em relação ao de teses, o que se deve primordialmente ao maior número de PPG’s com mestrado aos que oferecem o doutorado, além de comumente apresentarem número de vagas de mestrado superior às de doutorado, quando há ambos na mesma instituição e/ou PPG. O Sudeste possui mais da metade dos trabalhos encontrados que têm o handebol como objeto de estudo, tendo a biodinâmica como a área de conhecimento mais estudada (devido ao tradicionalismo das disciplinas que compõem a área) seguida pela pedagógica e depois sociocultural (devido à baixa adesão de periódicos nacionais na área e à minoria dos PPG’sdirecionados a essa linha).
Destaca-se como limitação do estudo a falta de trabalhos indexados na íntegra após a aplicação da Plataforma Sucupira (pelo Banco de Teses e Dissertações da CAPES), pois não foi possível ter acesso ao texto completo, somente ao seu resumo. Podemos concluir, de maneira geral, que apesar do handebol ser uma temática pouco explorada pelos PPG’s (exceto no eixo Sul-Sudeste), os achados deste estudo contribuem para identificar um panorama sobre a modalidade e identificar lacunas a serem investigadas em estudos posteriores.