Introdução
Pressupondo o licenciando como futuro professor, que atuará no ambiente escolar da educação básica, ao discutirmos sua formação, é necessário apresentar concepções sobre a educação e a escola. A formação humana, pela qual entendemos a educação, vai além de uma escolarização pautada somente pelo alcance de conhecimentos e habilidades, pois esta não garante que os estudantes se desenvolverão de maneira humanitária e que se formarão eticamente (Rodrigues, 2001). A amorosidade de Paulo Freire, descrita por Amorim e Calloni (2017), traz também um significado ético-estético e é parte de um dever emancipatório na formação humana, na qual o ser é produto e produtor de uma sociedade eticamente construída.
Compreendendo que, nas palavras de Giroux (1997, p. 28), “qualquer tentativa de reformular o papel dos educadores deve partir da questão mais ampla de como encarar o propósito da escolarização [...]”, passamos a considerar a ética e a estética como elementos importantes também na formação do professor, que antes de ser professor é humano e, sendo humano, passa por sua formação enquanto constrói a sua docência.
Na busca por investigar a presença da ética e da estética na formação de professores e sabendo que as discussões nesse âmbito não poderiam se dar fora da própria formação de quem pesquisa e escreve sobre o tema, três momentos significativos da formação inicial e da atuação profissional de Cavalcanti (2020)1, cuja investigação de mestrado embasou este artigo, foram por ela identificados: o momento das primeiras aproximações e estudos do universo escolar, que possibilitaram uma ressignificação da escola, realizados ainda na graduação, por meio de sua participação no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid); o momento de afirmação pessoal de sua escolha pela carreira docente, durante o estágio supervisionado obrigatório da licenciatura; e um momento de frustração/inquietação diante dos contrastes entre os ideais de educação, ensino-aprendizagem e a realidade, bem como a forma de organização da instituição escolar, quando, já graduada, assumiu suas primeiras turmas, exercitando efetivamente a docência.
A identificação desses momentos marcantes no processo de construção da formação da professora possibilitou dar forma também ao caminho da pesquisadora, que, com o intuito de investigar a percepção de professores sobre o papel representado pela ética e pela estética em suas histórias de formação, chegou à seguinte questão de pesquisa: de que forma a ética e a estética, relacionadas à constituição do ser docente, emergem em discussões sobre situações de sala de aula, entre professores que vivenciaram o estágio supervisionado, o Pibid e a efetiva docência?
O recorte de estudo aqui apresentado se refere à primeira parte de uma entrevista realizada com três professores recém-formados, em que foi solicitado que se apresentassem por meio de três objetos, sendo cada um representativo de um dos seguintes momentos de suas histórias de formação: o Pibid, o estágio supervisionado e a efetiva docência. Como forma de investigar a questão orientadora da pesquisa, essa parte da entrevista foi analisada com base na proposta metodológica de núcleos de significação de Aguiar e Ozella (2006, 2013).
A formação de professores, a ética e a estética
Ao discutir a formação de professores, também discutimos a educação, principalmente a escolar, e, logo, as concepções que movem as ações pedagógicas e as políticas que a ela se referem. Queremos aqui analisar o papel do professor não baseado exclusivamente em teorias de ensino e aprendizagem, mas, sim, relacionado ao sentido atribuído à prática de ensinar por aquele que se forma professor - sentido que emerge em meio a discussões sobre situações concretas que remetem ao contexto escolar. Essa discussão busca no professor como ele percebeu a prática de lecionar/ensinar em diferentes momentos de sua formação, portanto, na atuação em diferentes papéis. Além disso, queremos debater a formação de professores como pessoas que se formam ética e esteticamente, que se formam para si mesmas e, também, para intencionalmente formar outros.
A formação humana do indivíduo não se dá de maneira isolada, o ser é formado e forma o mundo, o sujeito é histórico e é cultural. Evidenciar as pessoas como sujeitos nas ações nos retorna à formação, pois são as pessoas que realizam ideias. Nessa necessidade, podemos citar as palavras de Freire (2014, p. 33), que nos diz que “não é possível fazer uma reflexão sobre o que é a educação sem refletir sobre o próprio homem”. Por isso, devemos pensar sobre nós mesmos e buscar algo em nossa natureza que possa sustentar o processo educativo. Freire (2017) apresenta uma resposta para essa procura: o inacabamento ou a inconclusão do ser humano.
A concepção do sujeito como histórico-cultural, a educação como uma prática social, tendo como fim o desenvolvimento humano, o uso de conceitos do marxismo em seus postulados e a perspectiva interacionista (em que se concebe a constituição e a produção de conhecimentos nas relações sociais) são algumas das aproximações entre Lev Vygotsky e Paulo Freire, feitas por Petroni e Souza (2009) para refletir sobre o conceito e os sentidos de autonomia dados por professores. Além dos pontos citados, existem ainda elementos com nomes diferentes e significados próximos, como o conceito de autorregulação, em Vygotsky, e o de autonomia, em Freire. A autorregulação é uma função psicológica que permite que o indivíduo controle sua conduta a partir das mediações que realizou entre interações sociais e o que foi internalizado, sendo assim um processo social. A autonomia de Freire pode ser sintetizada como a “capacidade do sujeito de tomar decisões, de ser responsável pelos seus atos, de saber-se no mundo de maneira crítica, de ter dignidade” (Petroni; Souza, 2009, p. 357). Diante desses conceitos, as autoras escrevem que, tanto para Vygotsky quanto para Freire, o caminho para humanização e ação consciente passa “pela liberdade de escolha, pela responsabilidade na tomada de decisões” (Petroni; Souza, 2009, p. 356). Vincular o caminho para a humanização à necessária passagem pela liberdade e responsabilidade se aproxima das ideias de estética e ética, respectivamente.
Em Pedagogia da autonomia, Freire (2017) se refere ao conjunto ética e estética como condição exigida pelo ato de ensinar. Embora não tenham sido conceitos aos quais o pensador dedicou trabalhos específicos, são dimensões que perpassam sua obra e estão relacionadas com o processo de educação para liberdade e humanização. Zanella et al. (2006) apontam que é comum a interpretação de que a ética lida apenas com o julgamento de bom e mau e a estética com o de belo e feio; porém, ética e estética são dimensões da atividade humana que aparecem na relação das pessoas no mundo, transformando-o, quando lidam com a criatividade, e nas relações entre seres humanos. É por meio dos processos criativos que o indivíduo pode circunscrever suas emoções e seus valores.
Redin (2010, p. 165) compila que a estética nas obras de Freire é concebida como um “espaço de liberdade de escolha, de intervenção crítica e consciente de homens e mulheres no mundo, ações calcadas na capacidade de valoração, de intervenção, de decisão e rompimento de tudo o que não favorece a humanização”. Nessas mesmas obras, Freire fala de um rigor ético para defender a dignidade humana, uma ética que pode ser descrita como uma “ética da libertação e da solidariedade que assume o compromisso de lutar pela dignidade do oprimido, do excluído e pela justiça global” (Trombetta; Trombetta, 2010, p. 166). Dessa forma, o processo educativo, ao promover a emancipação pela reflexão crítica, deve manter o vínculo com a ética, logo, a reflexão crítica deve se destinar à superação de maldades e à conquista da humanidade e da liberdade.
Nessa direção, uma estética no viés dos afetos, ou seja, que é balizada pelos afetos humanos e não por critérios sobre o belo, abrange questões da vida como um todo e é pautada na forma como o mundo nos afeta sensivelmente. Nessa perspectiva, Bedore e Beccari (2017, p. 489) apresentam um panorama de estudos pelos quais concluem a compreensão estética como crucial e incontornável na nossa relação com o mundo, pensando “a estética como forma de compreensão do mundo pelo exercício das sensações”, nessa compreensão, “somos capazes de potencializar nossa aderência ao mundo tal como ele se apresenta a nós”. Além disso, lembram-nos de que ao sermos afetados pelas coisas também estamos afetando-as e que a distinção entre sensações estéticas agradáveis ou desagradáveis é feita por nós com base em interpretações sensíveis provocadas por nossas experiências.
Com essas concepções de ética e estética, procuramos investigar o papel que elas representam na constituição do ser professor. Para tanto, considerando, com base na teoria de Vygotsky, “que os signos representam uma forma privilegiada de apreensão do ser, pensar e agir do sujeito” (Aguiar; Ozella, 2006, p. 226), passamos a buscar a apreensão dos sentidos e significados desses termos na fala de professores recém-formados, ao se referirem a momentos específicos de suas histórias de formação.
Cabe destacar também que, como afirmam Aguiar e Ozella (2006, p. 226-227),
ao discutir significado e sentido, é preciso compreendê-los como constituídos pela unidade contraditória do simbólico e do emocional. Dessa forma, na perspectiva de melhor compreender o sujeito, os significados constituem o ponto de partida: sabe-se que eles contêm mais do que aparentam e que, por meio de um trabalho de análise e interpretação, pode-se caminhar para as zonas mais instáveis, fluidas e profundas, ou seja, para as zonas de sentido. Afirma-se, assim, que o sentido é muito mais amplo que o significado, pois o primeiro constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito produz frente a uma realidade.
Meios (metodologia)
Para responder à questão “Quais os sentidos atribuídos a ética e estética no exercício da docência, que emergem em discussões sobre situações de sala de aula entre professores que vivenciaram o Pibid, o estágio supervisionado e a docência? ”, realizamos uma entrevista coletiva, com um grupo de três recém-formados em licenciatura, por meio de uma dinâmica de grupo. O projeto da pesquisa descrito neste artigo foi submetido para apreciação do comitê de ética da universidade2, com o parecer de aprovação. Neste estudo, discutiremos a primeira de duas etapas da entrevista feita com os participantes.
Os participantes foram contatados por meio de convite, em grupos de redes sociais que reúnem estudantes que possuem vínculo com a universidade na qual estudam. Nem todos os interessados, num total de seis, tinham disponibilidade nas mesmas datas e horários. Assim, participaram as pessoas que possuíam horários compatíveis entre si e com a pesquisadora, resultando em três participantes. A organização da entrevista e o modo de condução ocorreram com base nas propostas já vivenciadas pelos autores em suas ações de formação, pesquisa e extensão, nas quais experiências expressivas em múltiplas linguagens são consideradas (Capecchi; Gomes; Marques, 2017).
Os participantes
Tratados aqui por nomes fictícios (Gabriela, João e Luiz), com idades entre 25 e 30 anos e menos de cinco anos de exercício na carreira docente, os três participantes compartilham a formação em licenciatura na área de Ciências Exatas e a participação no Pibid e possuem experiência docente como professores responsáveis por salas de aula. Cabe ressaltar que Gabriela, João e Luiz se graduaram na mesma universidade, sendo que João concluiu, posteriormente, a formação em Pedagogia em outra instituição de ensino. Além disso, eles estão em contato com programas de pós-graduação na mesma universidade em que tiveram a formação inicial.
No momento de realização da entrevista, Gabriela, licenciada e mestre em Física, cursava o doutorado na área, havia participado de um projeto de ensino de Física do Pibid e possuía experiência de dois anos e três meses como professora em um cursinho pré-vestibular. João, também licenciado e mestre em Física, cursava o doutorado em Educação, havia integrado outro projeto de ensino de Física do Pibid, tinha experiência de um ano como professor em escola privada e atuava em escola pública. Luiz, licenciado em Matemática, estava realizando processo seletivo para ingresso no mestrado em Educação, havia participado de um projeto de ensino de Matemática do Pibid e possuía experiência como professor em escola particular e no curso Kumon.
A entrevista
Registrada em áudio, a entrevista em grupo, com os três professores, deu-se em uma tarde do mês de dezembro de 2019, conduzida por Cavalcanti (2020), e foi composta por duas etapas. Aqui apresentaremos a primeira.
1ª etapa
Por meio de questões projetadas, cada uma delas em um diferente slide (Quadro 1), pedimos que os participantes selecionassem, entre os objetos que estivessem carregando, algo que representasse o seu próprio ser em três momentos de suas formações: no Pibid, no estágio supervisionado e na docência. Após a escolha dos objetos, houve um tempo para que falassem sobre cada um deles e o motivo de representarem os momentos de formação indicados.
O objetivo dessa dinâmica foi trazer para o presente e para a mente dos participantes experiências formativas, dando destaque a como se percebiam na ocasião da entrevista, o que sentiram e como se desenvolveram quando vivenciaram esses processos, de forma que pudessem diferenciar o seu eu em cada um desses momentos. Com essa dinâmica, buscamos um resgate de identificação e de memória sobre si mesmos. A dinâmica foi inspirada no trabalho com os objetos relacionais da artista Lygia Clark, que não carregam especificidade em si, porém, por meio deles, são estimuladas sensações para novas percepções, estabelecendo um significado como um meio entre corpo e sensação (Almeida, 2017; Carvalho, 2011). No nosso caso, cada um dos objetos foi um meio entre memórias e o ser.
Os núcleos de significação
A proposta metodológica de núcleos de significação de Aguiar e Ozella (2006, 2013) foi adotada como método para investigar a apreensão de sentidos atribuídos por professores iniciantes aos conceitos de ética e estética em seus processos formativos.
Essa proposta metodológica passa pela identificação dos chamados pré-indicadores, unidades de pensamento e linguagem que são identificadas a partir do conteúdo expresso em palavras. Esses pré-indicadores surgem reiterativamente nas falas dos participantes da pesquisa/entrevista e demonstram maior carga emocional ou ambivalência, aqui entendendo que o pensamento é sempre emocionado (Aguiar; Ozella, 2013). Tais pré-indicadores irão compor um quadro de possibilidades na organização de indicadores, que levam à identificação de núcleos. Os indicadores são obtidos por meio da aglutinação dos pré-indicadores por similaridade, complementaridade ou contraposição e “são fundamentais para que identifiquemos os conteúdos e sua mútua articulação de modo a revelarem e objetivarem a essência dos conteúdos expressos pelo sujeito” (Aguiar; Ozella, 2006, p. 231). A articulação desses indicadores, também por similaridade, complementaridade ou contradição, possibilita a organização de núcleos de significação.
Sobre esse processo de análise, vale destacar que:
Embora a sistematização dos núcleos de significação seja realizada por etapas (levantamento de pré-indicadores, sistematização de indicadores e sistematização propriamente dita dos núcleos de significação), esse processo não deve ser entendido como uma sequência linear. Trata-se de um processo dialético em que o pesquisador não pode deixar de lado alguns princípios, como a totalidade dos elementos objetivos e subjetivos que constituem as significações produzidas pelo sujeito, as contradições que engendram a relação entre as partes e o todo, bem como deve considerar que as significações constituídas pelo sujeito não são produções estáticas, mas que elas se transformam na atividade da qual o sujeito participa. (Aguiar; Soares; Machado, 2015, p. 63).
Por fim, na análise dos núcleos, busca-se a articulação entre eles, ou seja, uma articulação internúcleos. Nessa etapa, considera-se o contexto social, político e econômico na interpretação. O processo é ilustrado na Figura 1.
Com essas considerações sobre a metodologia da análise, passamos aos recortes das falas dos entrevistados, a fim de construir núcleos e analisá-los. Os dados provenientes das respostas foram analisados de forma separada, considerando cada sujeito de maneira individual, pois, embora a fala de um participante pudesse influenciar algum tema discutido por outro, eles utilizavam suas próprias experiências e pensamentos em seus depoimentos. Os pré-indicadores e indicadores foram buscados de forma separada e individual para cada uma das questões propostas na entrevista, enquanto os núcleos foram construídos para cada uma das duas etapas. Sendo assim, aqui serão apresentados os núcleos da primeira etapa da entrevista, a da escolha de objetos que representavam o ser no Pibid, no estágio e na docência.
Pré-indicadores são unidades de pensamento e linguagem, assim, a partir da escuta, da transcrição e da leitura das enunciações, buscamos identificar os diferentes temas presentes nelas, que poderiam se repetir ou não dentro das respostas dadas a uma questão proposta. Cada uma das respostas foi dividida em um conjunto de pré-indicadores, que poderiam ser compostos por uma ou mais expressões/frases interpretadas como relativas a algum aspecto distinto dos demais elementos da fala. Após o agrupamento desses trechos de falas, que caracterizavam pré-indicadores, estes foram nomeados e descritos para que pudessem ser aglutinados como indicadores, considerando relações de complementaridade, similaridade ou contraposição que pudessem ser apontadas. Assim, foram formados conjuntos de indicadores para cada pergunta/questão proposta na entrevista.
Os núcleos são construções, sínteses sobre o modo de pensar, sentir e agir do sujeito. Para cada etapa da entrevista, construímos um conjunto de núcleos por participante. Para isso, consideramos os indicadores das três perguntas/questões propostas na primeira etapa para cada um deles.
Buscas e achados (resultados e discussões)
No presente artigo, apresentaremos os resultados e as discussões referentes à entrevista com a participante Gabriela - em artigos futuros, serão analisados os dados dos outros participantes, João e Luiz. Consideramos que a atuação psicológica da presença de outros interlocutores durante a entrevista existiu na mesma medida que a presença da própria pesquisadora. Na fase da entrevista, aqui exposta, cada participante relacionou um objeto com o seu ser em diferentes momentos de sua formação docente, não havendo influência entre os participantes sobre a escolha dos objetos. Ainda que pudesse ocorrer alguma inibição entre eles ao falarem sobre os objetos escolhidos na presença de outros, essa inibição poderia ser observada durante a entrevista e detectada como pré-indicador na análise, o que não aconteceu.
Indicadores de Gabriela
O Pibid e o capacete de ciclista
Gabriela representou o seu ser no Pibid por um capacete de ciclista, pois durante o Programa construiu uma proteção para atuar na educação. No Quadro 2, estão os indicadores e os temas dos pré-indicadores que deram origem a eles, seguidos pela descrição dos indicadores.
Construções e sentimentos no Pibid: demonstra como Gabriela se deparou com situações escolares que provocaram uma sensação de ferimento, decorrente do fato de não encontrar, no ambiente escolar, o desejo de ação por mudança, que motivava a sua formação docente. Porém, ao mesmo tempo que se sentia ferida, Gabriela foi levada a forjar algo que a auxiliou a não sucumbir à decepção.
Resgate de si: é a avaliação de Gabriela sobre si mesma no passado, do seu olhar de encantamento e energia com o qual enxergava e desejava agir dentro da educação. O encantamento e a energia do início da formação de Gabriela foram a abertura para que se machucasse no processo de formação, mas também constituem um aspecto que ainda deseja carregar consigo, pois entende que é possível por meio da prática de refletir.
Olhar sobre a docência: ressalta o sentimento de Gabriela de não estar totalmente na educação e as dificuldades diárias que sente no fazer docente. Nessas reflexões, além de partir do Pibid como seu início e como uma fonte na qual busca possibilidades para sua atuação como professora, considera as dificuldades da docência que observa na prática de outros professores.
A importância e as práticas do Pibid: é o indicador que constitui uma avaliação de Gabriela sobre o Pibid como um todo. Para além de sua experiência pessoal, considera o Programa importante na formação do professor, pois as práticas desenvolvidas não se limitam a opiniões e ao desabafo, superando isso com discussões e leituras.
O estágio supervisionado e a mochila
O ser no estágio foi representado pela mochila, pois a memória de carregar diversos materiais para as atividades de regência foi marcante. No Quadro 3, estão os indicadores e os temas aos quais se referem, seguidos pela sua descrição.
5. Recursos materiais para a prática docente: trata-se da representação feita por Gabriela do estágio supervisionado como uma mochila. Esse momento de formação remete a sua lembrança de carregar diversos materiais que utilizaria nas regências na escola. A necessidade de providenciar por conta própria os materiais para as aulas ocorreu pela carência de recursos na escola em que se realizou o estágio.
6. O estudante para além da sala de aula: relaciona a estagiária, no contexto da comunidade escolar, moradora da vizinhança e que tinha contato com os alunos e suas histórias, envolvendo tanto situações de violência quanto de superação. Além disso, Gabriela descreve os momentos em que os estudantes ofereciam ajuda para carregar materiais e aqueles em que se sentiu afetada ao ter conhecimento de suas histórias.
7. A reflexão no estágio: é o indicador que remete aos momentos de reflexão e de orientações que a estagiária teve dos professores da universidade. Destaca o falar, o descrever e o escrever sobre o que fez e viu na escola. Essa prática, para Gabriela, vai além do relato, é também um instrumento de reflexão.
8. Conclusões sobre o estágio: são contraposições feitas por Gabriela ao avaliar sua experiência de estágio, que é considerada boa, mas também difícil.
9. Olhar sobre a prática docente: é o olhar de Gabriela sobre as práticas realizadas por professores que conheceu, avaliadas a partir de todas as vivências e dificuldades que ela mesma teve como estagiária. Considerando bons os resultados de práticas que observa e toma conhecimento, Gabriela reconhece a realização do trabalho do professor como uma atividade que exige esforço e que não pode ter sua origem compreendida considerando as mesmas condições de trabalho que conheceu durante o estágio.
A efetiva docência e o carregador de celular
O ser docente foi representado por Gabriela pelo carregador de celular, que além de ter sido um recurso muito utilizado durante suas aulas representa a sobrecarga de trabalho que sentiu ao se dedicar de forma intensa ao planejamento das aulas. No Quadro 4, estão os indicadores, seguidos pela descrição deles.
10. Buscando um trabalho colaborativo: constituiu-se pelas problemáticas identificadas e sentidas por Gabriela a respeito do trabalho do professor em um cursinho. Nesse ambiente, pode não existir um espaço de convivência entre os professores, de forma que trabalhos colaborativos sejam facilitados, porém, mesmo nesse contexto, Gabriela conseguiu parcerias para desenvolver atividades interdisciplinares e ajuda no trabalho com os conteúdos e dificuldades dos estudantes.
11. Condições para a construção da prática docente: é o indicador que se refere às condições materiais e estruturais em que a prática de Gabriela, como professora, desenhar-se-ia. Inclui os dilemas sobre as escolhas de planejamento e ações tomadas dentro do cronograma de provas, o material de estudos disponibilizado, que considerava inadequado para atender a meta de preparação para provas de vestibular, e as reflexões sobre os fins da educação.
12. Os estudantes e suas dificuldades: é um indicador que diz respeito não apenas à falta de domínio de conteúdos considerados básicos, mas também à necessidade de equilíbrio de emoções para melhor iniciar o desenvolvimento de atividades propostas durante as aulas e na realização de provas.
13. Colocando-se no lugar dos estudantes: acompanha os momentos de reflexões nos quais Gabriela pensa como se estivesse no lugar dos estudantes, tanto sobre as necessidades de recursos, como uso da tomada da sala de aula para carregar o celular, quanto os comportamentos de ansiedade antes de iniciar as atividades propostas.
14. Construção das suas práticas como docente: relaciona-se às alternativas que Gabriela desenvolveu como formas de ação no contexto de trabalho que encontrou e observou no cursinho pré-vestibular. Usou experimentos e realizou um projeto de meditação como parte de seu conjunto de prática, porém, avalia que, devido ao contexto, realizou tais ações de forma controlada. No seu fazer docente, sentiu uma responsabilidade que a motivou a selecionar bem os conteúdos, com base em provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), realizar pesquisas e organizar materiais, o que se configurou como trabalho extra, sensação de sobrecarga, cansaço e muito aprendizado.
15. Formação e percursos pessoais: é a reflexão de Gabriela sobre o seu eu professora e o seu eu pesquisadora, sendo que o segundo é sentido como uma construção mais definida. Além dessa reflexão, ela também fala sobre os seus percursos de superação de doenças e o seu encontro com a meditação, recurso que foi incorporado à sua docência como um projeto.
16. Valorização do professor: é a fala de Gabriela sobre a administração de recursos financeiros, para além do âmbito do trabalho. Conta sobre a má gestão de recursos públicos pela prefeitura, que culminou no não pagamento de salário pelo trabalho que desenvolveu como professora no cursinho.
Núcleos de Gabriela
Os núcleos são construções, sínteses sobre o modo de pensar, sentir e agir do sujeito. Para essa etapa da entrevista, foi construído um conjunto de núcleos por participante. Para isso, aqui consideramos como indicadores as três perguntas/questões propostas: a representação do ser pibidiano, do estagiário e do docente por objetos que estivesse carregando consigo. No Quadro 5, apresentamos os cinco núcleos de significação emergentes a partir da articulação dos indicadores, elencados anteriormente.
Descrição dos núcleos construídos:
I. O núcleo “Dificuldades e superações” foi construído a partir das dificuldades sentidas e relatadas por Gabriela, acompanhadas pela descrição de como as superou. No tocante ao momento de participação no Pibid, Gabriela descreve o sentimento de ter se machucado ao conhecer uma educação escolar que divergia de suas expectativas de transformação, encontrando educadores que nem sempre agiam em prol de mudanças. Mudanças que podem se referir às condições em que a educação se realiza, deixando de reproduzir desigualdades na sociedade, ou seja, uma busca por transformação, por justiça e por libertação social coletiva.
Quando fala sobre o estágio, Gabriela recorrentemente expressa a experiência como difícil e boa. Por essa dicotomia, podemos considerar que, mesmo com as dificuldades percebidas e enfrentadas como estagiária, houve bons momentos relacionados à sala de aula. Ao descrever que carregava diversos materiais para usar em suas propostas de aula, pois na escola havia carência de recursos, a estagiária nos conta sobre a interação com os estudantes que se propunham a ajudá-la ao final das aulas, porém, não houve falas que remetessem a frustrações no estágio nem queixas sobre o comportamento e a participação dos estudantes.
Com relação a sua atuação como professora no cursinho, Gabriela relata a ausência de espaços de convivência para interação entre os professores no ambiente de trabalho, porém, que conseguiu realizar atividades interdisciplinares em colaboração com os poucos colegas com quem firmou parceria. Essas atividades são avaliadas por ela como bem-sucedidas e chegaram a auxiliar no trabalho com as dificuldades dos estudantes quanto aos conteúdos considerados básicos.
O rompimento da unidade “trabalho docente e intenção pela mudança”, idealizada por Gabriela, gerou um sentimento machucado; esse sentimento encontra consonância na afirmação de que “impedidos de atuar, de refletir, os homens encontram-se profundamente feridos em si mesmos, como seres do compromisso” (Freire, 2014, p. 22). Observando a esperança de Gabriela - de que quem está na educação almeja mudança -, somos confrontados com a ideia de que reconhecer o mundo histórico, cultural e político não implica querer mudá-lo. A opção pela mudança está relacionada a uma concepção de mundo e de ser humano, “ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra” (Freire, 2017, p. 75). Ou se assume uma posição de que a mudança é necessária e, assim, a convicção de que é possível mudar, ou se opta pela reprodução das estruturas que mantém o sistema. Reconhecendo que o sistema em que estamos inseridos, e do qual fazemos parte, é desumanizante, Freire (2014, p. 22-23) afirma que “a neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso [...] resulta de um ‘compromisso’ contra os homens, contra sua humanização”.
II. No núcleo “Dificuldades e expectativas”, identificamos falas que contrapõem as expectativas e as dificuldades que Gabriela encontrou na sua atuação na educação ao ocupar diferentes papéis. As idealizações sobre a educação que Gabriela carregava no início de sua formação docente, como pibidiana, foram contrapostas pelas dificuldades sentidas na interação com a realidade escolar. Essa contraposição machucou Gabriela, pois, em suas palavras: “me machuquei muito, eu me machuquei no Pibid, que foi... assim, eu aprendi muito e por aprender muito... e querer mudar muito e nem todo mundo da escola, daquele ambiente, querer mudar, eu me machuquei porque eu… vivia naquele mundo de ilusão, de achar que todo mundo que está na educação quer mudar”. Machucando-se, nas vivências proporcionadas pelo Pibid, construiu nesse período uma proteção para atuar na área, assim o seu eu pibidiano foi representado por um capacete de ciclista. Retomando esse momento de formação, Gabriela sente que não deixou de ter vontade de mudar, porém, diz que hoje “acho que eu dei uma endurecida” e sente “muita saudade daquela época, porque eu tinha [...] uma inocência”, e vê na reflexão uma forma de “não perder esse brilho, sabe? Que eu tinha no começo como pibidiana, eu acho muito bonito, eu acho que foi o auge, assim, o Pibid”.
Percebemos que Gabriela não desistiu de se arriscar em mudanças, pois como professora relata ter chegado no cursinho “querendo fazer vários experimentos! Várias coisas diferentes. Só que tem um cronograma, o Enem tem data, então eu tentei fazer tudo que eu sempre quis como professora, mas muito controlado”. Com isso, usou diferentes espaços para realizar as aulas, como o teatro para fazer atividades de meditação, projeto que chamou de “Física com Meditação”. Como professora, as expectativas ainda se chocaram com a realidade de trabalho e provocaram, como reação, a criação de formas de ação considerando as dificuldades observadas e sentidas. Trabalhar as dificuldades dos estudantes de forma coerente com os fins da educação/ensino do cursinho, não deixar de realizar experimentos e atividades com jogos, mesmo tendo poucas aulas, foram maneiras de preservar suas expectativas como docente no contexto de trabalho encontrado.
Como aplicar ideias envolvendo o uso de experimentos e jogos em um contexto no qual se deve trabalhar tantos conteúdos cobrados por diferentes provas de vestibular é um dilema que Gabriela sente, mas que não a impede de refletir sobre a possibilidade de existirem outras formas de estruturar os conteúdos e as datas de provas com o trabalho das necessidades dos estudantes, a fim de promover a aprendizagem. Aqui continuamos vendo o desejo por mudança, dessa vez por modos de realizar a atividade educativa não apenas reproduzindo conhecimentos. Embora relate que “ficava naquele dilema e até hoje fico, eu não sei como encaixar isso”, revela refletir sobre suas próprias ações e sentimentos como professora. Todo esse processo se encaixa na necessidade de “ressignificar o passado, modificando e recriando o presente, em função daquilo que se projeta e que projeta o próprio sujeito que cria” (Zanella et al., 2006, p. 11) para criar em uma perspectiva de esteticidade.
III. O núcleo “Recursos e condições para a prática docente” se constitui pelo impacto dos recursos disponíveis para a realização de atividades nas aulas sobre o fazer docente de Gabriela. A disponibilidade de recursos foi tão marcante que o ato de carregar os materiais para a escola foi usado para representar a realização das atividades de estágio na formação inicial.
Observando uma carência de recursos materiais nas escolas em que realizou as atividades de estágio, Gabriela providenciava e carregava materiais que utilizava nas regências. Sobre isso lembra e descreve interações com os estudantes nas aulas, como quando ao final do período de aula “estar carregando a mochila para ir embora e meus alunos ajudando, porque como eu era da comunidade, todo mundo me conhecia”.
Já como professora, a disponibilidade de recursos voltou a ser lembrada, agora avaliando a qualidade do material de estudo fornecido aos alunos que, considerando inadequada, levou Gabriela a se empenhar na realização de um trabalho extra de pesquisa, para atender a expectativa que tinha do seu fazer docente. Acerca de tal trabalho revela que “foi muito cansativo, porque foi um trabalho extra que eu fiz”, além disso, sentiu “uma responsabilidade muito grande e por vezes ficou muito sobrecarregada”. Contando com poucos recursos para as aulas, como o projetor e a apostila, houve a necessidade de usar recursos próprios, o celular pessoal. Também ressalta a interação com seus colegas de trabalho com quem conseguiu desenvolver projetos e atividades, como jogos. O comprometimento em adequar os objetivos do cursinho com o que observou dos estudantes e o sentimento de responsabilidade que citou revelam uma responsabilidade ética da profissão, ao realizar uma sistematização de prioridades nos conteúdos a serem trabalhados nas aulas, indo ao encontro da realidade dos estudantes, mesmo com as dificuldades identificadas, sem “negar a quem sonha o direito de sonhar” (Freire, 2017, p. 141), o que remete à amorosidade do querer bem ao educando.
O trabalho extra ao qual Gabriela se propôs, o uso de recursos próprios e o não recebimento de meses de salário são elementos que fazem parte do entendimento de que a profissão professor é desvalorizada na medida em que esse sujeito trabalha “por amor” e é precarizada quando parece natural a necessidade de emprego de recursos próprios.
Na fala sobre o Pibid, os aspectos desse núcleo não foram mencionados, o que pode ser decorrente de esse momento de formação ter sido mais centrado na construção, ou reconstrução, de si mesma na área da educação. Outra influência desse fato pode ser que todos os recursos necessários para realizar atividades do Pibid eram organizados/confeccionados pelos pibidianos e providenciados com verbas do próprio Programa.
IV. No núcleo “Os estudantes, suas interações e sentimentos”, evidencia-se o olhar de Gabriela sobre os alunos com que interagiu durante sua formação inicial e como professora, buscando entender os indivíduos para além da sala de aula, como seres que interagem na sociedade e consigo mesmos.
Como estagiária, considera o contexto social dos alunos, tendo em vista que morava próximo da escola. Além do conhecimento da vida escolar dos estudantes com quem interagiu, destaca que tomou conhecimento de histórias nas quais os estudos tiveram impacto para uma mudança de vida dos indivíduos, mas também histórias nas quais alguns tiveram suas vidas encurtadas. Aqui Gabriela não fala sobre aprendizagem, mas, sim, sobre situações que a afetaram emocionalmente, como ao conhecer histórias de violência contra uma estudante.
Mantendo um olhar sensível sobre os alunos, como professora, passa a relatar as dificuldades de aprendizagem desses, tanto por não dominarem conteúdos básicos quanto pela ansiedade, que se manifestava antecedendo a realização de exercícios nas aulas e as provas. Com referência a isso, Gabriela construiu práticas de trabalho alternativas para o desenvolvimento da aprendizagem dos seus estudantes, como o projeto que chamou de “Física com Meditação”.
Ao refletir sobre as dificuldades relacionadas aos momentos de ensino-aprendizagem, Gabriela, como professora, volta sua fala às condições nas quais esse processo ocorre, como no dividir a única tomada da sala entre as diversas necessidades presentes, baterias de celular e o acontecimento da aula. Aqui identificamos um querer bem aos educandos, pois, ao falar sobre representações de si durante seu processo formativo como docente, não se fecha ao sofrimento e à inquietação dos estudantes. Sensível, Gabriela percebe e incorpora à sua docência a dedicação de atenção às interações na sala de aula/escola como interações humanas, dado que “significa esta abertura ao querer bem a maneira que tenho de autenticamente selar o meu compromisso com os educandos, numa prática específica do ser humano” (Freire, 2017, p. 138).
Os estudantes de cursinho pré-vestibular são jovens e adultos que almejam ingressar no ensino superior, e podemos ligar as práticas de Gabriela à ação cultural para a liberdade discutida por Paulo Freire, pela qual temos que a “pobreza e desigualdade se combatem mediante o fortalecimento das capacidades de pessoas e os recursos das comunidades para agir por si mesmas, resolvendo problemas e melhorando sua qualidade de vida” (Oliveira, 2010, p. 215) o que, entre outras coisas, implica o resgate de autoestima, dignidade, confiança e sentido de futuro.
O aspecto da aprendizagem e da construção de práticas, a partir da sua observação sobre as dificuldades dos estudantes, não é citado nas falas sobre o Pibid e o estágio. Consideramos que, como professora, a responsabilidade que sente pode ser o fator que a leva a esse tipo de reflexão/ação.
V. “Os espaços institucionais na formação inicial” é um núcleo construído a partir das falas de Gabriela sobre os momentos de formação inicial e o espaço da universidade. Ao falar do Pibid, destaca a importância do Programa na formação de professores, pelas práticas realizadas durante as reuniões e os momentos de estruturação de pensamentos e ações mediante leituras, discussões e vivências na escola. Do estágio retoma a orientação dada pelos professores da universidade e a prática da escrita como registro das vivências e observações nas escolas, o que ia além do relato, sendo também reflexão. Em sua experiência docente no cursinho pré-vestibular, Gabriela sentiu falta de um espaço de diálogo com os colegas professores, para firmar parcerias, realizar atividades e compartilhar observações sobre os estudantes, espaço esse que imagina existir em uma escola, ao dizer que “não é igual uma escola que você entra na hora do intervalo tem um monte de professor”, e que experimentou na universidade durante sua formação inicial, em reuniões e aulas.
Considerações
O objetivo deste artigo foi compartilhar a primeira parte da análise realizada a partir de uma, dentre três entrevistas feitas coletivamente, com uma professora recém-formada que teve em sua formação inicial o contato com escola, professores e estudantes também ao participar do Pibid, além das atividades de estágio. Como instrumento inicial, utilizamos uma dinâmica de representação do próprio ser de cada um dos participantes, na condição de pibidianos, estagiários e docentes, mediante objetos que estivessem carregando consigo. Embora, nesses momentos, questões que remetem à ética e à estética ainda tivessem sido estimuladas por perguntas, foi possível pontuar elementos de falas, como reflexões que marcaram a trajetória de Gabriela como iniciante na docência.
As análises aqui apresentadas foram parte da nossa busca por responder “Quais os sentidos atribuídos a ética e estética no exercício da docência, que emergem em discussões sobre situações de sala de aula entre professores que vivenciaram o Pibid, o estágio supervisionado (estágio) e a efetiva docência (docência)? ” por meio da apreensão de sentidos.
Nas falas e reflexões de Gabriela, podemos encontrar elementos de ética e de estética nas relações que teceu com os estudantes, na forma que reflete sobre sua prática e na disposição e no comprometimento com que realiza as atividades docentes. Evidenciamos, em Gabriela, o seu olhar de querer bem aos estudantes e também os seus processos de reconstrução dentro da educação - que remetem à ética da responsabilidade de seu trabalho e à estética de ressignificar e compreender o mundo a partir dos sentidos.
Participando do Pibid, as experiências de Gabriela na escola provocaram um processo de quebra de expectativas, o que a machucou, porém, no mesmo projeto, nas reuniões na universidade, ela pôde desabafar, estudar e discutir. No estágio, percebe a realidade dos estudantes e relata o hábito de registrar suas observações e reflexões em um caderninho; suas anotações eram levadas para as reuniões na universidade. Como professora, em cursinho pré-vestibular, Gabriela aponta as dificuldades que percebeu para realizar sua prática docente, como encontrar espaços de interação com os demais professores, muito conteúdo a ser trabalhado, pouco tempo de aulas para incluir atividades diferentes no cronograma, qualidade inadequada da apostila, dificuldades dos estudantes em conceitos considerados básicos e em controlar as emoções em um momento de prova, entre outros. Porém, por meio de seus relatos, notamos que Gabriela construiu sua própria forma de agir e pensar a/na docência, pois descreveu as parcerias que firmou com outros professores, a realização de atividades de jogos, o desenvolvimento de experimentos da área que leciona e os projetos que trabalhavam a concentração e a calma dos estudantes. Gabriela revelou também, em seus relatos, que busca entender quem são os estudantes, para além do contexto da escola, observando-os e observando o mundo, querendo entender como eles se expressam e pensam, para isso, reconhece que precisa compreender os produtos culturais que consomem, pois, dessa forma, pode se aproximar e aproximar os conhecimentos escolares deles.
A busca por elementos de ética e estética na formação e na atuação de Gabriela pode ainda ser mais explorada com a segunda parte da entrevista, não retratada neste artigo, realizada no âmbito da pesquisa. Aqui apresentamos a organização da análise a fim de investigar o tema ética e estética na formação de professores através dos núcleos de significação e em caminho da apreensão de sentidos.
Por fim, cabe ressaltar que a pesquisa evidencia que a ética e a estética na formação inicial de professores contribuem para a ampliação de diferentes aspectos que tecem a trama da educação, desde que a sensibilização e a reflexão fomentem práticas construídas em prol da humanização e da compreensão do mundo pelo sentir. Ao refletir sobre a ética e a estética, associadas à própria condição humana, formando o professor com intencionalidade acerca de tais aspectos, também intencionalmente, contribuir-se-á para uma educação humanizadora.