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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.26  Caxias do Sul  2021  Epub 20-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v26.e021029 

ARTIGOS

Tensor: o que passa na escrileitura?

Tensor: what’s going on in the script?

Tensor: ¿qué pasa en la escrilectura?

Róger Albernaz De Araujo* 
http://orcid.org/0000-0003-4531-3134

Tamires Guedes dos Santos** 
http://orcid.org/0000-0002-3158-2643

*Professor Titular no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense IFSul/campus Pelotas. Pós-Doutor em Educação. Bolsista/PNPD/UFRGS (2015-2016). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Profissional em Educação e Tecnologia. E-mail: roger.albernaz@gmail.com

**Mestranda em Educação e Tecnologia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense (IFSul). Especialista em Educação pelo IFSul. Especialista em Artes Visuais pelo SENAC-RS. Licenciada em Letras Português pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Graduada em Jornalismo e em Publicidade & Propaganda pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel). E-mail: tamiresguedessantos@gmail.com


Resumo

O presente artigo tangencia o conceito de tensor esgueirando-se pelos platôs linguísticos de Mil platôs, agenciando o que Deleuze e Guattari potencializam em o que passou?, e que buscamos atualizar em o que passa? Nesse sentido, buscamos a articulação entre o que ambos os conceitos movimentam: isso, que acontece na relação entre dois ou mais estratos. Percebemos que o tensor transversa a obra de Deleuze e Guattari e, mesmo que não exerça um relevo, está lá, estrategicamente em funcionamento. Destarte, desejamos articular com esses conceitos de partida, uma possibilidade para poder inventariar os deslocamentos imanentes de escrileitura, como forma de aproximar procedimentos didático-tradutórios, que possam vir a ser envolvidos em uma pesquisa, que deseja experimentar-se em momentos de invenção. Para tanto, problematizamos uma tríade conceitual – tensor, o que passa?, e escrileitura, de modo a possibilitar perspectivas de composição e de funcionamentode uma máquina abstrata escrileitora de invenções. Com o Método Maquinatório de Pesquisa, afirmamos a busca por dar vez e voz a um processo de maquinações, que possam vir tensionar uma crítica sintomatológica, duplamente articulada a uma clínica maquinatória; um Plano de Organização tensionado por um Plano de Invenção; e, no intermezzo desses encontros, algo passa, algo pode passar; e, assim, persistem os rastros de uma escrileitura, envolta e revolta em um contínuo recursivo: escrever-ler-escrever. Nesse percurso, jogamos os dados em um tabuleiro desejante; procuramos abrir um caminho para a passagem de procedimentos escrileitores de invenção, e ensaiamos uma aposta: poder tensionar a transitividade atual-potencial do fazer linguístico, literário e escritureiro.

Palavras-chave Educação; Filosofia da diferença; Método Maquinatório de Pesquisa; Escrileitura; Tensor

Resumen

El presente artículo se acerca del concepto de tensor, transitando por las mesetas linguísticas de Mil Mesetas, agenciando lo que Deleuze y Guattari potencializan en qué pasó, y que buscamos actualizar en qué pasa? En este sentido, buscamos la articulación entre lo qué estos conceptos movimientan: eso, que pasa en la relación entre dos o mas estratos. Percibimos que tensor pasa por la obra de Deleuze y Guattari y, aunque no haya un relieve, allá está, estrategicamente, en funcionamiento. Así, deseamos articular, con estos conceptos de partida, una posibilidad para poder inventariar los desplazamientos imanentes de escrilectura, como forma de acercar procedimientos didáctico-traductorios que puedan ser involucados en una investigación que desea experimentarse en momentos de invensión. Por lo tanto, problematizamos umna tríade conceptual – tensor, qué pasa, escrilectura – de modo a posibilitar perspectivas de composición y funcionamiento de una máquina abstracta escrilectora de invenciones. Con el Método Maquinatorio de Investigación, afirmamos la búsqueda por dar la vez y la voz a un proceso de maquinaciones que puedan venir a tensionar una crítica sintomatológica duplamente articulada a una crítica maquinatoria; un Plan de Organización tensionado por un Plan de Invención; y, en el intermezzo de esos encuentros, algo pasa, algo puede pasar, y, así, persisten los rastros de una escrilectura, envuelta y revuelta en un continuo recursivo: escribir-leer-escribir. En este percurso, jugamos los dados en un tablero deseante, buscamos abrir un camino para el pasaje de procedimientos escrilectores de invención; y ensayamos una apuesta: poder tensionar la transitividad actual-potencial del hacer linguístico, literario y escriturero.

Palabras clave Educación; Filosofía de la diferencia; Método Maquinatorio de Investigación; Escrilectura; Tensor

1 Por onde se consegue entrar

O presente trabalho deseja colocar em jogo o conceito de tensor de Deleuze e Guattari. E, no caso, propor um funcionamento com as perspectivas de escrileituras (CORAZZA, 2017). Para tanto, lançamos mão do “Método Maquinatório de Pesquisa” (ARAÚJO; CORAZZA, 2017, 2018), no sentido de encaminhar um modo de relação possível com esse meio.

Todavia, existe uma multiplicidade de modos de relações que podem tomar corpo e ganhar voz, além do que, muitas vezes, isso acontece em um movimento de tamanha velocidade e brevidade, que perdemos as coordenadas do percurso. Nos deslocamos, mas sem muito bem perceber os elementos que ativam essas mudanças de posição e os que reagem, cumprindo a tarefa de preservação das coisas como estão, em uma repetição de uma historicidade do mesmo. Nesse caso, as noções de montagem (AQUINO; DO VAL, 2018) e de funcionamento arquivístico (FOUCAULT, 1997, 2006a, 2006b, 2008, 2010, 2013, 2014) tornam-se estratégicas, como forma de poder garantir a persistência do processo de deslocamento, marcando posições e, principalmente, incitando novas posições de deslocamento possíveis. De algum modo, a arquivística funciona como uma memória ativa no Método Maquinatório de Pesquisa, reservando matérias, perseguindo intensidades, montando e desmontando os modos, conforme o que advém dos efeitos de relação do percurso traçado.

A relação, duplamente tensionada, de implicação e de envolvimento dos desejos agenciados, com as matérias recolhidas provocam tensionamentos no que se poderia contornar como um fazer linguístico-literário-escritureiro. O Método Maquinatório, então, sobrecodifica as matérias de arquivamento, incitando o arquivo a um limite de montagem de suas partes e de suas comunicabilidades, o que, por efeito, faz emergir outros modos de codificação e de funcionamento.

Dessa forma, o que toma o campo da jogabilidade possível do pensamento, engendra atravessamentos de tensões, diferencialmente potenciais; pulsações rítmicas que bombeiam matérias problematizadoras de tensionamento. Isso desloca os modos e revolve os meios desse fazer linguístico-literário-escritureiro. Temos, então, um caldeirão de ingredientes em modo de fervência contínuo, produzindo sentidos e sensações díspares enquanto se misturam intensidades agora.

2 Tensor: O que passa?

O conceito de tensor compõe com a obra de Deleuze e Guattari, e isso começa a tomar corpo e a arriscar um ritmo, mesmo que, por vezes subterrâneo, nos volumes 2 e 3 de Mil platôs (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017b). Ou seja, essa noção se corporifica de modo mais afirmativo, conforme nos aproximamos dos platôs 4, Postulados da linguística, e do 5, Sobre alguns regimes de signos. Assim, nos chamados “platôs linguísticos” (DELEUZE; GUATTARI, 2015), o conceito tensor desloca-se para articular uma relação com os conceitos de agenciamento (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d, 2011) e de redundância (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d, 2011) que, desde O anti-Édipo já ocupam uma posição de destaque.

No entanto, nessa abordagem de estudo, optamos por nos debruçar no conceito de tensor em sua gênese, focando os volumes 2 e 3 de Mil platôs, porquanto é, nesse momento, que o conceito de máquina abstrata começa a ser costurado, por entre a língua e a linguagem, em uma abordagem que explora a transitivização (DELEUZE; GUATTARI, 2015), na relação com o processo de variação contínua.

No quarto platô, Postulados da Linguística, Deleuze e Guattari (2015) discutem as relações entre a língua e a linguagem, colocando o tensor em funcionamento, como elemento tensionador de algo que passa entre a língua maior e a língua menor:

A expressão atípica constitui um extremo de desterritorialização da língua, representa o papel de tensor, isto é, faz com que a língua tenda em direção a um limite de seus elementos, formas ou noções, em direção a um aquém ou a um além da língua. O tensor opera um tipo de transitivização da frase, e faz com que o último termo reaja sobre o precedente, remontando toda a cadeia

(DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 47).

A noção de expressão atípica (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 47) aborda um fenômeno linguístico da análise de Nicolas Ruwet, que se debruça sobre as “expressões singulares em Cummings” (2015, p. 46), como forma de construir uma abstração acerca da variação das variáveis gramaticais e o seu efeito na composição de expressões agramaticais. A expressão atípica funciona como elemento tensor que subtrai o valor das constantes, em um efeito recursivo, pelo qual o retorno à expressão tensiona uma variação das constantes e das próprias variáveis.

Nesse contexto, isso produz um ritmo de inacabamento no limite do acabado; um modo de minorar a língua maior, tensionando algo que passa e desloca o concreto, o dimensionado, o definido; e, por efeito abre brechas para invenções, fabulações. O tensor funciona como elemento potencial na atualização das relações, recursivamente e é por ele que a variação contínua persiste como motor de deslocamento das relações: infra, intra e interagenciamentos (DELEUZE; GUATTARI, 2017c, p. 142-143). Trata-se de uma composição territorial em que uma relação não para de ser tensionada por outra e vice-versa; uma relação não hierárquica que não obedece a regramentos de necessidades, e o que passa, passa porque acontece, no momento em que afirma essa passagem.

Uma expressão tão simples como e... pode representar o papel de tensor através de toda a linguagem. Nesse sentido, o e é menos uma conjunção do que a expressão atípica de todas as conjunções possíveis que coloca em variação contínua. Eis porque o tensor não se deixa reduzir nem a uma constante nem a uma variável, mas assegura a variação da variável, subtraindo a cada vez o valor da constante (n-1). Os tensores não coincidem com qualquer categoria linguística; são, entretanto, valores pragmáticos essenciais aos agenciamentos de enunciação bem como aos discursos indiretos

(DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 47, grifo dos autores).

Desse modo, o e passa a carregar em si, além do valor de uma conjunção aditiva, o tensor em funcionamento; algo que passa a funcionar entre dois estratos, possibilitando um caráter de multiplicidade (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d) e de gradiente (DELEUZE; GUATTARI, 2017a, 2017b, 2017c) às relações implicadas e envolvidas. Assim, percebemos que o tensor se compõe pela passagem entre dois ou mais estratos, o que permite um potencial ilimitado de perspectivas de relação. Ou seja, “o tensor não se deixa reduzir” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 47), nem à relação, nem a ele mesmo, visto que opera pela potência de subtração, no limite de todas as partes.

De algum modo, pelo conceito de tensor, podemos aproximar outras perspectivas de percepção acerca da obra de Deleuze e Guattari, e isso toma forma mais imediata na relação entre a língua maior e uma língua menor. Principalmente em Kafka: por uma literatura menor (DELEUZE; GUATTARI, 1997), a relação de agenciamento e de redundância ocupa-se do tensionamento entre dois estratos, em que a língua menor funciona como tensora na relação com a língua maior, deslocando o limite de ambas, o que coloca a própria relação em variação contínua. Os conceitos de “maior e menor não qualificam duas línguas, mas dois usos ou funções da língua” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 53). São perspectivas de relação diferentes, modos diferenciados de deslocamento. Isso tensiona o meio e provoca ritmos diferentes de funcionamentos, no tratamento com a língua: “um, consistindo em extrair dela constantes; outro, em colocá-la em variação contínua” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 57).

Por uma via, a língua maior estabelece seus valores e modos de produção desses valores, em um funcionamento evidente, que coloca suas forças a serviço da preservação de determinado espaço, constituído e consolidado. Ou seja, a língua maior faz um uso da língua, no sentido de prover a garantia de um conjunto de imagens e de regimes de signos; imagens e signos, que já ocupam um lugar nesse espaço de relações.

Desse modo, a língua maior outorga à língua as constantes e as varáveis necessárias para sua organização e posição, como “aparelho de estado” (DELEUZE; GUATTARI, 2017d). A língua maior funciona como transcendente (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d, 2011) da língua, garantindo que suas sínteses (DELEUZE; GUATTARI, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d) ocupem os espaços de relação, organizando-os e normatizando-os. Ou seja, as sínteses da língua maior produzem as imagens e os signos de verdade que fazem da língua o que ela é.

Por via de uma língua menor, deslocamentos são provocados no sentido da experimentação de possibilidades de produção de uma tensão das relações maiores. Ora, se as relações maiores, derivadas de um regime de verdade, oriundo da língua maior já ocupam esse espaço de relação, cabe à língua menor a guerra, o conflito. Assim, os deslocamentos que a língua menor arrisca tensionam uma relação de luta, de subtração das constantes de relação, pela tensão de uma variação contínua da língua. Isso retira a síntese da posição de consequência inquestionável, que garante as premissas e os pressupostos das teses correntes da língua. A língua menor funciona como elemento minoritário da língua, declinado das verdades e das certezas postas, das organizações e das referências circulantes. Essa mudança de perspectiva de relação com a língua incita uma luta, entre um potencial da língua, um menor, e o atual dessa língua, o maior; incita uma luta em que o devir tensiona o ser, colocando em variação contínua as constantes e as varáveis das relações. Até onde posso, hoje, tensionar a língua? De que modo posso tensionar a língua agora?

Neste estudo, apostamos nas possibilidades de uma língua menor que possa vir a se deslocar na direção de um fazer linguístico-literário-escritureiro; tensionamos, como forma de abrir alguma brecha, que possa subtrair a língua maior de seus domínios e de suas cidadelas de conhecimento. Para tanto, investimos em programas procedimentais, que possam ressoar às margens, nas fronteiras, nos limites da língua maior. Um pouco como Deleuze e Guattari nos tensionam com as noções de agramaticalidade, de estrangeirismos na própria língua e de gagueira (DELEUZE; GUATTARI, 1977).

A noção de variação contínua funciona como elemento estratégico nas maquinações de guerra (DELEUZE; GUATTARI, 2017d), porquanto a variação necessita de continuidade, do mesmo modo que a continuidade necessita de variação e, nesse caso, o que mantém essa “dupla articulação” (DELEUZE; GUATTARI, 2011) é o tensor. As variações, na língua menor, funcionam para “armar tensores em toda a língua, mesmo a escrita, e extrair daí gritos, clamores, alturas, durações, timbres, acentos, intensidades” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 53). Ou seja, nessa luta subtrativa de minoração da língua, o que sobrevém é um ritmo, um estilo à língua, e disso provém outra coreografia das relações.

No âmbito da escrita, especialmente a literária, algumas tendências de funcionamento da língua menor se tornam mais visíveis e mais recorrentes. A redundância de um menor com o maior produz tensionamentos simultâneos de movimentos possíveis. A subtração propõe uma condição de deslocamentos mais leves, mais breves, com menos pesos a carregar, enquanto a variação abre possibilidades para novas perspectivas e posições. A subtração deseja retirar os excessos de conteúdo da língua, enquanto a proliferação deseja tensionar esses excessos como forma de produzir outras variantes, novas expressões.

Assim, menor e maior constituem-se como dois aspectos de uma mesma língua, que percorre um caminho sinuoso, ziguezagueando enquanto as matérias passam.

Essa é a força dos autores que chamamos “menores”, e que são os maiores, os únicos grandes: ter que conquistar sua própria língua, isto é, chegar a essa sobriedade no uso da língua maior, para colocá-la em estado de variação contínua (o contrário de um regionalismo)

(DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 54-55).

Uma língua menor somente é passível de existir em uma relação de redundância com a língua maior. Destarte, ela não é uma negação ou um desejo de aniquilação da língua maior, mas um tensor que propulsiona a língua a tensionar seus limites, problematizar seus movimentos e posições pela própria língua. Nessas relações de tensionamento da língua, uma língua menor transversa (DELEUZE; GUATTARI, 2017a, 2017c, 2011) a língua maior, produzindo possibilidades de desterritorialização da língua.

E cada vez é uma outra diagonal, uma outra técnica e uma criação. Então, nessa linha transversal que é realmente de desterritorialização, move-se um bloco sonoro, que não tem mais ponto de origem, pois ele está sempre, e já, no meio da linha; que não tem mais coordenadas horizontais e verticais, pois ele cria suas próprias coordenadas; que não forma mais ligações localizáveis de um ponto a outro, porque ele está num “tempo não pulsado”: um bloco rítmico desterritorializado, abandonando pontos, coordenadas e medida, como um barco bêbado que se confunde, ele próprio, com a linha, ou que traça um plano de consistência.

(DELEUZE; GUATTARI, 2017c, p. 100, grifo dos autores).

Há uma ênfase de postura quanto aos modos de relação que uma língua menor tensiona a língua maior; posição de um “estrangeiro em sua própria língua” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 55), de um bastardo, já que se “vive como bastardo, não é por um caráter misto ou mistura de línguas, mas, antes, por subtração e variação da sua, por muito ter entesado tensores em sua própria língua” (2015, p. 55). Essas posturas tensionam os percursos daqueles que inventam para si uma língua menor, que arriscam um limite da língua, que se deslocam em um desejo “bilíngue ou multilíngue” (2015, p. 55) de “diferenciação” (DELEUZE; GUATTARI, 2017a) da própria língua; essa posição potencial empurra a língua em direção às bordas, faz com que ela ressoe às margens das atualizações possíveis.

O movimento de minoração da língua produz uma multiplicidade de procedimentos, porquanto as subtrações dos conteúdos tensionam uma desestabilização dessa língua, o que, por efeito, potencializa perspectivas de variação das expressões. A minoração da língua passa pela necessidade de proliferação de agenciamentos que coloquem a língua em variação contínua; necessita de “agentes potenciais para fazer entrar a língua maior em um devir minoritário de todas as suas dimensões, de todos os seus elementos” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 56).

Se atentarmos ao platô n. 5, Sobre alguns regimes de signos, Deleuze e Guattari (2015) trazem, novamente, o tensor à cena relacionando-o à máquina abstrata, quando colocam que “definimos a máquina abstrata pelo aspecto, o momento no qual não há senão funções e matérias. Um diagrama, com efeito, não tem nem substância nem forma, nem conteúdo nem expressão” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 105). Desse modo, uma máquina abstrata coloca-se como tensora de funcionamentos. Isso funciona? Se algo funciona, há, aí, a tensão de uma máquina abstrata, implicada e envolvida em seus traçados de variação. Há tensão no que passa; traços que incitam intensidades; matérias não substanciadas e funções não formadas. O que passa é algo, algo que não sabemos, pelo menos ainda, algo indefinido, algo por definir, algo por vir: diagrama (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2011) composto por agenciamentos.

Uma máquina abstrata em si não é mais física ou corpórea do que semiótica, ela é diagramática (ignora ainda mais a distinção do artificial e do natural). Opera por matéria, e não por substância; por função, e não por forma. As substâncias, as formas, são de expressão “ou” de conteúdo. Mas as funções não estão já formadas “semioticamente”, e as matérias não estão ainda “fisicamente” formadas. A máquina abstrata é a pura Função-Matéria – o diagrama, independentemente das formas e das substâncias, das expressões e dos conteúdos que irá repartir

(DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 104-105, grifo dos autores).

Uma máquina abstrata promove a possibilidade de uma maquinaria, uma maquinação de desejos; “as máquinas abstratas possuem nomes próprios (e igualmente datas), que não designam mais certamente pessoas ou sujeitos, mas matérias e funções” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 106). Deleuze e Guattari (2015) fazem uma relação entre a máquina abstrata e a linguagem, que, quando tensionadas, movimentam uma relação em que “É a linguagem que remete aos regimes de signos, e os regimes de signos, às máquinas abstratas, às funções diagramáticas e aos agenciamentos maquínicos” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p.,113). Assim, eles posicionam essa máquina em uma relação de tensões de desterritorialização e de reterritorialização do meio, no caso a escrita: “Um conteúdo-matéria que apresenta tão somente graus de intensidade, de resistência, de condutibilidade, de aquecimento, de alongamento, de velocidade ou de demora; uma expressão-função que apresenta tão somente ‘tensores’” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 105).

Ou seja, os tensores possibilitam graus de variação, gradações e dispersões, que são possíveis não apenas na escrita, mas, também, em outros meios. Conforme os estratos tensionados, o que passa entre eles? Quais gradientes tornam-se possíveis em um tensionamento? Quais coreografias podem ser percebidas?

Há uma aproximação de funcionamentos na relação do conceito de tensor e o que passa, visto que ambos se deslocam por um desejo de preenchimento de relações entre dois ou mais estratos. No platô n. 8, Três novelas ou “o que passou?” (DELEUZE; GUATTARI, 2017b), o que passa atravessa um meio que produz a tensão entre dois gêneros literários: conto e novela. Tal distinção já existe nas categorizações da própria literatura e se define, resumidamente, pelo número de páginas de um texto. Sendo o conto mais curto, e a novela um pouco mais longa, porém não chegam a constituir um romance, um livro. Ainda, o conto, na maioria de suas ocorrências, tem a forma de uma história inacabada, enquanto a novela persegue um acabamento.

Deleuze e Guattari (2017b) tensionam o limite dessas classificações impostas por aqueles que classificam a literatura por gêneros determinados. É na própria linguagem narrativa que os autores buscam uma diferenciação. Nesse sentido, o conto se coloca como algo que está em vias de acontecer, tensiona um futuro próximo, enquanto a novela toma o caminho de algo que acabou de acontecer, ressoando na memória de um passado recente. (DELEUZE; GUATTARI, 2017b).

Os autores problematizam acerca de três novelas: In the cage (de Henry James), The crack up (de F. Scott Fitzgerald) e Histoire du gouffre et de la lunette (de Pierrette Fleutiaux). Ao analisar a segunda novela, Deleuze e Guattari chegam ao conceito de rachadura:

Mas Fitzgerald diz que há um outro tipo de rachadura, seguindo uma segmentaridade totalmente diferente. Não são mais grandes cortes, mas microfendas, como as de um prato, bem mais sutis e mais maleáveis, e que se produzem sobretudo quando as coisas vão melhor do outro lado

(DELEUZE; GUATTARI, 2017b, p. 78, grifo dos autores).

As rachaduras funcionam como pequenos cortes no texto, que, sinuosamente, produzem suas marcas em movimentos menos bruscos na relação como fazia Fitzgerald (apudDELEUZE; GUATTARI, 2017b). “Dessa vez, impulsos e rachaduras na imanência do rizoma, ao invés de grandes movimentos e dos grandes cortes determinados pela transcendência da árvore” (DELEUZE; GUATTARI, 2017b, p. 78). Ou seja, a rachadura produz uma tensão que permite a função da escrita com uma forma mais rizomática (DELEUZE; GUATTARI, 2017a), o que tensiona um espalhamento à superfície com a produção de ligações aleatórias. Pela rachadura, algo passa. Uma rachadura funciona como potência para algo vir a passar, um conto; em contraste com a ruptura, a novela, em que algo já passou. Ou seja, “[...] na ruptura, não apenas a matéria do passado se volatizou, mas a forma do que aconteceu, de algo imperceptível que se passou em uma matéria volátil, nem mais existe” (DELEUZE; GUATTARI, 2017b, p. 79). Com a ruptura, temos uma alternância sucessiva de uma linha e uma quebra. “Não sou mais do que uma linha” (p. 79).

No tratamento das linhas, na relação com a escrita, Deleuze e Guattari selecionam três formas de linha:

Algumas nos são impostas de fora, pelo menos em parte. Outras nascem um pouco por acaso, de um nada, nunca se saberá por quê. Outras devem ser inventadas, traçadas, sem nenhum modelo nem acaso: devemos inventar nossas linhas de fuga se somos capazes disso, e só podemos inventá-las traçando-as efetivamente, na vida

(2017b, p. 83).

E, acerca do funcionamento das linhas, Deleuze e Guattari (2017b) afirmam, que “[...] constantemente as linhas se cruzam, se superpõem por um instante, se seguem por um certo tempo” (DELEUZE; GUATTARI, 2017b, p. 84). Ou seja, “[...] essas linhas não querem dizer nada. É uma questão de cartografia. Elas nos compõem, assim como compõem nosso mapa. Elas se transformam e podem, mesmo, penetrar uma na outra. Rizoma”. (DELEUZE; GUATTARI, 2017b, p. 84).

Desse modo, podemos perceber que a linguagem necessita seguir as diferentes linhas e, ainda, que a escrita necessita se alimentar dessas linhas. No caso, temos uma afirmação da noção, não somente dos entre meios, mas, também, dos entre modos e dos entre ritmos, visto que algo acontece; algo acontece entre as próprias linhas de uma escrita: um tensor. Algo passa pela rachadura de um texto, que se permite trincar, que se deseja arejar. Assim, algo tensiona e algo passa e algo acontece.

3 Escrileituras: tensionamentos de passagem

Em termos de problematizações, que implicam e envolvem relações de criação, de invenção, de fabulação, temos uma tensão recorrente entre os deslocamentos de escrita e de leitura. Nesse sentido, pela colocação em funcionamento do Método Maquinatório de Pesquisa (ARAÚJO; CORAZZA, 2017, 2018), utilizaremos a noção de escrileitura como um procedimento de tensionamento entre as relações de escrita e de leitura, que passam, enquanto um texto se escreve. Mas, afinal, o que é uma escrileitura? No caso, essa problematização ressoa como uma sintomatologia crítica potencializada pela necessidade de recolher sintomas, que sobrevêm dos entre percursos de escrever e ler. Assim, percebemos que uma escrileitura acontece pela tensão entre a escrita e a leitura, em um processo recursivo, que põe em variação contínua as constantes e as variáveis da escrita e da leitura. Ou seja, um procedimento de escrileitura funciona como tensor de uma função de maquinação do texto, acionando imagens e signos inventivo-fabulatórios, que podem preencher um espaço textual. Para tanto, nos remetemos ao projeto proposto por Corazza (2010) na UFRGS:

A denominação central Escrileituras se deve à condição de o Projeto lidar com escritas e leituras singulares, produzidas por um leitor, que transita entre o prazer de ler e o desejo de escrever, e vice-versa. Escrileitura que, portanto, é autoral, não podendo ser imitada nem funcionar como modelo ou método

(2017, p. 28).

A fim de problematizar a escrileitura como um procedimento tensor do Método Maquinatório, recolhemos alguns sintomas desses percursos de escrileituras, como forma de proceder à articulação de um “arquivamento” (AQUINO; DO VAL, 2018) de matérias, e uma “arquivização” (AQUINO; DO VAL, 2018) de funções. Desse modo, acionamos o procedimento de uma arquivística de escrileitura aos processos de maquinação dessas escrileituras. Percebemos que há uma tensão, que passa entre a escrita e a leitura: uma leitura potencializa uma escrita, bem como uma escrita pede por outras leituras; em uma relação de “dupla articulação” (DELEUZE; GUATTARI, 2011), desejamos poder dizer um pouco do que passa entre essas relações. Tensionamos o “desejo” (DELEUZE; GUATTARI (2015, 2017a, 2017b, 2017c, 2017d, 2011; ARAÚJO; CORAZZA, 2017, 2018), que potencializa as relações de escrita e de leitura, constituindo o limite de composição de um corpo de passagem tensor-escrileitor, que se desloca pela redundância escritura-leitura, em um processo de transitivização potencial-atual, da escritura e da leitura, duplamente implicadas e em variação contínua. A dupla articulação funciona:

Porque abandona toda referência privilegiada; porque descreve um campo puro de imanência algébrica que não se deixa sobrevoar por instância transcendente alguma, ainda que recuada; porque faz escorrer nesse campo os seus fluxos de forma e de substância, de conteúdo e de expressão; porque substitui a relação de subordinação significante-significado pela relação de pressuposição recíproca expressão-conteúdo; porque a dupla articulação já não se faz entre dois níveis hierarquizados da língua, mas entre dois planos desterritorializados conversíveis, planos constituídos pela relação entre a forma do conteúdo e a forma da expressão; porque nesta relação atingem-se figuras que já não são efeitos do significante, mas esquizas

(DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 321-322).

O desejo é que estabelece a possibilidade de que os pensamentos tenham partida (ARAÚJO; CORAZZA, 2018), ou seja, possam tomar curso, no sentido de produzir deslocamentos, percursos, pelos quais os modos e os ritmos sobrevém como efeitos, como sintomas que passam por entre as relações. No caso, o desejo como um procedimento de pesquisa do Método Maquinatório de Pesquisa:

O desejo (Deleuze e Guattari, 2011) acontece como o elemento que inaugura o processo de pesquisa e tem, como efeito, por um lado, o percurso percorrido pelos pesquisadores e, por outro, o território da temática de pesquisa que se compõe. Um tipo de encontro, que acontece em determinado tempo e espaço

(ARAÚJO; CORAZZA, 2018, p. 69-70).

No caso, o desejo tensiona o limite de um percurso crítico-sintomatológico com o “objetivo de expandir o conceito de texto para além das noções de registro e prazer, que permita uma possibilidade ao inusitado, à raridade e ao desejo de ler e de escrever” (CORAZZA, 2017, p. 34). Esse conceito de texto também não se encerra no texto escrito, mas no que “Texto quer dizer Tecido [...] entrelaçamento perpétuo” (BARTHES, 2015, p. 74). Ou seja, entende-se por texto, além daqueles que tomam a forma escrita, todos os outros, que, de algum modo, constituam um meio de “conteúdo e expressão” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, 2017a, 2017d, 2011).

Nesse caso, podemos considerar, para efeito de arquivamento, que os sintomas de escrileitura contornam uma

[...] noção de “escrileituras”; palavra-valise que diz da intersecção leitor-escritor e da experiência sensual que leva o leitor ao desejo de escrever (CORAZZA, 2008, p. 21-47). Em escrileituras a escrita-e-leitura justifica-se pelo trabalho com escritas e leituras singulares e autorais

(OLINI; CORAZZA, 2017, p. 174).

Desse modo, a noção de escrileitura tensiona a relação com o leitor. Algo funciona, algo passa, e Corazza (2017) desdobra e transvalora as matérias de arquivamento para criar a arquivização da noção de escrileitor. Ou seja, algo acontece pela tensão da escrileitura com o texto. Acontece o escrileitor, esse corpo de inscrição que passa entre o desejo de escrever e o de ler. Corpo atualizado pela vontade de escrever, potencializada pela vontade de ler; corpo atualizado pela vontade de ler, potencializada pela vontade de escrever; potencial, atual em variação contínua. Um corpo escrileitor.

Assim, pela necessidade de escriler, escrileituras acontecem, tomam forma, preenchem um espaço. O que se passou passou entre dois (ou mais) estratos, produziu gradações, dispersões; passou entre percursos, em que “[...] o entre não se refere a uma correlação localizável que vai de um ponto a outro, mas trata-se de um movimento transversal”. (OLEGÁRIO; CORAZZA, 2017, p. 161). Ou seja, o tensor que passa entre as relações de ler e escrever funciona como elemento transversal (DELEUZE; GUATTARI, 2017a, 2017c, 2011) às relações de escrileitura: e o que passou? – um escrileitor, que, ao passar, coloca, outra vez, a relação em deslocamento; outra escrileitura passa – o escriler tensiona a variação contínua; tensiona o escrileitor e a escrileitura – transitivisações.

Um tensor de escrileitura funciona de modo a implicar e a envolver algo em uma passagem escrileitora. No “Método Maquinatório de Pesquisa” (ARAÚJO; CORAZZA, 2018, 2017) o que passa é o desejo, um corpo de pesquisa de código aberto, pelo qual um pesquisador-escrileitor pode tensionar percursos, rastros, relações: matéria e função – máquina abstrata; substância e forma – conteúdo e expressão.

No próprio Método Maquinatório, há uma dupla tensão entre uma crítica sintomatológica e uma clínica maquinatória. Pensando com arquivos (AQUINO; DO VAL, 2018), na relação com o Método Maquinatório de Pesquisa, na crítica sintomatológica, os arquivos são preenchidos por “arquivamento” (AQUINO; DO VAL, 2018) com as matérias recolhidas na relação com o meio, no caso, o Projeto Escrileituras (CORAZZA, 2010); são sintomas de um funcionamento das matérias, que são substanciadas e formalizadas em conteúdos e expressões.

Na clínica maquinatória, há um tensionamento com possibilidades de invenção, pelas quais os arquivos são preenchidos por “arquivização” (AQUINO; DO VAL, 2018) com as matérias fabuladas, em um movimento de diferenciação e de singularização das matérias, como forma de substanciar e formalizar novos conteúdos e expressões. No caso, essa dupla tensão produz uma relação de redundância entre um “Plano de Organização e um Plano de Invenção” (ARAÚJO; CORAZZA, 2018). Por entre os planos, passam matérias escrileitoras, que se substanciam e formalizam, conteúdos e expressões – escrileituras.

4 Considerações finais

Para percorrermos os percursos de composição do conceito de tensor, partimos do segundo volume de Mil platôs (DELEUZE; GUATTARI, 2015), como forma de procedermos a um mapeamento, não apenas das ocorrências conceituais, mas também de algumas possíveis relações de atravessamento com outros conceitos e com outras noções. Com isso, foi possível recolher algumas matérias que preenchem o plano de pensamento da diferença. Pelos deslocamentos produzidos, de certo modo, conseguimos experimentar a ressonância do próprio conceito de tensor em funcionamento. Fomos implicados e envolvidos por rachaduras e rupturas, pelas quais procuramos passar, produzindo algumas marcas de escrileituras. O que passou? O que ainda passa?

Passou um escrileitor pelas linhas que compõem este texto; tensor de alguns encontros, fez-nos transversar um caminho conceitual denso, muitas vezes nebuloso; em outras, muito claro, a ponto de ofuscar o olhar. Escrileituras passaram por entre os postulados da linguística e o regime de signos. Passou um caminho com gosto de precariedade nos modos de poder dizer do que víamos e do que ouvíamos; do que percebíamos; e do que, sem aviso, sequer retirava-nos do lugar, colocando-nos em uma perspectiva distante, com apenas alguns frágeis fios para um retorno possível. Uma máquina abstrata passou. Uma máquina de escrileituras. Uma máquina escrileitora. Passou uma transitivização entre escrileituras potenciais e atuais; isso em variação contínua; um escrileitor passou por aqui também.

A tensão de escrileitura encontrou o tensor, mas o tensor também encontrou a escrileitura e um escrileitor. Isso acontece quando procuramos para poder continuar a procurar. Isso ainda passa! Ao escrever, uma nova leitura. Ao ler, uma nova escrita. E o escrileitor passa por aqui e passa por ali, mas não para de passar; persiste, prossegue, protesta, resiste.

Um tensor ainda passa; transversa com de Deleuze e Guattari e, agora, também com este texto. O tensor acontece: produz algo e some; tensiona a abstração, a invenção, a fabulação; tensiona a “variação contínua” (DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 39) das constantes e das próprias variáveis, põe em deslocamento uma máquina abstrata, afirma uma palavra de ordem à vida:

se consideramos o outro aspecto da palavra de ordem, a fuga e não a morte, é evidente que as variáveis entram então em um novo estado, que é o da variação contínua. A passagem ao limite revela-se agora como a transformação incorpórea, que não cessa entretanto de ser atribuída aos corpos: a única maneira não de suprimir a morte, mas de reduzi-la ou de fazer dela mesma uma variação.

(DELEUZE; GUATTARI, 2015, p. 60).

O que ainda passa é a variação. Passam matérias que funcionam em um contínuo, “aqui, nos tensores interiores da língua; ali, nas tensões interiores de conteúdo” (2015, p. 60). Algo que passa e se expressa em pequenos graus de diferença, em gradações de possibilidades. O que ainda passa é uma sensação de saúde, que reverbera na palavra de ordem do tensor, que também ainda passa. Uma palavra de ordem, que funciona como um sim à vida, e não se contenta com o que passou e tensiona o que ainda passa: deslocamentos. Os escrileitores se deslocam e, também, deslocam as escrileituras; e as escrileituras se deslocam e, também, deslocam os escrileitores. Dupla tensão entre matérias e funções. Substâncias e Formas. Conteúdos e Expressões. Algo ainda passa! Um fazer linguístico, literário e escritureiro ainda passa.

Referências

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Recebido: 11 de Agosto de 2020; Aceito: 24 de Agosto de 2020

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