Introdução
Esta pesquisa se voltou para o estudo do planejamento da educação, tendo por foco o Plano Municipal de Educação (PME) das cidades de Recife e de Olinda. No ano de 2014, foi promulgado o Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, para ter vigência por um período de dez anos. Em seu texto ficou prevista a elaboração, pelas municipalidades, dos planos municipais de educação, em sintonia com o PNE.
Como demonstram vários estudos (Mannheim, 1982; Dewey, 1959; Teixeira, 1957; Saviani, 1989; Cury, 2009; Dourado, 2010), o planejamento educacional tem sido considerado, pelas forças progressistas, mesmo situadas em distintas vertentes teóricas, como um fator relevante para a melhoria da qualidade da educação pública, sobretudo quando não é concebido apenas como uma técnica neutra, e sim como um importante instrumento de ação que possibilita a busca por soluções para os problemas, com base em princípios democráticos que orientam a educação, a gestão e as práticas escolares.
Entendemos o planejamento educacional como um dos instrumentos das políticas públicas educacionais; estas, na contemporaneidade, são instrumentos na organização das práticas educativas dos sistemas de ensino, assim como das escolas, sendo as principais referências para a vivência das ações planejadas nas políticas educacionais (Cury, 2009).
Nesse contexto, a retomada da discussão sobre o planejamento da educação no Brasil - após o restabelecimento da ordem democrática que havia sido quebrada com o golpe de 1964 - se concretizou a partir da Constituição Federal (CF) de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, promulgada em 1996, e, consequentemente, configurou-se no primeiro Plano Nacional de Educação (2001-2011) e, em seguida, por meio do segundo PNE (2014-2024), construído em um processo aparentemente mais democrático. Lembramos que a elaboração do PNE é uma determinação da LDB/1996, sendo a União responsável por elaborar esse planejamento em colaboração com os estados, o Distrito Federal e os municípios, como previsto no artigo 9º (Brasil, 1996).
Mediante o atual Plano Nacional de Educação (2014-2024), novas configurações e roupagens foram planejadas para os sistemas de ensino e para a organização das suas respectivas escolas. A referida política de Estado1, como dimensão relevante para os próximos dez anos, prevê que todos os municípios tenham seu PME, configurando-se com base nas metas e nas estratégias propostas no atual PNE (2014-2024).
O planejamento educacional dos municípios para a próxima década, por meio do PME, caso as prescrições e as orientações que foram previstas no PNE sejam seguidas, pode se configurar como um instrumento relevante, especialmente na perspectiva de um planejamento coletivo, democrático e participativo. No cenário brasileiro, o planejamento educacional participativo poderia proporcionar o diálogo entre diferentes atores, mediante o reconhecimento das tensões e da abertura de espaços legítimos para negociações relativas às disputas de caráter social, econômico e cultural que cercam os interesses educacionais.
A consolidação de um PME construído coletivamente tende a representar diferentes segmentos, podendo contribuir para a construção de uma sociedade justa e igualitária ao permitir a ampliação dos níveis de escolarização da população por meio de práticas educativas socialmente referenciadas, fator essencial para essa construção. Considerando o PME como um meio de se pensar a educação, podemos entender o Plano como um “conjunto de informações sistematizadas por meio das quais princípios, objetivos, metas e estratégias apresentam as políticas que devem ser estabelecidas visando atingi-los” (Azevedo, 2014, p. 3).
Nesse sentido, o Plano Municipal de Educação, atendendo aos princípios da gestão democrática, pode se constituir como um instrumento relevante para atender ao desenvolvimento da educação local, e a escola deve ser o principal espaço de concretização das políticas públicas educacionais definidas no planejamento (Azevedo, 2004). Assim, os diferentes atores que formam a instituição são importantes personagens para a consolidação das metas e das estratégias elaboradas no PME.
O objetivo deste texto é evidenciar o planejamento da educação, no âmbito municipal, nas cidades de Recife e de Olinda, a partir da visão de profissionais da gestão escolar (gestor escolar, vice-gestor e coordenador pedagógico). Trata-se de um recorte de uma pesquisa de mestrado, desenvolvida na Universidade Federal de Pernambuco, cuja finalidade foi perceber as repercussões dos Planos Municipais de Recife e de Olinda na visão de gestores escolares.
Cabe sinalizar que a perspectiva apresentada no texto sobre o planejamento é extraída da visão dos gestores participantes. No entanto, destacamos que a comunidade educacional é formada por mais profissionais (professores, pessoal de apoio em geral, pais, responsáveis, pessoas da comunidade local), mas, para atender ao recorte da pesquisa, esses sujeitos não fizeram parte da amostra.
A pesquisa foi realizada por meio de uma abordagem qualitativa, que se caracteriza pelo contato direto que o pesquisador tem com a realidade, ou seja, com o campo a ser pesquisado (Ludke; André, 1986). Desse modo, foi possível apreender as principais concepções das vivências cotidianas do espaço em análise, assim como perceber os desafios e os dilemas que perpassam esse ambiente. Para chegar a esses caminhos, foi necessário que os próprios atores envolvidos no processo se expressassem e dialogassem acerca das experiências, dos embates e dos conflitos vivenciados na escola.
A pesquisa foi executada em dois municípios pernambucanos, Recife e Olinda, e entrevistamos sujeitos de quatro escolas - duas em Recife e duas em Olinda. Os sujeitos entrevistados foram três gestores escolares, quatro vice-gestores e quatro coordenadores pedagógicos, os quais contribuíram para a concepção de planejamento educacional vivenciado em escolas públicas. Os critérios de escolha das escolas se pautaram em duas perspectivas: a primeira diz respeito à participação dos gestores no processo de elaboração do plano municipal de seus respectivos municípios; e a segunda, à disponibilidade de todos os gestores da escola em participar da pesquisa.
Foi utilizada a pesquisa de campo exploratória, tendo em vista que esse tipo de pesquisa tem como objetivo “conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles” ( Marconi; Lakatos, 2015, p. 69). Por meio desse princípio, fizemos uma análise das concepções de gestores escolares da rede pública dos municípios de Recife e de Olinda a respeito do Plano Municipal de Educação e sobre o planejamento no cotidiano escolar, para melhor compreender a realidade das escolas e a sua vivência em relação ao PME.
Com base na perspectiva de Bauer (2010), utilizamos a análise de conteúdo como uma estratégia metodológica para analisarmos os dados obtidos por meio dos documentos examinados, bem como durante as entrevistas, a fim de alcançarmos os objetivos propostos na pesquisa, uma vez que a análise de conteúdo “nos permite reconstruir indicadores e cosmovisões, valores, atitudes, opiniões, preconceitos e estereótipos e compará-los entre comunidades” (Bauer, 2010, p. 202).
O texto está estruturado em duas partes que se completam, além da introdução e das considerações finais. Na primeira, discute-se sobre o atual PNE e os PMEs como referências para a política educacional, uma vez que são políticas de Estado e requerem compromissos no cumprimento de suas metas. Na segunda parte, reflete-se sobre as concepções de planejamento da educação postas nos PMEs de Recife e de Olinda, bem como sobre as concepções de gestores dos referidos municípios.
O Plano Nacional de Educação (2014-2024) e os planos municipais de educação: referências para a política educacional
O PNE corresponde ao planejamento das metas que abrangem todos os aspectos relativos à organização da educação nacional. Esse mecanismo marcou avanços significativos na sociedade brasileira, pois buscou unificar as políticas educacionais, uma vez que apresentou um panorama geral da educação nacional, possibilitando um avanço no modo de pensar as políticas para a educação.
A elaboração do II PNE foi palco de muitas disputas, embates e tensões, uma vez que a sociedade civil organizada e os diversos movimentos da educação estiveram presentes durante todo o processo de elaboração, discussão e aprovação. Sua elaboração foi coordenada pelo Ministério da Educação, que contou com as contribuições dos documentos desenvolvidos a partir das conferências de educação realizadas em todo o território nacional, com a presença de diversos movimentos representativos da sociedade civil.2
Contribuindo com a discussão acerca do PNE, Bordignon (2011, p. 62) destaca:
[...] O PNE é situado no contexto do projeto nacional de desenvolvimento com inclusão social, ou seja: faz parte de uma política nacional de construção de uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva. Neste sentido, estabelece os patamares educacionais nacionais necessários à construção da sociedade preconizada, traduzidos no direito à educação com qualidade social, ações afirmativas e respeito à diversidade, garantidas por uma organização de sistema nacional, com o Conselho Nacional como órgão normativo e o Fórum Nacional como instância de mobilização e participação.
O PNE visa contribuir para a implantação de políticas públicas educacionais que tenham como objetivo a construção de uma sociedade voltada para o desenvolvimento de uma educação capaz de transformar os sujeitos em indivíduos que sejam conscientes de sua participação no processo de tomadas de decisões, construindo uma sociedade justa, igualitária e referenciada socialmente.
Sobre esse aspecto, Marino (2013, p. 180) acrescenta:
A criação do PNE tem como principal objetivo ordenar o planejamento educacional para que algumas metas sejam alcançadas. Tais metas são estabelecidas a partir de estudos feitos para evidenciar os principais problemas da educação do país. Partindo então da situação atual, o PNE tende a modificá-la a partir do ordenamento de políticas que já estão previstas dentro do próprio Plano.
Diante desse contexto, cabe ao Estado brasileiro levar em consideração o documento do Plano, a fim de promover as políticas públicas educacionais para os próximos dez anos. Somente assim o PNE ganha força, tornando-se elemento efetivo do planejamento educacional brasileiro.
Em relação ao processo de elaboração do PNE, este passou a tramitar na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei (PL) nº 8.035/2011. O PL definia as diretrizes e as disposições para realização e avaliação do PNE, a saber: 1) realização de duas conferências nacionais, com intervalo de quatro anos entre elas; 2) criação do Fórum Nacional de Educação; 3) regime de colaboração entre os entes federados; 4) acompanhamento das metas por meio da adoção de mecanismos locais, estaduais e municipais; 5) adoção do regime de colaboração específico para a educação escolar indígena; 6) elaboração, no prazo de um ano, de planos decenais dos estados, Distrito Federal e municípios; 7) edição, no prazo de um ano, pelos estados, Distrito Federal e municípios, de leis específicas para a gestão democrática; 8) formulação, pela União, estados, Distrito Federal e municípios, de planos plurianuais e diretrizes orçamentárias; e 9) utilização do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), para a avaliação da qualidade da educação básica (Bordignon, 2011).
O PL nº 8.035/2011 durou cerca de quatro anos em tramitação, sendo aprovado em 3 de junho de 2014 o texto do PNE (2014-2024) com 20 metas e 254 estratégias. Segundo Martins (2014, p. 23), a “Lei nº 13.005/2014 traz importantes instrumentos para viabilizar as ações conjuntas em regime de colaboração e o monitoramento contínuo do processo de execução do PNE”. Assim, o artigo 5º estabelece:
Art. 5º A execução do PNE e o cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas, realizados pelas seguintes instâncias: I - Ministério da Educação - MEC; II - Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal; III - Conselho Nacional de Educação - CNE; IV - Fórum Nacional de Educação (Brasil, 2014).
O PNE é um instrumento de planejamento da educação brasileira que permite à sociedade civil organizada participar da sua implantação, bem como possibilita aos órgãos competentes avaliar periodicamente se suas metas estão sendo cumpridas. Para tanto, torna-se necessário pensar o Plano Nacional de Educação “não como um produto, mas como um processo, que tem distintos níveis de elaboração, que estabelecem entre si relações de mútua determinação” (Kuenzer, 2001, p. 84).
Dourado (2014, p. 232) destaca que:
O PNE envolveu a mobilização da sociedade civil, da sociedade política e do campo educacional, um campo em disputa de projetos, de concepção de mundo, de homem e de sociedade. E, certamente, um plano decenal para a educação cuja regência é de 2014 a 2024 traz um conjunto de questões. Se entendido como epicentro da política educacional, ele pode propiciar avanços importantes na educação, enfrentando questões centrais como o analfabetismo, a universalização do atendimento escolar, a superação das desigualdades educacionais, a melhoria da qualidade, uma formação mais ampla, humanística, científica, cultural e tecnológica, a valorização dos profissionais, o respeito aos direitos humanos, à diversidade, sustentabilidade ambiental e ao princípio da gestão democrática.
Entendemos que o PNE se caracteriza como parte integrante do planejamento educacional brasileiro, permitindo a participação e a mobilização da sociedade civil organizada nas tomadas de decisões, discutindo-se por meio de conferências, encontros e seminários as necessidades e perspectivas do País em relação à educação. Desse modo,
o PNE foi um avanço, mas é preciso a participação da sociedade civil e da sociedade política para fazer valer as metas e diretrizes. Para que não se torne letra morta, é imprescindível que ganhe materialidade e seja plenamente executado (Dourado, 2014, p. 233).
No âmbito do planejamento educacional, os planos municipais de educação surgem como instrumentos para que os municípios possam desenvolver suas políticas para a educação, por meio das metas e das estratégias definidas no documento.
A elaboração dos PMEs foi alvo de discussões, embates, conflitos, contradições e debates em todo o território nacional, isso porque a LDB/1996 incorporou o princípio da gestão democrática no sistema público de ensino, pressupondo o envolvimento coletivo na gestão dos processos administrativos, pedagógicos e financeiros. Monlevade (2002) aponta que a discussão para a elaboração de planos municipais de educação teve início nos anos de 1930, com o Movimento dos Pioneiros. Com a aprovação do atual PNE, foi exigido legalmente que todos os municípios elaborassem ou reformulassem seus planos municipais no prazo de um ano de vigência da referida lei, como está previsto na Lei nº 13.005/2014, em seu artigo 8º:
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei. (Brasil, 2014).
O processo de elaboração dos planos municipais mobilizou diferentes segmentos sociais e educacionais, o que pode ter sido construído de modo coletivo e participativo, uma vez que a CF/1988 e a LDB/1996 preconizam o princípio da gestão democrática na organização dos processos de gestão. Para Diniz (2015, p. 1), “os Planos não se constituem tão somente em uma exigência legal, são também uma reivindicação por parte de educadores e da sociedade, como forma de fazer um planejamento educacional em longo prazo”. Desse modo, a elaboração dos PMEs favorece a superação das descontinuidades das políticas educacionais.
A concepção de planejamento e sua implementação, bem como a melhoria da qualidade em educação, precisam ser consideradas pela União, pelos estados, municípios e pelo Distrito Federal, a fim de que estes definam as metas e as estratégias para a educação de acordo com as necessidades dos sistemas públicos de ensino. Essa ação só será possível se houver um planejamento articulado e participativo envolvendo todos os segmentos da sociedade.
A construção do PME deve estar em consonância com os planos nacional e estadual de educação, verificando as metas e as estratégias de cada plano. De acordo com Argolo (2014, p. 49), o PME deve
impactar, decisivamente, sobre os resultados educacionais em todo o Estado, elevar os indicadores educacionais, e contribuir, diretamente, para a organização dos Sistemas Municipais de Ensino e, consequentemente, resultar em uma educação de qualidade.
Dessa forma, o PME se constitui como instrumento de elaboração das políticas públicas para a educação municipal. Para Bordignon (2009, p. 92):
O plano municipal de educação é o instrumento de gestão para tornar efetiva a cidadania e a sociedade preconizada nas bases e diretrizes do Sistema Municipal de Educação. Quando o município não tem plano fica à mercê de ações episódicas que, mesmo planejadas caso a caso, representam improvisações. Sem plano não há visão de Estado nas ações, não há caminho a percorrer, mas apenas ao saber das circunstancias de cada Governo.
De acordo com a regulamentação em vigência, o PME deveria ser um documento que estabelece metas e estratégias para serem cumpridas em um prazo de dez anos, caracterizando-se como uma política de Estado e não como uma política de governo3. Logo, as ações traçadas para a educação municipal perpassam mais de uma gestão, sempre procurando atender aos objetivos e às reais necessidades de cada realidade. Assim, todo município, com a determinação do PNE, deve construir seu plano, tornando-o o norte para a definição das políticas públicas educacionais, dimensionando os recursos financeiros para o cumprimento das metas em regime de colaboração com a União e o estado.
Conforme apresenta Monlevade (2002, p. 41):
O PME não é um fim em si mesmo. Ele se faz e é exigido pela construção de uma cidadania democrática nacional que respeita a conquista paulatina do que se convencionou chamar de “Desenvolvimento do Município”, célula autônoma de um país soberano. A colaboração é, em última instância, uma exigência da inserção política do Município em um Estado e em uma Nação.
Para Monlevade (2002), o PME é o epicentro para a consolidação de um projeto de desenvolvimento em que todos os munícipes precisam ter o conhecimento da situação econômica e social a fim de contribuírem de forma significativa para seu processo de elaboração. O PME não pode ser um planejamento de gabinete, construído a partir da visão do gestor local e seus representantes, mas um plano pautado pelas decisões políticas, que atenda aos aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e educacionais da sociedade. Desse modo, a consolidação do PME pelos municípios é uma recomendação da legislação educacional que, por sua vez,
[...] reforça o conceito de democracia participativa, sistematiza as ações, visando a garantia do cumprimento das metas e prazos, garante a continuidade das ações, incorpora inovações consistentes e bem projetadas, otimiza os recursos, promove a participação efetiva dos cidadãos (Argolo, 2014, p. 51).
O Plano Municipal de Educação deve ser elaborado, segundo Monlevade (2011, p. 92), da seguinte forma:
1ª) analisar as bases legais do Regime de Colaboração; a existência de um Plano de Educação do município; as demandas e recursos da rede municipal de ensino; 2ª) determinar os objetivos gerais e específicos do município; 3ª) os antecedentes de colaboração com o Estado; a convocação dos atores: comissão ou fórum; o estudo geográfico e demográfico do município; o histórico do município; a história da educação escolar e da rede municipal de ensino; as demandas atuais de escolarização: mini censo ou amostragem; o levantamento dos recursos financeiros; o estudo das alternativas de atendimento escolar; as tomadas de decisão estratégicas: comissão ou conferência; a descrição das metas, ações e prazos; os mecanismos de acompanhamento e avaliação; 4ª) o roteiro de redação e a tramitação do ante-projeto na Câmara Municipal.
Nessa mesma direção, Souza (2010, p. 19) destaca que:
Um plano é importante que seja construído com todos os envolvidos na sua execução e de acordo com as circunstâncias específicas do ambiente em que as ações nele previstas serão realizadas. Dessa forma, destaca-se a relevância em ser construído conjuntamente com a comunidade local, quando o plano for local, como é o caso de um plano de ação municipal. Só a comunidade local é capaz de identificar e de diagnosticar as reais necessidades do seu mundo circundante.
O processo de elaboração do PME deve ser articulado com os diversos segmentos da sociedade, uma vez que, para atender às demandas e às necessidades da comunidade, precisa estar atento às problemáticas que circundam o cotidiano. Por isso, a elaboração de um plano implica “efetiva interação entre os sujeitos, isto é, em abertura de um diálogo que permita a manifestação das opiniões de todos quantos são convidados a se engajar no processo de sua construção” (Souza, 2010, p. 20).
Em relação ao processo de elaboração do PME no Brasil, estudos (Argolo, 2014; Silva, 2014) revelam que, em sua grande maioria, os sujeitos participaram da sua elaboração, incluindo os movimentos e entidades sociais, os profissionais da educação, alunos, pais de alunos, enfim, todos os segmentos que compõem a sociedade civil. Isso significa dizer que houve um processo mais aberto, democrático e participativo, o que nos faz perceber uma abertura para as decisões políticas no campo educacional. O envolvimento dos sujeitos nas formulações das políticas públicas pode favorecer um planejamento voltado para as prioridades da comunidade, como sinaliza Souza (2010, p. 21):
Um plano de ação educacional tem um caráter fortemente político, já que sua intenção é interferir direta ou indiretamente na vida da sociedade. As decisões quanto às ações e prioridades administrativas referentes à educação, por exercerem influência na vida das pessoas, devem ser discutidas em conjunto com a comunidade atingida.
Nesse sentido, quanto maior for o envolvimento dos sujeitos na elaboração do planejamento voltado para atender às necessidades da comunidade, mais sentido terá para a educação e, sobretudo, para a escola. Porém, estudos (Paiva, 2009; Augusto, 2010; Mendes, 2012) também apontam que, em alguns municípios brasileiros, os sujeitos não participaram ativamente da elaboração do PME, o que pode indicar uma centralidade na gestão e nas decisões políticas. No entanto, a participação dos cidadãos nos mecanismos de proposições e controle das políticas públicas está assegurada pela Constituição de 1988, quando ressalta, no artigo 1º, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (Brasil, 1988).
O processo de elaboração do PME constitui-se como um instrumento de transformação nos moldes da democratização, uma vez que surge nas correlações de forças entre o governo e a sociedade civil no intuito de solucionar as necessidades sociais. Assim, faz-se necessário destacar as concepções de Boneti (2007, p. 74) sobre políticas públicas, afirmando-as como “resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes sociais e demais organizações da sociedade civil”.
Corroborando essa discussão, Gadotti (1993, p. 11) salienta que:
A eficiência do PME só terá resultado na medida em que for elaborado, criado e implementado pelos principais agentes de educação municipal sob a coordenação do Conselho Municipal de Educação, a partir do conhecimento das realidades e necessidades locais. Sendo assim, o PME poderá se firmar e significar uma ferramenta e uma promessa de melhoria da qualidade dos sistemas locais de ensino.
A participação dos sujeitos nas tomadas de decisões, na elaboração, no monitoramento e na avaliação das políticas/planos implica a criação de mecanismos legais do governo, a fim de ouvir as opiniões, as propostas e os encaminhamentos de um povo que deseja construir uma sociedade igualitária, justa e inclusiva.
Os planos municipais de educação de Recife e Olinda: concepções de planejamento educacional
Abordaremos as concepções de planejamento educacional com base na visão da equipe de gestão escolar, sujeitos da pesquisa, bem como dos planos municipais de educação de Recife e de Olinda. A discussão sobre o planejamento da educação é relevante, uma vez que é por meio desse mecanismo que as políticas educacionais são planejadas para o desenvolvimento de ações estratégicas com a intenção de possibilitar melhorias para o campo educacional. Desse modo, analisar a concepção da equipe de gestão escolar sobre o planejamento educacional nos permite perceber as nuances do processo de organicidade da gestão escolar e dos conflitos e das tensões vivenciadas entre os diferentes setores da sociedade, isso porque cada grupo tem interesses distintos (Freitas, 1987).
De acordo com o PME de Recife, pensar sobre o planejamento educacional implica:
[...] na melhoria da infraestrutura física das escolas, com investimentos do poder público em recursos didáticos apropriados, salas e serviços de apoio, formação continuada do corpo docente, mediante planejamento próprio e realização de parcerias com as demais instâncias governamentais, bem como com as Instituições de Ensino Superior, tendo em vista o atendimento das necessidades das escolas que integram a rede municipal. (Recife, 2015, p. 105).
O planejamento educacional perpassa questões políticas referentes à construção de uma educação pública que atenda às necessidades de construção de um espaço propício para o desenvolvimento das atividades educativas nas diferentes etapas de escolarização. Assim, a concepção que mais atende a esses objetivos é o planejamento participativo, uma vez que esse paradigma possibilita “apreender as aspirações e interesses da comunidade escolar e dos setores organizados da população e cotejá-las com as diretrizes educacionais” (Aguiar, 2014, p. 204).
Por meio dos depoimentos dos participantes, foi possível identificar diversas concepções de planejamento educacional, destacando-se o planejamento participativo, o planejamento como processo de organicidade, o projeto político-pedagógico e o plano de aula. A visão que os integrantes participantes da pesquisa têm sobre planejamento educacional é limitada, pois não veem o planejamento em uma perspectiva mais global, no campo da política e dos embates para a sua configuração. O sentido atribuído ao planejamento educacional pelos participantes nos faz perceber a visão que os gestores têm sobre a relevância do planejamento.
Em relação às visões sobre a concepção de planejamento educacional, a equipe de gestão escolar mencionou que:
É a base pra tudo que você faz, mas tem que ser uma coisa muito bem pensada com o grupo todo e também sendo reconhecido que tem vários níveis no grupo. Pensar com o pessoal de serviços gerais, com o pessoal de professores, com todo o grupo, mas devo saber que nunca eu vou ter um grupo que tem vários níveis de participação (Gestora da escola 1 de Recife).
O planejamento educacional que a gente pode tratar aqui é o que a gente trabalha na escola, é o de integração, é o de realmente fazer a escola funcionar como escola, é a participação de todos os segmentos tomando as decisões necessárias para a escola (Gestora da escola 2 de Recife).
A gente não pode pensar uma política educacional, a gente não pode pensar num planejamento da educação se a gente também não olhar pra sociedade civil. Eu respeito muito o planejamento feito por técnicos porque eu acho que foi pra isso que eles foram formados, mas eu também compreendo que tem que ser uma coisa participativa (Gestora da escola 2 de Olinda).
Os depoimentos dos entrevistados sinalizam que a concepção de planejamento educacional vinculada aos gestores é o planejamento no qual todos participam, mesmo que em diferentes graus de participação. Para os entrevistados, com a participação de todos os envolvidos é possível planejar ações que possibilitem o bom funcionamento da unidade educativa. O planejamento participativo possibilita o envolvimento dos diversos segmentos na elaboração, na implantação, na execução e na avaliação das questões políticas, pedagógicas e financeiras da escola.
Para Lück (2013), por meio do planejamento participativo é possível a vivência de práticas democráticas, isso porque essa atividade representa a possibilidade de oferecer oportunidade para que os sujeitos exponham suas ideias e opiniões, expressando seus pensamentos de forma interativa, tomando as decisões necessárias para o encaminhamento das atividades, visando alcançar os objetivos que foram formulados por todos democraticamente, mesmo que nesse processo surjam pensamentos contrários entre o grupo, gerando tensões e embates nas ideias.
O depoimento da gestora da escola 1 de Recife não faz referência ao processo de negociação necessário no contexto das escolhas e decisões. A integração sinalizada pela gestora da escola 2 de Recife produz a interpretação da ausência de interesses e de conflitos que fazem parte de todos os grupos sociais. Outro fator importante evidenciado pela gestora da escola 2 de Olinda é a percepção do planejamento integrado com as questões sociais e os seus movimentos, os quais geram embates necessários para a construção da concepção de educação que se pretende vivenciar. A gestora percebe que o planejamento construído apenas pelos técnicos não viabiliza a visão da sociedade civil, apontando que o planejamento como política educacional se configura pela participação de todos, com diferentes representações. Para a gestora, o planejamento é um aspecto macro, ou seja, vai além dos muros da escola.
A iniciativa de vivência de um planejamento participativo compete aos responsáveis pela gestão escolar. Isso implica promover situações de participação ativa nos processos de tomadas de decisões, envolvendo todos os profissionais da escola, os alunos e seus pais, para que se crie uma cultura de participação na qual todos são envolvidos no processo de aprendizagem, consolidando uma prática de reflexão, de crítica e de construção de cidadania. Esse envolvimento nas discussões do planejamento participativo evidencia uma gestão compartilhada, gerando autonomia e descentralização nas decisões, rompendo com estruturas que evidenciam apenas o poder de decisão do líder escolar.
A concepção de planejamento que predominou entre os participantes foi a de planejamento educacional como processo de organização da escola.
Se não há um planejamento, se a equipe da manhã não sabe o que é que a equipe da tarde vai fazer uma coisa simples se torna um redemoinho. O planejamento é a gente planejar as ações, a gente tem um calendário, a gente tem um organograma, mesmo que não seja determinante pra engessar a dinâmica da escola, mas a gente precisa de um planejamento, sim (Vice-gestor da escola 1 de Recife, grifo nosso).
O planejamento é o norte que nos leva aos resultados que a gente idealiza, que vai realizar, que vai dar certo. Porque como o planejamento é dinâmico, então a gente pensa, a gente organiza, mas a gente sabe que no decorrer do dia a dia ele pode haver alguma modificação ou acréscimo, ou até a retirada de alguma coisa que a gente idealizou (Coordenadora da escola 2 de Recife, grifo nosso).
O planejamento educacional é uma diretriz pra você planejar enquanto pessoa, enquanto gestor, enquanto aluno porque a gente tá aí num projeto, uma gincana, mas tudo tem um planejamento. Dentro de uma escola ou qualquer instituição você não tem como trabalhar sem o planejamento e o planejamento educacional é muito amplo (Vice-gestora da escola 1 de Olinda, grifo nosso).
O planejamento na realidade é fazer, dar a cara da comunidade, você se planejar, ver as metas, as ações que você pretende atingir dentro de cada realidade (Coordenadora da escola 1 de Olinda, grifo nosso).
O planejamento educacional é a gente traçar as metas, os nossos objetivos, as ações que vão fazer as nossas metas serem alcançadas e ter um programa de avaliação dessas metas que em relação à estrutura é similar a um plano de aula só muda a dimensão (Vice-gestora da escola 2 de Olinda, grifos nosso).
Para os gestores, o planejamento educacional caracteriza-se como um processo de organização escolar, pois possibilita planejar as ações, as metas e os objetivos que se deseja alcançar, no intuito de organizar a dinâmica da escola e suas atividades cotidianas. De acordo com os depoimentos, o planejamento é um mecanismo importante para o desenvolvimento das atividades da unidade educativa, mas não ficou explícito na fala dos gestores como esse planejamento deve ser elaborado, quem deve participar do processo de elaboração e quais mecanismos são utilizados para o planejamento das ações da escola. Pensando por esse prisma, o planejamento educacional torna-se um instrumento apenas de elaboração das ações escolares e as intenções dos sujeitos estão inseridas nesse processo, a fim de atingir os resultados educacionais.
Nessa lógica, a percepção que se tem é que a política municipal e as políticas nacionais não estão articuladas com as propostas que as escolas desenvolvem, como se as ações não fossem articuladas para se cumprir os mesmos objetivos. Pelos depoimentos, percebemos que a concepção de planejamento refere-se, exclusivamente, ao caráter técnico, segundo o qual os profissionais planejam atividades alheias aos sentidos da política local e nacional. Assim, o PME de Olinda, na Estratégia 7.3, apresenta:
Estimular o processo contínuo de autoavaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de planejamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos (as) profissionais da educação e o aprimoramento da gestão democrática (Olinda, 2015).
Por meio da Estratégia 7.3 do PME de Olinda, podemos sinalizar que a visão do planejamento educacional está imbricada no contexto da política global em uma perspectiva macro de educação e de planejamento, indo além das propostas da escola para o desenvolvimento de suas atividades. O PNE também sinaliza, na Estratégia 7.4, que o planejamento da educação corresponde a um processo que envolve várias dimensões:
induzir processo contínuo de autoavaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de planejamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos(as) profissionais da educação e o aprimoramento da gestão democrática.
A coordenadora da escola 2 de Recife destacou que o planejamento é dinâmico, uma vez que pode ser alterado de acordo com a necessidade da escola. O entendimento de que o planejamento é dinâmico nos chama atenção, pois considerar que ele faz parte de um processo de construção é um aspecto positivo na concepção dos gestores, levando em consideração que a realidade de cada contexto está sempre em processo de mudança. No entanto, se faz necessário refletir que o planejamento educacional, como algo inerente apenas à escola, não está voltado para uma dimensão mais ampla como a formulação de políticas educacionais que englobam contextos e ambientes distintos, necessitando, assim, da participação igualitária de todos os sujeitos.
Compreender o planejamento como uma política que congrega todas as ações políticas, educacionais, sociais e culturais de uma sociedade é um aspecto significativo na construção de um espaço coletivo e democrático. Sem essa percepção, as diferentes dimensões se fragmentam, impossibilitando a visão macro dos fatos e das intenções sociais e políticas (Dalberio, 2009; Freitas, 1987). Dessa forma, as visões dimensionadas pelos integrantes da pesquisa não conseguem refletir acerca da relevância do processo macro do planejamento educacional, o qual repercute diretamente no “chão da escola”.
A visão de planejamento que prevaleceu nos depoimentos dos gestores trata-se de um planejamento voltado para a elaboração de metas e de estratégias para alcançar os objetivos determinantes da instituição. No entanto, o depoimento do coordenador da escola 2 de Olinda nos faz refletir sobre o planejamento educacional em uma visão mais ampla, no contexto macro da política educacional.
O plano municipal de educação é uma maneira de você organizar estrategicamente metas, ações por um período médio ou a longo prazo que possibilitem você delimitar os seus caminhos no que se refere a sua atuação enquanto profissional da educação mas penso também que essa elaboração estratégica ela pode indicar também coisas muito mais pontuais, o próprio plano de ensino, ela direciona você também para a elaboração do seu projeto político pedagógico dentro das instituições (Coordenador da escola 2 de Olinda, grifo nosso).
De acordo com o depoimento, podemos perceber uma concepção de planejamento educacional que vai além da sala de aula e da escola, considerando-o como elemento de uma política educacional, destacando-se o Plano Municipal de Educação. Ainda segundo o coordenador, o PME “é uma maneira de você organizar estrategicamente metas, ações por um período médio ou a longo prazo”. O coordenador destacou que o PME é o planejamento das ações por meio de metas a serem alcançadas. Essa ideia de planejamento é a que mais se aproxima da política macro da educação. Por meio dessa política, a educação planeja as ações, as metas e as estratégias que serão implementadas mediante a colaboração dos entes federativos no intuito de oferecer uma educação de boa qualidade para todos os sujeitos (Monlevade, 2002).
Há um importante destaque no depoimento do coordenador da escola 2 de Olinda: a referência que o profissional faz ao planejamento como uma dimensão que apresentará resultados a longo prazo. Pensando sobre o planejamento em uma perspectiva global, as ações planejadas só apresentam resultados alguns anos depois, haja vista que os planos de educação (nacional, estaduais e municipais) têm o tempo de dez anos para a sua vigência. Dessa forma, o planejamento em educação é desenvolvido como instrumento para percepções futuras, com atribuições importantes para todo o processo educacional, como sinaliza o PME de Recife:
Objetiva-se que as forças e esforços ganhem a convergência necessária à execução das estratégias estabelecidas tecnicamente e legitimadas pela sociedade, bem como, a adesão do conjunto constituído pelas lideranças políticas, profissionais da educação e sociedade civil organizada, na perspectiva de que este Plano Municipal de Educação represente uma alavanca propulsora da melhoria dos serviços e dos resultados educacionais e, sobretudo, funcione como a principal peça de planejamento e fomentação das políticas públicas educacionais do município de Recife (Recife, 2015, p. 190).
Dentro da concepção de planejamento educacional intrínseca ao espaço escolar, a vice-gestora da escola 2 de Recife apresenta o projeto político-pedagógico como dimensão desse referencial educacional, mesmo sendo um plano que fica apenas entre os muros da escola.
Nós fazemos o PPP, todo final de ano nós revemos o que foi feito. Ele é pra ser revisto todo conselho pedagógico do professor, mas todo bimestre tem um projeto pra ser cumprido pela prefeitura que já vem o título, de acordo com o ano letivo do ano, mas o PPP no final do ano participa todos, o que foi visto, o que não foi, o que quer mudar (vice-gestora da escola 2 de Recife).
O projeto político-pedagógico das instituições escolares é visto pela vice-gestora como mecanismo do planejamento educacional. De acordo com a concepção da gestora, esse instrumento de planejamento coletivo vai direcionar as ações planejadas pela escola na busca pela realização dos resultados, a partir dos objetivos que foram traçados durante o seu processo de formulação. Assim, pensar o projeto pedagógico como um planejamento da educação é relevante, pois trata-se de um elemento que contribui para o desenvolvimento das atividades educativas, uma vez que é o norte para a organização e a elaboração das ideias, concepções e práticas no contexto escolar.
No entanto, reduzir o sentido do planejamento educacional à elaboração do projeto político-pedagógico das escolas não é interessante, pois esse é apenas um dos caminhos do planejamento no contexto educacional. Lück (2013, p. 88) destaca que o planejamento na perspectiva do projeto pedagógico da instituição “se constitui em uma abordagem sistêmica de orientação e coordenação do processo educacional”. Logo, é oportuno que a concepção de planejamento em um viés participativo esteja vinculada à ideia de coletividade, na qual a comunidade escolar e local estejam envolvidas, tendo o projeto pedagógico como um dos instrumentos de trabalho que orientam toda a ação pedagógica, administrativa e financeira da instituição.
Outra concepção de planejamento educacional é apresentada pela coordenadora da escola 1 de Recife, quando sinaliza que o planejamento “é uma organização didática do professor”. No entendimento da coordenadora, o planejamento educacional remete ao plano de aula do professor, pois este se utiliza do planejamento para elaborar suas atividades em sala de aula, organizando a dinâmica do processo de ensino e de aprendizagem. Esse tipo de planejamento é utilizado para a organização do trabalho educativo do professor, mas não condiz com um planejamento macro, que pensa as políticas educacionais para a sociedade. Segundo Vasconcelos (2002), o planejamento diferencia-se do plano, pois trata-se do processo de tomada de decisões, do momento de reflexão, de discussão de uma política; é um processo dinâmico e contínuo. Já o plano é o produto do planejamento, caracterizando-se como algo provisório.
Compreender a concepção de planejamento educacional a partir da visão dos gestores escolares torna-se um elemento necessário para entender as nuances e as práticas vivenciadas no cenário da escola pública. Com base nos depoimentos, ficou visível que os gestores têm visões distintas sobre o planejamento educacional. Para uns, este é desenvolvido no contexto da sala de aula, outros o analisam como mecanismo da política educacional maior e, ainda, apontam que o planejamento é um mecanismo que deve ser elaborado em uma perspectiva participativa, envolvendo todos que frequentam a instituição, mesmo que apenas tenham como referências educacionais seus muros.
A partir das visões apresentadas, podemos compreender que diferentes concepções de educação gestam no cenário da educação. Assim, o paradigma que ficou predominante entre os gestores de Recife e de Olinda, com base nos depoimentos, foi o planejamento limitado aos muros da escola, apresentando uma visão simplória de planejamento educacional. Apenas dois participantes - a gestora da escola 2 de Olinda e o coordenador da escola 2 de Olinda, que compõem a equipe de gestão escolar da mesma instituição - destacaram o planejamento como uma questão global, interligado à política educacional, a qual é a referência para todos os processos educativos, pedagógicos, administrativos e financeiros.
O processo de vivência da gestão escolar está pautado nos princípios que regem a educação brasileira, destacando-se a CF/1988, a LDB/1996 e o PNE (2014-2024). Todos os dispositivos legais apresentados enfatizam a gestão democrática como a concepção de gestão escolar a ser vivenciada no âmbito das escolas públicas estaduais e municipais. Para Sander (2005), essa concepção de gestão escolar é uma conquista, uma construção histórica que se insere nos movimentos sociais.
A forma de condução dessa concepção de gestão escolar é definida por cada rede de ensino, mediante suas condições e peculiaridades, uma vez que os dispositivos destacados não definem ações precisas que direcionem características para a vivência da gestão democrática. Sander (2005) aponta que a participação e a autonomia dos diferentes segmentos são princípios necessários para a concretização de uma gestão compartilhada.
Nesse sentido, há que se destacar mecanismos relevantes para a concretização da gestão compartilhada, mediante o conselho escolar, a construção coletiva do projeto político-pedagógico, a escolha dos dirigentes escolares (Libâneo, 2004), enfim, ações que demandem participação no planejamento e nas atividades educativas, nas dimensões pedagógica, administrativa e financeira da escola pública.
Considerações finais
O planejamento é considerado um mecanismo necessário para a concretização das metas e dos objetivos que se pretendem alcançar em diferentes esferas da política educacional. No caso específico do PME, a perspectiva democrática contribui para que todos os envolvidos possam se articular e discutir sobre os caminhos e as intenções que devem nortear a educação, a fim de construir uma sociedade desejável. Essa perspectiva de planejamento é defendida pelos dispositivos legais (CF/1988; LDB/1996; PNE/2014-2024) que regulamentam a educação brasileira favorecendo a construção coletiva do modelo de homem, de educação e de sociedade.
Os Planos de Recife e de Olinda sinalizaram uma concepção de planejamento educacional global, sistematizando diferentes dimensões para a concretização de uma educação pública de boa qualidade. Por meio dos resultados da coleta de dados, ficou perceptível que os gestores escolares das instituições pesquisadas não têm a mesma visão sobre o planejamento da educação apresentada nos planos. A partir dessa constatação, pode-se inferir que o epicentro das políticas educacionais não teve a visibilidade necessária para que os gestores pudessem compreender suas concepções e sinalizações políticas. Talvez um dos motivos para que esse fato ocorra é a não viabilização dos planos no contexto das escolas públicas, assim como a falta de estratégias para estudá-los e divulgá-los entre os diferentes setores da sociedade.
A título de problematização, é importante sinalizar que a concepção de planejamento apresentada pelos gestores pesquisados sintetiza a visão micro sobre essa dimensão educacional, a qual assume um relevante papel no campo da educação, sistematizando, refazendo, avaliando e proporcionando novas configurações sociais, políticas e educacionais. Desse modo, o olhar sobre o planejamento da educação e sua relevância para a formação dos profissionais da educação é uma prática que deve estar presente nas formações inicial e continuada.
Ademais, como indicaram outros estudos, percebemos a necessidade de que a prática do planejamento parta do “chão da escola”, com o envolvimento mais efetivo dos atores que são encarregados da materialização das políticas de educação, para que estas, por esse ângulo, sejam mais bem vivenciadas, mesmo que se adequem a cada contexto local e sempre sejam modificadas.
Diante do contexto político e social contemporâneo do País, podemos afirmar que estamos vivenciando um retrocesso no que diz respeito às conquistas alcançadas nos últimos tempos pela sociedade civil por meio das lutas e dos embates dos movimentos sociais, dos sindicatos e das entidades e organizações em geral. Direitos como a participação da sociedade civil nas decisões e nos momentos de elaboração das políticas públicas, entre elas as políticas educacionais, estão sendo desconsiderados, configurando-se em políticas impostas pela equipe do atual governo.
Com o golpe instaurado no Brasil em 2016, não se vivenciam mais aspectos do planejamento participativo, não há debates para se discutir as problemáticas, necessidades e relevâncias da população para a educação, pois, mesmo que as pessoas tenham reivindicado a participação, o governo de Michel Temer trabalhou na perspectiva vertical, na qual os próprios tecnocratas foram os responsáveis por elaborar os documentos, as diretrizes e as políticas para a educação. Esse momento pode ser relacionado com o já vivenciado nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), em que as políticas neoliberais/tecnocráticas tinham um enfoque central.
Assim, “a extensa e profunda agenda do golpe, que tem a EC nº 95, de 2016, como ‘carro-chefe’ da retomada do neoliberalismo no Brasil, já ameaça todos os avanços socioeducacionais da última década” (Retratos da Escola, 2016, p. 644). Os retrocessos políticos, sociais e educacionais são visíveis e grande parte da sociedade civil é contrária a essas perdas.
A atual configuração política não é favorável à participação e aos movimentos que lutam em prol de um planejamento democrático, que imprima a visão do coletivo sobre a educação e em seus caminhos futuros. Estamos vivenciando dias de lutas, de retrocessos e de inquietações políticas e sociais. No entanto, a resistência aos desmandos é o principal itinerário para rompermos os ditames históricos e governamentais. O fortalecimento e a luta coletiva podem ser alternativas políticas para superar os ataques à educação pública e aos seus profissionais na contemporaneidade. Eis, portanto, o desafio.