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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 10-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v26.e021019 

ARTIGOS

A espetacularização de si nas mídias sociais: o/a leitor/a-espetáculo e as pedagogias da visibilidade

The spectacularization of oneself in social media: The spectator-reader and the pedagogies of visibility

La espectacularización de uno mismo en las redes sociales: El espectador-lector y las pedagogías de la visibilidad

Barbara Coelho Neves1 

Handherson Leyltton Costa Damasceno2 

1Doutora em Educação. Pesquisadora e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-UFBA). Professora e Coordenadora do Laboratório de Tecnologias Informacionais da Universidade Federal da Bahia.

2Professor do Instituto Federal do Sertão Pernambucano - PE. Mestre em Educação. Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE-UFBA).


Resumo

O presente artigo propõe-se a apresentar os principais temas que emergiram das postagens dos interagentes do grupo de Facebook “Skoob: o que anda lendo?” bem como discutir o conceito de pedagogias da visibilidade. Entende-se como relevante abordar o sentido do conceito de pedagogias da visibilidade, as quais, no contexto atual, constituem materialidades simbólicas de uma nova maneira de se fazer existir frente à emergência das mídias sociais. Foi utilizada a análise de conteúdo como técnica de pesquisa. Os resultados apontam que o valorizado em uma rede social, enquanto comunidade de leitores, são os temas que mais enaltecem a visibilidade dos leitores. A discrição comedida e a introspecção, como marcas da personalidade leitora, não são características significativas nos/as leitores/as-espetáculo das mídias sociais. O estudo apontou que esse/a leitor/a clama por visibilidade e dela depende a sua sobrevivência nos espaços virtuais e estes, por sua vez, incitam-no/a a assumir um comportamento de autocelebrização. Este texto também apresenta uma matriz das pedagogias da visibilidade do/a leitora/-espetáculo com base na tipificação das postagens no grupo observado. Destaca-se que a matriz permite agregar informações acerca das pedagogias da visibilidade das quais os/as leitores/as fizeram uso para serem vistos. As considerações finais apontam que nas redes sociais, ao se comportar como uma celebridade, o/a leitor/a deixa de lado os silenciosos espaços introspectivos e solitários nos quais realizava suas leituras e tinha garantida a inviolabilidade dos seus gestos de leitor em troca da visibilidade a partir da espetacularização de si.

Palavras-chave Leitor; Mídias Sociais; Sociedade do Espetáculo; Pedagogias da visibilidade; Sociedade da Transparência

Abstract

This article proposes to present the main themes that emerged from the posts of Facebook interactors “Skoob: what are you reading?”, as well as to discuss the concept of visibility pedagogies. It is considered relevant to address the meaning of the concept of visibility pedagogies, which in the current context, constitute symbolic materialities of a new way of making oneself exist in the face of the emergence of social media. Content analysis was used as a research technique. The results show that what is valued in a social network, as a community of readers, are the themes that most enhance the visibility of readers. Moderate discretion and introspection, as a hallmark of the reader personality, is not a significant feature in the reader/a-spectacle of social media. The study pointed out that this reader claims visibility and its survival in virtual spaces depends on it, and these, in turn, encourage him to assume a self-celebration behavior. This text also presents a matrix of the pedagogies of visibility of the spectacle reader based on the typification of posts in the observed group. It highlights that the matrix allows for the addition of information about the pedagogies of visibility that readers used to be seen. The final considerations point out that on social networks, by behaving like a celebrity, the reader leaves aside the silent introspective and lonely spaces in which he performed his readings and was guaranteed the inviolability of his reader's gestures in exchange for visibility through the spectacularization of you.

Keywords Reader; Social media; Society of the Spectacle; Visibility pedagogies; Transparency society

Resumen

Este artículo propone presentar los principales temas que surgieron de las publicaciones de los interactores de Facebook “Skoob: ¿qué estás leyendo?”, Así como discutir el concepto de pedagogías de visibilidad. Se considera relevante abordar el significado del concepto de pedagogías de visibilidad, que en el contexto actual, constituyen materialidades simbólicas de una nueva forma de hacerse existir ante la irrupción de las redes sociales. El análisis de contenido se utilizó como técnica de investigación. Los resultados muestran que lo que se valora en una red social, como comunidad de lectores, son los temas que más potencian la visibilidad de los lectores. La discreción moderada y la introspección, como un sello distintivo de la personalidad del lector, no es una característica significativa en el lector / espectáculo de las redes sociales. El estudio señaló que este lector afirma que la visibilidad y su supervivencia en los espacios virtuales depende de ella, y estos, a su vez, lo incitan a asumir un comportamiento de auto-celebración. Este texto también presenta una matriz de las pedagogías de visibilidad del lector del espectáculo a partir de la tipificación de los puestos en el grupo observado. Destaca que la matriz permite agregar información sobre las pedagogías de visibilidad que solían ver los lectores. Las consideraciones finales señalan que en las redes sociales, al comportarse como una celebridad, el lector deja de lado los espacios silenciosos, introspectivos y solitarios en los que realizaba sus lecturas y se le garantizaba la inviolabilidad de los gestos de su lector a cambio de visibilidad a través de la espectacularización de usted.

Palabras clave Lector; Redes sociales; Sociedad del Espectáculo; Pedagogías de visibilidad; Sociedad de transparencia

1 Introdução

No contexto efervescente das redes e mídias sociais, o indivíduo toma para si a tarefa de narrar suas proezas, usando sua própria privacidade como munição e disparando-a sem nenhum pudor ou parcimônia como elemento que angaria para si os mais diversos olhares, materializados em likes e views. A lógica de ser visto insufla e reenergiza as subjetividades dos usuários das redes bem como lhes oferece processos novos de ressignificação da própria existência, haja vista que a sobrevivência nas redes depende, exclusivamente, do engajamento causado pelo que esse indivíduo manifesta enquanto usuário desse habitat.

Os estratos da vida íntima e corriqueira parecem assumir um lugar que merece ser publicizado. Tudo, absolutamente tudo, se ritualizou e hoje pode ser visto em lances das touch screens: do almoço habitual à rotina de limpeza de pele; do conserto do carro ao dia a dia da vida de um recém-nascido; da cirurgia plástica aos desafetos entre vizinhos ou outros usuários da rede; dos desabafos próprios para uma sessão de psicoterapia às cenas e predileções de leitura.

Essa última manifestação de exposição – a da intimidade leitora, no caso – vai de encontro à visão cultural e historicamente construída sobre o perfil do sujeito leitor. Se antes este era vislumbrado como um indivíduo solitário e recolhido em sua alcova de leitura, quando do seu exercício leitor, atualmente, ao adentrar pelos caminhos das redes sociais, ele se transforma e reclama para si a visibilidade tão cara no ecossistema das redes nas mídias digitais.

Dito isso, se cada vez mais pessoas adubam os terrenos dos quais, nas mídias sociais, germinam a espetacularização das vidas privadas, o/a leitor/a-espetáculo – aquele que lança mão de uma série de estratégias para que logre para si mesmo o êxito de uma visibilidade engajada e uma reputação ilibada e admirada em sua comunidade – encontra um ambiente propício para que as suas narrativas de si, entremeadas de gestos, cenas e predileções de sua intimidade, floresçam nas redes.

Desse modo, a pertinência científica deste estudo sobre as pedagogias da visibilidade, no contexto do grupo de Facebook “Skoob: o que você anda lendo?”, está em abordar o conceito na condição atual do leitor a partir de materialidades simbólicas de uma nova maneira de se fazer existir frente à emergência das redes sociais. Também é possível ser destacada como relevante a emergência do debate em Educação sobre temas como visibilidade, redes sociais e espetacularização dos sujeitos.

Este artigo, fruto de pesquisa qualitativa e de cunho descritivo e analítico, tem como principal objetivo discutir o lugar que o/a leitor/a assume enquanto narrador/a de si no contexto do grupo de Facebook “Skoob: o que você anda lendo?”. Como pano de fundo, apresentam-se os principais temas que emergiram das postagens dos sujeitos leitores e, a partir deles, problematiza-se o conceito de pedagogias da visibilidade.

Para tanto, a partir de prints das postagens retirados do referido grupo, busca-se corroborar o principal argumento deste texto: diferentemente do que antes se esperava de um/a leitor/a, histórica e culturalmente – a discrição comedida e a introspecção como marcas da personalidade leitora –, o/a leitor/a da rede clama por visibilidade e dela depende a sua sobrevivência, enquanto sujeito engajado, nas redes sociais como espaços de interação e busca por visibilidade. Esses espaços, por sua vez, incitam-o/a a assumir um comportamento de autocelebrização que é valorizado pela rede social enquanto comunidade de leitores.

2 O/a leitor/a da Sociedade da Transparência: o espetáculo e as pedagogias da visibilidade

Nesta seção são apresentadas as principais categorias temáticas julgadas relevantes para entender a pedagogia da visibilidade do/a leitor/a no contexto contemporâneo. Inspirados pela Sociedade do Espetáculo, pela Sociedade da Transparência e pela singularidade das mídias sociais, os conceitos permitiram a análise da tipificação das postagens desse/a leitor/a-espetáculo e de suas pedagogias da visibilidade.

A humanidade quase sempre buscou por pessoas que estivessem à frente dos grandes movimentos e representassem a voz das multidões. Líderes, guerreiros, heróis e deuses estiveram presentes nas narrativas históricas de distintas sociedades em épocas diversas.

Com o advento da comunicação em massa, os sujeitos atuais em evidência ganham contornos de celebridade e a eles é delegado o poder de serem porta-vozes dos sentimentos, valores, ideologias e estatutos contemporâneos dos grupos pelos quais se sentem representados. Heróis e heroínas que em outros tempos carregavam multidões pelo seu poder de persuasão atualmente se aproximam daqueles/as cujos perfis nas redes sociais aglomeram milhões de seguidores.

Logo, a efervescência das redes sociais evidenciou a busca pela visibilidade midiática, a qual se tornou um elemento incansável do processo de ser conhecido. As narrativas do eu se constituíram em um poderoso recurso para angariar para si a fama tão almejada nas redes, que deveria superar os 15 minutos de fama profetizados por Andy Wahrol em 1950.

Em relação a isso, estudos sobre espetacularização da vida privada (SIBILIA, 2003a, 2003b; 2008), protocolos de exibicionismo (PRIMO, 2008; PRIMO; LUPINACCI; VALIATI, 2015), ações mediadas de visibilidade e reputação (SANTANA, 2015) e vigilância (BAUMAN, 2013) disparam tensionamentos de que estar em uma rede de mídia social implica assumir que o anonimato agora faz parte de um lugar do passado.

Nesse contexto, o processo de celebrização definido por Daniel Boorstin (1992) se assemelha à formação de um pseudoevento humano. No caso, é qualquer atividade ou acontecimento forçado ou trivial que objetiva ganhar atenção e/ou virar notícia, e não é novidade que as notícias atuais que mais ganharam visibilidade giram em torno da vida das celebridades: fotos vazadas “acidentalmente”, inícios e/ou términos de relacionamento, traições, brigas, alguma fala considerada polêmica e, mais em voga, quando uma celebridade deixa de seguir a outra em determinada rede social.

Dessa maneira, partindo dos pressupostos de que os indivíduos estão situados em determinados tempos e espaços e o sujeito é uma entidade psicossocial (RICHE, 2006), as mídias sociais se configuram como um terreno fértil para que as narrativas do eu – implicadas de uma verossimilhança forjada e embebidas de privacidades despudoradas – encharquem as telas, alcancem olhares e fomentem um comportamento peculiar: o processo de autocelebrização assumido por sujeitos outrora anônimos.

Isso posto, os usuários da rede deixam de ser sujeitos comuns para se tornarem celebridades virtuais (pelo menos aos próprios olhos): oferecem as suas privacidades e compartilham, publicamente, as suas rotinas. Logo, estar na rede e angariar a atenção de outrem mediante as próprias narrativas de si tem gerado processos interessantes de reconfiguração das intimidades: se na Sociedade do Espetáculo (DEBORD, 1997) era necessário garantir o mistério de uma vida discreta e deixar serem desvelados átimos de uma intimidade resguardada, na Sociedade da Transparência (HAN, 2017) a espetacularização da vida privada passa a ser a nova ágora experienciada pelos interagentes da rede.

Portanto, ao ritualizar seu dia a dia, os sujeitos vivenciam a necessidade de constante redefinição do “eu“, ainda mais intensa do que aquela que experienciam nos ambientes “físicos”. Assim, nos aproximamos da ideia de Couldry, Hepp (2013), quando este afirma que as redes oportunizam outros processos de transformação dos reconhecimentos. Se na Antiguidade os homens ingressavam na vida pública por meio da política para fugirem do esquecimento causado pelo anonimato da vida privada (ARENDT, 2010), consideramos que o reconhecimento garimpado pelos interagentes das mídias sociais se constitui como um prêmio a ser conquistado diuturnamente, tendo em vista a própria efemeridade da fama e da visibilidade advinda da liquefação da sociedade hodierna.

Em uma linha semelhante, Campanella (2018) propõe que tais processos de transformação incidem em uma busca por novas formas de reconhecimento. Aqui, as celebridades lançam mão das diversas estratégias para se manterem à vista de outros interagentes e garantirem para si o reconhecimento midiático do “princípio da popularidade” (VAN DIJCK, 2013). Para Van Dijk, esse princípio está intimamente atrelado à lógica da quantificação, ou seja: a popularidade de um indivíduo está ligada à quantidade de seguidores e “amigos” que ele possui na rede social e esses números resultam em uma maior valorização pessoal dessa celebridade.

Nessa ordem de ideias, os usuários que vivem em mídias sociais criam o perfil que realmente querem mostrar (a máscara que melhor se adapta) para atrair mais seguidores ou apenas obter a aceitação. O perfil é produzido a partir de informações que mudam conforme a rede social, mas geralmente é construído por dados básicos, como idade, localização geográfica e interesses, para citar alguns.

Nesse contexto, Han (2017) chama atenção para o fato de que a sociedade atual precisaria retomar o exercício da distância. O autor compreende que esses círculos velozes do capital, da informação e da comunicação efêmera são incongruentes com os lugares de refúgio e discrição.

Também é válido ressaltar que esse movimento incide no que Gerlitz e Helmond (2013) chamaram de “economia das curtidas” (like economy): mediante a quantidade de curtidas ou views que uma postagem recebe e a capacidade de ser rastreada via plug-ins, uma postagem pode se configurar num rentável nicho financeiro. O veredito da sociedade positiva é este: “me agrada” (HAN, 2017).

Logo, para além de um poderoso dispositivo que angaria cifras homéricas, também no que diz respeito às grandes e midiáticas propagandas, veiculadas maciçamente por intermédio das redes sociais digitais, esses sites se transformaram em verdadeiras plataformas emocionais (LIPOVETSKY, 2020). Para Lipovetsky, o sucesso meteórico das redes sociais digitais, especialmente o Facebook, se dá pela possibilidade de os indivíduos se escorarem, também, em muletas afetivas: a rede promove encontros com amigos e familiares distantes, proporciona novas relações, mas, acima de tudo, há possibilidade de o indivíduo criar suas cenas cotidianas nas quais é o personagem principal e “projetar uma imagem favorável de si, com vistas a likes que adulam o ego” (LIPOVETSKY, 2020, p. 197).

Por conseguinte, as redes sociais criaram um “novo mundo” e espaços simbólicos em que a máscara é o próprio rosto, que é trocado na velocidade da rede, da tecnologia e conforme o conteúdo da narrativa, que precisa ser constantemente ressignificado. Chamamos de pedagogias da visibilidade essas estratégias didaticamente pensadas considerando o próprio ritual concernente ao processo que perpassa desde o planejamento inicial, as ações meticulosamente pensadas em relação às exposições do eu até as possíveis reações do público-alvo ao qual se destinam tais narrativas.

Entendemos como pedagogias porque – além de serem planejadas estratégica e didaticamente, considerando o horário de publicação, a linguagem, o público a que se destina, a periodicidade e, principalmente, a possibilidade de modificar comportamentos e pensamentos – são processos de (re)construção de novas subjetividades. Esse não é um processo unilateral, pelo contrário: ao utilizar as pedagogias da visibilidade o indivíduo também se (re)constrói enquanto agente de uma ação metodologicamente organizada.

Ademais, esse conceito de pedagogia encontra amparo nos Estudos Culturais (ESCOSTEGUY, 1998) e nos Estudos Culturais em Educação (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003) quando tomam as ações, os sentidos e os valores empreendidos nos movimentos dos interagentes das redes como elementos de análise qualitativa. Assim, ao/à leitor/a se autocelebrizar, o lugar de desimportância do anonimato é deslocado pelos holofotes das pedagogias da visibilidade.

Essa dinâmica de construção de celebridades tendeu a reconfigurar estruturas e fazer estremecer modelos histórica e culturalmente cristalizados nas sociedades, como o perfil de leitor, por exemplo. Dessa forma, quando inserido no contexto das redes sociais, é permitido ao leitor socializar suas narrativas de leitura e expor suas impressões e predileções de livros bem como compartilhar gestos de leitura (seja por meio de selfies, trechos do livro, indicações literárias, críticas, dentre outros). Essas pedagogias da visibilidade contribuem para o fortalecimento e a retroalimentação das comunidades virtuais nas quais habitam. Esses comportamentos reorganizam o lugar de leitor e de leitura, conforme identificamos em nossas observações na rede “Skoob: o que anda lendo?”.

Em face às redes sociais, esse leitor assume o papel de protagonista que, por meio de uma visibilidade mediada (SANTANA, 2014), abandona o anonimato do passado: não faz mais sentido estar solitário no seu quarto de leitura. Ele clama por ser visto, lido, notado. Deseja para si que os holofotes e luzes estonteantes estejam ao seu redor e alimenta a plateia, desejosa por suas intimidades leitoras e todo o tipo de comportamento que reforce o seu status de leitor. Denominamos esse sujeito integrante como “leitor/a-espetáculo”.

Essa ação de expor seus gestos, intimidades e narrativas de leitura incidem no que Santana e Couto (2015) endossam como uma forma de alcançar valorização social. Portanto, as redes sociais conferem o protagonismo dos leitores que bailam e realizam suas narrativas pirotécnicas de seu perfil leitor e, mediante o processo de socialização entre e com os outros usuários da rede, dão mais força para que essa engrenagem continue a girar.

3 Metodologia

Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, de cunho descritivo e analítico, foi necessário lançar mão de técnicas específicas para chegar a um volume de dados e, consequentemente, ampliar a compreensão do fenômeno estudado.

Em vista disso, como método de pesquisa utilizamos a Análise de Conteúdo (AC) preconizada pela pesquisadora Lawrence Bardin (1977). Para a autora, a AC é um conjunto de técnicas de análise de comunicações que lança mão de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo de mensagens. Portanto, seguimos os seus procedimentos metodológicos conforme as seguintes fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados.

Estivemos imersos durante a realização do estudo no grupo3 do Facebook “Skoob: o que anda lendo?” durante trinta dias. Nesse período, por meio de uma observação sistemática encoberta, acompanhamos as postagens dos membros do grupo em turnos aleatórios durante momentos da manhã, da tarde e da noite no mês de fevereiro do ano de 2020. Desse modo, todas as postagens observadas na mídia social são do ano de 2020.

O software FireShot4 foi utilizado para a construção do corpus de análise, com prints das postagens. O referido grupo, administrado por dez pessoas, faz parte de uma grande comunidade virtual, a qual agrega um pouco mais de 60 mil leitores/as quase sempre interessados/as nas discussões sobre leitura, bibliotecas, promoções e trocas de livros entre interagentes. Para além disso, as narrativas performáticas dos/as leitores/as chamaram a atenção, estimulando este estudo. As postagens incitaram a necessidade de apreciação do feed de notícias dessa rede no Facebook, mas conforme os preceitos de uma pesquisa acadêmica.

O título do grupo faz uma alusão a uma rede social brasileira exclusiva para leitores: Skoob. Trata-se, pois, de uma rede social de nicho cujo foco, diferentemente das redes sociais planetárias, está no tema e não necessariamente no usuário integrante. No caso, Skoob tem em seu sistema nevrálgico a leitura como principal tema de discussão entre seus integrantes e seu nome advém da tradução da palavra “livros” escrita em inglês de trás para frente: “books”. Tivemos contato pela primeira vez com essa rede por meio de um link socializado por um de seus membros.

Mais adiante, no que diz respeito à análise de conteúdo, ainda na fase de pré-análise, elencamos como objetivo a seleção de todo o material a fim de torná-lo operacional no estudo. Dos 2.154 prints capturados, elegemos 1.076, porque, como assevera a própria estudiosa, nem todo material de análise é suscetível a dar lugar a uma amostragem (BARDIN, 1997). É válido salientar que, para a produção deste artigo, destacamos alguns dos 1.076 posts que selecionamos para realização do estudo.

Considerando que o Mercado não faz mais do que aproveitar as tecnologias de comunicação digital para vender de tudo nos espaços em que nos mostramos, numa mídia social, como o Facebook, não é diferente (CRUZ, 2017). Então, como critério de filtro descartamos propagandas, textos panfletários, materiais político-partidários e postagens realizadas por perfis institucionais (editoras, escolas públicas e privadas, faculdades, centros universitários, cursinhos, bibliotecas públicas, livrarias, lojas ou departamentos comerciais). Diante dessa filtragem, permaneceu o que realmente tivesse ligação direta com o tema “leitura” e demonstrasse marcas de autoria.

Por conseguinte, de posse do material selecionado, fizemos a leitura flutuante quando tivemos o primeiro contato com os textos e capturamos genericamente o conteúdo das postagens. Adiante, fizemos a construção do corpus de análise e, conforme as orientações de Bardin (1977), seguimos as normas de validade da AC, que são: 1) exaustividade, para ser possível seguir o roteiro da pesquisa – no caso, printar as postagens durante o mês de imersão no campo; 2) representatividade, a fim de cobrir o universo preterido – o grupo analisado; 3) homogeneidade, que versa sobre o rigor entre os temas e as técnicas – cuidamos especialmente do tempo e do software escolhido; e 4) pertinência, que diz respeito à conformação, ao objeto e aos objetivos da pesquisa.

Na “exploração do material” (fase 2) selecionamos os documentos, fizemos os recortes dos textos em cinco categorias temáticas e, a partir delas, emergiu as unidades de significação. Logo após, dividimos em unidades de contexto, conforme o gênero em que foram aparecendo: fotografias, selfies, memes, GIFs, textos verbais e vídeos. Como última etapa dessa fase, foram feitad a revisão da classificação e a agregação das informações presentes nos documentos nas categorias temáticas.

No que diz respeito a esse processo de categorização temática, Bardin (1995) conceitua-a em “não apriorística” e “apriorística”. A primeira acontece quando, no tratamento dos resultados, os temas emergem no contexto de análise do material pesquisado, sem uma interferência direta do pesquisador. Bardin (1995) enfatiza que quando o pesquisador já possui conhecimentos e uma certa experiência no campo em que a pesquisa está sendo desenvolvida a categoria é classificada como apriorística.

Por fim, de posse das categorias selecionadas mediante a análise da amostragem, elaboramos uma matriz de tipificação das postagens cuja leitura ajuda na compreensão dos movimentos de espetacularização das intimidades e predileções leitoras dos sujeitos in loco. Esses e outros elementos percebidos são apresentados na próxima seção.

4 Matriz pedagogia da visibilidade do/a leitor/a-espetáculo: uma breve discussão sobre a tipificação das postagens dos principais temas e a espetacularização de si

O estudo realizou a exploração do material coletado, fase que consistiu a descrição analítica, a partir da qual definimos as cinco categorias construídas mediante a formulação de operadores de codificação, ou seja, delimitadas como categorias temáticas. Uma informação pertinente é que, por fazermos parte do grupo e conhecermos sua dinâmica das narrativas fotográficas, já tínhamos em mente duas categorias apriorísticas5: Espetacularização da privacidade do leitor e Protocolos da ostentação.

Depois buscamos compor o eixo “Unidades de significação”, de acordo com o segmento do conteúdo temático pertencente à categoria. Pela especificidade de cada categoria, houve uma oscilação na quantidade das unidades de significação. Ainda na fase de exploração do material selecionamos as “unidades de contexto”, que se referem à linguagem utilizada pelos sujeitos materializada nos diferentes gêneros que compuseram as narrativas. A união desses elementos proporcionou o desenho de uma matriz de tipificação das postagens que nos permite apresentar os principais temas que emergiram nas postagens.

Por fim, achamos pertinente acrescentar na matriz o eixo “Recorrência” para sinalizar a quantidade que determina a “unidade de contexto” (gêneros). Esse eixo dá pistas interessantes sobre as categorias e unidades de significação.

Em razão disso, apresentamos a matriz pedagogia da visibilidade do/a leitor/a-espetáculo com base na tipificação das postagens do referido grupo (Figura 1), inspirada na matriz de análise de tweets proposta por Santana (2014), na qual socializamos “o universo de documentos de análise” (BARDIN, 1997, 123):

Fonte: os autores (2020).

Figura 1 Matriz da pedagogia da visibilidade do/a leitor/a-espetáculo com base na tipificação das postagens. 

Considerado a coluna vertebral das categorias elencadas na Figura 1, o eixo “Espetacularização da privacidade do leitor” abrange várias postagens cujo tema principal gira em torno das intimidades do sujeito leitor. Materializado nas diversas linguagens que eclodem na rede, nesse eixo encontra-se a maior variedade de unidades de significação (foram três) e de unidades de contexto (gêneros): fotografias, memes, textos verbais, selfies e GIFs. EsSe eixo responde por exponenciais 61% de todas as postagens realizadas no grupo, no qual o leitor transforma-se em um verdadeiro espetáculo de si mesmo, como se pode observar na Figura 2:

Fonte: print dos autores (2020).

Figura 2 Espetacularização da privacidade do leitor. 

Como é possível perceber nessa postagem ilustrada na Figura 2, vários elementos da privacidade que compõem a imagem do usuário integrante são passíveis de serem entendidos como cenário. Esse aspecto compõe o que Pacífico e Gomes (2019) chamaram de novas formas do espetáculo por meio das imagens de si. Se as imagens estão no interior da tecnificação das relações sociais, entender a força exercida pela imagem, nesse contexto, demanda o mapeamento das novas significações denotadas pelo espetáculo de si (PACÍFICO; GOMES, 2019).

No processo de autocelebrização visto por meio do supracitado eixo, o leitor se coloca em um palco e atribui a si próprio o protagonismo, a importância e o glamour que normalmente são vistos nas celebridades. A narrativa de um corriqueiro passeio, o próximo livro a ser lido, uma simples compra num site e uma selfie com uma obra famosa, como se vê na Figura 2, assumem contornos de um grande evento e, como se consideram celebridades, os leitores precisam socializar essas ações, pois essa condição depende da alta visibilidade de sua privacidade e da exposição da individualidade (ORTIZ, 2016).

Ao discutir a teoria crítica do emblemático Sociedade do Espetáculo (1997), de Debord, os pesquisadores Carrieri, Lima, Gobira (2015) destacam que o espetáculo se manifesta enquanto separação entre quem produz e quem detém os meios de produção, sendo o espetáculo, portanto, a organização estética do mundo. Desse modo, a espetacularização da privacidade do leitor está ligada à categoria de aparência aplicada como forma de lazer mercantil e indissociável do consumo. Da intimidade à extimidade, propiciando o aparecimento de novas celebridades (CRUZ, 2017).

O eixo denominado “Atividades de fomento à leitura” responde por 9% do total do material analisado. Para essa categoria emergiram duas unidades de significação (Publicização de Eventos e Publicização de Ações). Chama a atenção, de forma especial, a quantidade de likes que as postagens receberam, o que é um indicativo, também, de aceitabilidade no grupo, que considera tais ações importantes, conforme é possível visualizar na Figura 3:

Fonte: print dos autores (2020)>

Figura 3 Atividades de Fomento à Leitura. 

Para Soares (2013), o acesso a livros no Brasil é caro e esses projetos fazem o intermédio entre o leitor e o material, literário ou não. O livro como produto movimenta cifras significativas (CORDEIRO, 2018). Infelizmente, a formação do leitor literário no Brasil constitui uma preocupação “adiada” das políticas públicas.

Para as unidades de contexto foram aglutinadas fotografias, vídeos e links que versavam sobre diversos movimentos, como inauguração de bibliotecas populares, doações, vendas, trocas, promoções de livros, eventos acadêmicos e rodas de leitura com escritores. Esses movimentos sinalizam outras reverberações oriundas do processo de “Atividades de fomento à leitura” e aglutinam, pois, práticas sociais ocasionadas por tais atividades: como uma grande comunidade, os indivíduos se unem em torno de ações que lhes são importantes e dão sentido.

No eixo “Protocolos da ostentação”, representado por 15% das postagens, é sinalizado algo bastante comum nas redes sociais: o movimento escandaloso da suntuosidade. Nele, duas unidades de significação encorpam o escopo do exibicionismo (Aquisição e Consumo), despontam com força e mostram que o processo de compartilhar fotografias de pilhas de livros (caros e/ou volumosos) e a capacidade de ler muito são elementos caros aos indivíduos do grupo analisado, o que pode ser visto na Figura 4:

Fonte: print dos autores (2020).

Figura 4 Protocolos da ostentação. 

De acordo com Han (2017, p. 27, grifos do autor), na atual sociedade, chamada por ele de transparente e positiva, “[...] as coisas, agora transformadas em mercadorias, têm de ser expostas para ser, seu valor cultural desaparece em favor de seu valor positivo.” Nessa perspectiva, as coisas só passam a ter algum valor se forem vistas, ostentadas, sendo unicamente produzidas/consumidas para o “chamar atenção”.

Acrescenta-se a isso uma legenda que enaltece a capacidade estética do leitor – por ser um livro socialmente legitimado no grupo –, a capacidade financeira – por se tratar de uma coleção cara – ou ainda a opulência da sua fome de leitura – pelo tamanho do livro. Todavia, conforme alertam Pacífico e Gomes (2019, p. 175), há “[...] no atual contexto social o processo de potencialização do comportamento hipnótico para uma modalidade individual, cujo objeto de imagetização é o próprio sujeito.”

“Estatutos da predileção leitora” é um eixo que aparece com 7% do total de postagens. Na única unidade de significação visualizada nesse eixo (Exposição do juízo de valor), recolhemos 83 postagens de leitores que, além de socializarem resenhas e indicações literárias, discutiam sobre a qualidade e o processo de recepção da leitura e dos seus respectivos autores, o que pode ser percebido na Figura 5.

Fonte: print dos autores (2020).

Figura 5 Estatutos da predileção leitora. 

Corrobora Han (2017) que na sociedade expositiva cada sujeito é o seu próprio objeto-propaganda, ou seja, tudo se mensura de acordo com seu valor expositivo. Os/as leitores/as se aprofundaram na obra lida, realizando postagens que demonstraram conhecimento sobre autor e obra, muitos spoilers e uma tênue relação6:, percebemos uma íntima ligação entre as obras e autores lidos e as três editoras que detinham mais membros em seu grupo na rede social Skoob – Intrínseca, Sextante e Rocco,com, respectivamente, mais de 590 mil, mais de 440 mil e mais de 420 mil membros. Esses dados confirmam a influência que a propaganda, em um contexto de paisagens audiovisuais (ROCHA; CASTRO, 2009), reverbera na cultura do consumo dos/as leitores/as e apontam o quanto os gostos e as predileções por certos livros e enredos estão atrelados.

A unidade de contexto dessa categoria merece destaque, porque os/as leitores/as utilizaram apenas textos escritos (resenhas), muitas vezes longos, para emitir juízo de valor sobre as obras lidas, sem, no entanto, esquecerem-se da autocelebração, ao mesmo tempo em que revelam profunda emoção advinda da leitura. Parece que está muito implicada a relação entre o que foi lido e o texto resenhado e publicado no grupo, mas algo vai além: é preciso transformar-se em um produto de si mesmo, comportar-se como uma verdadeira celebridade ou, como afirmaram França, Simões e Prado (2020), tratar de um self empreendedorismo. Para as autoras, a dimensão inflacionária das celebridades atingiu um grau tão alto que a qualquer cidadão das redes sociais digitais é comum e natural o comportamento antes atribuído às celebridades historicamente conhecidas, aquelas famosas pela mídia tradicional, como TV e Rádio.

O último eixo que aparece no escopo das postagens analisadas é o da “Indicação Literária”. Por se tratar de um grupo formado por leitores, era de se esperar que esse comportamento leitor estivesse presente, por ser comum, em uma comunidade de leitores: recomendações de livros. Representou 8% das postagens.

Para o supracitado eixo, apenas uma unidade de significação fora percebida, cuja linha seguiu pela busca por livros, autores, editoras, gêneros específicos ou recomendações, conforme a idade e o sexo. Ainda que o foco seja o pedido por livros, percebe-se de forma explícita o quão presentes estão os traços de intimidade e privacidade quando os indivíduos se autoafirmam como leitores experientes, têm cuidado com a qualidade de livros e editoras quando procura por obras ou indicações, socializam pedidos ou indicam leituras (Figura 6) em um nível grande de intimidade, como se dirigissem-se a um grupo de amigos próximos.

Fonte: print dos autores (2020).

Figura 6 Indicação literária. 

Nesse sentido, Baudrillard (1981 apudMORENO, 2013) acrescenta que a expansão dos ecrãs para a Internet é irrelevante, porque o seu funcionamento fundamental como teatro das simulações da hiper-realidade é o mesmo. Dito de outra forma, os ecrãs que servem a Internet são os mesmos que serviam e servem a mass media.

Ao se partir do pressuposto de que as pedagogias da visibilidade e do espetáculo de si compõem a estrutura do/a leitor/a nas mídias sociais, concordamos com o que já anunciava Debord (1997) sobre a passagem do ter ao parecer. Compreendemos, nesse contexto, que o “parecer” fora retirado das coisas e incorporado como “[...] característica fundamental do comportamento linguístico dos sujeitos, no qual a própria vida, projetada nas plataformas virtuais, compete em um jogo mercadológico de atenção, pautando-se na incessante venda da própria vida como espetáculo” (PACÍFICO; GOMES, 2019). Assim, o/a leitor/a-espetáculo segue o ritmo da dinâmica da sociedade contemporânea, em que o comum é não apenas demonstrar as coisas que possui, mas publicizar a própria vida.

Por fim, a matriz de tipificação das postagens auxiliou na compreensão do conteúdo das pedagogias da visibilidade bem como na dos movimentos que os sujeitos leitores realizam na rede, por demonstrar de forma ilustrativa e quantitativa o espetáculo de si nas mídias sociais, nas quais o principal tópico (leitura) passa a ser um simulacro. A matriz também possibilitou que realizássemos um salto qualitativo que nos permitiu destacar os principais eixos que formam a pedagogia da visibilidade deste/a leitor/a do século XXI. Por conseguinte, a dinâmica orquestrada pelos leitores sinaliza que duas grandes colunas sustentam as pedagogias da visibilidade no grupo analisado: a socialização de gestos e comportamentos leitores e a espetacularização das intimidades.

5 Considerações finais

As pedagogias da visibilidade e todos os comportamentos do leitor que assume os palcos das redes como território de (re) existências, sem dúvida alguma, constituem materialidades simbólicas de uma nova maneira de se fazer existir frente à emergência das mídias sociais.

Se antigamente vangloriar-se em público pelas virtudes ou ações realizadas era algo pouco recomendado, atualmente essa postura constitui um insumo que fortalece e energiza o terreno das mídias sociais e garante uma sobrevivência efêmera naquele ambiente. Dessa forma, para se manter em destaque e garantir que o holofote esteja exclusivamente direcionado para si, o leitor precisa retroalimentar as suas pedagogias da visibilidade, ou seja, manifestar a sua existência no grupo, seja por postagens novas, seja por comentários em seus próprios posts, cuja ação faz o texto antigo retornar à timeline do grupo e tornar-se visível novamente.

Por esse ângulo, despontam algumas considerações, dentre as quais sinalizamos três elementos centrais: o sujeito emissor, a forma e o conteúdo. O primeiro reside especialmente no indivíduo, para além do que compartilha nas redes. Esse sujeito é, majoritariamente, mulher e corrobora com os 52% de leitores atestados pela pesquisa Retratos de Leitura no Brasil, e disso depreende-se uma afirmação: no grupo impera a maioria das leitoras que fazem espetáculos de si!

A segunda consideração diz respeito à forma, ou seja, a maneira como o leitor se assume no cenário de excitação das intimidades, típico das redes sociais: ao se comportar como uma celebridade, ele sai dos silenciosos espaços introspectivos e solitários nos quais realizava suas leituras e tinha garantida a inviolabilidade dos seus gestos de leitor (a contemplação da literatura como arte, as reflexões profundas e o prazer ocasionado pela obra) para a catarse da espetacularização das suas intimidades, em que tudo precisa ser exposto, narrado, documentado sob a luz dos gêneros digitais: fotografias, links, memes, GIFs, vídeos.

A última consideração diz respeito ao conteúdo, ou seja, às categorias temáticas que emergiram no momento da análise do escopo do material. Mesmo em face de as cinco categorias delimitadas trazerem elementos específicos, há um fio condutor que se faz proeminentemente em relevo: a intimidade.

A matéria-prima que preenche as categorias pode ser comparada a um caleidoscópio, dadas as múltiplas possibilidades de leitura. Todavia, é bastante nítido um fio condutor que se transversaliza entre o conteúdo: a intimidade do leitor. Em todas as categorias perceberam-se vestígios claros de processos de autocelebrização, de reivindicação dos fachos de luz em troca da publicização de eventos íntimos e/ou corriqueiros, como um passeio, um momento de leitura quando se está no sanitário, uma sugestão de livro ou até um pedido de desenho relacionado a alguma obra para a confecção de uma tatuagem.

Finalmente, a matriz pedagogia da visibilidade do/a leitor/a-espetáculo permitiu a tipificação das postagens do grupo observado e proporcionou agregar em seus eixos informações acerca das pedagogias da visibilidade e do espetáculo de si, das quais os leitores fizeram uso para serem vistos. Tratando-se de uma comunidade de leitores, as postagens analisadas sinalizam movimentos naturalmente atribuídos a esses sujeitos: indicações literárias, discussões sobre livros, pedidos e recomendações, contudo o que vem à tona é o grau de superexposição das intimidades do leitor que se configura no sistema nevrálgico do grupo na rede social.

Parece que os substratos que fecundam a valorização do leitor no grupo, enquanto comunidade de leitores, são as pedagogias da visibilidade, e são elas e por elas que os leitores do século XXI logram êxito no que concerne à busca por reconhecimento, aceitação e visibilidade midiática.

3Justificamos a imersão no referido grupo por este ser a comunidade do Skoob na rede social Facebook com mais membros: um pouco mais de 50 mil indivíduos.

5Apriorística é a categoria já conhecida pelo pesquisador – pela experiência que detém a partir da sua imersão ou vivência em determinado contexto – que define como “não apriorística” a categoria que emerge dos dados.

6Disponível em: https://www.skoob.com.br/editoras/. Acesso em: 28 fev. 2021.

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Recebido: 14 de Janeiro de 2021; Aceito: 12 de Setembro de 2021

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