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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.26  Caxias do Sul  2021  Epub 20-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v26.e021038 

ARTIGOS

Educação na sociedade da informação: contribuições para uma prática emancipatória

Education in the information society: contributions to an emancipatory practice

Cleonara Maria Schwartz* 
http://orcid.org/0000-0003-4411-2234

Patrícia Veronesi Batista** 
http://orcid.org/0000-0002-3774-4519

*Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora-Adjunta no Centro de Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita, vinculado ao CNPq. Vice-Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo (Nepales). E-mail: cleonara.schwartz@ufes.br

**Mestranda em Educação pelo Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Bacharela em Biblioteconomia pela Ufes. Licenciada em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Ufes. Especialista em Oratória, Transversalidade e Didática da Fala para Formação de Professores pela Ufes. E-mail: veronesi.pb@gmail.com


Resumo

Este artigo trata da educação no contexto da sociedade da informação, visa a identificar desafios que recaem sobre o campo educacional, principalmente no que se refere à instrumentalização da educação pelo capital, às implicações que acometem a formação e a atuação docente, assim como influências da expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação, reverberando nas atuais formas de conceber os processos educativos. Desafios, esses, evidenciados à luz da Teoria Crítica, mais especificamente, apoiados nas categorias conceituais Bildung (formação) e Halbbildung (semiformação) de Adorno, no ensaio Teoria da semicultura (2005). Compreende uma pesquisa bibliográfica, de caráter analítico, que possibilitou dialogar com estudiosos de Theodor Adorno e da Teoria Crítica, defendendo as discussões em torno da semiformação institucionalizada e da falência da formação ante as interferências da indústria cultural, como forma de resistir às forças opressivas e de padronização impostas pela ordem vigente. Entende que a educação, na sociedade da informação se encontra, em muitos aspectos, vinculada aos interesses econômicos e ideológicos neoliberais, resultando na semiformação, comprometendo a verdadeira missão do ensino escolar e uma ampla formação humana, resultando na semiformação, na desvalorização e no esvaziamento do papel de importância das instituições e dos profissionais da educação. Conclui que a educação utilitarista e pragmática contribui para a permanência de um arranjo social que conduz os sujeitos à inabilidade crítica, à perda de identidade, à submissão, à insensibilidade em relação a si e aos outros, ao retrocesso e à limitação da potencialidade humana, que, uma vez alienada, impede o rompimento com os processos de manipulação e padronização de comportamentos que conduzem à barbárie.

Palavras-chave Educação; Sociedade da informação; Formação; Semiformação; Educação emancipatória

Abstract

this article deals with education in the context of the information society, aims to identify challenges that fall on the educational field, especially with regard to the instrumentalization of education by capital, the implications that affect the training and teaching performance, as well as the influences of expansion information and communication technologies, reverberating in the current ways of conceiving educational processes. These challenges are evidenced in the light of Critical Theory, more specifically supported in the conceptual categories Bildung (formation) and Halbbildung (semiformation) by Adorno, in the essay Theory of Semiculture (2005). It comprises a bibliographic research, of an analytical character, which made it possible to dialogue with scholars from Theodor Adorno and from Critical Theory, defending the discussions around institutionalized semiformation and the failure of training in the face of the interferences of the cultural industry, as a way to resist oppressive forces and standardization requirements imposed by the current order. Believes that education in the information society is, in many respects, linked to neoliberal economic and ideological interests, resulting in semi-training, compromising the true mission of school education and of human training, resulting in semi-training, devaluation and emptying of importance of the educational institutions and your professionals. It concludes that utilitarian and pragmatic education contributes to the permanence of a social arrangement that leads subjects to critical inability, loss of identity, submission, insensitivity towards themselves and others, regression and limitation of human potential, that once alienated prevents the break with the processes of manipulation and standardization of behaviors that lead to barbarism.

Keywords Education; Information society; Formation; Semiformation; Emancipatory education

1 Considerações iniciais

Buscamos, neste artigo, pensar na educação no contexto sociedade da informação, com o propósito de identificar desafios que recaem sobre o campo educacional, principalmente no que se refere à instrumentalização da educação pelo capital, às implicações que acometem a formação e a atuação docente, assim como às influências na expansão das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), reverberando nas atuais formas de conceber os processos educativos. Por fim, nos dedicamos a pensar nos aspectos e desafios evidenciados à luz da Teoria Crítica, mais especificamente, nos valendo de contribuições de Adorno, no ensaio Teoria da semicultura (2005).

A sociedade da informação, conceito que surgiu na década de 70, ancora suas bases na concepção de sociedade globalizada e neoliberal, surgindo em um momento marcado pelo desenvolvimento tecnológico, sobretudo, das TICs e da internet. Adquiriu solidez na década de 90 ao ser adotada por organizações e em eventos mundiais, designando um projeto de sociedade que visava a incentivar e acelerar o mercado mundial, aberto e liberal. Compreende um conceito por vezes considerado inadequado, pois remete a um modelo uniforme de sociedade, não considerando a multiplicidade de realidades, nem pressupondo um receptor passivo, que não estabelece troca e comunicação, apenas recebe a informação, e ainda, por conferir especialmente à tecnologia (marcada por interesses econômicos e ideológicos) a possibilidade de desenvolvimento econômico das nações (BURCH, 2005).

Não raramente, a expressão sociedade da informação é colocada ao lado de sociedade do conhecimento, sendo tratadas como sinônimas, entretanto, destacamos diferenças quanto ao contexto e ao propósito de surgimento. A ideia de sociedade do conhecimento é proveniente do final da década 90 e de contextos acadêmicos que questionavam o projeto político-ideológico da sociedade da informação. Também foi adotada por políticas e instituições internacionais, com o intuito de romper com objetivos meramente econômicos, apostando em proposições mais amplas de desenvolvimento e contemplando aspectos humanos, sociais, culturais, etc. (BURCH, 2005).

Concordamos com as diferenciações e os aspectos ressaltados por Burch (2005) e, apesar de almejarmos uma sociedade do conhecimento, percebemos, ainda, abismos sociais1 na realidade brasileira os quais nos impedem de afirmar que vivemos em plena sociedade do conhecimento. Dessa forma, trabalharemos com o conceito de sociedade da informação, discutindo questões e problemáticas próprias desse contexto, em busca das transformações que almejamos para um efetivo avanço na capacidade humana de lidar com a profusão informacional, com a produção de conhecimentos, com o acesso democrático à cultura, à informação e às TICs, aspectos que estão diretamente relacionados com a maneira como a educação é concebida, podendo ser determinada e sujeitada, ou determinante e resistente, ante as imposições do projeto de sociedade capitalista.

A partir desse contexto, buscamos focalizar o campo educacional, a fim de analisar: Como se configura a educação na sociedade da informação, tendo em vista os pressupostos formativos e emancipatórios da Teoria Crítica, mais especificamente, a partir de contribuições de Adorno (2005)?

Alinhados à referida problemática, lançamos como objetivo geral, analisar processos formativos perante o contexto da educação na sociedade da informação, tendo em conta os pressupostos formativos e emancipatórios da Teoria Crítica. E como objetivos específicos: identificar desafios que a sociedade da informação impõe ao campo educacional; analisar pressupostos formativos e emancipatórios segundo Adorno (2005); e discutir a educação na sociedade da informação, considerando a análise realizada sobre os pressupostos formativos e emancipatórios da Teoria Crítica.

O recorte temático, a problemática e os objetivos que pretendemos alcançar mostram-se relevantes por permitirem refletir sobre os desafios e as exigências que a sociedade contemporânea (sob a influência da globalização e do capital) impõe à educação, ao passo que, no cotidiano das relações, normalmente, não há exercício crítico sobre tais transformações, a recepção tende a se dar com ar de novidade, inovação e urgência, às quais todos devem se adaptar para atender às novas necessidades do mercado e se manterem competitivos diante das novas exigências.

Como fundamentação teórica, nos apoiamos nas categorias conceituais Bildung (formação) e Halbbildung (semiformação) de Adorno, no ensaio “Teoria da semicultura” (2005), por nos permitirem pensar sobre pressupostos formativos e emancipatórios da Teoria Crítica no campo educacional.2

Compreende uma pesquisa bibliográfica, de caráter analítico, mediante fontes encontradas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes),3 entre outras relativas à abordagem filosófica da educação, que se mostraram relevantes.

2 Noções acerca dos desafios impostos à educação na sociedade da informação

Tratar dos desafios que marcam o campo educacional no contexto da sociedade da informação, talvez não seja algo simples de ser plenamente executado nos limites deste artigo, menos ainda desta seção, no entanto, nos valemos de uma estratégia para seleção de fontes. Diante dos nove artigos selecionados para a composição desta seção, pode-se observar que os estudos se subdividem em: aqueles que tomam a sociedade da informação como pressuposto para defesa e fundamentação de suas discussões,4 e aqueles que se dedicam a levantar questionamentos sobre tal modelo de sociedade e suas implicações. Optamos por considerar os dois artigos que levantam questionamentos, pois nos possibilitaram pensar criticamente em alguns dos desafios que se impõem à educação. São eles: Tecnologia e educação: trabalho e formação docente, de Barreto (2004) e Sociedade da informação e reestruturação produtiva: crítica à dimensão utilitarista do conhecimento, de Souza (2011).

Em meio às discussões, destacamos questões relativas à educação transformada em mercadoria, marcada pelo esvaziamento do trabalho docente; pela defesa das TICs nas políticas e nas reformas educacionais, movidas por demandas do mercado e da economia; pelo esvaziamento da formação docente; por toda uma realidade fundamentada em concepções vinculadas à noção de competências, evidenciando as dimensões pragmática e utilitarista.

Souza inicia seu artigo localizando a sociedade da informação e do conhecimento no contexto do final do século XX, marcado pela emergência da informatização, do capitalismo, da globalização neoliberal, fortemente atrelado “[...] a temas como competitividade, produtividade, empregabilidade, entre outros” (2011, p. 220). Concepções, essas, vinculadas à lógica econômica, fundamentadas no desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitam atender às demandas do mercado, comprometem o debate sobre a democratização do acesso à informação e a produção de conhecimentos, temáticas que são discutidas no artigo, afirmando que

sob a égide neoliberal, a sociedade da informação e do conhecimento, apesar de universalizada graças às novas tecnologias, não é a mesma para todos. Ou seja: aqueles que têm acesso à informação e ao conhecimento têm mais possibilidades de aprender, de se desenvolver (como pessoa e cidadão) do que aqueles que são excluídos desses bens ou apenas deles se aproximam de forma tênue, sendo um dos maiores impedimentos, em nosso país, a fragilidade do acesso à cultura e à educação, em especial à educação escolar

(SOUZA, 2011, p. 220).

Tratando da importância desse contexto educacional, Barreto (2004) se dedica a discutir a precarização do trabalho e da formação docente, lançando luz para aspectos que, a princípio, podem parecer pouco relevantes, mas que são representativos das transformações pelas quais estão passando a educação e os docentes, como a denominação do trabalho docente, que passa a ser substituído pelas designações: atividades, tarefas e/ou práticas docentes. De igual maneira, o reconhecimento do profissional denominado professor, tem sido substituído por tutor, monitor, facilitador e até animador, compreendendo “[...] a materialização discursiva do esvaziamento desse trabalho [...]” (BARRETO, 2004, p. 1.186).

Nesses moldes, não raramente, percebe-se a redução da atuação educacional docente à ação de selecionar materiais já prontos (mercadorias), controlar o tempo durante o qual os alunos (clientes) terão acesso a tais materiais no decorrer das aulas (consumo), representando mera racionalização instrumental, explorada para o alcance de determinadas finalidades (metas), definidas em vista dos sistemas de avaliação educacional impostos à realidade brasileira, sob a influência de diretrizes de organismos internacionais (BARRETO, 2004).5

Souza também retoma essa razão instrumental e denuncia os efeitos perversos, que superam os benefícios do avanço científico-tecnológico. Alerta que, mediante o poder e a dominação que surgem do uso privado, utilitarista e prático do conhecimento, gera-se “[...] domínio, dependência, exclusão e destruição” (2011, p. 220).

Na contramão dessa constatação, a urgência de transformações tecnológicas é imposta, mediante diretrizes internacionais, como prioridade para reformas e políticas de educação, que devem se comprometer com demandas de competitividade e de integração entre as nações, desloca a ênfase, tradicionalmente, dada aos sujeitos (envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem) para os recursos tecnológicos. Entende-se ser esse o movimento necessário para a flexibilização dos currículos, que devem se comprometer, agora, com as necessidades do mercado, prometendo amenizar diferenças sociais, a despeito de toda carência de recursos financeiros e dos abismos sociais que marcam a realidade das escolas e da sociedade brasileira (BARRETO, 2004).

A defesa das TICs não contempla aspectos ressaltados por Souza (2011) quanto às garantias que o simples acesso à tecnologia não nos oferece, se referindo ao uso qualificado dessas ferramentas e a exploração do potencial que há na geração de novos conhecimentos:

É importante ressaltar que, se as políticas públicas de disseminação das novas tecnologias de informação e comunicação se preocupam mais com a questão do acesso, cabe às unidades de informação organizar e disponibilizar para todos os cidadãos os diferentes conteúdos informacionais, assim como cabe à sociedade, em especial à escola, preparar os indivíduos para [uma] análise crítica dos conteúdos, para que, partindo de dados e informações, se possa produzir novos conhecimentos, para uso individual e coletivo. Esse sim seria o sentido pleno da expressão “sociedade da informação e do conhecimento”

(SOUZA, 2011, p. 221).

Vê-se, assim, a importância dos processos de mediação e de formação que a escola, a partir de seus profissionais (bibliotecários e professores), tem em face da realidade tecnológico-informacional, dependendo, sobremaneira, da qualidade da formação desses profissionais.

No que se refere à formação docente, Barreto (2004) ressalta o esvaziamento e a presença do que chama de “cisões importantes”, contrapondo: formação inicial versus formação continuada – destacando que poucos investimentos são feitos na formação inicial e que, na formação continuada, as ações se restringem a capacitações, treinamentos ou reciclagens; modalidades presencial versus a distância – retratando que os investimentos são concentrados no ensino a distância, e, no ensino presencial, identifica a dicotomia entre ensino versus pesquisa, comprometendo a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão.

Evidencia-se, portanto, fragilidades e contradições que perpassam pela educação no contexto da sociedade da informação, principalmente se forem consideradas as dificuldades orçamentárias para garantir o acesso à infraestrutura tecnológica no cenário das escolas brasileiras; o descomprometimento com questões relativas a processos pedagógicos de ensino e aprendizagem; a insegurança contratual enfrentada por profissionais das novas modalidades de ensino; o projeto educacional focado na aprendizagem sem a adequada mediação, com investimentos mínimos no ensino, tornado possível, em decorrência, “[...] uma concepção específica de conhecimento, conteúdo e formação, fundada na noção de competência” (BARRETO, 2004, p. 1.193):

[...] são muito claros os pressupostos assumidos nas propostas de formação baseada em competências: (1) o ensino pode ser decomposto em habilidades e competências básicas; e (2) a formação dos professores organizada a partir dessas habilidades e competências corresponde ao desempenho docente “desejável” [...]. O reducionismo é inevitável, ao passo que a sofisticação pode ser maior, considerando os novos recursos tecnológicos que podem co-operar com as competências. É na articulação do reducionismo à sofisticação que está fundada a estratégia de substituição tecnológica

(BARRETO, 2004, p. 1.194).

Dessa maneira, observa-se que a sociedade da informação fixa suas bases na lógica econômica, explorando as TICs e a educação para a promoção de interesses econômicos globais, acirrando diferenças sociais, impossibilitando processos formativos pela via da educação, relegando as classes trabalhadoras e os países subdesenvolvidos a condições de desigualdade, sendo explorados mediante as dimensões utilitarista e pragmática do ensino, focado no desenvolvimento de competências e habilidades básicas para garantia de empregabilidade.

Faz-se necessário estar atento às implicações desse projeto de sociedade na missão do ensino e da educação. Nessa perspectiva, Barreto (2004) evidencia alguns discursos, cada vez mais recorrentes e danosos, sobre o lugar de importância que é dado à educação na sociedade atual, destaca alguns clichês que apontam para “[...] um deslocamento significativo de ‘não se aprende apenas na escola’ para ‘não se aprende na escola’, na medida em que remete à tendência de desterritorialização da escola [...].” (BARRETO, 2004, p. 1.196).

Chamamos a atenção para esses discursos que, em um primeiro momento, incentivam a superação dos limites da escola, mas acabam por se transformar em uma defesa que implica o esvaziamento do papel de importância da instituição e de seus profissionais. Manifestações semelhantes podem ser identificadas em outras áreas vinculadas à educação, como no contexto informacional, por exemplo, no qual, por vezes, se defende a superação dos limites das bibliotecas e das unidades de informação, quando, na verdade, não houve sequer a adequada estruturação desses espaços na realidade brasileira. Diante de discursos como esses, devemos nos perguntar: Qual é a relevância social do que está sendo defendido? Com o que estão comprometidos? A que projeto de sociedade estão alinhados? Quais são as implicações tendo em vista a realidade brasileira? O que deve ser priorizado se considerarmos as insuficiências e os desafios que marcam a realidade brasileira? Como nos posicionaremos?

3 Contribuições para uma prática emancipatória da educação

Compondo o arcabouço teórico da Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno se dedicou a pensar na sociedade alemã do século XX, buscando refletir criticamente sobre a realidade e o desenvolvimento histórico, tendo em vista os rumos que tal sociedade poderia tomar. Trata-se de um pensamento atrelado às muitas reflexões relativas ao contexto do nazifascismo e, ainda, aos anos de exílio passados nos Estados Unidos, levando-o a refletir sobre a cultura caracterizada como objeto de consumo.

Destacamos, nesta seção, discussões em torno da semiformação institucionalizada e da falência da formação ante as interferências da indústria cultural. Esta última expressão, lançada por Adorno e Horkheimer nos anos 40, contrapõe-se ao conceito de cultura de massa, a fim de se diferenciar das manifestações artísticas espontâneas e originárias do seio popular.

No caso da indústria cultural, o que se destaca são as manifestações produzidas pela égide do capital, perpetuando as amarras do mercado sobre todos os âmbitos da sociedade (arte, educação, mídia, relações humanas, etc.), transformando direitos sociais, serviços públicos, necessidades individuais, etc. em negócios e em produtos, em necessidades produzidas e em realidades fetichizadas que coisificam os homens, visto que priorizam a padronização dos gostos, seduzem todos com produtos e experiências que reiteram a lógica capitalista, mascarando a consciência crítica sobre a realidade concreta.

Ao tratar da semiformação, Adorno se debruça sobre fatores que comprometem as possibilidades de a humanidade viver experiências emancipatórias e chama a atenção para relações e comportamentos estabelecidos culturalmente, uma vez que “[...] nos casos em que a cultura foi entendida como conformar-se à vida real, ela destacou, unilateralmente, o momento da adaptação, e impediu, assim, que os homens se educassem uns aos outros [...]”. (ADORNO, 2005, p. 3).

Para esta teoria, a idéia de cultura não pode ser sagrada – o que a reforçaria como semiformação –, pois a formação nada mais é que a cultura tomada pelo lado de sua apropriação subjetiva. Porém a cultura tem um duplo caráter: remete à sociedade e intermedia esta e a semiformação [...].

(ADORNO, 2005, p. 2).

Vê-se que a cultura tem um duplo caráter, podendo levar à autonomia e à liberdade ou à adaptação e à conformação, considerando a realidade concreta. Diante do desenvolvimento do capitalismo e da revolução científico-tecnológica do século XX, a formação cultural6 passou a promover a adaptação e a conformação, desprivilegiando o pensamento autônomo e levando ao conformismo (status quo) social. Nesses moldes, o que se observa é a diluição dos processos formativos em decorrência da lógica racional-instrumental,7 que perpassa pelas exigências do mercado de trabalho, as necessidades de inserção e de aceitação em uma dada comunidade (BARJA; LEMES, 2018), questões próprias de sociedades capitalistas, determinadas pela indústria cultural.

Se na ideia de formação ressoam momentos de finalidade, esses deveriam, em conseqüência, tornar os indivíduos aptos a se afirmarem como racionais numa sociedade racional, como livres numa sociedade livre. No modelo liberal, isso seria tanto melhor atingido quanto mais cada um estivesse formado por si mesmo. E quanto menos as relações sociais, em especial as diferenças econômicas, cumprem esta promessa, tanto mais energicamente se estará proibido de pensar no sentido e na finalidade da formação cultural. Nesse sentido, nem se pode denunciar que ela, sozinha, não garante uma sociedade racional. Não se quer liberar a esperança, desde o princípio enganosa, de que ela poderia extrair de si mesma e dar aos homens o que a realidade lhes recusa. O sonho da formação – libertação da imposição dos meios e da estúpida e mesquinha utilidade – é falsificado em apologia de um mundo organizado justamente por aquela imposição. No ideal de formação, que a cultura defende de maneira absoluta, se destila a sua problemática

(ADORNO, 2005, p. 5).

Como consequência, tem-se a formação humana, comprometida com o arranjo social que se constitui em uma espécie de ciclo autodeterminante, conduzindo os sujeitos, inconscientemente, à inabilidade crítico-reflexiva, à perda de identidade, à submissão, à uniformização, à insensibilidade em relação a si e aos outros, ao retrocesso e à limitação de toda a potencialidade humana, que, uma vez alienada, impede o rompimento com a ordem vigente. Representa, assim, o “[...] Símbolo de uma consciência que renunciou à autodeterminação, prendeu-se, de maneira obstinada, a elementos culturais aprovados. Sob seu malefício gravitam como algo decomposto que se orienta à barbárie” (ADORNO, 2005, p. 2).

No clima da semiformação, os conteúdos objetivos, coisificados e com caráter de mercadoria da formação cultural, perduram à custa de seu conteúdo de verdade e de suas relações vivas com o sujeito vivo, o qual, de certo modo, corresponde à sua definição. [...] Da formação só participam, para sua dita ou desdita, indivíduos singulares que não caíram inteiramente neste crisol e grupos profissionalmente qualificados, que se caracterizam a si mesmos, com muita boa vontade, como elites

(ADORNO, 2005, p. 8).

Vale ressaltar que o conceito de formação diz respeito a uma verdadeira emancipação humana, em uma sociedade livre e justa, na qual as pessoas se mostram capazes de pensar criticamente, questionar padrões impostos, posicionar-se consciente e ativamente diante das forças que agem sobre as relações sociais, políticas e econômicas. Assim, são capazes de se autodeterminar racionalmente, não permitindo acomodação, nem sujeição, principalmente em sociedades como as capitalistas, nas quais não há preocupação com o bem comum da coletividade, e a prioridade é sempre o consumo de bens culturais (BARJA; LEMES, 2018). O que se observa é que “[...] inúmeros canais, se fornecem às massas, bens de formação cultural. Neutralizados e petrificados, no entanto, ajudam a manter no devido lugar aqueles para os quais nada existe de muito elevado ou caro [...].” (ADORNO, 2005, p. 6). Dessa forma, reconhece-se a necessidade de resistir aos processos dominantes de manipulação e de padronização de comportamentos que conduzem à barbárie.8

Ao retratar a sociedade de sua época, identificada por Adorno como “sociedade de massas”, o autor nos permite estabelecer pontos de convergência com a atual sociedade da informação, ao dizer que mesmo com “[...] toda ilustração e de toda informação que se difunde (e até mesmo com sua ajuda) a semiformação passou a ser a forma dominante da consciência atual [...]” (ADORNO, 2005, p. 2). Fenômeno também presente na atualidade, visto que informações em excesso e produtos da indústria cultural circulam sem o adequado crivo qualitativo, compreendendo contextos que exigem posturas críticas, sob o risco de pagar com o preço da desinformação:

É perceptível que o modo como a sociedade lida com a informação reflete diretamente no bem ou mal-estar individual e coletivo, tendo em vista que as informações são também responsáveis por impulsionar as mudanças sociais em menor ou maior escala. Através das informações, visões de mundo podem ser modificadas, culturas transformadas e hábitos adotados. Ainda que não seja solução para todos os problemas, é possivelmente um dos insumos mais preciosos entre os não materializáveis

(CONDE, 2018, p. 20).

Exemplos atuais do preço que pagamos pela desinformação relativa à semiformação podem ser dados mediante os fenômenos da pós-verdade e das fake news. O pós-verdade compreende eventos ou circunstâncias em que apelos do tipo emocional, marcados por relativismos e subjetividades, por vezes falaciosos, influenciam mais a definição de opiniões, comportamentos e posicionamentos públicos do que fatos que são realmente verídicos (LEITE, 2018). O mesmo impacto negativo pode ser observado com a proliferação das tão influentes fake news, que compreendem notícias falsas, travestidas de veracidade, com o propósito de levar os interlocutores ao equívoco.

Ambas as práticas resultam em prejuízos diante de temas importantes, com os quais a sociedade não estabelece relação próxima ou não conta com informações e conhecimentos suficientes para discernir o que é verdade mediante tantos discursos que são proferidos, sobretudo no campo político, como apontam Conde (2018) e Leite (2018), no qual se tem observado, nos âmbitos mundial e nacional, o comprometimento de investigações e de resultados de eleições, retirando das pessoas o direito do acesso à informação qualificada, a oportunidade de fazer escolhas conscientes, ponderadas, visando ao bem comum e à garantia do Estado Democrático de Direito.

Vê-se que, na sociedade atual, a profusão de e a rapidez com que se acessam informações e produtos da indústria cultural comprometem o alcance de compreensões de qualidade, tornando as experiências vividas um tanto superficiais diante da complexidade das relações às quais estamos expostos. Trata-se de uma problemática que os conceitos adornianos de formação e semiformação nos permitem refletir sobre ela.

O exercício de pensar, questões no âmbito educacional, exige ir além da pedagogia. Adorno (2005) ressalta que é necessário, antes, refletir sobre fatores que emergem do contexto social, pois, assim, encontraremos as raízes do que impede, por exemplo, que as reformas educacionais sejam efetivas na melhoria da qualidade da formação escolar de que tanto necessitamos, não sendo possível superar a semiformação sem consciência de classe, sem estabelecer relações com nossa história e memória.

Portanto, a educação deve ser pensada criticamente dentro do amplo contexto social em que está inserida, a partir de questionamentos sobre suas diretrizes, ações, resultados e finalidades, mas, sobretudo, se atentando às bases que fundamentam essas proposições e às forças externas que agem sobre tais espaços.

Ressaltamos, assim, a atualidade e a importância das discussões adornianas sobre os processos formativos, como sua teoria pode contribuir para pensarmos na educação na atualidade, os aspectos que nos conduzem à formação ou à semiformação, possibilitando compreender os mecanismos aos quais estamos diariamente submetidos e que, por vezes, nos levam à alienação de nossa própria condição humana. Esses devem ser questionados, como forma de resistência às forças opressivas vigentes na atualidade. Entendemos que compreendem reflexões relevantes por se mostrarem contemporâneas no contexto das relações capitalistas, apontando para uma possibilidade de desenvolvimento intelectual que conduz a uma prática formativo-emancipatória.

4 Educação como prática emancipatória: discussões para pensar na educação hoje

Nesta seção, nos dedicamos, especificamente, a discutir a educação diante dos desafios que a sociedade da informação nos impõe e às concepções de formação e de semiformação. Dentre as questões de maior evidência, no caminho até aqui percorrido, e que serão tratadas de modo especial, constam: educação como mercadoria, esvaziamento da formação e do trabalho docente, influência das TICs e de demandas de mercado no contexto educacional, concepções relacionadas às habilidades e competências, e suas dimensões pragmática e utilitarista.

Adorno (2005) se refere à necessidade de pensar na educação a partir de um olhar ampliado para a sociedade, sendo imprescindível entender as relações que se estabelecem com o todo, atentando para implicações dos campos econômico, político e social, pois, apesar de à primeira vista parecerem aspectos externos e desconexos, influenciam sobremaneira a formação educacional-cultural dos indivíduos, podendo levar à concepção de educação como mercadoria, adaptação, uniformização e competição.

Entendemos que é responsabilidade da educação ampliar seu próprio campo de visão para construir novos caminhos à formação, rompendo com padrões vigentes comprometidos com a indústria cultural e com a desumanização ocasionada pelos processos capitalistas, que priorizam demandas de trabalho. Isso depende, necessariamente, de um olhar ampliado para o contexto político-econômico-social e do comprometimento com uma formação que conduza à liberdade e à justiça social, visando à emancipação humana.

Haja vista a referida transformação, a concepção de formação de Adorno (2005) pode ser evidenciada como meio de resistência ao que está colocado, permitindo o despertar para modelos, padronizações e relações de poder próprias da indústria cultural. Através da memória, da história e da consciência de classe, é possível levar os indivíduos a repensarem essa forma de existência, favorecendo posturas mais independentes, visando à autonomia e à responsabilidade do indivíduo sobre si mesmo e sobre a sociedade da qual faz parte.

Considerando que é fundamental o olhar para o que nos é exterior, ressaltamos a importância da formação e da atuação dos profissionais da educação, dos processos pedagógicos de ensino e aprendizagem e da mediação para a constante ampliação da compreensão, com abertura para elaborar o passado em confronto com o presente, tendo em vista o futuro. “[...] Isso significa que a constituição do sujeito se dá pela mediação daquilo que não lhe é idêntico, ou seja, do objeto enquanto não-ativo. [...]” (LOUREIRO, 2007, p. 532).

Assim sendo, a formação docente, na atualidade, tende a se mostrar um empecilho para promover a ampla formação de seus discentes, pois se caracteriza fortemente pela especialização em determinados conhecimentos, comprometendo a formação humana em sua totalidade. É importante perceber que, ao priorizar o mundo do trabalho, os conhecimentos técnicos, o pragmatismo e o utilitarismo – tão característicos das sociedades contemporâneas –, a educação se volta ao desenvolvimento de competências e habilidades pontuais, para a instrumentalização no uso de ferramentas e materiais, aspectos que, obviamente, têm sua importância social, mas que limitam muito os processos formativos, o estabelecimento de relações e comparações, todo o potencial e a complexidade das relações humanas (JAEHN, 2008).

As consequências de uma formação incompleta e especializada são facilmente identificadas na personalidade do indivíduo, que tende, por um lado, a se concentrar em torno de poucos interesses, sentindo dificuldades para resolver os problemas ou enfrentar situações que vão além destes. Por outro lado, esta atitude também dificulta a comunicação entre as pessoas, na medida em que cada um se concentra no seu próprio mundo, demonstrando-se alheio, desinteressado e intolerante com todos os que estão fora dele. Além disto, esta formação se mostra extremamente limitada para dar conta das exigências que surgem a partir da própria especialização das disciplinas [...]. Assim, a cultura contemporânea necessita dar conta destas duas dimensões: atender às exigências da especialização da sociedade industrial e da formação humana equilibrada, que conforme já citado anteriormente, requer uma educação para fins humanos, que inclua princípios como a ética, a solidariedade e o direito

(JAEHN, 2008, p. 120).

Para dar conta dos fins humanos, a educação e a formação docentes precisam romper a supremacia da racionalidade instrumental, comprometida com a exploração do homem para atender ao modelo de dominação e exploração vigente, tornando-se necessário promover uma reflexão sobre si (autocrítica), uma análise crítica e reflexiva sobre o mundo, não reduzindo os sujeitos e os conhecimentos a meros objetos ou coisas (JAEHN, 2008).

A criticidade também é necessária para lidar com as TICs, que surgem com promessas de integração global, de democratização do acesso à cultura e à informação, de resolução de problemas sociais e educacionais, promessas que não se concretizam e que levam à padronização de comportamentos por influência dos meios de comunicação, à uniformização dos modos de vida, à construção de identidades voltadas à promoção do sistema capitalista, e ao acirramento das diferenças sociais. Torna-se necessário resistir à imposição das tecnologias como prioridade, sem, antes, atentar à qualidade da formação e da atuação dos profissionais da educação, sem voltar a atenção às diferenças que marcam as realidades sociais, devendo ser compreendidas (as tecnologias) como instrumentos e/ou ferramentas a serem exploradas, nunca como fins em si mesmos (ZUIN, 2001; JAEHN, 2008).

No que se refere à noção de competências, percebemos a promoção de uma formação regressiva ao fixar habilidades específicas a serem alcançadas, visando, pragmaticamente, a dotar os sujeitos de capacidades básicas para desenvolver determinadas atividades, demandadas pelo mercado de trabalho, comprometendo a formação humana responsável pela emancipação dos sujeitos.

Se, no processo anímico, a coisa era dotada de alma, na sociedade industrial, as almas são coisificadas. Em outras palavras, em termos sociais, o sujeito é reificado em função do fetiche da mercadoria. Quando isso acontece, explica Adorno, o esforço do pensamento é diluído ao desde sempre dado e o sujeito é adaptado às forças sociais vigentes. O esforço reflexivo é abafado em detrimento da lógica pragmática da troca: a teoria se dilui diante dos interesses do lucro. Por essa razão, Adorno julga que sustentar a identidade entre teoria e prática, como o faz o pragmatismo, perpetua o princípio da dominação

(LOUREIRO, 2007, p. 530).

Desse modo, ocorre a supremacia da razão instrumental, mediante a defesa utilitária da educação, desvalorizando os professores e os conhecimentos que devem ser construídos na/pela escola, impossibilitando o exercício reflexivo, crítico e autônomo necessário para resistir à dominação, abrindo caminhos profícuos para adaptação, conformismo e semiformação, ante os anseios capitalistas.

Vale ressaltar que compreendemos a importância de serem desenvolvidas habilidades de natureza técnica, pois, de fato, são necessárias em face das demandas de trabalho inevitáveis à sobrevivência humana na atualidade. Entretanto, é igualmente ou mais importante dotar os sujeitos de consciência sobre as influências às quais estão expostos e priorizar os processos formativos que proporcionem ampla formação humana (JAEHN, 2008):

É preciso desenvolver a educação como uma idéia de humanidade, que necessita se guiar por princípios éticos e políticos. A partir destas duas dimensões conclui-se que não basta saber fazer (ação pedagógica), mas é necessário que se compreenda quais conseqüências resultam desta ação em termos da condição humana, ou ainda, para que fim se está fazendo e quais implicações existem em relação ao meio escolhido para se chegar a determinado fim (relação pedagógica). Os únicos fins justificáveis para Adorno são os fins humanos ou da humanidade

(JAEHN, 2008, p. 128-129).

Faz-se necessária a nós, como humanidade, uma educação que nos preencha de sensibilidade para perceber os que estão à nossa volta, assim como para questionar fundamentos e finalidades do que nos ocorre, para não recairmos no inconveniente, que é promover estruturas sociais que nos oprimem e que são responsáveis pela barbárie humana (BARJA; LEMES, 2018).

5 Considerações finais

A questão norteadora deste artigo visou entender: Como se configura a educação na sociedade da informação, tendo em vista os pressupostos formativos e emancipatórios da Teoria Crítica? Em busca de respostas para a referida problemática, nos propomos a dialogar com autores que, apoiados em Theodor Adorno e na Teoria Crítica, defendem discussões em torno da semiformação institucionalizada e da falência da formação diante das interferências da indústria cultural, como forma de resistir às forças opressivas e à padronização impostas pela ordem vigente.

Em acordo com tais estudiosos, também entendemos que a educação, na sociedade da informação, se encontra, em muitos aspectos, vinculada aos interesses econômicos e ideológicos neoliberais, comprometendo a verdadeira missão do ensino escolar e uma ampla formação humana, resultando na semiformação, na desvalorização e no esvaziamento da importância das instituições e dos profissionais da educação.

Ao se mostrar comprometida, prioritariamente, com necessidades de mercado, a educação utilitarista e pragmática passa a investir no desenvolvimento de habilidades e competências básicas tanto na formação e na atuação docentes quanto na formação discente, focalizando a garantia da empregabilidade.

Vimos que a educação, nesses moldes, contribui para a permanência de um arranjo social que se autodetermina e conduz os sujeitos, inconscientemente, à inabilidade crítica, à perda de identidade, à submissão, à uniformização, à insensibilidade em relação a si e aos outros, ao retrocesso e à limitação de toda a potencialidade humana, que, uma vez alienada, impede o rompimento com a ordem vigente, com os processos de manipulação e de padronização de comportamentos que conduzem à barbárie.

Ressaltamos, assim, a atualidade e a importância das discussões adornianas sobre os processos formativos, a fim de contribuir para pensarmos na educação na atualidade, os aspectos que nos conduzem à formação e/ou à semiformação, possibilitando compreender os mecanismos aos quais estamos diariamente submetidos e que, por vezes, nos levam à alienação de nossa própria condição humana.

Como discutido, a humanidade necessita de uma educação ampla que leve a questionar fundamentos e finalidades do que nos ocorre, sem perder de vista a história, a memória e a consciência de classe, não permitindo o inconveniente de promover as estruturas sociais que nos oprimem e incitam a barbárie humana.

1No que se refere à democratização do acesso qualificado (o que pressupõe a mediação de profissionais) à informação, às TICs, à internet, etc. de forma a reverberar em produção de conhecimentos e transformação de realidades.

2Vale destacar que a relação proposta, entre as noções conceituais de Adorno (2005) e o campo educacional, não se mostra tão direta na teoria estudada, não sendo a educação uma temática central no conjunto da obra adorniana.

3Após a seleção de palavras-chave (sociedade da informação, educação, formação, semiformação e Adorno), elaboraram-se as seguintes estratégias de busca: “sociedade da informação” AND educação (filtrando por tópicos referentes à educação e à sociedade da informação, por idioma português, revisados por pares, resultando em 35 fontes iniciais levantadas) e educação (formação OR semiformação) AND Adorno (filtrando por tópicos referentes à educação e a Adorno, por idioma português, revisados por pares, resultando em 19 fontes iniciais). Das fontes selecionadas inicialmente, foram descartadas as que não tratavam da educação no contexto da sociedade da informação e as que não apresentavam os pressupostos teóricos de Adorno para pensar na educação, resultando em 13 fontes finais para leitura e sistematização. Contudo, dessas, apenas cinco contribuíram efetivamente na escrita deste artigo.

4Adolfo (2019), Bueno (2006), Cruz (2008), Morais e Paiva (2014), Ruberti e Pontes (2001), Vieira (2010), Vital e Floriani (2006).

5 Barreto (2004) menciona pesquisas desenvolvidas por: Fonseca (1998), Barreto e Leher (2003).

6Conceito que pode ser identificado nas grandes tradições do pensamento (Kant, Hegel, Marx etc.), como, por exemplo, na Paidéia grega ou mesmo no conceito de Formação Omnilateral, na tradição marxiana. Desta forma, a Escola de Frankfurt dá sequência e contribui com a elaboração conceitual, sobretudo, dedicando-se à confrontação entre trabalho social e formação cultural.

7A partir da qual os meios calculados se justificam pelos fins almejados, tendo em vista o modelo de dominação vigente e mediante relações de exploração (JAEHN, 2008).

8Vários autores propõe a apropriação da teoria de Adorno para romper com a barbárie, como meio de resistência às forças capitalistas, como resistência ao modelo de educação comprometido com fins pragmáticos e utilitaristas. Dentre eles, destacamos: Zuin (2001), Maar (2003), Loureiro (2007) e Jaehn (2008).

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Recebido: 10 de Novembro de 2020; Aceito: 20 de Março de 2021

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