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Educação UNISINOS

versão On-line ISSN 2177-6210

Educação. UNISINOS vol.23 no.1 São Leopoldo jan./mar 2019  Epub 18-Jun-2019

https://doi.org/10.4013/edu.2019.231.05 

Dossiê: Mulheres na História da Educação formação e profissionalização

Onde estavam as mulheres? O ensino superior nos Estados Unidos entre os séculos XIX e XX

Where were the women? Higher education in the United States between the 19th and 20th centuries

Mirian Jorge Warde1 

Ana Cristina Rocha2 

1Universidade Federal de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Educação. Estr. do Caminho Velho, 353 - Jardim Nova Cidade, Guarulhos – SP, Brasil.

2Fundação Oswaldo Cruz. Av. Brasil, 4365 - Manguinhos, Rio de Janeiro – RJ, Brasil.


Resumo

Enquanto a escolarização básica norte-americana tornava-se objeto de interesse internacional por suas práticas inovadoras, o ensino superior universitário excluía as mulheres de maneira sistemática. Somente em fins do século XIX, foi quebrada parte da resistência à presença das mulheres nas mais altas carreiras. Este artigo analisa esse processo de inserção, explorando as estratégias femininas de ocupação daqueles espaços. O trabalho contrapõe a narrativa de Slosson (1910) sobre o campo universitário norte-americano ao caso específico da Universidade de Columbia, sinalizando os conflitos que perpassaram essa integração. A partir dos relatórios anuais do Teachers College e dos trabalhos de Thomas (1986) e Weneck (1991; 1996) examinamos a posição ocupada pelas professoras deste college e as áreas nas quais sua presença foi mais significativa. Assim, este artigo procurou mapear as perspectivas femininas no interior deste campo, um fator relevante para dimensionar a experiência dos brasileiros que viajaram para cursos de especialização naquele país.

Palavras-chave:  Teachers College; universidade; educação feminina

Abstract

By the time elementary school in the United States became the object of international interest for its innovating practices, women were systematically excluded from college education. It was not until the late 19th century that part of the resistance to the presence of women in the highest careers was broken. This article analyzes this process of inclusion, exploring the feminine strategies to occupy these places. Slosson’s (1910) narrative about the American universities will be compared to the specific case of Columbia University, highlighting the conflicts involved in this integration. Investigating the annual reports of the Teachers College and the works of Thomas (1986) and Weneck (1991, 1996), discussion will focus on the position occupied by the women who worked in the institution and the areas in which their presence was most significant. Thus, this article seeks to apprehend the female perspectives within this field, a relevant factor to understand the experience of Brazilian educators that visited the U.S. with the purpose of taking specialization courses in Education.

Keywords:  Teachers College; university; women’s education

Introdução

Este artigo focaliza, nos Estados Unidos, os processos de inclusão e exclusão feminina no ensino superior entre as décadas finais do século XIX e as décadas iniciais do século XX. Destacamos o papel dos colleges e departamentos de educação na absorção dessa demanda, assim como os preconceitos em torno dessas instituições.

Ainda que aborde o contexto norte-americano, este artigo pretende contribuir para os estudos que analisam o papel das viagens de estudo na formação profissional dos educadores brasileiros, uma vez que o Teachers College da Universidade de Columbia exerceu papel significativo nesse contexto.3 O levantamento de professores brasileiros que frequentaram essa instituição, bem como a caracterização do seu corpo discente, sinaliza sua abertura à presença feminina. Assim, o artigo procura qualificar essa presença, sinalizando a existência de hierarquias de gênero no interior da Universidade, e que perpassavam os conflitos que existiram tanto no nível administrativo (como veremos nas disputas entre o Barnard e o Teachers College), quanto na distribuição dos espaços de poder no Teachers College. Ainda que de forma diversa, a experiência de viagem desses brasileiros foi permeada por essas hierarquias.

Ao analisar o processo de inclusão feminina no ensino superior norte-americano e britânico durante o século XIX, Myers (2010, p.5) ressalta que as mulheres foram o “primeiro grupo excluído a ganhar acesso amplo às universidades, antes exclusivamente brancas e masculinas”, num processo gradual de quebra do “monopólio do aprendizado” desses homens. Rosalind Rosenberg (2005, p.3) nos fornece outra dimensão desse “monopólio”, a partir da Universidade de Columbia: o Barnard College só permitiu a entrada de uma estudante negra pela primeira vez em 1925.4

Publicado em 1910, o livro de Edwin Slosson, Great American Universities é uma referência clássica sobre a situação do ensino superior norte-americano do começo do século XX. O campo sobre o qual escreveu não lhe era estranho: antes de se tornar editor do The Independent, Slosson obteve tanto o bacharelado (1890) quanto o mestrado em Ciências (1892) na Universidade de Kansas e foi professor de Química na Universidade de Wyoming. Completou o doutorado na Universidade de Chicago em 1902 e só em 1904 passou a trabalhar no jornal semanal em que publicou seus artigos sobre o ensino superior. Talvez por isso, Slosson tenha sido um dos pioneiros em apontar a importância da institucionalização da pesquisa dentro da Universidade (Thelin, 1983; 2011).

Enquanto a análise de Slosson nos fornece um quadro geral sobre a presença feminina nas universidades, a análise do caso específico da Universidade de Columbia nos ajuda a entender o problema em outra escala. Nesse sentido, este artigo contrapõe o Barnard College ao Teachers College de Columbia para indicar outras tensões que perpassavam a inclusão das mulheres, como a dimensão de classe e a inserção profissional delas no campo acadêmico. Tanto Sally Thomas (1986) quanto Bette Weneck (1991; 1996) são referências fundamentais para pensar essas questões. Elas também mostram como o Teachers College foi pensado dentro do debate sobre a relação entre divisão de gênero e mercado de trabalho.5

Além disso, os relatórios anuais da Universidade de Columbia e do reitor do Teachers College bem como os documentos sobre o Institute of Child Welfare Research (financiado pelo Laura Spellman Rockefeller Memorial) são fundamentais para dimensionar a presença feminina nesse espaço. A partir deles, este artigo procura indicar as atividades de pesquisa desenvolvidas pelas professoras daquele college – um elemento distintivo dentro da hierarquia acadêmica – bem como as áreas em que sua presença era mais significativa. Adotando essa perspectiva, este artigo examina como o processo de ampliação da presença feminina no ensino superior se desenvolveu no interior do Teachers College, sem deixar de considerar as assimetrias de poder ali existentes.

O ensino superior nos Estados Unidos: uma introdução

Edwin E. Slosson, jornalista influente e editor do magazine The Independent, dedicou os anos de 1908 e 1909 a visitar universidades nos Estados Unidos e a escrever sobre elas. Publicou no seu jornal uma matéria a cada mês sobre cada uma das 14 instituições selecionadas de janeiro de 1909 a março de 1910. Depois reuniu todas as matérias em um livro lançado em 1910 com o título Great American Universities.

Slosson incluiu, entre as selecionadas de maior porte, nove universidades financiadas por doações (endowed universities) – Harvard, Columbia, Chicago, Yale, Cornell, Princeton, Pensilvânia, Stanford e Johns Hopkins – e cinco universidades estaduais – de Michigan, Minnesota, Wisconsin, Califórnia e Illinois6.

Quadro 1 – Universidades estudadas por Slosson 

Universidade Localização Fundação7
Universidade de Harvard Cambridge, Massachusetts 1636
Universidade Yale New Haven, Connecticut 1701
Universidade da Pensilvânia Filadélfia, Pensilvânia 1740
Universidade de Princeton Princeton, Nova Jérsei 1746
Universidade de Columbia Manhattan, Nova Iorque 1754
Universidade Estadual de Michigan East Lansing, Michigan 1837
Universidade Estadual de Wisconsin Madison, Wisconsin 1848
Universidade Estadual da Califórnia Normal, Illinois 1860
Universidade Estadual de Illinois Normal, Illinois 1867
Universidade de Cornell Ithaca, Nova Iorque 1868
Universidade Estadual de Minnesota Mankato, Minnesota 1868
Universidade Johns Hopkins Baltimore, Maryland 1876
Universidade Stanford Stanford, Califórnia 18858
Universidade de Chicago Chicago, Illinois 1892

Embora já gozassem de prestígio político e ascendência intelectual no início do século XX, as universidades eram ainda relativamente recentes nos Estados Unidos quando Slosson empreendeu sua viagem de observação. Surgidas em meados do século XIX, as universidades estadunidenses se estabilizaram e cresceram expressivamente a partir da década de 1890, ganhando certa homogeneidade na sua denominação e na função exercida (Ribeiro, 2016; Thelin, 2011; Veysey, 1974).

Aparentando afirmar uma trivialidade, Slosson (1910, p. IX) destaca como “[...] traço distintivo de uma universidade” – onde quer que se instale – “o trabalho de pós-graduação”. Para a estabilização e convergência de propósitos da educação superior nos Estados Unidos, duas poderosas organizações privadas filantrópicas estariam atuando direta e sistematicamente: o General Education Board, criado por John D. Rockefeller em 1902, e a Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching, criada em 1905 por Andrew Carnegie.

Slosson utiliza frequentemente a Universidade de Columbia como termo de comparação. Situada na maior cidade do país, a referida universidade teria, para Slosson (1910, p. 446), “[...] a melhor chance para se tornar a maior das universidades americanas” e estaria trabalhando para isso, uma vez que estaria “[...] avançando mais rapidamente e, provavelmente, em breve ultrapassar[ia] todas as outras universidades, tanto no número de estudantes que estão trabalhando regularmente quanto de outras pessoas que recebem instrução em estudos especiais” (Slosson, 1910, p. 524).

Com dados colhidos nas universidades cotejados com outras fontes9, para o ano letivo que teve início no outono de 1909, Slosson apresenta o seguinte panorama numérico, confirmando a dianteira de Columbia à frente das duas principais concorrentes, Harvard e Chicago, em quesitos relevantes como renda, total de estudantes e estudantes nos cursos de pós-graduação:

Tabela 1 – Situação das quatorze universidades selecionadas por Slosson em 1909 

Universidades Renda
em dólares*
Total de estudantes Estudantes de graduação** Matrículas nos deptos. de pós-graduação Matrículas nas escolas de verão*** Doutorados conferidos de 1898-1909 Volumes nas bibliotecas
Columbia 2,207,501 6.232 1.158 797 1.971 436 434.194
Harvard 1,827,789 5.558 2.720 423 1.377 418 850.278
Chicago 1,899,755 5.487 1.464 441 3.253 448 470.856
Michigan 1,289,482 5.259 1.770 161 1.225 86 258.609
Pensilvânia 540,624 5.033 441 407 434 286 300.000
Cornell 1,417,304 5.028 953 253 889 237 369.051
Wisconsin 1,165,543 4.947 1.617 259 1.128 119 135.000
Illinois 1,693,898 4.638 913 272 - 14 134.298
Califórnia 1,443,500 4.520 1.827 414 819 47 240.000
Minnesota 1,266,392 4.436 1.567 93 315 32 135.000
Yale 1,204,208 3.297 1.229 396 - 394 575.000
Stanford 750,000 1.747 996 84 59 19 120.000
Princeton 560,690 1.400 1.164 134 - 36 257.800
Hopkins 317,000 725 157 178 - 360 144.000

*Para o último ano fiscal.

**No College of Arts.

***Summer schools de 1909 (Slosson, 1910).

As impressões finais de Slosson sobre as universidades visitadas não são inteiramente positivas. Compara com os seus tempos de estudante na Universidade do Kansas (1887-1890), quando “A especulação teológica, pura e simples, perdera o entusiasmo de uma geração anterior, mas a controvérsia sobre a evolução ainda não havia diminuído, e a ascensão da sociologia e da psicologia experimental estava iniciando novas questões em religião, ética e política” (Slosson, 1910, p. 501). Aparentemente os estudantes dos anos recentes não estavam envolvidos em discussão alguma, não tinham autores com os quais mantinham disputas intelectuais, assim como não tinham literatos de suas preferências. Pareciam mais envolvidos na ritualística dos estudos e pesquisas do que nas questões de fundo. Aliás, pareciam mais interessados na atlética do que em qualquer outra atividade. Slosson critica severamente o privilégio conferido aos praticantes dos esportes e a preeminência deferida aos torneios esportivos. Nesse sentido, também reserva elogios à Columbia, onde não viu privilégios e primazias destinados às atividades do corpo.

Mas não só de críticas Slosson preenche suas considerações finais. Há espaço para elogios e também para admitir que qualquer ex-estudante universitário tenderia a ver com melhores olhos os seus tempos do que os atuais. Para reservar espaço aos valorosos trabalhos de pesquisa, ao elevado preparo dos professores, à formação de alunos em novas profissões, à sensibilidade de algumas instituições em relação aos problemas sociais e políticos de suas cidades, Slosson não retoma as incisivas considerações distribuídas ao longo dos capítulos em torno dos preconceitos e das práticas discricionárias que observara em muitas das instituições visitadas.

A presença da população nativa entre os estudantes era quase imperceptível; as matrículas de estrangeiros começavam a crescer e parecia ser inexorável a frequência de asiáticos nas universidades do país, apesar de ainda vigorar, em algumas delas, um notável preconceito aos chineses e japoneses. O fato de Slosson dispender considerável espaço a tratar da presença dos estrangeiros nas universidades estadunidenses, por um lado, aponta para o seu forçoso processo de internacionalização que se estabelecia, mas, por outro lado, confere visibilidade aos preconceitos vigentes. Nesse mesmo âmbito, Slosson destaca o antissemitismo, o bloqueio generalizado à presença dos negros nas universidades observadas e a entrada tímida das mulheres em algumas delas; na maioria das vezes, em escolas e prédios separados10; em outros casos, pelas portas dos fundos nas disciplinas ou áreas de menor prestígio.

Princeton, por exemplo, era uma universidade que não admitia mulheres de forma alguma, excluía os negros inteiramente e também não participava do movimento de internacionalização que estaria varrendo o país. A título de comparação, Harvard, Yale e Cornell teriam vinte e cinco ou mais chineses cada, mas Princeton apenas um. Enquanto a Universidade de Columbia mantinha vinte e três estudantes japoneses, Princeton tinha matriculado um na escola de pós-graduação. Cornell tinha trinta e três estudantes da América do Sul; Pensilvânia tinha trinta e oito; Princeton, apenas um; e esse estudante tinha um nome inglês. O sentimento antissemita também foi constatado nas universidades, parecendo mais dominante em Princeton do que em qualquer outra.

Quanto à relação com as mulheres, Slosson constata uma grande disparidade. Como citado acima, mulheres estavam radicalmente excluídas de Princeton; por outro lado, Harvard havia criado um college para mulheres – o Radcliffe College –, considerado um “anexo” da universidade; encarado com desconfiança e menosprezo pelo conjunto masculino da instituição. “Harvard, que se orgulha de sua democracia e acolhe as disputas dos antípodas, atende às demandas das mulheres americanas pelo ensino superior, com uma concessão relutante e uma discriminação ostensiva” (Slosson, 1910, p. 25).

Slosson (1910, p. 26) registra com espanto medidas opostas tomadas pelas instituições em suas tentativas de afastar o que consideravam “a invasão da mulher” e evitar os riscos de efeitos negativos sobre a vida intelectual, a moral ou os bons modos. Yale, por exemplo, admitia mulheres para os cursos de doutorado, mas se recusava a conceder-lhes abertura para o mestrado, porque isso seria muito atraente. Harvard, por seu turno, “conduzindo esse ramo de negócios com o nome de Radcliffe”, oferecia o mestrado, mas não divulgava o fato de que mulheres poderiam obter – e realmente obtinham – o doutorado em vários departamentos. Em Harvard, era por meio das summer schools que as mulheres conseguiam ter maior acesso à instituição, ainda assim em quase metade das vagas preenchidas por homens. O caso de Harvard era emblemático quanto ao corpo docente: o ensino em Radcliffe College estava sob inteira responsabilidade de homens, tendencialmente os mais jovens e em postos inferiores da carreira (Slosson, 1910).

Em contrapartida, Slosson observa atitudes mais abertas nas universidades criadas em período mais recente, como Stanford, na qual as mulheres podiam escolher seus cursos aparentemente sem restrições, e principalmente nas estaduais, como a de Michigan, na qual teria sido implantada, desde a sua fundação, a coeducação integral, ou a de Wisconsin, na qual Slosson (1910, p. 231) percebe “[...] pouco do esnobismo predominante em Cornell, Columbia e Harvard, que consiste em considerar as jovens da universidade como suas inferiores sociais e associadas inadequadas”.

Essa abertura, ainda assim, não representava isenção de preconceito, segregação ou discriminação nessas novas instituições; por exemplo, a Universidade de Minnesota, elogiada por Slosson quanto à coeducação, contava com 16 mulheres no corpo docente, mas todas em posições inferiores na carreira, ou ainda a excepcionalidade da Universidade de Illinois ao ter três mulheres no seu Board of Trustees.

Slosson situa Columbia em uma posição intermediária no tocante à educação das mulheres, entre Princeton e Yale, que não investiam na inclusão das mulheres, e Cornell e as universidades estaduais, que as admitiam em todos os cursos. Ao que parece, mais um dos seus beneplácitos em relação à instituição, uma vez que os cursos de graduação para as mulheres estavam concentrados no Barnard College, uma instituição quase independente da universidade. Mas Slosson vê melhores condições no Barnard do que em Radcliffe, ainda que piores do que no Columbia College para homens. Além disso, segundo Slosson (1910), as mulheres eram admitidas nos cursos de pós-graduação não profissionais e nas escolas de Farmácia, Arquitetura, Música e Design, embora excluídas das escolas de Direito, Medicina e Ciências Aplicadas – o que ele considera injustificado.

Na sua avaliação otimista referente ao futuro de Columbia, “[...] através do crescimento da escola de verão, do Teachers College e dos cursos de extensão, essas barreiras artificiais estão sendo gradual e discretamente quebradas” (Slosson, 1910, p. 461). Em contrapartida, percebe a discriminação praticada no Teachers College ao oferecer como “propriamente feminina” a formação para dois campos de trabalho atribuídos às mulheres: tradicionalmente as Artes Domésticas e mais recentemente o Ensino. E não nota que os novos campos de treinamento que em breve o Teachers College iria inaugurar também induziam as mulheres para atividades desqualificadas ou menosprezadas pelos homens: Enfermagem Escolar, Inspeção Sanitária, Ensino de Higiene e Trabalho em Assentamentos.

As mulheres no Teachers College de Columbia: formação e docência

O problema da presença feminina no ensino superior relatado por Slosson nos remete ao debate sobre coeducação que se desenvolveu entre os trustees de Columbia e que fez do Barnard College, criado em 1889, uma solução conciliatória: ao mesmo tempo que mantinha a separação por gênero, reservava um espaço para a formação das mulheres no ensino superior (Rosenberg, 2005). O acordo de cooperação entre esse college e a Universidade de Columbia previa que, como uma instituição associada, o Barnard compartilharia seus professores sem, no entanto, compartilhar sua estrutura física. Assim como o Teachers College, o Barnard College funcionava em um prédio separado, e assim também era o seu orçamento.

Nessa equação, o Teachers College, ao voltar-se para o campo da preparação de professores, estabeleceu uma interseção entre esses dois mundos, já que acolhia tanto homens quanto mulheres em seu corpo discente, ao mesmo tempo que mantinha um acordo de associação com Columbia semelhante ao do Barnard. A exceção ficava por conta do quadro docente, que em grande parte era exclusivo do Teachers College. Apenas alguns professores do Departamento de Filosofia ministravam disciplinas específicas em seus cursos, como foi o caso de John Dewey.

O ano letivo de 1909-1910, cujos números Slosson analisa em seus artigos, dá-nos uma dimensão do crescimento das mulheres no ensino superior, ainda que com as características que ele bem relata: enquanto no ano de 1900 cerca de 85 mil mulheres frequentavam o ensino superior nos Estados Unidos, em 1910 elas eram cerca de 140 mil (Weneck, 1991). De acordo com Weneck (1991, p. 5): “Embora muitas mulheres que ingressaram nas instituições de ensino superior durante este período estivessem interessadas meramente em adquirir o refinamento de uma educação avançada, um grande número delas pretendia entrar no mercado de trabalho como assalariadas”.

Essa distinção é importante para entender dois aspectos do debate sobre a presença feminina no ensino superior em Columbia. O primeiro diz respeito ao perfil dessas mulheres, que era heterogêneo. O segundo, relacionado a essas diferenças, remete-nos às disputas entre o Barnard College e o Teachers College no começo do século XX, principalmente em torno da qualidade de seus estudantes. De acordo com Weneck (1991), a direção do Barnard College afirmava que grande parte das estudantes oriundas do Teachers College não era suficientemente qualificada para assistir aos cursos ali ministrados. Nesse sentido, cabe mencionar que, ainda que o Barnard fosse vendido como uma instituição que acolhia mulheres de diferentes classes sociais, seus requisitos de admissão, que incluíam conhecimentos de grego e latim, bem como as despesas decorrentes do período de estudos, restringiam o seu público. Assim, esse college foi um espaço predominantemente frequentado pelas mulheres de elite e das camadas médias de Nova Iorque (Rosenberg, 2005).

Em contrapartida, o Teachers College abrigava em seus quadros um público mais misto, que incluía profissionais que já trabalhavam na área de educação. Em 1911, James Russell – então reitor desse college – comentava o perfil dos seus estudantes: “[...] ao contrário do estudante universitário típico que é apoiado por seus pais [...], dependem de seus próprios recursos” (Columbia University, 1911, p. 131). Isso significava dizer, por exemplo, que nem todos os alunos se dedicavam exclusivamente aos estudos universitários e que muitos deles aproveitavam os cursos de verão como caminho para o aperfeiçoamento profissional. Por isso, para Weneck (1996, p. 236), as disputas entre esses colleges sinalizam a necessidade de considerar a existência de hierarquias femininas dentro do ensino superior, materializadas na divisão entre as “college educated women” e as “professional women”.

Durante o processo de abertura das universidades à presença feminina, o Teachers College foi mudando os seus pré-requisitos de admissão de forma progressiva até se transformar em uma escola de pós-graduação, atuando num campo já mencionado por Slosson como “distintivo” dessas instituições. A partir daí, consolidava sua proposta de que, mais do que um espaço de formação de professores, o college tinha como propósito principal o treinamento de profissionais que ocupariam postos de comando no campo educacional. Nesse processo, a instituição passou a “[...] desencorajar a matrícula do professor médio norte-americano” (Weneck, 1996, p. 12), priorizando as atividades de pesquisa em detrimento do treinamento de professores.

Parte da estratégia de James Russell para alcançar esse status consistiu em dividir a Faculdade em duas escolas no ano de 1912: a School of Practical Arts e a School of Education. De acordo com Russell, a medida se justificava pela heterogeneidade dos alunos no Teachers College e por sua própria história, uma vez que teria nascido com o objetivo duplo de ser tanto uma escola de formação profissional quanto como um espaço para o estudo científico dos problemas de educação. Assim, enquanto a School of Practical Arts atenderia aos alunos cuja formação profissional “foge ao escopo da Universidade” (Columbia University, 1911, p. 53) com um curso de quatro anos de duração, a School of Education seria responsável pelos diplomas de Bachelor of Science e pelos cursos de pós-graduação.

Para Sally Thomas (1986), essa divisão teve como consequência o estabelecimento de uma hierarquia dentro da Faculdade, em que a School of Education passou a ser mais valorizada do que a School of Practical Arts, na qual a presença feminina era predominante. Essas hierarquias se refletiam também na composição do corpo docente do Teachers College: embora o número de homens e mulheres fosse semelhante, a maior parte delas ocupou os cargos mais baixos na carreira universitária, além dos contratos temporários.

Sua tese se insere nos estudos sobre a chamada “doutrina das duas esferas” e mostra como as concepções de gênero se refletiam no mercado de trabalho. No caso do Teachers College, essa doutrina teria sido institucionalizada a partir da separação da Faculdade em duas escolas. A autora compara a distribuição de cargos e promoções e a formação do corpo docente da instituição para fundamentar sua hipótese. Em 1933, William Russell – que ocupava o cargo de reitor do Teachers College – começou a debater a possibilidade de reorganizar o college, extinguindo a divisão entre School of Practical Arts e School of Education, e é nesse período que o recorte da autora se encerra. Em 1935, o Teachers College foi reorganizado em cinco novos departamentos. De todo modo, Thomas (1986) reconhece que, ainda que desigual, o prestígio alcançado pelo Teachers College beneficiou tanto homens quanto mulheres.

Embora reconheça a desigualdade a que Thomas (1986) se refere, Weneck (1996, p. 4) defende que é necessário ir além da dicotomia “homens administram, mulheres ensinam” e pensar as perspectivas de ascensão feminina, considerando que seus limites:

[...] foram frequentemente negociáveis em um determinado contexto e [que] os interesses econômicos e sociais femininos frequentemente se relacionaram mais fortemente com os laços que possuíam com os homens do que com qualquer noção universal de feminilidade (Weneck, 1996, p. 8).

Nesse sentido, mais do que olhar as estatísticas, Weneck (1996, p. 11) se propõe a pensar o processo de estratificação do trabalho feminino considerando também a presença de mulheres que ocuparam “[...] posições superiores na hierarquia escolar e no campo mais amplo da educação”. Assim, enquanto Thomas usa a divisão do Teachers College para pensar a desigualdade de gênero, Weneck considera essa divisão como parte de um processo pensado pelo reitor do Teachers College, James Russell, para transformar o college numa escola de pós-graduação, cujos requisitos de admissão foram mudando progressivamente. Por isso, para a autora, o perfil das mulheres ali matriculadas já era diferente, “[...] em termos de suas experiências culturais, sociais e educacionais” (Weneck, 1996, p. 12), do perfil discente das escolas normais. De acordo com ela, a análise da divisão do Teachers College em duas escolas também é incompleta se nela não for considerada a disputa entre esse college e o Barnard College, tanto em relação às matrículas quanto em relação à desqualificação que o segundo fazia do corpo discente do primeiro.

Outros dois fatores são importantes para qualificar a afirmação de Weneck. Primeiro cabe mencionar que, no meio do recorte temporal escolhido por Thomas, a School of Practical Arts também modificou seus requisitos de admissão e em 1926 formou os seus últimos alunos do nível de graduação, um fato classificado por James Russell como “[...] o fim de uma era para o College” (Columbia University, 1926, p. 185). Ainda em 1924, Maurice Bigelow (diretor da School of Practical Arts) afirmava que, com as mudanças, não haveria uma grande diferença entre os alunos das duas escolas e ressaltava uma:

[...] tendência em direção à unificação do TC [Teachers College] como uma instituição para o treino avançado de professores e líderes educacionais que, por conveniência e não por uma questão de política ou diferença de padrão, é dividida em educação geral e artes práticas ou educação técnica (Columbia University, 1924, p. 197).

Além disso, cabe ressaltar que, a despeito da existência ou não de uma hierarquia entre as duas escolas, a frequência era majoritariamente feminina em ambas. Por essa razão, cabe também olhar para os números da School of Education e o destino de suas alunas. De acordo com Weneck (1996), entre 1916 e 1927, 72% das mulheres que se formaram nos cursos oferecidos por essa escola conseguiram cargos hierarquicamente superiores aos de professoras da escola elementar. Ainda assim, menos de 1% dessas alunas conseguiu postos de superintendência escolar. Desse modo, movimentos como o que defendia uma administração científica da educação facilitavam a mobilidade de uma parte das mulheres – uma vez que valorizavam os profissionais mais especializados –, sem com isso modificar o quadro mais geral das hierarquias no campo escolar.

Como Thomas (1986) indicou, o caso do corpo docente do Teachers College de Columbia não foge à regra no tocante às hierarquias de gênero. No ano em que Slosson visitou Columbia, o Teachers College tinha 52 mulheres listadas como parte da equipe de professores da Faculdade (Teachers College, 1910). Dessas, apenas três eram professoras titulares e uma era professora assistente, o que equivalia a cerca de 10% dos docentes titulares da instituição (38 no total). As outras 48 mulheres se distribuíam entre as funções de instructor (23), tutor (13), assistant (10), recorder (1) e lecturer (1). Suas áreas de atuação confirmam a tendência de direcionamento das mulheres para as áreas menos valorizadas: a maior parte delas trabalhava com Artes Domésticas11. No entanto, esse college teve, como parte de seu corpo docente, mulheres que foram peças-chave na constituição de campos de estudos, que, apesar de majoritariamente femininos, foram essenciais para a configuração do sistema educacional norte-americano. Esse é o caso dos estudos de educação rural, jardim de infância ou pré-escola (Kindergarten) e enfermagem escolar.

No campo da pesquisa, essas áreas foram financiadas por fundações como a Carnegie e a Rockefeller, com destaque para as verbas oriundas do Laura Spelman Rockefeller Memorial (LSRM), voltado para os trabalhos sobre desenvolvimento infantil. Em 1924, o Teachers College estabeleceu um acordo com o LSRM para a criação do Institute of Child Welfare Research, e a fundação se comprometeu a financiar o trabalho do instituto em seus primeiros cinco anos de existência12. O objetivo era estabelecer um centro de investigação sobre a formação pré-escolar e o ensino elementar, além de um espaço para o treinamento dos profissionais que iriam atuar nesse campo (LSRM, box 42, folder 436).

Em 1925, Helen Thompson Wooley foi nomeada diretora do instituto, que passou a integrar as seções de pesquisas do college. Em 1905, Wooley havia publicado The mental traits of sex, que negava a diferença entre homens e mulheres concernente à inteligência e afirmava que a questão era social, e não biológica (Morse, 2002). Além disso, depois de concluir seu doutorado, trabalhou com Educação Profissional e Psicologia Infantil. Além de Thompson, a equipe do instituto era majoritariamente feminina: dos 20 nomes listados como parte da equipe do instituto, havia apenas dois homens: R. G. Freeman Jr. (médico) e John Herring (pesquisador associado da seção de psicologia), de acordo com o relatório do ano letivo de 1926-1927 (LSRM, box 42, folder 436). Ainda assim, ambos estavam entre os que recebiam os salários mais altos do instituto (3.500 e 4.000 dólares anuais, respectivamente) junto com Helen Thompson (8.500 dólares anuais) e Bess V. Cunningham (4.000 dólares anuais), que dirigia a seção de clínica educacional.

Em 1929, o instituto passou a se chamar “Child Development Institute” e Lois Hayden Meek13 a integrar a equipe, primeiro como diretora assistente e depois substituindo Thompson na direção do instituto. Patty Smith Hill e sua assistente Grace Lagdon também passaram a trabalhar em colaboração com o instituto (LSRM, box 42, folder 438). Hill chegou ao Teachers College em 1905 com uma atuação já significativa no estabelecimento dos jardins de infância e ficou conhecida não só pelo seu trabalho experimental e pelas aplicações da psicologia que fez nessa área, mas por pensar também na educação dos pais dessas crianças (Cremin et al., 1954).

Dentro do debate dos estudos sobre a infância, Hill estava nas fileiras que defendiam a educação pré-escolar como parte integrante do sistema educacional norte-americano (Abbud, 2007). Sua afinidade com os ideais de uma “administração científica da educação” ajudou a consolidar tanto sua posição no Teachers College quanto a formação oferecida por essa faculdade, que estava inserida dentro da School of Education. Para James Russell, o trabalho de Hill colocava o Teachers College dentro de um debate estratégico no campo da educação, uma vez que para ele tanto o jardim de infância quanto o ensino elementar eram “[...] os fundamentos da educação pública” (Columbia University, 1912, p. 130). A atuação de Patty Hill junto ao Child Development Institute reforçava os laços entre ensino e pesquisa, conferindo ao seu departamento mais um espaço de experimentação além da Speyer School.

Assim como a educação infantil, o debate sobre a educação rural também foi liderado por mulheres no Teachers College. Depois de ter seu trabalho reconhecido com a publicação em 1912 de Country Life and the Country School, Mabel Carney foi convidada para dirigir o departamento criado em função dessa disciplina no Teachers College em 1918. Por solicitação de Carney, Fannie Dunn também foi contratada para trabalhar no departamento, e as duas desenvolveram um trabalho significativo na área (Weiler, 2005). Ainda que atuasse num campo menos valorizado da educação, Carney construiu um espaço de atuação que era estratégico para pensar as reformas educacionais não só nos Estados Unidos, mas também nos países ali considerados como “atrasados”. Por isso, Carney e Dunn estavam entre as poucas mulheres que ofereciam cursos regulares dentro do International Institute (Warde e Rocha, 2018). Além disso, seus projetos para pesquisa e treinamento de professores foram incentivados a partir de financiamentos obtidos com o General Education Board da Fundação Rockefeller e com a Carnegie Endowment.

A despeito das carreiras consideradas femininas, a área de Psicologia Educacional também contou com a presença de mulheres no campo da pesquisa do Teachers College. Algumas professoras foram formadas pela própria instituição e estavam entre os “discípulos” de Edward Thorndike, como Leta S. Hollingworth. Depois de obter o diploma de doutorado sob a orientação de Thorndike, Hollingworth começou a trabalhar no Teachers College como professora de Psicologia. Conhecida pelo seu trabalho com crianças superdotadas, ela também desenvolveu um importante estudo que refutava as diferenças entre homens e mulheres tanto no campo intelectual quanto no campo produtivo. Hollingworth desenvolveu experiências como a que mostrava que a produtividade das mulheres não diminuía durante o ciclo menstrual, um argumento utilizado para rejeitar a presença feminina no mercado de trabalho (Silverman, 1989).

Embora outras professoras tenham se destacado no Teachers College, é preciso mencionar que os outros espaços de pesquisa que ali funcionavam eram liderados por homens. O Department of Educational Research, fundado em 1921, tinha suas três divisões coordenadas por eles: Psicologia Educacional, com Edward Thorndike; Experimentação Escolar, com Otis Caldwell; e Estudos de Campo, com George Strayer. Mesmo quando a School of Practical Arts ensaiou suas atividades de pesquisa como parte desse departamento em 1924, o diretor apontado foi Maurice Bigelow, também diretor dessa escola (Columbia University, 1924). O International Institute, fundado em 1923, acompanhava o mesmo padrão: Paul Monroe foi nomeado diretor e William Russell, diretor associado. Para Cremin et al. (1954, p. 228), apesar da desigualdade, o número de professoras no Teachers College era um avanço para o período, em que “[...] as mulheres achavam difícil, se não impossível, alcançar postos superiores aos de lecturer ou instructor”.

Considerações finais

Slosson (1910) foi um importante guia para entendermos questões relativas à partilha de espaços entre homens e mulheres e a partição de espaços decorrentes das reservas de mercado operadas estrategicamente pelos homens. O tópico que Slosson dedica às fraternities (poderosas agremiações universitárias masculinas) e às sororities (agremiações correlatas femininas) merece um estudo específico quanto às estratégias e táticas que as práticas masculinas e femininas recortavam o campo acadêmico nos Estados Unidos de fins do século XIX e início do século XX.

A Universidade de Columbia, em geral, e o seu Teachers College, em particular, tanto se assemelhavam como se distinguiam de outras universidades e colleges existentes à época nos Estados Unidos, destacadamente no que tange à presença feminina no seu corpo discente e no seu corpo docente. Entre as universidades do Leste dos Estados Unidos, Columbia era uma das mais abertas quanto ao espaço ocupado pelas mulheres e às funções que exerciam, mas era bem mais fechada do que a maioria das suas equivalentes no Oeste do país – em sua maioria, nascidas no século XIX –, ao contrário daquelas criadas em boa parte nos séculos anteriores.

Tanto o livro de Slosson (1910) quanto a análise mais circunscrita à Universidade de Columbia indicam que a inserção feminina no ensino superior e a adoção da coeducação nessas instituições não foi um processo sincrônico. Muitas vezes, essa inserção implicou a criação de espaços exclusivos, direcionados às mulheres, como é o caso do Radcliffe College em Harvard e o Barnard College em Columbia. Ele também foi permeado por outros marcadores sociais, como indica a disputa entre o Barnard College e o Teachers College, no interior da Universidade de Columbia.

O caso específico do Teachers College sinaliza que, apesar das hierarquias, alguns espaços considerados femininos receberam investimentos significativos pela importância que ganharam no debate educacional. Assim ocorreu no ensino pré-escolar, área na qual atuava Patty Smith Hill. O Institute of Child Welfare Research e o financiamento recebido do Laura Spellman Rockefeller Memorial também é um bom exemplo. Cabe ressaltar que, ao contrário dos outros institutos de pesquisa, este foi dirigido por duas mulheres durante o nosso recorte temporal: Helen Thompson Wooley e Lois Hayden Meek.

Além disso, áreas inicialmente consideradas menos importantes como a Educação Rural tiveram lideranças femininas, como é o caso de Mabel Carney. Essa intelectual também é reconhecida pelo trabalho que desenvolveu com estudantes afro-americanos (Weiler, 2005). Por outro lado, algumas mulheres também se inseriram em áreas predominantemente masculinas, a partir dos laços que mantiveram, aos quais Weneck (1996) se refere, como ocorreu com Leta S. Hollingworth. Em comum, essas mulheres desenvolveram pesquisas que defendiam a igualdade de gênero no que diz respeito à capacidade cognitiva, e negociaram posições a partir da formação que receberam no ensino superior. Ainda que fossem exceções, ocuparam postos antes considerados exclusivamente masculinos, como os de professor titular.

Dessa forma, procuramos evidenciar que funções e espaços ocupados pelas mulheres não eram apenas resultados das estratégias masculinas no controle do poder; as mulheres iam se afirmando, mobilizando e inventando táticas de ocupação, mas também de invenção dos novos espaços, embora as carreiras e as chances de ascensão fossem poderosamente controladas por homens. Mais do que uma história de exclusão, este artigo procurou entender parte dessas estratégias.

3Na primeira metade do século XX, o Teachers College da Universidade de Columbia foi um dos destinos mais procurados pelos profissionais da educação que desejavam se especializar na área. Dentre os trabalhos que dimensionam a importância deste College para o debate educacional brasileiro, podemos indicar: Warde, 2002 e 2016; Fonseca, 2010; Cardoso, 2015; Rocha, 2016; Warde e Rocha, 2018.

4A estudante era Zora Neale Hurston, escritora e antropóloga. Cf.https://chdr.cah.ucf.edu/hurstonarchive/?p=_home

5A historiografia norte-americana na qual elas estão inseridas discute essa questão a partir da noção de “separate spheres”, e analisa as diversas formas pelas quais as mulheres saíram da esfera privada do cuidado com os filhos e o lar e passaram a esfera pública do mercado de trabalho. Tanto para as elites quanto para as mulheres de classe média, a inserção no ensino superior era fundamental para que essa transição implicasse tanto uma ocupação “adequada” ao papel feminino quanto à sua posição social. Parte daí também a disputa pela adoção da coeducação no ensino superior, que podemos ler em Slosson (1910) e que é explicada por Myers (2010).

6“Esses catorze estão no topo da lista preparada pela Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino, que classificou as universidades do país de acordo com o dinheiro gasto anualmente para instrução, provavelmente um critério mais justo do que qualquer outro padrão objetivo. Acima da marca de US$ 250.000, nesta lista estão todas as universidades aqui consideradas, exceto Johns Hopkins, mas seria impossível discutir universidades americanas sem incluir a Johns Hopkins, que, embora agora inadequadamente financiada, sempre colocou a maior ênfase na característica distintiva de uma universidade, isto é, trabalho de pós-graduação” (Slosson, 1910, p. IX). Dessas 14 universidades, oito compõem a “Ivy League”, agrupamento da elite das escolas superiores: Brown, Harvard, Cornell, Princeton, Dartmouth, Yale, Columbia e Universidade da Pensilvânia.

9Slosson informa que se utilizou também dos relatórios de Rudolf Tombo publicados na revista Science, dos relatórios da Carnegie Foundation e do World Almanac.

10A criação dos colleges para mulheres (women’s colleges) constitui um capítulo importante na história do ensino superior nos Estados Unidos. Embora haja criações datadas do século XVIII, os mais importantes colleges para mulheres, em sua maioria, foram criados no século XIX, sendo que muitos deles estão em funcionamento até hoje, alguns em coeducação, outros tantos ainda reservados apenas às mulheres. A literatura pertinente se refere a uma associação informal chamada “seven sisters”, composta de colleges femininos de Artes Liberais situados na região Nordeste dos Estados Unidos – quatro estão em Massachusetts, dois em Nova Iorque e um na Pensilvânia. Foram criados entre 1837 e 1889 e constituem a elite dos women’s colleges. São eles: Mount Holyoke College (1837, afiliado sucessivamente ao Dartmouth College, Amherst College, Hampshire College , UMass Amherst); Vassar College (1865, afiliado à Universidade Yale); Wellesley College (1875, afiliado ao Massachusetts Institute of Technology e à Universidade de Harvard); Smith College (1875, afiliado sucessivamente ao Amherst College, Hampshire College e UMass Amherst); Radcliffe College (1879, afiliado à Universidade de Harvard); Bryn Mawr College (1885, afiliado sucessivamente à Universidade de Princeton, Haverford College, Swarthmore College e Universidade da Pensilvânia); e Barnard College (1889, afiliado à Universidade de Columbia) (Horowitz, 1984).

11Household arts, no original. Os números aqui descritos não incluem a equipe de professores das escolas do Teachers College: Horace Mann e Speyer School.

12O acordo inicial previa um financiamento de 50 mil dólares anuais. Entre 1926 e 1929, Russell conseguiu uma verba adicional de 40 mil dólares para cada ano (LSRM, box 42, folder 436 e 438). Para fins de comparação, o International Education Board da Fundação Rockefeller concedia 100 mil dólares anuais às atividades do International Institute do Teachers College, de modo que os dois lugares passaram a receber verbas semelhantes da Fundação. No entanto, o LSRM pedia a Russell que não anunciasse publicamente o recebimento da verba adicional (LSRM, box 42, folder 436).

13Posteriormente Lois Meek Stoltz, seu nome de casada. As controvérsias em torno da demissão de Thompson podem ser encontradas em Morse (2002).

8Teve a primeira turma de alunos em 1891, data que consta em algumas fontes como sendo a da fundação.

7As cinco primeiras universidades deste quadro nasceram como colleges. Nas reformas da segunda metade do século XIX, transformaram-se em universidades.

Referências

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Recebido: 10 de Julho de 2018; Aceito: 02 de Novembro de 2018

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