Introdução
Este artigo parte de um espaço geográfico determinado, localizado no continente Africano, mais especificamente na costa oriental da África Austral que tem como fronteira: ao norte, a Tanzânia; ao noroeste, o Malawi e a Zâmbia; ao oeste, o Zimbábwe, a África do Sul e a Suazilândia; ao sul, a África do Sul; a leste, secção do Oceano Índico designada por Canal de Moçambique, sendo Maputo a capital do país.
Moçambique é um país jovem, sua independência de Portugal é datado de 25 de junho de 1975, o seu idioma principal é o português, porém apenas 40% da população falam o português. Moçambique está situado no sul da África cujo longo litoral é banhado pelo Oceano Índico, e por isso é um lugar presenteado pelas belas praias, com grande riquezas naturais.
Moçambique se integra aos países (CPLP) das Comunidade que falam a Língua Portuguesa. Para compreendermos as práticas dos professores, como prática na formação, é preciso vivenciar diferentes contextos da vida e da escola moçambicana (BHABHA, 2008).
O nascimento de Moçambique como país politico e autónomo, foi resultado de uma luta armada, chamada de “luta de libertação nacional”, guerra de uma década desenvolvida pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) contra a ocupação colonial portuguesa (1964-1974) e que posteriormente, foi arrastado para um novo e trágico conflito armado (conhecida por guerra civil ou guerra dos dezasseis anos) que, durante 16 anos, destruiu vidas, famílias e infraestrutura, bloqueando as condições de desenvolvimento do país que estava nascendo, situação essa que afetou de forma acentuada o ramo educacional tornando-o num sistema mais vulnerável, quanto à organização e implementação das reformas e politicas curriculares traçadas. Como ilustra a Figura n. 1, com o mapa de Moçambique
É difícil falar da formação do professor sem tocar das questões curriculares, se consideramos que a operacionalização do currículo em muitos casos passa por um conjunto de negociações entre os diferentes atores que de certa forma os textos curriculares prescritivos se hibritizam com os envolvidos no processo educativo Ferraço (2011), Assane (2017), e que o currículo pode ser considerado como: “[...]uma conversa que acontece entre as pessoas diariamente nas escolas, tanto na sala de aulas como em seus outros espaços tempo” (SÜSSEKIND, 2015, p. 172) então podemos afirmar que o currículo como conversa de diferentes formas de saberes pode ser encarado como “[...] uma tessitura de experiências [...]” (SÜSSEKIND, 2015, p. 172). A ideia do currículo como conversa não se dissocia da ideia de que o currículo vai sendo inventado pelos professores, alunos, e outros envolvidos no processo educativo (FERRAÇO, 2011). Essa percepção curricular foge, em muito, à ideia de currículo como simplesmente um conjunto de disciplinas que devem ser ensinados e assimilados na escola.
As práticas curriculares e a organização curricular, assim como a formação dos professores (inicial/continua, do ensino geral/universitário) nos inquietam. Ora, quando fazemos uma retrospectiva da produção científica onde encontramos poucos artigos em Moçambique, revelando poucos avanços.
É a partir de Moçambique que estamos pensando a formação de professores como um processo pelo qual se prepara sujeitos para atuarem como profissional de educação.
Muito embora sabemos que, acreditavam que apenas a escola era responsável em transmitir conhecimento. Era uma escola que se baseava na transmissão dos conteúdos, onde considera-se o sujeito como um ser vazio. E os conhecimentos seriam transmitidos de manuais, cartilhas e com práticas mecanizadas sem o direito de questionar a realidade dada.
[...]à medida em que a instituição se tornava um espaço de formação privilegiado, tudo o que se passava no seu interior ganhava importância. Outros modos de educação e de aprendizagem continuaram a existir, é claro, mas as sociedades modernas ocidentais passavam a colocar a escolarização - uma atenção especial. Isso representou não apenas olhar para as crianças e jovens e pensar sobre as formas de discipliná-los, mas também observar - e disciplinar - aqueles que deveriam ‘fazer’ a formação, ou seja, os professores (LOURO, 1997, p.91).
E com o passar do tempo e a sociedade dividade em classes, está realidade foi mudando. E o processo de formação também, sendo preciso que o futuro professor reúna um conjunto de saberes (TARDIF, 2002, p. 39), destaca que o professor é: “[...]alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”, isto é, deve desenvolver um conjunto de saberes docentes1.
Na base disso GAUTHIER; MARTINEAU; DESBIENS; MALO; SIMARD (2006) definem saberes docentes como sendo aqueles saberes adquiridos para o ou no trabalho e mobilizados tendo em vista uma tarefa ligada ao ensino e ao universo de trabalho do professor. Se apresenta com diversas abordagens como as de BORGES (2004), TARDIF (2011), NÓVOA (1995), GAUTHIER; MARTINEAU; DESBIENS; MALO; SIMARD, (2006), PIMENTA (2009), FREIRE (1996), fato este em que a área em Moçambique , vem procurando avançar no tema a partir do final do século XX onde se inicia o processo de ampliação da pós graduação no país e o
[...]desenvolvimento de pesquisas que, considerando a complexidade da prática pedagógica e dos saberes docentes, buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a formação numa abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente (NUNES, 2001, p. 28).
De entre os saberes docentes, apresentamos 3 perspectivas que se relacionam entre si. A primeira é a classificação de (TARDIF, 2011): Saberes da formação profissional- refere-se a saberes transmitidos pelas instituições de formação de professores e são constituídos, especialmente, das ciências da educação e dos saberes pedagógicos; saberes disciplinares, são saberes de vários campos do conhecimento. Os saberes disciplinares surgem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes; Saberes curriculares, que correspondem a saberes relacionados aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos categorizados nos currículos escolares e programas de ensino e os saberes da experiência que correspondem a saberes específicos desenvolvidos no exercício das funções do professor e suas práticas. Por outro lado, Perrenoud (2000) apresenta as dez novas competências para se ensinar. Para ele, o professor para além do domínio dos conteúdos torna necessário saber:
Organizar e dirigir situações de aprendizagem; Administrar a progressão das aprendizagens; Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação; Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; Trabalhar em equipe; Participar da administração escolar; Informar e envolver os pais; Utilizar novas tecnologias; Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; Administrar sua própria formação continuada (PERRENOUD, 2000, p. 14).
E finalmente, convém trazer a discussão a classificação de saberes docentes apresentada por (LIBÂNEO, 2012). Para o autor existem dois essenciais saberes profissionais do professor: (1) o domínio do conteúdo e (2) o domínio das formas de introduzir o aluno nesse conteúdo. O raciocínio de Libâneo (2012) é consubstanciado com o de Shulman (2005) ao defender que um professor precisa compreender as estruturas da matéria ensinada e os princípios de sua organização conceitual e, ao mesmo tempo, ter o conhecimento pedagógico do conteúdo, ou seja, como organizar temas e problemas adequados aos diferentes interesses e capacidades dos alunos, favorecendo sua compreensão e interiorização da matéria. Dessa forma podemos afirmar que a formação profissional tem em vista a aquisição de conhecimentos fundamentais, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento que constituem bases fundamentais para o exercício de qualquer profissão. Essa preparação tem em vista a especialização posterior ou a ocupação de um determinado posto de trabalho para a concretização da prática profissional.
Esses elementos levam a aferir que não se pode formar o professor sem que se acautele uma formação teórica que só é possível com aquisição de um conjunto de conhecimentos disciplinares. No caso concreto dos professores universitários, é necessário que tenham uma formação teórica sobre a área com a qual vão trabalhar. Esta formação (teórica) possibilita uma melhor reflexão sobre a sua prática.
É necessário também que, ao longo da sua formação inicial, os alunos estejam em condições de refletir sobre que sentido tem a prática universitária. No nosso entender, esse exercício possibilita desenvolver nos alunos uma “utopia”, um “sonho” sobre a universidade. Este viver do cotidiano escolar possibilita ao aluno a ter uma “[...]clareza do significado das diversas práticas escolares” (MARFON, 2001, p. 113).
Como nos referimos no resumo e posteriormente na problematização e justificativa, não existe programas específicos de formação de professores para ensino superior em Moçambique, cabendo as Universidades a responsabilidade de recrutarem graduados do primeiro ciclo do ensino superior para serem professores desse ciclo.
Abordagem Metodológica
A partir das discussões teóricas iniciais, a pesquisa proposta tem natureza qualitativa- considerada como caminho complexo, mas flexível e de maior autonomia (DENZIN; LINCOLN, 2006) afirmam que a pesquisa qualitativa consiste em “um conjunto de práticas interpretativas que faz o mundo visível”. Esse tipo de pesquisa busca a obtenção de dados descritivos de pessoas, lugares e processos interativos que acontece através do contato direto do pesquisador com aquilo que está sendo estudado, sendo que a compreensão dos fenômenos se dá segundo a perspectiva dos sujeitos participantes.Porém queremos deixar registrado que este procedimento metodológico adotado nesta pesquisa “[...]parte do pressuposto de que as ideias e o pensamento são reflexos da realidade e das leis dos processos que acontecem exteriormente à consciência, os quais não dependem do pensamento, por ter suas próprias leis.” (NASCIMENTO, 2017, p.13).
A opção pelo desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa toma em conta que este tipo de investigação admite ser o objeto de estudo apreendido a partir da ideia de que “[...] nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora [...]” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 50-51). Por outro, é possível entender que muitos dos aspectos envolvidos em uma pesquisa qualitativa não são controláveis, mas difíceis de serem interpretados, generalizados e reproduzidos, uma vez que os sujeitos participantes irão agir segundo seus valores, sentimentos, experiências, cultura e outros (JULIASSE, 2017).
O estudo envolveu 44 professores de 6 instituições de ensino superior em Moçambique com níveis de Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. Todos professores envolvidos lhes foi aplicado um questionário online através de um formulário do google que posteriormente foi feita a análise de conteúdo das respostas dos participantes.
Formação de professores em Moçambique
A formação de professores é uma área que tem alimentado muitas discussões, não encontrando para tal uma unanimidade de significados. Em todo caso, posso dizer, sem correr riscos, que a formação de professores pode ser considerada:
Área de conhecimento, investigação, que estuda os processos através dos quais os Professores se implicam individualmente ou em grupo, em experiências de aprendizagem das quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente no desenvolvimento do seu ensino, do currículo e da escola, com objetivo de melhorar a qualidade de educação que os alunos recebem (GARCIA,1999, p. 26).
O conceito apresentado por Garcia é mais abrangente, uma vez que, nele, se contemplam os diversos modos de formação, tanto a inicial como em exercício ou continuada.
Qualquer uma das formas de formação visa munir o professor de um conjunto de saberes profissionais. Bourguignon (2010, p.32) identifica seis saberes profissionais que os professores ou futuros professores adquirem com a formação: “[...] competências éticas; saberes científicos e críticos; saberes didáticos; competências dramáticas e relacionais; saberes e saber-fazer pedagógicos e competências organizacionais”.
Uma formação profissional tem em vista a aquisição de conhecimentos fundamentais, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento que constituem bases fundamentais para o exercício de qualquer profissão. Essa preparação tem em vista a especialização posterior ou a ocupação de um determinado posto de trabalho para a concretização da prática profissional.
Podemos considerar a formação inicial de professores como uma etapa de formação de futuros profissionais de ensino numa instituição formalmente constituída que permite proporcionar a esse grupo de pessoas não só a aquisição de conhecimentos pedagógico-didáticos e disciplinares específicos, como também conceitos teórico-práticos (GARCIA,1999).
A formação inicial de professores visa possibilitar aos futuros Professores, conhecimentos básicos que lhes propicie o desempenho da ação docente. Consideramos três elementos que devem ser tomados em consideração na formação do pedagogo de modo a garantir o desempenho da sua futura atividade como práxis: 1) formação fundamentada na unidade dialética teoria/prática; 2) explicitação da prática escolar; e 3) compreensão de que a educação como aquela ocorre também fora da escola. (MARFON, 2001).
No caso moçambicano, no que se refere à formação do professor, foi complexa, uma vez que, desde o tempo colonial existiam dois grupos ou tipos de professores (os dos colonos e assimilados e os dos indígenas), que, no entanto, ia sofrendo alterações consoante as politicas vividas. (ASSANE, 2017).
Assim, com a independência nacional em 1975, que com ela, as mudanças sócio-politicas, houve necessidade de substituição profunda da estrutura e da organização do sistema de ensino no seu todo, cenário esse, que de certa forma é vigente até então através de reformas curriculares. Essas reformas para o ramo de formação do professor, foram mais cíclicas e multifacetadas que, no ano 2007, por meio do diploma ministerial de 7 de Dezembro de 2006 são extintos os CFPPs (Centro de Formação de Professores Primários) e os IMAPs (Instituto de Magistério Primário), e são criados os Institutos de Formação de Professores abreviadamente designados por IFPs (Instituto de Formação de Professores) e que se destinam à formação e ao aperfeiçoamento de professores para o Ensino Básico (art. 1, inciso 2). O art. 3 do referido diploma aponta que “[...] os cursos ministrados nos institutos ora criados têm a duração de um ano e nele ingressam candidatos que possuem como habilitações mínimas a 10ª classe do SNE ou equivalente”. Em outro diploma ministerial de 7 de Dezembro de 2006 (anexo 8), “[...] são criados os modelos de formação de Professores em regime transitório: 10ª classe +1 ano e 12ª classe +1ano” (art. 1). A introdução deste novo modelo de formação foi justificada nos seguintes termos:
Constrangimentos financeiros frustram os esforços de se colocar nas escolas um número suficiente de professores formados. O crescimento esperado nas admissões nos próximos cinco anos é de tal forma que o Governo não conseguirá colocar nas escolas primárias, graduados dos IMAPs, que actualmente têm um nível salarial equivalente a 10,7 vezes o PIB per capita ou colocar nas escolas secundárias, graduados universitários que têm salários superiores a 20 vezes o PIB “per capita”. Os desafios financeiros são ainda mais agravados por discrepâncias não explicadas no número de professores na folha de salários e o número no activo, inflacionando as despesas de salários do Ministério da Educação e Cultura. (MOÇAMBIQUE, 2006, p.44).
No entender dos decisores, este modelo foi considerado como o mais compatível para as condições que, naquele momento, o país atravessava e pelos desafios que para o setor de educação era colocado - como a expansão e a melhoria das condições de aprendizagem dos alunos com qualidade.
Desde modo, a partir os anos de 2007, é notória a preposição defendida pelos governantes para a implementação de um modelo mais curto de formação de professores, que não era vista desde os finais dos anos de 1970, que se justificava mais por motivos econômicos financeiros do que didático-pedagógicos. Defendia-se, nos círculos de tomada de decisões, que os professores primários formados nos IMAPs (equivalente ao nível médio profissional) eram, relativamente, mais caros para o Estado do que os que viriam a ser formados com o novo modelo (ASSANE, 2017). Esse novo modelo, segundo o INDE seria transitório, uma vez que com o crescimento da economia, será desenhado um modelo adequado de formação assim como melhorada a política de colocação e retenção de professores.
Assim, pelas diretrizes normativas adota-se, a partir desse ponto, uma formação inicial numa perspectiva de racionalidade técnica, como refere nessa perspectiva,
a formação docente é concebida como espaço de treinamento baseado na aquisição de competências específicas e observáveis [...]. Essa concepção epistemológica orienta as práticas formativas caracterizadas como modelo de treinamento de habilidades comportamentais, no qual os conhecimentos científicos e pedagógicos são transmitidos aos professores numa relação verticalizada (SANTOS 2014, p. 38).
O sistema de formação inicial, é um treinamento manifesto pelo encurtamento do tempo de formação dos seus futuros profissionais, centrando- se mais no “como” ensinar do que no “o que” e “para que” ensinar, um programa com um boa dose de disciplinas de metodologias de ensino como demonstra o quadro abaixo, situacao que de certa forma, tal formação pode empobrecer o professor por não lhe permitir o exercício da autonomia (quanto à racionalidade cientifica do saber), dificultando ou mesmo obstaculizando as condições necessárias à reflexão de sua prática docente. Como ilustra o Quadro 1, podemos compreender a distribuição do número total de aulas.
Disciplina | Duração | Nº total de aulas |
Psicopedagogia | Anual | 140 |
Introdução à Metodologia de Pesquisa-acção e TIcs | Semestral | 60 |
Organização e Gestão escolar | Semestral | 60 |
Metodologia de Ensino de Educação Moral e Cívica | Semestral | 40 |
Técnicas de Expressão em Línguas | Anual | 80 |
Metodologia de Ensino em Língua Portuguesa | Anual | 120 |
Metodologia de Ensino em Ciências Sociais | Anual | 120 |
Metodologia de ensino de Educação Física | Anual | 100 |
Metodologia de Ensino de Educação Musical | Anual | 100 |
Metodologia de Ensino de Matemática | Anual | 180 |
Metodologia de Ensino de Educação Visual | Anual | 80 |
Metodologia de Ensino de Ciências naturais | Anual | 120 |
Línguas Bantu de Moçambique e Metodologia de Educação Bilíngue | Anual | 80 |
Noções Básicas de Construção, Manutenção e Produção Escolar | Anual | 80 |
Metodologia de Ensino de Ofícios | Anual | 80 |
Fonte: Assane (2017)
É necessário também que, ao longo da sua formação inicial, os alunos estejam em condições de refletir sobre que sentido tem a prática escolar. No meu entender, esse exercício possibilita desenvolver nos alunos uma “utopia”, um “sonho” sobre a escola. Este viver do cotidiano escolar possibilita ao aluno a ter uma “[...] clareza do significado das diversas práticas escolares” (MARFON, 2001, p. 113).
A formação de professores é um campo que contribui para o desenvolvimento do professor, tornando-o capaz de incidir de forma construtiva e eficiente na sua ação de ensinar, numa perspectiva, de articulação entre os saberes específicos (saberes de conteúdo curriculares, didático-pedagógicos) e os saberes da experiência, que correspondem a saberes desenvolvidos no exercício das funções do professor e suas práticas.
Formação profissional do docente universitário em Moçambique
A formação profissional se constitui como um caminho a trilhar de aprendizagem que segundo (ROLDÃO, 2014), visa construir uma estrutura de perfil do profissional a formar e a sustentação desenvolvimento profissional aumentado por um determinado conhecimento profissional específico. A atividade docente inicialmente considerada como uma ação inicialmente virada para dar a conhecer os conteúdos considerados importantes a outros, o ato de ensinar estava mais virado na apresentação e disponibilização do saber para os alunos. Na medida que o tempo foi passando, a tarefa do professor passou a exigir mais habilidade estratégica em estabelecer formas de como fazer com que o sujeito pode apropriar-se do conhecimento (ROLDÃO,2014), e com isso o ato de apenas transmitir deixou de ser eficaz.
Essas mudanças praxiologias da atividade docente faz com que nos perguntemos: que conhecimentos são necessários para a sua missão e como adquiri-los? Em que contextos são formados os professores das Instituições de ensino superior em Moçambique?
Ao falar do contexto de formação tem que se ter em conta a realidade do local de trabalho dos professores, aliás, a necessidade de “[...]compreensão da sala de aula como um lócus de interações humanas, ou seja, um espaço de troca, de sociabilidade, de conflitos e de tensões, de acordos e articulações e ao mesmo tempo de produção de conhecimento” (AUAREK, 2014, p. 207). Essa compreensão envolve todo espaço onde ocorre as atividades pelas quais o docente universitário é submetido. A interação a que se refere não se restringe apenas à sala de aula, mas em todo espaço de trabalho dos professores.
Autores que nos podem auxiliar a responder estas questões são muitos, e todos podem convergir na acepção segundo a qual, qualquer docente universitário precisa ter: 1) conhecimentos relativos a conteúdos que vai ensinar; 2) conhecimentos didáticos pedagógicos relativos a como ensinar e 3) conhecimentos da prática docente.
A importância destes 3 componentes de conhecimentos necessários para a ação docente reside pelo facto de se considerar que “[...]o saber profissional tem que se traduzir na mobilização de vários saberes que se consubstanciam numa prática” (ROLDÃO, 2014, p. 97). Olhando pelas mudanças que vem acontecendo nos últimos tempos, acelerado pela Pandemia da COVID-19 que vem assolando o mundo desde 2019, há uma necessidade de incorporar dentro dos saberes necessários a saberes docentes o conhecimento tecnológico. As tecnologias de informação e comunicação tem influenciado a ação docente em todos os níveis e com maior incidência para o ensino superior.
Segundo o Sistema Nacional de Educação (SNE) aprovado pela lei 18/2018 de 28 de Dezembro de 2018, estabelece, no artigo 16, que a educação e formação de professores compreende 6 etapas, nomeadamente: “Educação e formação de professores para a educação pré-escolar; Educação e formação de professores para o ensino primário; Educação e formação de professores para o ensino secundário; Educação e formação de professores para o ensino técnico profissional; Educação e formação de professores para a educação de adultos; Educação e formação de professores para o ensino superior” (MOÇAMBIQUE, 2018b).
Em termos objetivos, a formação de professores é feita em dois tipos de instituições: os institutos de formação de professores responsáveis na formação inicial e contínua de professores para o ensino primário (1ª á 6ª classe) e as instituições de ensino superior, com maior enfoque para a Universidade pedagógica que forma professores para o ensino secundário. Como se pode depreender, não existem instituições vocacionada para a formação de professores para o ensino pré-escolar; ensino técnico e superior.
Na lei do ensino superior, nota-se uma incisiva orientação de quem deve praticar o magistério superior em Moçambique, ao delinear que “[...] o ensino superior realiza-se com docentes altamente qualificados, habilitados com o grau académico de Doutor, na área técnica e artística a que se candidatam para leccionar” (MOÇAMBIQUE, 2018a).
Como se pode notar, a condição para ser professor universitário em Moçambique é em primeiro lugar ter o grau de Doutor. Como fizemos referência, o grau académico de Doutor, constitui no ordenamento jurídico moçambicano o chamado 3º ciclo de formação. Esta formação é realizada em universidades, no entanto, embora o decreto 30/2010 de 13 de Agosto estabelece que o 3º ciclo “[...] visa a formação de docentes e investigadores de alto nível para estabelecimentos de ensino superior, centros de pesquisa e sector produtivo” (MOÇAMBIQUE, 2010, p.98), na maior parte das vezes muitas das instituições de ensino superior moçambicano, essas formações não contemplam a componente didática pedagógica, condição principal para ser professor de qualquer nível de ensino, e muito menos ao chamado 3º ciclo de formação não é acessível para muitos, uma vez que, localmente são contáveis as instituições que se dedicam para tal, e os cursos oferecidos não são abrangentes ou referentes para muitas das áreas de ensino a que as universidades se propõem a lecionar. Nesses moldes, uns tantos que teem o 3º ciclo no ensino superior, o devem às cooperações estrangeiras.
Do acima arrolado, foram surgindo algumas questões: Então quem são os Professores das IES em Moçambique? Como se tornaram professores universitários? Que ações de formação as instituições de ensino superior desenvolvem? Que modelo de formação se pode adoptar para as instituições de ensino superior em Moçambique? Que experiência tem no magistério superior. Algumas destas questões serão respondidas neste trabalho e outras ainda constituirão objeto de reflexão em momentos posteriores.
Apresentação e Discussão dos Resultados
Dados sócio demográficos
Como nos referimos anteriormente, participaram nesta pesquisa 44 professores que trabalham em 6 universidades públicas de Moçambique. Dos sujeitos de pesquisa 84,1% são do sexo masculino e 13,6% do sexo feminino. Quanto ao nível académico, 56,8 % concluíram o nível de mestrado em diferentes cursos; 18,2% têm o nível de licenciatura e 25% concluíram o 3º ciclo de formação (doutoramento), como ilustram os Gráfico 1 e Gráfico 2. Os dados sobre o nível académico dos professores, mostram uma ascendência de docentes que concluíram o 3º ciclo de formação. O que realmente está acontecendo é que, com o decreto 46/2018 de 1 de Agosto, a maior parte das Universidades Moçambicanas incentivaram os seus professores a continuarem a sua formação.
Como se pode verificar, os dados da pesquisa mostram que 75% dos professores que trabalham nas Universidades em referência não tem o nível académico exigido pelo decreto nº 46/2018 de 1 de Agosto.
Modalidade de ingresso na atividade docente
Os Estatutos de Funcionários e Agentes do Estado, define que no aparelho do Estado o ingresso se efetiva por meio de concurso, art. 51, da Lei nº 4/2022 de 11 de fevereiro (MOÇAMBIQUE, 2022), que aprova o Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado na República de Moçambique. Dos dados recolhidos no Gráfico 3, é possível verificar que 79,5% entraram para o Magistério superior através do concurso público, enquanto que 13.6% entraram como Monitores.
Geralmente, constitui requisito básico de ingresso nas instituições de ensino superior em Moçambique, a conclusão do primeiro ciclo de formação superior (licenciatura), embora a legislação orienta que só podem ser docentes universitários indivíduos com o grau de Doutor. Assim, dos dados disponíveis pode-se concluir que tanto os que entraram via concurso público, como os que entraram através do processo de monitoria, no momento do seu ingresso tinham o nível académico de Licenciatura e provavelmente se formaram ao longo do exercício da atividade de magistério superior. No entanto, considerando que a monitoria como uma modalidade de ensino e aprendizagem que contribui para a formação integrada do aluno nas atividades de ensino, pesquisa e extensão dos cursos de graduação (LINS; FERREIRA; FERRAZ; CARVALHO, 2009), desempenha um papel fundamental para um contexto que não existe uma formação inicial para o magistério superior.
A importância da monitoria na formação do professor iniciante reside no facto de possibilitar uma formação teórica e prática da profissão. Pois, ao longo da atividade de monitoria, o Monitor vai percebendo as nuances da profissão e vai se inserindo na comunidade através de diversas funções que vai realizando no cotidiano da atividade. Assim, no nosso entender, os professores que entraram no magistério superior através de processo de monitoria estão numa relativa vantagem de conhecimento da atividade docente comparativamente aos que entraram via concurso, pois, como afirma Amorim et al (2012, p.56): “[...] a experiência de estar do outro lado, ou seja, deixar de ser aluno e sentir na pele o ser professor ou professora, é muito importante para a construção do conhecimento do profissional do magistério [...]” em contrapartida, os que entram via concurso, sem antes passarem pelo um processo de indução pedagógica didática através de monitoria
imaginam estar preparados para assumir uma disciplina em um curso de sua área de especialização, confiantes em sua ‘experiência’ de, por muitos anos, terem sido alunos de graduação, mestrado e doutorado, e com isto terem conhecido muitos professores e terem assistido às suas aulas, o que lhes garantiria ‘saber como se faz para dar uma aula’ (MASSETTO, 2018, p. 89).
Formação para o magistério superior
Como nos referimos anteriormente a formação para o exercício de qualquer profissão é essencial. No caso dos professores que participaram na presente pesquisa, 61,4 % não tiveram nenhuma formação específica para iniciarem atividade docente nas Universidades onde trabalham, conforme detalha o Gráfico 4.
A formação específica para o exercício de qualquer atividade é essencial, pois possibilita a aquisição de conhecimentos técnicos específicos para o indivíduo realizar com mestria a sua atividade. A atividade de formar, não se pode aprender formando, mas sim através de uma preparação que pode ser por meio de curso inicial ou em exercício, aqueles que Perrenoud; Altet; Charlier; Paquay (2001) chamaram de saberes práticos. Estes saberes estruturam como o processo de orientação do formando, aluno ou estudante deve ser feito,durante a formação educativo como um processo que busca o desenvolvimento da pessoa humana na esfera intelectual, moral e física e sua inserção na sociedade, ocorre num processo de troca de experiências.
A história de vida profissional dos professores universitarios ora participantes da pesquisa, nos remete às palavras do professor Bonnet, proferidas em uma das aulas de Fundamentos de Pedagogia lá nos anos 2000 para afirmar que muitos se tornaram professor, como aprossori (aprissori, é termo que, nas suas palaras é referente a um professor que não passou por nenhum curso de formacao, ou passou por um cursinho de cinco dias para depois ser atribuido uma turma e lecionar), ou seja, são professores através das proprias e múltiplas vivências, todas costuradas com os alunos e com outros professores. Ora, o lugar de trabalho do docente, torna-se num espaço de (trans)formação, isto é, o que deveria ser formação em exercício, para o docente e para os estudantes torna-se em formação inicial no magistério superior.
Como se pode notar, a maior parte dos professores entraram para o magistério superior apenas com saberes teóricos ou disciplinares, o que de certa forma pode criar uma situação de insegurança no processo de formação dos estudantes.
Tempo de trabalho dos professores
Um dos elementos que queríamos analisar, para compreender a formação de professores do ensino superior em Moçambique, estava relacionado com o tempo de trabalho, para a partir desses dados analisarmos o ciclo de vida dos professores abrangidos. A análise foi feita através das etapas de carreira propostas por Gonçalves (2001). Para ele, a carreira profissional passa por 5 etapas principais: o “início” caracterizado por choque do real e descoberta ( 1- 4 anos); estabilidade caracterizada por segurança, entusiasmo, maturidade (5-7 anos); divergência com maior empenhamento e entusiasmo versus divergência caracterizado por descrença e rotina (8-14 anos) e Serenidade caracterizada por reflexão e satisfação pessoal (15 -22 anos) e por fim, a etapa de renovação do “interesse” caraterizada por renovação do entusiasmo ou desencanto que se resume em desinvestimento e saturação (a partir dos 23 anos.
Os dados do Gráfico 5 mostram que a maior parte dos professores estão nas etapas de 5 a 15 anos, isto é, nas etapas de estabilidade e divergência. Estas duas etapas são cruciais para a vida profissional, pois enquanto na primeira etapa (estabilidade) é caracterizada (GONÇALVES, 2001) no assumir de confiança, a que não são alheios a tomada de consciência de que se “é capaz” de gerir o processo de ensino-aprendizagem, a satisfação pelo trabalho desenvolvido e um gosto pelo ensino, por vezes até então não pressentido, na outra etapa (divergência) o desequilíbrio torna-se dominante e o professor buscará compreender quais suas reais necessidades durante o processo de formação realizado.
Considerações Finais
A atividade docente é uma das profissões mais delicadas, pois exige um preparo científico, técnico e prático para além do desenvolvimento de características éticas para quem vai desenvolver a atividade. Nesta reflexão trouxemos em linhas gerais como se chega ao magistério superior em Moçambique, tendo enfatizado a necessidade de que enquanto não existir programas específicos de formação para o magistério superior, o processo de monitoria poderá constituir uma alternativa, pois permite a inserção do futuro professor nas atividades didático pedagógicos essenciais para a sua futura atividade.
Defendemos igualmente, a necessidade de a formação para o magistério superior buscar uma unidade do processo, pois, entendemos tal como (GARCIA, 1999) que a unidade implica em reconhecer que a formação de professores, seja ela inicial ou contínua, precisa estabelecer relações teóricas e práticas mais sólidas entre a didática e a epistemologia das ciências, de modo a romper com a separação entre conhecimentos disciplinares e conhecimentos pedagógico-didáticos. O pressuposto que defendemos só será possível se os processos formativos dos professores tomarem em consideração uma agenda que dá: (1) ênfase no estudo dos conteúdos que serão ensinados; (2) privilegia no ensino a relação conteúdo/ método; e (3) assegurar na formação a integração entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento didático do conteúdo.