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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 10-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v27.e022020 

ARTIGOS

Pesquisa: três dimensões formativas

Research: three formative dimensions

José Pedro Boufleuer1 

Vânia Lisa Fischer Cossetin2 

Maria Regina Johann3 

1Doutor em Educação pela UFRGS. Professor da UNIJUÍ.

2Doutora em Educação pela PUCRS. Professora da UNIJUÍ.

3Doutora em Educação pela UNIJUÍ. Professora da UNIJUÍ.


Resumo

Este artigo apresenta a pesquisa como princípio formativo e destaca a sua relevância para a dimensão do conhecimento e da aprendizagem, trazendo evidências de que ela é o modo humano de conhecer e compreender. Objetiva-se chamar a atenção para diferentes dimensões formativas da pesquisa que, em certo sentido, podem ser situadas como pressupostas ou anteriores a quaisquer modalidades, métodos, tipos ou estratégias de sua realização específica. Nessa direção, a pesquisa pode ser compreendida, em termos gerais, como constituidora do modo de ser humano e, em termos específicos, do modo de ser estudantil e docente. Para tanto, argumenta-se que a linguagem é um traço distintivo dos humanos que lhes permite simbolizar, interpretar, compreender e transformar; tais aspectos permitem dizer que a constituição do mundo humano é uma autocriação. Por fim, destaca-se a pesquisa como esforço para compreender as situações práticas mediante o recurso a categorias teóricas e/ou interpretativas e como uma atividade humana de fundamental importância, que tem nas instituições educativas um lugar privilegiado para a sua otimização, na medida em que inter-relaciona o ensino, a pesquisa e a experiência prática da vida.

Palavras-chave Compreensão; Educação; Formação; Cocriação; Pesquisa

Abstract

This article presents research as a formative principle and highlights its relevance to the dimension of knowledge and learning, bringing evidence that it is the human way of knowing and comprehending. Its objective is to draw attention to different formative dimensions of research which, in a certain sense, may be located as assumptions or prior to any modalities, methods, types or strategies of its specific accomplishment. In this direction, research can be understood, in general terms, as constituent of the way of being human and, in specific terms, as constituent of the way of being student and also teacher. To this end, it is argued that language is a distinctive feature of humans that allows them to symbolize, interpret, comprehend and transform; such aspects make it possible to say that the constitution of the human world is a self-creation. Finally, research stands out as an effort to comprehend practical situations through the use of theoretical and/or interpretative categories and as a human activity of fundamental importance, and it also has in educational institutions a privileged place for its optimization, in which teaching, research and practical experience of life interrelate.

Keywords Comprehension; Education; Formation; Co-creation; Research

Introdução

Quando nos referimos à pesquisa geralmente a tomamos em sua dimensão estritamente científica, como se o seu sentido estivesse circunscrito a conhecimentos objetiváveis, mensuráveis e classificáveis, em regra produzidos no contexto acadêmico-universitário e disponibilizados para aprendizagem em contextos escolares. Há, porém, outras possibilidades de tematizar a pesquisa com o enfoque em sentidos atinentes ao modo de ser especificamente humano e de sua constituição mediante processos de aprendizagem.

O objetivo deste texto é justamente chamar a atenção para diferentes dimensões formativas da pesquisa que, em certo sentido, podem ser situadas como pressupostas ou anteriores a quaisquer modalidades, métodos, tipos ou estratégias de sua realização específica. Nessa direção, a pesquisa pode ser compreendida, em termos gerais, como constituidora do modo de ser humano e, em termos específicos, do modo de ser estudantil e docente.

Dividido em três etapas, o presente texto visa dar destaque a pelo menos três dimensões formativas da pesquisa. A primeira delas destaca a dimensão formativa humana da pesquisa, salientando que o modo de ser humano se dá num movimento de transcendência de quaisquer determinações inatas e pelo reconhecimento do caráter linguístico da sua condição. A segunda dimensão tematiza o modo de ser estudantil/acadêmico, que objetiva certo grau de autonomia de pensamento a fim de que esse estudante/acadêmico possa refletir sobre si e sobre o mundo bem como problematizar questões relativas ao seu campo de saber específico e de sua futura atuação profissional. A terceira dimensão busca demonstrar que o modo de ser professor traz como sua condição ser pesquisador, o que permite ao atual estudante e futuro professor qualificar suas percepções e compreensões sobre a educação, identificar problemas no campo pedagógico e social, pensá-los crítica e hipoteticamente e, sobretudo, desenvolver sensibilidade, competência e criatividade na mediação dos processos de aprendizagem a ele confiados.

Com a finalidade de ampliar as possibilidades de discussão sobre a questão da pesquisa e sua dimensão formativa, o artigo articula leituras e estudos com acento na hermenêutica-filosófica bem como autores que ampliam o tema no horizonte da aprendizagem, do conhecimento e da razão comunicativa. Para o desenvolvimento do tema, leva-se em consideração a vivência dos pesquisadores na condução de disciplinas que tratam da pesquisa como dimensão formativa. Nesse sentido, vale-se da noção de Pedro Demo (2000), para quem a pesquisa teórica é aquela dedicada a reconstruir teorias, conceitos e ideias, tendo em vista o aprimoramento dos fundamentos teóricos, nesse caso, no horizonte da prática refletida. Contudo, leva-se em consideração a advertência do autor de que

Toda interpretação, obviamente, é objeto de interpretação – este círculo hermenêutico é inescapável. De novo, a discutibilidade parece ser o contexto mais promissor de demarcação científica, porque não colhe apenas os lados mais formais, mas inclui naturalmente os consensos possíveis com base na autoridade do argumento. Mais que em qualquer outro paradigma, a pesquisa qualitativa se põe o desafio de captar com a maior precisão possível o impreciso

(DEMO, 2002, p. 364).

Portanto, a escrita permite colocar sob reflexão práticas docentes à luz de possíveis fundamentos, tendo em vista que estes orientam o pesquisador; por conseguinte, é uma exigência para pôr em questão suas práticas e os pressupostos que as sustentam. Nesse sentido, utilizamos a pesquisa bibliográfica de natureza exploratório-descritiva por meio do método qualitativo, em que “é importante a interpretação por parte do pesquisador com suas opiniões sobre o fenômeno em estudo” (PEREIRA et al., 2018, p. 67).

Pesquisa e formação humana

A abordagem da pesquisa em sua dimensão formativa, mais ampla e geral, exigirá a recorrência ao modo próprio de ser humano, ou seja, uma reflexão sobre o que podemos identificar como sendo a condição humana. Tal reflexão, além de demarcar o que diferencia o humano das demais espécies animais, buscará identificar o que lhe é característico e de que forma o fenômeno humano se estabelece. Assim, ao demarcar a transcendência como característica do humano, possibilitada, por sua vez, pela linguagem, a reflexão indicará um sentido de pesquisa inerente ao modo próprio de ser do homem no mundo.

Sabemos que entre os humanos e os demais animais existem inúmeras semelhanças, sobretudo se considerados os seus aspectos fisiológicos, mas o que importa é o que nos diferencia. E ainda que não possamos falar de uma forma definitiva sobre essa diferença, mesmo em se tratando de uma tentativa de afirmar nossa identidade, a simples hipótese de que essa diferença existe já indica que nos afastamos dessas outras espécies de forma abissal.

Podemos dizer, genericamente, que os demais animais vivem na imanência. Significa que se encontram sempre imersos na natureza e metabolizados por ela, tanto que a sua sobrevivência depende de um permanente processo de adaptação. Nós, contudo, embora não nasçamos humanos, somos portadores de uma potencialidade ímpar, peculiar apenas à nossa espécie: a transcendência. Decorre daí a nossa capacidade de transgredirmos regularidades e determinações que se estabelecem na ótica da natureza, isto é, de contrariarmos o ordenamento natural ao qual os animais estão inteiramente condenados. Não se trata de uma transcendência para além de nós mesmos, que por alguma razão nos transforme em super-humanos, ou divinos, mas um passo para além da instintividade animal, consequentemente em direção à liberdade, sem a qual não é possível falarmos em humanidade. Assim, estamos no mundo, mas ao mesmo tempo nos colocamos sempre para além dele. Superamos a presentidade do aqui e do agora, a condenação ao “eterno hoje”, própria da imanência da condição animal, acorrentado à sua própria animalidade. É a ultrapassagem dessa imediatidade e fatalidade do mundo biológico que nos lança para a dimensão do tempo, condição para que tomemos consciência da nossa própria condição.

Diante disso, importa-nos saber duas coisas. Em primeiro lugar, o que exatamente permite essa transcendência e sua consciência? Em segundo lugar, o que isso tem a ver com pesquisa e formação humana?

A supramencionada transcendência e sua consciência dependem daquilo que os gregos chamaram de logos, que numa tradução livre e bastante genérica significa linguagem. Ainda que nos esforcemos, acabaremos sempre admitindo a impossibilidade de concebermos o ser humano sem ela. Sempre lembrando que linguagem não é a mesma coisa que comunicação, a qual, por óbvio, é praticada entre os demais animais. A linguagem aqui referida não diz respeito nem a uma anterioridade, nem a uma posterioridade com relação ao devir humano, mas a um autocondicionamento. Em outras palavras, só podemos falar em humanos porque supomos a linguagem e só podemos falar em linguagem de um ponto de vista humano. Essa coimplicação concede ao mundo e à própria humanidade uma artificialidade que só não é total porque também a dimensão da corporeidade precisa ser considerada, muito embora esta, desde que é concebida e mencionada, já sempre se dá como linguagem, mesmo que “precariamente”. Nesse sentido, tanto os humanos como o mundo sempre se apresentam como algo diferente do que supostamente são, melhor dito, são simplesmente porque deles foi dito que são. É essa imersão na linguagem que nos autoriza a dizer que o mundo é estruturado simbolicamente, a ponto de todas as afirmativas que fazemos a seu respeito – ainda que digam que este mundo existe independente de nós ou que é criação dessa ou daquela divindade – serem concebidas como elaborações expressivas provenientes de nossa capacidade criativa e imaginativa.

Tomar a linguagem como um traço distintivo dos humanos em relação às demais espécies é reconhecer que a constituição do mundo humano é uma autocriação. Um dos pensadores proponentes dessa noção foi Martin Heidegger (1988), ao argumentar que “o homem mora nas raízes do humano”, conduzindo, com isso, o olhar para nossa existência sem a bengala metafísica que a explica fora da mundanidade do homem. No rastro desse pensamento, Gadamer (1999) vai afirmar que a compreensão é essencialmente um evento efetuado histórica e intersubjetivamente, sendo assim o homem é hermeneuta de si mesmo, necessitando assumir-se na finitude da linguagem e dos acordos intersubjetivos historicamente construídos.

Se partimos do suposto fundamental de que não partilhamos com os outros animais, diferentemente deles, uma programação inata e fixa, que somos uma ficção de nós mesmos por sermos capazes de transcendermos nossa animalidade e que essa transcendência se deve à nossa constituição linguística e ao fato de termos consciência disso e podermos expressá-la, então nossa humanidade resulta, além da acolhida e da educação empreendidas por outros humanos, também do modo como compreendemos nós mesmos e o mundo a partir de nossas aprendizagens intersubjetivamente produzidas.

É nesse sentido que a tradição histórica se apresenta como uma espécie de herança que nos acompanha desde sempre, permitindo a cada um de nós sentir-se parte de uma comunidade, uma cultura. Para Gadamer (2004), a tradição exerce um efeito sobre nós, o que significa dizer, segundo Schmidt (2013, p. 153), que nossa compreensão também é determinada pelos feitos da história, de modo que “[...] os nossos preconceitos herdados sempre constituem o pano de fundo e a base a partir da qual compreendemos”.

Por meio dessa tradição de saberes, que se renova de geração em geração, o mundo humano extrapola alguns dos condicionantes naturais e biológicos e, com isso, os humanos transformam o meio e si mesmos. Dito de outro modo, a nossa humanidade não se faz mediante a adaptação e a conformação a um mundo que existe e funciona apesar de nós, mas como resposta a um movimento contrário de busca de uma autonomia cada vez maior com relação a ele. Nesse sentido, as inúmeras aprendizagens que vivenciamos ao longo de nossas vidas, a arte e a cultura produzidas ao longo dos séculos, todos os saberes elaborados pelos que nos antecederam, articulados com nossas experiências, permitem que ressignifiquemos e recriemos o mundo e, por conseguinte, nós mesmos. Por sermos dotados de linguagem, podemos comunicar, uns aos outros, aquilo que pensamos (GADAMER, 2004), colocando-nos em permanente processo de autoformação.

E em que sentido essa autoformação e contínua reconfiguração do mundo por meio de processos de aprendizagem pode ser tomada como uma dimensão formativa da pesquisa?

Todo o arrazoado anterior sugere que o humano não está dado, mas que ele precisa constituir-se, o que lhe é possibilitado pelo seu modo de ser na linguagem. Assim, a cada um põe-se o desafio de se constituir na dignidade de quem pode duvidar do que faz e de como conduz sua vida.4 Senão, vejamos. Em nossos modos de pensar, falar e agir podemos nos orientar por noções que correspondem às formas verbais de observar, analisar, supor, duvidar, decidir, concluir, dentre outras, que indicam um modo propriamente humano de ser. Assim, observamos uma situação, analisamos os dados disponíveis, supomos que algo possa acontecer, duvidamos que funcione, decidimos fazer outra coisa, concluímos que algo foi acertado... Como se pode ver, em nossos modos de pensar, falar e agir fazemos valer uma certa estrutura frasal (proposicional) em que a conexão entre o sujeito e o predicado, a situação dada e o que dela se diz, não está pré-estabelecida, mas aberta a inúmeras possibilidades. Isso ocorre porque as situações que se apresentam aos humanos não revelam, em si, o modo de seu encaminhamento, exigindo, portanto, alguma forma de interpretação, da qual resulta algum tipo de escolha que, por sua vez, nunca é de todo óbvia. Por isso somos instados a uma atitude que só é possível a humanos antes de agir, inclusive antes de “agir falando”5: pensar, analisar, duvidar... o que pode ser feito com o recurso das tradições e os critérios que a partir dela são estabelecidos. Trata-se de uma atitude que necessita ser cultivada, na qual precisamos ser formados, uma atitude de responsabilidade pela nossa vida e para com todos os que conosco compartilham o mundo comum. Essa atitude configura um modo de pesquisa próprio do modo humano de ser que constitui uma de suas possíveis dimensões formativas. Já a não consideração dessa dimensão autoformativa fundamental do nosso modo de ser humano, que está longe de ser necessária, porque é fruto de uma decisão livremente tomada por nós, compromete o atributo mais caro de nossa condição: a nossa própria humanidade.

Pesquisa e formação estudantil/acadêmica

Com a sua capacidade imaginativa e criadora os humanos produzem aprendizados que, por sua vez, resultam em conhecimentos que acabam constituindo padrões, sempre abertos e passíveis de modificação, relativamente ao meio natural, às relações dos sujeitos entre si e aos modos de ser e de se expressar dos indivíduos. É isso que chamamos de mundo humano que, exatamente pelo seu caráter de artifício, não se reproduz automaticamente. Daí o desafio intergeracional, que é o desafio da educação, propriamente dito, de apresentar o mundo já constituído na perspectiva de que possa ser apreendido e renovado pelas novas gerações.

Assim, podemos dizer que as sociedades desenvolvem ações educativas com vistas à inserção dos sujeitos, especialmente os das novas gerações, no mundo social e cultural vigente, o qual é sempre a expressão do estágio de desenvolvimento das ciências, das formas de organização e convivência social e dos modos de conduta e expressão individual. E a educação, por sua vez, sempre opera na perspectiva de ser a melhor expressão possível dessas relações estabelecidas com a natureza e os outros e do sujeito consigo mesmo. Dessa tríplice relação, por sua vez, originam-se os diferentes campos de conhecimento que se estruturam sob a forma de ciências ou campos específicos de saber. Grosso modo, esses campos se dividem em ciências da natureza, da sociedade e da constituição e expressão da subjetividade, constituindo áreas de ensino e de aprendizagem no âmbito das instituições educativas, representando, em muitos casos, campos de atuação profissional. É com base na compreensão do papel das aprendizagens na produção e reprodução do mundo humano que a dimensão da pesquisa na formação estudantil/acadêmica se explicita, demarcando seu lugar, sua necessidade e sua pertinência.

Humanos aprendem uns com os outros

Dado o caráter transcendente de nossa condição, nós, humanos, revelamo-nos como seres abertos, jamais acabados. Essa possibilidade de nos fazer e refazer continuamente se expressa como possibilidade de aprender, o que, em regra, ocorre em face das aprendizagens já realizadas pelas gerações passadas, isto é, como inserção na cultura e na sociedade. Assim, ao nascer para o mundo, cada indivíduo de nossa espécie é instado a se constituir humano no encontro com os já humanizados. Como nos lembra Savater (2000, p. 39), “o que é próprio do homem não é tanto o mero aprender, mas o aprender com outros homens, o ser ensinado por eles”. Nesse sentido, podemos dizer que somos uma espécie pedagógica, já que a nossa humanidade é constituída no encontro com quem veio antes no tempo e na cultura.

A formação estudantil/acadêmica e as razões de um sentido de pesquisa nesse âmbito podem ser vistas como algo relativamente recente se considerarmos a longa trajetória da humanidade. A destinação de tempos/anos específicos da vida à escola e à universidade se deve ao “acumulado de mundo” que se tornou disponível e à própria diferenciação das formas de inserção na vida social e cultural, demandando atuações cada vez mais especializadas. Os conhecimentos, como resultantes dos processos de aprendizagem realizados ao longo das gerações, se tornaram disponíveis tanto pelo desenvolvimento da escrita como pelas tecnologias que permitiram a sua reprodução e preservação em suportes materiais, como livros e equipamentos tecnológicos diversos e cada vez mais sofisticados. E foi exatamente a ideia de que tudo, à medida que se torna disponível, deve ser ensinado a todos que, na Modernidade, resultou na proposição da escola universal. Já a complexificação da vida social e do mundo do trabalho puseram a exigência de formações especializadas para o exercício de determinadas profissões, impulsionando a formação acadêmica/universitária. Mesmo que certas aprendizagens sejam possíveis sob formas relativamente espontâneas e na simples convivência entre gerações, grande parte delas requer sistematicidade, dedicação e esforços específicos, daí a escola e a universidade. Em todo caso, trata-se sempre de aprendizagens pedagógicas, isto é, realizadas na companhia ou por influência dos que já se humanizaram.

As razões de um sentido de pesquisa na formação estudantil/acadêmica foram aparecendo gradativamente à medida que ficou patente que esse “acumulado de mundo” não era passível de uma transmissão pura e simples, ao modo de um repasse. A inserção nas tradições por parte das novas gerações se mostrou bastante complexa, exigente, acima de tudo, de uma atitude ativa por parte dos aprendentes. Nesse sentido, observou-se que os aprendizados jamais se realizam como mera reprodução ou cópia dos padrões da geração precedente, uma vez que a criatividade e a inventividade devem se fazer presentes em cada ato humano de aprender, haja vista que a constituição de cada sujeito se dá em perspectiva própria e de renovação. Destarte, o conhecimento se dá por meio da dialética entre razão e imaginação, por conseguinte “no imaginário central sócio-histórico do gênero humano inserem-se, especificando-o, os imaginários particulares, dos povos, das regiões, de determinada comunidade ou grupo linguístico, e os imaginários singulares, de cada sujeito humano” (MARQUES, 2006, p. 52). Assim, aprender com base no já aprendido por quem veio antes, aliado à necessidade de fazê-lo em perspectiva própria e em outra, se coloca como a questão central da educação. Uma questão que nos convoca para duas grandes e importantes responsabilidades: inicialmente, como estudantes, acolher todo esse ensinamento recebido e fazer dele um modo possível de nos situar no mundo; posteriormente, como educadores, ensinar essa tradição histórica e cultural da qual somos herdeiros, nunca sem reflexão.

Fazer pesquisa, nesse horizonte de compreensão, é refazer caminhos instituindo o novo, levando em consideração a experiência de conhecimento a qual somos capazes de viver (fazer), o que se dá de dentro da tradição histórica. De acordo com Waddington (2002, p. 175), essa tradição exerce, na interpretação, uma função mediadora, algo como uma grande biblioteca “[...] que guarda as referências que permitem a uma cultura, a uma civilização, decifrar, ler, interpretar, traduzir as várias manifestações, as múltiplas e diversificadas concreções da linguagem”.

O conhecimento humano se renova em cada aprendente e em perspectiva intersubjetiva

Embora humanos possam adotar modos de ser e interagir imitando ou, como se diz, “macaqueando” os outros, o específico do nosso aprendizado é ele se fazer em perspectiva própria, ao modo de uma elaboração pessoal. É nesse sentido que se coloca a tarefa de instituições como a escola e a universidade, das quais esperamos receber os elementos necessários para que possamos compreender os motivos para assumirmos esses ou aqueles modos de ser, fazer e interagir. Na escola e na universidade, portanto, as aprendizagens precisam se dar mediante a compreensão de razões, numa aposta na nossa inteligência e não na nossa mera adesão aos padrões já existentes.6 O conhecimento advém dessa nossa capacidade de pensar que “[...] pode ser compreendida como capacidade de emoldurar, de estabelecer algum tipo de contorno que faz as coisas aparecerem de uma determinada forma” (BOUFLEUER; FENSTERSEIFER, 2016, p. 256).

Como conhecimentos não são achados em meio à natureza e nem resultam de algum tipo de revelação divina, eles devem ser entendidos como artifícios humanos, construídos historicamente, de modo que também o processo de seu ensino e aprendizagem necessita basear-se na sustentação e compreensão de sua validade, que se renova, atualiza e ganha vida em novos sujeitos. Nessa chave de leitura,

[...] a emergência do “novo” é um fenômeno hermenêutico histórico e filosófico, porque nasce da capacidade interpretativa e criativa do sujeito (subjetividade), ao modo como traduz a história (objetividade) em seu horizonte de sentidos (intersubjetividade). Assim, aquilo que sabemos é uma compreensão constituída historicamente (coletivamente) a partir da capacidade linguística, simbólica, cognitiva, reflexiva e criativa do humano

(JOHANN, 2018, p. 85).

Na mesma linha, qualquer percepção ou entendimento que venhamos a ter sobre nós mesmos, a realidade e os vínculos que com ela estabelecemos é sempre uma percepção ou um entendimento que já envolve outros humanos, isto é, já se situa sempre num campo simbólico comum, numa linguagem que articula todo e qualquer pensamento ou ação a uma coletividade humana. E como a linguagem só existe como fenômeno coletivo, jamais como fenômeno privado, nossas percepções são sempre lastreadas num âmbito intersubjetivo e o conhecimento sempre é uma produção dessa intersubjetividade. Diante disso, é válido considerar o que diz Habermas (2012, p. VIII): “[...] em vez de abordar o conhecimento segundo uma razão centrada em um sujeito singular ou numa consciência transcendental, devemos pensar que o sujeito, ao tentar conhecer algo, gira em torno de outros sujeitos, uma vez que o conhecimento racional resulta de um intercâmbio linguístico entre eles”.

O conhecimento é resultado, portanto, de um entendimento dos sujeitos acerca de algo que faz parte de seus mundos e as motivações para o conhecer serão, de certo modo, os contornos novos que o objeto conhecido assume, sendo cocriado a partir do horizonte de cada intérprete (JOHANN, 2020). Na perspectiva de cada sujeito, o conhecimento se ressignifica, logo, é sempre uma construção provisória, passível de revisão. Podemos dizer, assim, que todo conhecimento tem inscrito no seu “DNA estruturante” essa sua configuração intersubjetiva, cuja continuidade requer a renovação de sua configuração em diálogo com os novos aprendentes. Desse modo, interpretar e compreender pressupõe abertura mediante uma postura de entrega e escuta, por isso “[...] não envolve um leitor-sujeito diante de um texto-objeto, mas as alteridades incontornáveis e irredutíveis do interpretam, do interpretandum e da tradição em incessante diálogo, no qual cada participante se reinventa a partir da interpelação que lhe dirige o outro” (WADDINGTON, 2002, p. 179).

Aprender com base nesses pressupostos e sob essas condições exige que nos coloquemos a par dos conhecimentos já estabelecidos, das razões que os produziram e dos argumentos que os mantêm pretensamente válidos. Mais que isso: exige que nos insiramos, de forma interessada e participante, nos processos de validação e refutação desses saberes bem como na lógica argumentativa que os constituíram. Com base nesses entendimentos podemos, agora, avançar na explicitação do sentido formativo de uma construção do conhecimento baseada na pesquisa.

A pesquisa como construção do conhecimento

Para precisar o sentido de pesquisa que consideramos pertinente para o universo acadêmico convém estabelecermos algumas distinções quanto ao seu entendimento. Assim, podemos falar de uma primeira noção de pesquisa que praticamente se confunde com uma atividade de estudo. É o caso daquela pesquisa que fazemos em função de um tema sobre o qual queremos saber um pouco mais – por exemplo, um país ou uma cidade que intencionamos visitar cujas informações buscamos em alguma base de dados, como a Internet, ou, ainda, quando um professor, em função de uma aula que precise ministrar, pesquisa sobre um assunto acerca do qual gostaria de ter maiores detalhes ou informações. Também podemos fazer uma pesquisa para realizar uma atividade proposta por alguma disciplina que, em regra, exige algum tipo de revisão bibliográfica. Em todas essas situações, trata-se de busca e organização de informações já existentes, uma dimensão da pesquisa que, de alguma forma, se faz presente na universidade.

Podemos falar também de uma segunda noção de pesquisa que consiste basicamente no levantamento de algum tipo de informação sobre algo em torno do qual temos algum interesse, como o custo de vida numa cidade ou as intenções de voto num estado ou país, o que se costuma fazer com base em metodologia apropriada que permita alguma análise comparativa com outros lugares, tempos ou situações. Nesse mesmo entendimento de pesquisa temos, por exemplo, a pesquisa de preço, ou seja, o levantamento do custo de um produto que eventualmente intencionamos adquirir.

Há, no entanto, uma terceira noção de pesquisa entendida como uma investigação pela qual se constroem explicações consistentes e verossímeis de “fatos do mundo”, isto é, uma noção de pesquisa entendida como construção de conhecimento mediante aplicação de uma teoria e um método. É esse o sentido de pesquisa que se espera que seja o fio condutor do processo formativo do sistema educacional, que se inicia na educação básica e se aprofunda no ensino superior. É essa noção de pesquisa e construção do conhecimento que permitirá, por sua vez, estabelecer uma base comum de compreensões e convicções, fundamentais para a articulação de uma vida num mundo humano comum.

Mesmo considerando que uma pesquisa acadêmica possa incluir fases em que aparecem os dois primeiros sentidos de pesquisa apresentados (atividade de estudo ou como levantamento de informações), é a noção de pesquisa como construção de conhecimento que deve orientar os esforços de pesquisa no âmbito das instituições educativas atravessando todo o processo formativo. Significa dizer que o que unifica todo o trabalho educativo na escola e na universidade são os processos de aprendizagem, ou melhor, os esforços em otimizar tais processos. Toda aprendizagem, por sua vez, pode ser entendida ao modo de uma pesquisa, isto é, como um esforço para melhor compreender uma situação problemática ou desafiadora da realidade mediante o recurso a uma teoria. Nessa dialética em que se articula um concreto e um abstrato, para usar os termos da metodologia da pesquisa, transformam-se não só as visões acerca da realidade, mas também as próprias teorias que pretendem ajudar na compreensão e explicação dessa realidade. Esse é o processo de produção do conhecimento. Desse ponto de vista, a pesquisa é percebida como relação social argumentativa, já não como relação com objetos ou verdades, situando-se no espaço lógico das razões em que os interlocutores trocam justificações de suas asserções ou outras ações (MARQUES, 2006). Isso significa dizer que o conhecimento construído necessita justificar-se mediante uma comunidade científica; campo em que o professor pesquisador tensiona suas percepções e convicções, movimento fundamental “[...] no vai-e-vem [sic] da prática à teoria e da teoria à prática, processo de tradução/retradução” (MARQUES, 2002, p. 138).

A partir desse entendimento amplo acerca dos processos de aprendizagem e de pesquisa visualizamos uma linha de continuidade que se estende ao longo de nossas vidas, na qual os diferentes graus de ensino podem ser vistos como níveis de intensificação das aprendizagens mediante a intensificação da capacidade de pesquisar. Esse conceito de pesquisa como construção de conhecimento também permite dizer que todo aluno e todo professor necessita tornar-se um pesquisador para poder constituir-se aprendente. É isso que faz da pesquisa um pressuposto inerente aos processos pedagógicos objetivados pelas instituições educativas, logo, princípio orientador dos processos formativos nelas empreendidos.

Toda pesquisa constitui um esforço de aproximação para com a realidade. Para “vermos” algo em determinado âmbito do mundo humano é preciso que encontremos formas que nos permitam distinguir e comparar. É para isso que são necessárias as teorias e, mais especificamente, as categorias de análise, que nada mais são do que as formas, as medidas ou as lentes que criamos ou de que nos valemos para estabelecermos distinções num determinado setor da realidade. Sem categorias de pensamento ou de análise as realidades se apresentam indiferenciadas, confusas, caóticas, e diante de um quadro em que nada se distingue qualquer decisão ou postura assumida permanece no âmbito do arbitrário ou do aleatório.

A pesquisa, portanto, consiste no esforço para entender uma realidade prática a partir do seu confronto com uma referência teórica, então podemos dizer que toda teoria oferece critérios que permitem ver problemas e soluções no campo da prática. Nesse sentido, Boufleuer e Fensterseifer (2016) advertem que a solução dos problemas práticos requer um tipo de pensamento que se descola da realidade e a tensiona em função de perspectivas que a inteligência humana é capaz de estabelecer, o que pressupõe o cultivo de ideias. Ideias operam como critérios que, por sua vez, acabam sendo redimensionados ou revistos no confronto com a dinâmica concreta da realidade. A pesquisa e o processo de aprendizagem que ela pressupõe têm como objetivo último um melhor entendimento da prática, capaz de inspirar uma ação mais crítica e qualificada.

Pesquisa e formação docente

A pesquisa na educação básica e na graduação pode ser entendida, ainda, sob três perspectivas: como um princípio articulador e estruturador do próprio processo de formação; como um fazer dos alunos; como um fazer dos professores.

A pesquisa como princípio formativo pressupõe uma concepção de aprendizagem que capacita para o pensar e para o contínuo aprender. Ou seja, uma boa formação não é aquela que apresenta possíveis soluções para todos os problemas visualizáveis no âmbito de determinada profissão, até porque, por mais exaustiva e minuciosa que fosse, uma formação posta nesses termos certamente se revelaria defasada imediatamente após a sua conclusão. Os professores, assim, por mais que atualizem os conteúdos das disciplinas que ministram, precisam considerar as rápidas transformações nos campos de atuação e de saber que atuam e lançam desafios sempre novos e sequer imaginados. É por isso que podemos afirmar que uma formação profissional em nível de graduação, por exemplo, sempre deverá ser entendida como formação inicial.

Não basta, então, aprender coisas. É preciso, também, entender a lógica que estrutura os conhecimentos e os faz reconhecidos como pretensamente válidos ou superados num momento seguinte. E esse aprendizado só pode ser obtido por meio da nossa compreensão sobre a importância de uma formação estruturada na lógica da pesquisa e do desenvolvimento de uma atitude investigativa.

A pesquisa dos alunos, por sua vez, se coloca como condição para uma formação baseada em aprendizagens significativas, o que, aliás, é uma redundância. Foi a noção largamente difundida de aprendizagem como sinônimo de saberes simplesmente guardados na mente que passou a exigir esse qualificativo – significativa – que destaca a ideia de uma aprendizagem percebida em sua pertinência e à luz das razões que validam o conhecimento. No mais, a pesquisa dos alunos, compreendida como construção do conhecimento, pode realizar-se como trabalho de investigação individual, como projeto de um grupo ou como dinâmica de trabalho implementada pelo professor no coletivo de uma sala de aula. O fato de a aprendizagem depender de uma percepção de relações e sentidos que se estruturam na perspectiva do sujeito aprendente não pode ser visto como impeditivo de processos coletivos ou de uma ação diretiva por parte do professor. É justamente a organização dos processos de aprendizagem planejados pelo docente sob a forma da pesquisa que constitui, ou deveria constituir, o diferencial tanto da universidade como da escola na mediação do conhecimento. Destarte, o professor é um hermeneuta entre a tradição e o aluno pelo modo como testemunha o que sabe, o que aprendeu e a maneira como comunica isso pelo ensino (JOHANN, 2020), e, na medida em que dá importância à ignorância do aluno, ele valoriza os conhecimentos que lhe faltam (SAVATER, 2000). Por conseguinte, põe-se o professor como interlocutor entre uma determinada área de conhecimento e os seus alunos, tendo a pesquisa como a possibilidade efetiva de introduzi-los num universo científico, cultural e artístico.

A pesquisa do professor, por fim, pode ser visualizada sob duas óticas complementares: a primeira diz respeito à investigação dos temas ou conteúdos das disciplinas que ministra, ocasião em que a sua pesquisa possibilita um situar-se na lógica epistêmica a partir da qual os conhecimentos adquirem status de cientificidade; a segunda diz respeito à investigação da própria prática, na perspectiva de um fazer pedagógico que se dispõe a argumentar e revelar aos educandos as razões que justificam a presença e a validade dos conteúdos ministrados nos currículos escolares. Os desafios que ao professor se colocam é o de reconstruir o processo histórico ou o debate científico no qual os conteúdos do seu programa de ensino emergiram como dignos de serem aprendidos por seus alunos e o de assumir o seu fazer como prática social, ou seja, assumir o caráter de um fazer intencional baseado em opções teóricas e práticas explicitadas. O professor situa-se num determinado campo de conhecimento e é a partir dele que anuncia suas ideias e percepções, por isso necessita estar enfronhado nos temas que fundamentam suas práticas, pois, conforme Marques (2002, p. 136),

Ser professor significa exercer o domínio de seu específico campo e processo de trabalho, passo a passo e a qualquer momento, isto é, trabalhar com rigor científico de saberes que faz seus e com meios materiais e instrumentais de que se apropria na capacidade de elaborá-los ou reconstruí-los segundo as exigências da sua proposta pedagógica.

Quando alunos encontram um professor capacitado e aberto às suas curiosidades o conhecimento se atualiza no horizonte de cada grupo/aluno a partir das questões que se lançam como perguntas e suas possíveis respostas. Nesse sentido, a pergunta assume uma dimensão fundamental na aprendizagem, pois é uma espécie de motor que movimenta a curiosidade e a capacidade imaginativa de seguir buscando e aprendendo. O professor hermeneuta opera nesse entre a área do conhecimento e as inquietações de seus alunos e por isso, inclusive, fomenta a própria construção das perguntas, uma vez que faz a mediação entre as dimensões do ensino e da aprendizagem.

A percepção do conhecimento como algo sempre dependente de justificação requer, portanto, essa postura investigadora, crítica e reflexiva do docente frente ao próprio fazer pedagógico. Por investigação da própria prática entende-se também uma atitude de busca contínua por aperfeiçoamento do fazer pedagógico em situação sempre inédita.

Cada nova turma de alunos constitui novo contexto de aprendizagens, com novas motivações e novos sentidos sedimentados a partir das vivências prévias dos educandos. Por isso não há algo como um ponto de chegada em termos de competência docente, mas estágios mais ou menos avançados em termos de aprendizagem da docência baseada num pesquisar contínuo da própria prática.

Considerações finais

Como humanos estamos desde o início lançados a uma situação de cisão entre a animalidade que somos e o esforço que precisamos empreender para transcendê-la. Uma cisão que só não se mantém radicalmente polarizada porque o tempo todo somos constrangidos por determinações biológicas, como a fome, o frio e o sono, que são comuns a todos os animais assim denominados superiores, como nós, os mamíferos. Tais determinações, porém, são transferidas diretamente para outro registro quando tomadas como objetos de nossa reflexão. Assim, ao serem pensadas, reelaboradas, teorizadas, faladas, enfim, compreendidas, essas determinações vão sendo de alguma forma contornadas, modificando o seu impacto em nossas vidas.

Frente aos desafios de entender a realidade e situar-se diante dela com o mínimo de autonomia e pensamento próprio, é necessário que os sujeitos desenvolvam explicações razoáveis e argumentadas acerca do mundo e da vida em sociedade. A pesquisa, como esforço para compreender as situações práticas mediante o recurso a categorias teóricas e/ou interpretativas, aparece como uma atividade humana de fundamental importância e que tem nas instituições educativas um lugar privilegiado para a sua otimização.

O desafio de produzir novos conhecimentos e oportunizar processos qualificados de aprendizagem exige um modo de operar pautado na dinâmica da pesquisa. Com isso o aprender e o ensinar devem se estruturar também sob a lógica em que determinadas realidades da vida e do mundo necessitam ser entendidas. Os conceitos ou conteúdos de ensino já não podem ser simplesmente transmitidos, mas percebidos em sua razão de ser e em relação às experiências e aos sentidos que os aprendentes já possuem. É no âmbito desse pedagógico fazer que a pesquisa como princípio formativo se insere. Destarte, a pesquisa é fomentada pelo estudo e pela abertura ao novo, que sempre se faz mediante um tempo/espaço oportuno, que encontra na escola e na universidade a sua oportunidade na medida em que aí se inter-relacionam o ensino, a pesquisa e a experiência prática da vida.

4Em não sendo feitos de “arame rígido”, temos a necessidade de colocar em questão a nossa vida, podendo, com isso “duvidar do que estamos fazendo e, por conseguinte, também de como conduzimos a nossa vida” (TUGENDHAT, 2007, p. 188).

5Para as teorias pragmáticas da linguagem, as que analisam a linguagem em contextos de seu uso, o dizer algo corresponde a fazer algo, no sentido de que toda fala é uma performance (AUSTIN, 1990).

6Ao tratar da especificidade da educação escolar em sociedades republicanas e democráticas, Boufleuer entende que a tarefa escolar consiste em promover um tipo de coesão social em torno de uma ordem coletiva pelo “[...] compartilhamento de crenças às quais seja possível assentir por convicção subjetiva, mediante, digamos assim, um exercício da razão, do entendimento, da compreensão, da percepção de um sentido lógico proveniente de um processo argumentativo” (BOUFLEUER, 2019, p. 299-300).

Referências

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Recebido: 03 de Março de 2021; Aceito: 15 de Setembro de 2021

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