1 INTRODUÇÃO
Sabemos que a Geometria é um campo da Matemática que proporciona ao aluno o desenvolvimento do pensamento, permitindo compreender, descrever e representar de maneira organizada e ordenada alguns aspectos do mundo em que vive. Ela envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e procedimentos necessários para resolver problemas do mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento (BRASIL, 2017 p. 229).
Desde os primeiros anos de vida a criança, mesmo sem frequentar a escola, desenvolve conceitos geométricos por meio das relações e interação com seu entorno. Dentre os diversos conteúdos matemáticos, a Geometria proporciona aos sujeitos a estimativa, observação, comparação e localização. Assim, muito antes de saber ler e escrever, o sujeito tem noções geométricas, contudo, sem a formalização e conceitualização matemática, é uma noção subjetiva.
É neste âmbito que se estabelece a necessidade de refletir sobre o ensino de Geometria, ainda que a sua presença seja recorrente em nosso cotidiano, na prática escolar, muitas vezes se distancia da realidade do aluno, sendo apresentada a elas de uma maneira descontextualizada. Assim, há necessidade de o professor se estabelecer como aquele que promove experiências formativas de forma que faça as relações necessárias e adequadas ao trabalhar com o tema.
Desse modo, discorreremos a seguir sobre a formação continuada do professor, com objetivo de difundir o ensino de Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a partir dos Programas Federal: Pró-Letramento em Matemática; o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa - PNAIC e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
2 ENSINO DE GEOMETRIA
A Geometria é um componente importante presente no currículo da Matemática, porque as relações e as ideias geométricas, por um lado, são úteis em situações de todos os dias e, por outro estão relacionadas com outros tópicos matemáticos. Nesse sentido, os alunos se interessam pela Geometria e consideram-na interessante e motivadora por mexer com o mundo em que vivem.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais ressaltam a importância do ensino da geometria nos anos iniciais, pois segundo estes:
Estimula a criança a observar, perceber semelhanças e diferenças, identificar regularidades e vice-versa. Além disso, se esse trabalho for feito a partir da exploração dos objetos do mundo físico, de obras de arte, pinturas, desenhos, esculturas e artesanato, ele permitirá ao aluno estabelecer conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento. (BRASIL, 1998, p. 55-56).
A Geometria pode ser construída em um primeiro momento a partir da observação da criança, das conjecturas, da exploração, da manipulação, do construir e desconstruir, fazendo relações do que existe no mundo real e do que está no papel.
Nesse contexto, Matos e Serrazina (1996) definem a Geometria como uma das formas essenciais de orientação espacial para o mundo. Para tanto, a aprendizagem de Geometria deve ser multifacetada, envolvendo aprendizagens em múltiplos campos, como da arte, da linguagem e nas aplicações da Matemática.
Para tanto, a compreensão espacial é necessária para interpretar, compreender e apreciar o nosso mundo, que tem caráter geométrico. As crianças, antes antes de frequentarem o ensino regular, desenvolvem um forte sentido das relações espaciais e ao se apropriarem da linguagem e dos conceitos geométricos cotidianos, ficam preparadas para aprenderem as ideias relacionadas com os números e com as medidas. Concordamos com Serrazina (1999), ao dizer que o conhecimento geométrico
[...] é importante na vida quotidiana, para uma pessoa se orientar, estimar formas e distâncias, fazer medições indiretas ou apreciar a ordem e a estética na natureza e na arte. É também importante na comunicação, por exemplo, para dar e receber informações relativas ao modo de se chegar a um dado lugar. (SERRAZINA, 1999, p. 69).
Desse modo, para aprender Geometria, os alunos precisam investigar, experimentar e explorar, usando tanto os objetos do cotidiano, como materiais para que possam fazer as relações por meio da visualização, do desenho, da comparação de formas em diferentes posições, para que, assim, possam desenvolver o sentido espacial. Consequentemente, o professor precisa instigar essas explorações, que podem variar entre atividades simples e situações problemáticas desafiantes que estimulem o desenvolvimento do raciocínio do aluno.
Contudo, como os outros blocos de conteúdo, o ensino de Geometria nos anos iniciais do ensino fundamental enfrenta dificuldades em relação à formação do professor. Assim, concordamos com Lorenzato (1995, p. 3) quando afirma que “[…] o professor que não conhece Geometria também não conhece o poder, a beleza e a importância que ela possui para a formação do futuro cidadão, então, tudo indica que, para esses professores, o dilema é tentar ensinar Geometria sem conhecê-la ou então não ensiná-la.”
Diante dessa realidade, observa-se que, nas últimas décadas, foram criados dois programas federais para formação dos professores que ensinam matemática nos anos iniciais do ensino fundamental: o Pró-Letramento em matemática e o PNAIC. Esses programas destinaram um fascículo para o ensino da Geometria e, recentemente, a BNCC, documento que garante as aprendizagens essenciais, a todos os alunos da Educação Básica de qualquer lugar deste país.
O Programa do Governo Federal, o Pró-Letramento em Matemática, foi um curso de 120 horas denominado como formação continuada em serviço. Sua base foi a reflexão e a escrita como um dos fatores principais para a reflexão sobre a Matemática. O Programa contava com uma prática na qual os professores cursistas tinham atividades presenciais, a distância, individuais, em grupo e aplicação em sala de aula, sempre com o intuito da reflexão e, consequentemente a melhoria do ensino.
O material do curso, antes da revisão de 2007, era composto por 9 fascículos. Em 2008, o material foi revisado, retirou-se um fascículo por perceberem que estava fora de contexto e foram acrescentadas as Matrizes de Referência do 5º ano e SAEB (Prova Brasil). Após a revisão, o material ficou dividido em 8 fascículos, contemplando todos os blocos de conteúdos (Números e Operações, Espaço e Forma, Grandezas e Medidas e Tratamento da Informação).
Além dos fascículos, o material dispunha do encarte para o tutor, que o auxiliava com dicas para a organização do tempo e ainda instigava os professores cursistas durante as discussões e reflexões. Para este artigo vamos nos pautar no fascículo 3 - Espaço e Forma, destinado à formação continuada em geometria, este traz:
A localização e movimentação no espaço com diferentes pontos de referência, a observação e reconhecimento de formas geométricas presentes na natureza e nos objetos criados pelo homem e a exploração e criação de situações que envolvam formas geométricas serão alvo de nossas discussões. Além disso, neste fascículo você terá oportunidade de refletir a respeito do que já tem realizado em sala de aula qualificando ainda mais sua ação como docente. (BRASIL, 2008, p. 10).
Durante o curso, o fascículo 3 trouxe uma maneira interdisciplinar de trabalhar a Geometria no permitindo um trabalho mais dinâmico e possibilitando a inserção de outras áreas de conhecimento de modo a ampliar o conhecimento do professor.
No decorrer do fascículo, os autores se preocuparam não só com a Matemática, mas com a contextualização no cotidiano. O texto dá importância à Geometria, à localização e orientação em um espaço, representações por meio de vistas superiores, ângulos, exploração de figuras planas, simetrias, paralelismo, arte e, para finalizar, introdução à fração com o trabalho da construção do Tangram, compondo, assim, as discussões acerca do trabalho com a Geometria. Nota-se que o Pró-Letramento em Matemática veio para contribuir com qualidade do ensino-aprendizagem, proporcionando momentos de reflexão do conhecimento docente, criando, assim, uma cultura de formação continuada aos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa teve como objetivo garantir o direito de alfabetização plena a meninas e meninos, até o 3º ano do ciclo de alfabetização, tendo como eixo principal a formação continuada de professores alfabetizadores. Sua elaboração e execução teve como base o Pró-Letramento, com o diferencial de ter, durante os encontros presenciais, mais subsídios teóricos trazidos pelos Cadernos de Alfabetização Matemática. Diferente do programa anterior, o PNAIC não trouxe o curso de Matemática e Língua Portuguesa concomitantemente. Primeiro foi oferecido o de Língua Portuguesa e depois o de Matemática, com o aprofundamento em Língua Portuguesa.
O material está dividido em 13 Cadernos, com
[...] a tarefa de subsidiar as discussões relativas à formação continuada presencial para professores alfabetizadores e seus orientadores de estudo, ampliando as discussões sobre a alfabetização na perspectiva do letramento no que tange a Matemática. Em outras palavras, que conceitos e habilidades matemáticas são necessários para que a criança possa ser considerada alfabetizada dentro dessa perspectiva. (BRASIL, 2014, p. 8).
Para o trabalho com o Caderno de Alfabetização Matemática, em Geometria, o Programa PNAIC destinou um período de 12 horas de estudos presenciais nos quais os professores realizam tarefas, discutem e refletem sobre a Geometria nos anos iniciais do ensino fundamental. Assim, as reflexões acerca do Caderno de Geometria, se pautam em objetivos que proporcionam ao aluno representar, reconhecer, observar, identificar, manusear, estabelecer comparações, planificar, perceber semelhanças e diferenças, construir, descrever, antecipar resultados, desenhar além de construir noções de localização e movimentação em diferentes espaços e situações.
Já a BNCC não pode ser comparada aos programas anteriores, posto que é um documento de caráter normativo que define o conjunto de aprendizagens essenciais ao longo da Educação Básica (BRASIL, 2017). Ela abrange todas as áreas de conhecimento, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. No Ensino Fundamental, nas séries iniciais, que é nosso foco, o documento contempla cinco grandes áreas, Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e Ensino Religioso. Portanto, este documento será utilizado como
Referência nacional para a formulação dos currículos dos sistemas e das redes escolares dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e das propostas pedagógicas das instituições escolares, a BNCC integra a política nacional da Educação Básica e vai contribuir para o alinhamento de outras políticas e ações, em âmbito federal, estadual e municipal, referentes à formação de professores, à avaliação, à elaboração de conteúdos educacionais e aos critérios para a oferta de infraestrutura adequada para o pleno desenvolvimento da educação. (BRASIL, 2017, p. 8).
Sabemos que o fato de ser um documento normativo, não garante um ensino de qualidade. Por se tratar de um país com dimensões continentais e com inúmeras especificidades e diversidades culturais, faz-se necessário um amplo programa de formação inicial e continuada, para que a BNCC, por meio dos currículos, esteja de fato na sala de aula, garantindo a igualdade, a diversidade e a equidade, de modo que todos os estudantes tenham assegurados os direitos de aprendizagem.
Com relação à Geometria, na proposta da BNCC para os anos iniciais, espera-se que:
os alunos identifiquem e estabeleçam pontos de referência para a localização e o deslocamento de objetos, construam representações de espaços conhecidos e estimem distâncias, usando, como suporte, mapas (em papel, tablets ou smartphones), croquis e outras representações. Em relação às formas, espera-se que os alunos indiquem características das formas geométricas tridimensionais e bidimensionais, associem figuras espaciais as suas planificações e vice-versa. Espera-se, também, que nomeiem e comparem polígonos, por meio de propriedade relativas aos lados, vértices e ângulos. O estudo das simetrias deve ser iniciado por meio da manipulação de representações de figuras geométricas planas em quadriculados ou no plano cartesiano, e com recurso de softwares de geometria dinâmica. (BRASIL, 2017, p. 230).
Esses objetivos acima descritos são expressos nos objetos de conhecimento e nas habilidades previstos para os anos iniciais, elencados no Quadro 1, contemplados na BNCC.
UNIDADE TEMÁTICA - GEOMETRIA | ||
1º ANO | OBJETOS DE CONHECIMENTO | HABILIDADES |
Localização de objetos e de pessoas no espaço, utilizando diversos pontos de referência e vocabulário apropriado | (EF01MA11) Descrever a localização de pessoas e de objetos no espaço em Relação à sua própria posição, utilizando termos como à direita, à esquerda, em frente, atrás. (EF01MA12) Descrever a localização de pessoas e de objetos no espaço segundo um dado ponto de referência, compreendendo que, para a utilização de termos que se referem à posição, como direita, esquerda, em cima, em baixo, é necessário explicitar-se o referencial. | |
Figuras geométricas espaciais: reconhecimento e relações com objetos familiares do mundo físico | (EF01MA13) Relacionar figuras geométricas espaciais (cones, cilindros, esferas e blocos retangulares) a objetos familiares do mundo físico. | |
Figuras geométricas planas: reconhecimento do formato das faces de figuras geométricas espaciais | (EF01MA14) Identificar e nomear Figuras planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo) em desenhos apresentados em diferentes disposições ou em contornos de faces de sólidos geométricos. | |
2º ANO | Localização e movimentação de pessoas e objetos no espaço, segundo pontos de referência, e indicação de mudanças de direção e sentido | (EF02MA12) Identificar e registrar, em linguagem verbal ou não verbal, a localização e os deslocamentos de pessoas e de objetos no espaço, considerando mais de um ponto de referência, e indicar as mudanças de direção e de sentido. |
Esboço de roteiros e de plantas simples | (EF02MA13) Esboçar roteiros a ser seguidos ou plantas de ambientes familiares, assinalando entradas, saídas e alguns pontos de referência. | |
Figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera): reconhecimento e características | (EF02MA14) Reconhecer, nomear e comparar figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera), relacionando-as com objetos do mundo físico. | |
Figuras geométricas planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo): reconhecimento e características | (EF02MA15) Reconhecer, comparar e nomear figuras planas (círculo, quadrado, retângulo e triângulo), por meio de características comuns, em desenhos apresentados em diferentes disposições ou em sólidos geométricos. | |
3º ANO | Localização e movimentação: representação de objetos e pontos de referência | (EF03MA12) Descrever e representar, por meio de esboços de trajetos ou utilizando croquis e maquetes, a movimentação de pessoas ou de objetos no espaço, incluindo mudanças de direção e sentido, com base em diferentes pontos de referência. |
Figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera): reconhecimento, análise de características e planificações | (EF03MA13) Associar figuras geométricas espaciais (cubo, bloco retangular, pirâmide, cone, cilindro e esfera) a objetos do mundo físico e nomear essas figuras. (EF03MA14) Descrever características de algumas figuras geométricas espaciais (prismas retos, pirâmides, cilindros, cones), relacionando-as com suas planificações. | |
Figuras geométricas planas (triângulo, quadrado, retângulo, trapézio e paralelogramo): reconhecimento e análise de características | (EF03MA15) Classificar e comparar figuras planas (triângulo, quadrado, retângulo, trapézio e paralelogramo) em relação a seus lados (quantidade, posições relativas e comprimento) e vértices. | |
Congruência de figuras geométricas planas | (EF03MA16) Reconhecer figuras congruentes, usando sobreposição e desenhos em malhas quadriculadas ou triangulares, incluindo o uso de tecnologias digitais. | |
4º ANO | Localização e movimentação: pontos de referência, direção e sentido Paralelismo e perpendicularismo | (EF04MA16) Descrever deslocamentos e localização de pessoas e de objetos no espaço, por meio de malhas quadriculadas e representações como desenhos, mapas, planta baixa e croquis, empregando termos como direita e esquerda, mudanças de direção e sentido, intersecção, transversais, paralelas e perpendiculares. |
Figuras geométricas espaciais (prismas e pirâmides): reconhecimento, representações, planificações e características | (EF04MA17) Associar prismas e pirâmides a suas planificações e analisar, nomear e comparar seus atributos, estabelecendo relações entre as representações planas e espaciais. | |
Ângulos retos e não retos: uso de dobraduras, esquadros e softwares | (EF04MA18) Reconhecer ângulos retos e não retos em figuras poligonais com o uso de dobraduras, esquadros ou softwares de geometria. | |
Simetria de reflexão | (EF04MA19) Reconhecer simetria de reflexão em figuras e em pares de figuras geométricas planas e utilizá-la na construção de figuras congruentes, com o uso de malhas quadriculadas e de softwares de geometria. | |
5º A N O | Plano cartesiano: coordenadas cartesianas (1º quadrante) e representação de deslocamentos no plano cartesiano | (EF05MA14) Utilizar e compreender diferentes representações para a localização de objetos no plano, como mapas, células em planilhas eletrônicas e coordenadas geográficas, a fim de desenvolver as primeiras noções de coordenadas cartesianas. (EF05MA15) Interpretar, descrever e representar a localização ou movimentação de objetos no plano cartesiano (1º quadrante), utilizando coordenadas cartesianas, indicando mudanças de direção e de sentido e giros. |
Figuras geométricas espaciais: reconhecimento, representações, planificações e características | (EF05MA16) Associar figuras espaciais a suas planificações (prismas, pirâmides, cilindros e cones) e analisar, nomear e comparar seus atributos. | |
Figuras geométricas planas: características, representações e ângulos | (EF05MA17) Reconhecer, nomear e comparar polígonos, considerando lados, vértices e ângulos, e desenhá-los, utilizando material de desenho ou tecnologias digitais. | |
Ampliação e redução de figuras poligonais em malhas quadriculadas: reconhecimento da congruência dos ângulos e da proporcionalidade dos lados correspondentes | (EF05MA18) Reconhecer a congruência dos ângulos e a proporcionalidade entre os lados correspondentes de figuras poligonais em situações de ampliação e de redução em malhas quadriculadas e usando tecnologias digitais. |
Fonte: adaptado da BNCC (BRASIL, 2017, p. 276-295).
Desse modo, os professores precisam compreender como se organizam as habilidades, para que, a partir delas, possam pensar as estratégias de ensino. Para que isso ocorra, os processos formativos precisam contemplar a escuta ativa, de modo que seja possível analisar o nível de entendimento dos docentes e, assim, contribuir com reflexões que possam levar à desconstrução de práticas descontextualizadas. Isso tornará os momentos de discussões mais significativos, dinâmicos e criativos, reverberando no dia a dia da sala de aula e garantindo os direitos de aprendizagens de todos os estudantes.
3 FORMAÇÃO CONTINUADA
Sabemos que a Geometria está presente no cotidiano e, com a intervenção do professor, os alunos constroem as noções e conceitos geométricos para utilizarem nos diversos contextos, sempre que necessário, reconhecendo a Geometria na arte, na natureza, na recreação e na resolução de problemas.
Quando observamos as obras de arte, podemos perceber que foram aplicados princípios geométricos em suas construções, ou seja, ideias matemáticas estão por trás das belas pinturas, esculturas, tapetes, mosaicos etc.
Na natureza, encontramos formas que podemos utilizar no ensino da Geometria. Assim, “[...] a proporção, o padrão e a regularidade, a beleza, o equilíbrio encontrados nas formas é um fenômeno que atrai e envolve o homem.” (BRASIL, 2014, p. 16).
O potencial recreativo da Geometria foi reconhecido e aproveitado pelas pessoas ao longo dos séculos. Um exemplo, é o jogo chinês Tangram, considerado um recurso didático com grande potencial, no qual é possível estabelecer relações entre as peças, compondo e decompondo as figuras.
Como já observamos, a Geometria não se restringe apenas à sala de aula. Recio e Rivaya (1989) afirmam o quão importante é ensinar a Geometria no que tange a produção industrial, arquitetura, topografia, além dos aspectos da natureza, essencial na arte e no cotidiano do indivíduo. Nesse sentido, concordamos com Lorenzato (1995, p. 8) ao afirmar que
Em termos de prática pedagógica, as crianças devem realizar inúmeras experiências ora com o próprio corpo, ora com objetos e ora com imagens; para favorecer o desenvolvimento do senso espacial das crianças é preciso oferecer situações onde elas visualizem, comparem e desenhem formas: é o momento do dobrar, recortar, moldar, deformar, montar, fazer sombras, decompor, esticar [...] para, em seguida, relatar e desenhar, é uma etapa que pode parecer mero passatempo, porém é de fundamental importância.
Percebe-se, na fala do autor, a importância da vivência por parte das crianças, para que desenvolvam o senso espacial. No entanto, sabemos para que isso aconteça é necessária uma ação intencional por parte do professor. É preciso dar o devido valor à Geometria, pois é vista “como uma ciência formativa, seu estudo conduzindo a hábitos de raciocínios e ao refinamento da inteligência. A Geometria ocupa um lugar de destaque [...] por ser essencial para o desenvolvimento dos filósofos e dos governantes.” (PAVANELLO, 1989, p. 37).
Pavanello (1993) aponta que, após a promulgação da Lei 5692/71 as escolas tiveram maior liberdade em relação à decisão dos conteúdos programáticos, com isso a Geometria foi relegada para segundo plano devido a insegurança dos professores em ministrar tais conteúdos. Assim, concordamos com a autora ao dizer que o abandono implica “[...] a necessidade de investimentos em pesquisas sobre metodologias mais apropriadas para a abordagem desse conteúdo e em ações destinadas a proporcionar aos professores condições para a melhoria na qualidade do ensino.” (PAVANELLO, 1993, p. 16).
Nesse contexto, passadas mais de duas décadas, o Governo Federal vem proporcionando aos professores que ensinam Matemática programas para suprir defasagens no ensino e aprendizagem. Nesse sentido, enfatizamos aqui, o trabalho com os Programas Federal Pró-Letramento em Matemática, o PNAIC em Matemática e, recentemente, Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no ensino de Geometria. Programas e documento esses que vieram ao encontro das necessidades do professor que ensina Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental, no sentido de
[...] promover aprendizagens que despertem a capacidade do educador para: interagir com a problemática do contexto no qual a instituição está inserida; buscar constantemente a atualização dos conhecimentos adquiridos, tanto dentro como fora do contexto escola; enfrentar os conflitos e demandas atuais; interagir com o grupo, em discussões e na troca de experiências; inserir-se num contexto interdisciplinar de trabalho; relacionar-se com outras áreas de atuação. (FELDMANN, 2009, p. 13).
Diante do cenário do ensino de Geometria no Brasil, as pesquisas destacam a necessidade da formação continuada do professor. Esses dados são apresentados pelos estudos de Oliveira (2007), Lamonato (2011) e Sena e Dorneles (2013). Ambos revelam uma priorização em números e operações, proporcionando uma abordagem insuficiente em Geometria.
Para tentar sanar as dificuldades vividas pelos professores, com os conteúdos de Geometria, os Programas Pró-Letramento e PNAIC criaram uma prática de formação continuada proporcionando aos professores momentos de discussões, reflexões as quais promovem em um contexto interdisciplinar novas aprendizagens em Geometria, como aborda Feldmann (2009).
Diante dessa situação, é fundamental o papel da formação continuada dos professores, pois
[...] ao falarmos em Geometria é necessário nos reportarmos ao pensamento geométrico, definido como resultado das relações e das representações espaciais que as crianças desenvolvem desde muito pequenas. Tal pensamento se forma inicialmente pela exploração sensorial dos objetos, das relações e deslocamento que realizam no meio ambiente. (NEVES, 1998, p. 65).
Mesmo sabendo que as crianças desenvolvem as relações e representações desde pequenas, muitos professores assumem a dificuldade em trabalhar com Geometria. Isso se dá porque o modelo mental do professor é de uma Geometria difícil e complexa, por isso somente os especialistas estão capacitados para a tal “Geometria”. No entanto, a formação continuada em serviço a partir das políticas públicas, deveriam suprir as necessidades desse cenário, pois “[...] ainda é preciso superar algumas dificuldades relacionadas ao ensino de Geometria, como por exemplo, trabalhá-la somente no final do ano, como um campo desconectado de outros conteúdos como os números, grandezas e medidas e estatística.” (BRASIL, 2014, p. 9).
A maior dificuldade que enfrentamos com a formação continuada é a sua descontinuidade. Para tanto, percebemos a necessidade de momentos de discussão entre os professores, reflexão e acompanhamento do fazer pedagógico.
Um dos grandes desafios que os professores enfrentam é receber os alunos tendo um conhecimento geométrico a partir da geometria topológica, projetiva e finalizando com a euclidiana. Quando a ciência traz Geometria euclidiana, projetiva e topológica, estamos desrespeitando as fases das crianças. Como adverte Lorenzato (2008, p. 45-46):
O grande objetivo do ensino da geometria é fazer com que a criança passe do espaço vivenciado para o espaço pensado. No primeiro, a criança observa, manipula, decompõe, monta, enquanto no segundo ela operacionaliza, constrói um espaço interior fundamentado em raciocínio. Em outras palavras, é a passagem do concreto ao abstrato.
Sabemos que um grande desafio para os professores, sem dúvida, é a formação inicial como também a continuada. Nota-se que o Pró-Letramento e PNAIC em Matemática vieram para instigar os professores a propor atividades com significados que levem aos alunos vivenciarem o espaço para que mais tarde possam abstraí-lo. Nesse mesmo intuito, a BNCC “orienta-se pelo pressuposto de que a aprendizagem em Matemática está intrinsecamente relacionada à compreensão, ou seja, à apreensão de significados dos objetos matemáticos, sem deixar de lado suas aplicações.” (BRASIL, 2017, p. 274).
Apesar de todos os esforços para que o ensino de Geometria ocorra como o esperado, Fainguelernt (1999) afirma que existem várias causas para a ausência de seu ensino nas salas de aula. A primeira, é que a Geometria não se renovou, perdendo o vigor. A segunda é a formação do professor, pois não teve acesso ao conhecimento necessário para repertoriar e embasar sua prática pedagógica. A terceira é a jornada de trabalho excessiva e a quarta causa é o currículo que fica em segundo plano, priorizando o ensino das operações matemáticas. Nesse sentido, concordamos com Fainguelernt (1999, p. 20) ao afirmar que
A Geometria é considerada uma ferramenta para a compreensão, descrição e inter-relação com o espaço em que vivemos. [...] é talvez, a parte da Matemática mais intuitiva, concreta e ligada à realidade. [...] o ensino da Geometria, que não pode ser reduzido a aplicações de fórmulas e de resultados estabelecidos por alguns teoremas [...]
Percebemos que o ensino de Geometria nas escolas e nas universidades ainda é muito insipiente, mesmo com estudos enfatizando a compreensão e interrelação do espaço que vivemos, como traz Fainguelernt (1999). Entretanto, vimos no Pró-Letramento e PNAIC um esforço das universidades em instrumentalizar os professores, contudo, foram cursos pontuais e descontínuos.
Em nosso entendimento, acreditamos que a formação continuada precisa acontecer sistematicamente nas escolas, aproveitando o que cada Programa propõe e articulando com as necessidades formativas de cada professor. Já a BNCC, que chega à sala de aula por meio do currículo, traz em suas unidades temáticas, os objetos de conhecimento bem como as habilidades, para que os alunos com a ação intencional do professor, possam estabelecer relações, construir representações, usar mapas, identificar características de figuras planas e não planas entre outros objetivos de aprendizagem.
Percebemos a necessidade de formação continuada mais eficaz, como afirma Lorenzato (1995, p. 5):
Sem estudar Geometria as pessoas não desenvolvem o pensar geométrico ou o raciocínio visual e, sem essa habilidade, elas dificilmente conseguirão resolver as situações de vida que forem geometrizadas; também não poderão se utilizar da Geometria como fator altamente facilitador para a compreensão e resolução de questões de outras áreas de conhecimento humano. Sem conhecer a Geometria a leitura interpretativa do mundo torna-se incompleta, a comunicação das ideias fica reduzida e a visão da Matemática torna-se distorcida.
Nesse sentido, Nacarato e Passos (2003) constatam a falta não apenas dos docentes, mas também dos formadores de professores, afirmando que “o ensino da geometria não pode se pautar apenas na ênfase métrica ou no reconhecimento das figuras geométricas, como ocorre nas maiorias das escolas.” (NACARATO; PASSOS, 2003, p. 37).
Nesse mesmo contexto, a pesquisa de Hershkowitz, Bruckheimer e Vinner (1984, p. 273) “mostrou que os professores apresentam padrões de concepções incorretas semelhantes aos alunos de 5ª a 8ª séries.” Essa pesquisa mostra o baixo conhecimento sobre figuras geométricas e suas propriedades. Percebeu-se, portanto, que a problemática está em todos os anos do ensino fundamental.
Diante desse contexto, é importante destacar o que a BNCC traz em relação à Geometria:
A Geometria envolve o estudo de um amplo conjunto de conceitos e procedimentos necessários para resolver problemas do mundo físico e de diferentes áreas do conhecimento. Assim, nessa unidade temática, estudar posição e deslocamentos no espaço, formas e relações entre elementos de figuras planas e espaciais pode desenvolver o pensamento geométrico dos alunos. Esse pensamento é necessário para investigar propriedades, fazer conjecturas e produzir argumentos geométricos convincentes. É importante, também, considerar o aspecto funcional que deve estar presente no estudo da Geometria: as transformações geométricas, sobretudo as simetrias. As ideias matemáticas fundamentais associadas a essa temática são, principalmente, construção, representação e interdependência. (BRASIL, 2017, p. 269).
O grande desafio para a Educação Matemática é a formação inicial e formação continuada em serviço para os professores. Há algum tempo essa temática vem sendo discutida em seminários, congressos nos quais estudiosos discutem a má formação dos professores, principalmente em Geometria.
Analisando toda essa preocupação por parte de pesquisadores brasileiros, podemos enfatizar que a autonomia do professor, a criticidade e processo reflexivo, serão contemplados por meio de uma formação que subsidie efetivamente a prática docente. Formação esta, proposta não só pelas universidades na formação inicial, mas também pela formação continuada em serviço, pois “o professor é o principal protagonista de sua prática, desenvolvendo, experienciando, investigando e negociando com seus pares e com seus alunos.” (FIORENTINI, 2009, p. 241). Vale destacar que o trabalho de formação de professores no Brasil depende de políticas públicas e elas nem sempre atendem as reais necessidades dos professores e dos estudantes.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse artigo trouxemos a Geometria no processos formativos vividos pelos professores acerca dos Programas Federal: Pró-Letramento em Matemática e PNAIC em Matemática, no que se refere ao ensino de Geometria e a BNCC como documento normativo. Percebemos que mesmo com os Programas Federais o ensino de Geometria ainda é insuficiente, em relação ao trabalho com os outros blocos de conteúdos ou unidades temáticas como estão sendo chamados na BNCC.
Avaliamos que os programas Pró-Letramento e PNAIC vão ao encontro das necessidades dos professores, mas o tempo para sua realização é insuficiente e descontínuo. Tanto no Pró-Letramento como no PNAIC em Matemática, os professores não têm tempo suficiente para realização de todas as vivências trazidas e, em muitos casos, participam apenas para ter a certificação, dessa forma, o curso não revela as práticas em sala de aula.
Acreditamos que, para termos resultados, ou seja, mudanças em sala de aula, no tocante ao ensino de Geometria, como proposto nos Programas Federal e na BNCC, há necessidade de readequação dos currículos na formação inicial e propostas de formações continuadas em serviço, nas quais teoria e práticas estejam cotidianamente dialogando. No entanto, para que isso ocorra, os professores precisam de tempo e espaços para se repertoriarem, refletirem e aperfeiçoarem suas práticas.
Nesse contexto, esperamos que a BNCC, venha agregar e direcionar as discussões e reflexões acerca do ensino e aprendizagem da Geometria.