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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 10-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v27.e022036 

ARTIGOS

Diversidade, democracia e justiça: as minorias político-culturais e a Educação Básica pública

Diversity, democracy and justice: political-cultural minorities and the public basic education

Leno Francisco Danner1 

Julie Dorrico2 

Fernando Danner3 

1Doutor em Filosofia (PUC-RS). Professor de Filosofia e de Sociologia na Fundação Universidade Federal de Rondônia.

2Doutoranda em Teoria Literária pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

3Doutor em Filosofia (PUCRS). Professor de Filosofia no Departamento de Filosofia e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Rondônia (UNIR).


Resumo

O texto aborda a correlação de democracia, diversidade e educação a partir da condição própria às minorias político-culturais, que são efetivamente construídas desde a tríade racismo biológico, fundamentalismo religioso e eurocentrismo-colonialismo, revivida política e culturalmente pela ascensão do fascismo como eixo estruturante das instituições e da vida sociopolítica brasileira hodierna enquanto consequência e estágio último de nossa modernização conservadora. Nosso problema de investigação pode ser definido com a seguinte pergunta: como é possível desconstruir a tríade racismo, fundamentalismo e colonialismo, base de nossa modernização conservadora, a partir da condição, da história e dos valores próprios às minorias político-culturais? Nossa resposta, construída a partir de reflexões fundadas na teoria social e no pensamento negro, indígena e queer, é dupla: minorias político-culturais permitem a pluralização dos sujeitos, das histórias, das experiências, das práticas e dos valores constitutivos de nossa sociedade, desnaturalizando e politizando sua evolução e suas condições presentes; e é necessário que essa consolidação pública, política e cultural das e pelas minorias possa ser institucionalizada em termos de formulação de currículos, conteúdos, práticas e valores próprios à Educação Básica pública, uma vez que a militância social por elas assumida depende, para sua efetividade, tanto dessa institucionalização a ser assumida pela escola básica pública quanto, a partir daqui, da dinamização de processos educativos que, baseados exatamente na condição e no sentido dessas minorias político-culturais dentro do amplo processo de modernização conservadora brasileira, atinjam nossa coletividade como um todo, moldando uma nova cultura democrática, pluralista, equalizada e reflexiva.

Palavras-chave Democracia; Diversidade; Minorias Político-culturais; Fascismo; Educação Pública

Abstract

The paper approaches the correlation among democracy, diversity and education from the own condition of political-cultural minorities which are effectively constructed by the triad biological racism, religious fundamentalism and eurocentrismo-colonialism, situation that is resurging politically and culturally in the ascension of fascism as structural core of nowadays Brazilian institutions and social-political life as consequence and current stage of our conservative modernization. Our investigation problem is: how is possible to deconstruct the triad racism, fundamentalism and colonialism, which is basis of our conservative modernization, from the condition, history and values proper to political-cultural minorities? Our answer, constructed from ideas grounded on social theory and Black, Indian and Queer thought, is double: first, political-cultural minorities allow the pluralization of subjects, histories, experiences, practices and values constitutive of our society, denaturalizing and politicizing its evolution and nowadays conditions; second, it is necessary that this public, political and cultural condition of and by minorities can be institutionalized in terms of formulation of public education’s curricula, contents, practices and values, since the social militancy assumed by political-cultural minorities depends to its effectiveness both of this institutionalization to be realized by public basic school and, from here, of the streamlining of educative processes that, based exactly on the condition and sense of the minorities inside the wide context of Brazilian conservative modernization, reach our collectivity as a whole, forging a new democratic, pluralist, fair and reflexive culture.

Key-Words Democracy; Diversity; Political-cultural Minorities; Fascism; Public Education

Diversidade como o núcleo do pensamento e da cultura contemporâneos

Se pudermos sintetizar em um conceito central o pensamento e a cultura contemporâneos, sem qualquer sombra de dúvida poderemos conceituá-los a partir da categoria de diversidade, ou de diferença, ou de alteridade, ou de Outro/a, ou de pluralismo, ou de multiculturalismo – em outras palavras, a ideia consiste em que qualquer processo de subjetivação se dá por meio dos/as outros/as, com os/as outros/as, em termos de relacionalidade, reciprocidade e mutualidade (ARENDT, 2007; BUTLER, 1993; LÉVINAS, 1997; RAWLS, 2000; HABERMAS, 2002a, 2002b; VATTIMO, 2016; HONNETH, 2003; FORST, 2010; HALL, 1997). A diversidade, com efeito, constitui o núcleo paradigmático, o motivo epistemológico-político e o valor normativo centrais para pensarmos, primeiro, os casos de violência simbólico-material que culminam em cheio, no século XX, nos sistemas totalitários institucionalizados e nos processos de violência colonial calcados nas ideias de raça, etnia, comunidade moral, gênero e sexo que definem a deslegitimação e até o assassinato em massa de grupos considerados menores racial, étnica, moral, sexual e religiosamente. Em segundo lugar, ela é fundamental para reconstruirmos nossas sociedades democráticas a partir da pluralização de sujeitos, histórias, experiências, práticas e valores, permitindo, nesse caso, a crítica, a desconstrução e a reformulação de visões essencialistas e naturalizadas de sociedades, culturas, seres humanos e instituições públicas, marcadas por uma perspectiva unidimensional e massificadora, bem como para alcançarmos uma visão mais realista do que foram e do que representam, ontem e hoje, o totalitarismo, o colonialismo e o totalitarismo como colonialismo, momentos interligados e dinamizadores da história de terror do século XX (FANON, 1968; MEMMI, 1967; CÉSAIRE, 1978; QUIJANO, 2005; 1992; MBEMBE, 2014; KRENAK, 2015). Nesse sentido, o enraizamento das minorias político-culturais na esfera pública e a consolidação de seu ativismo, de sua militância e de seu engajamento diretos e pungentes, a partir de sua condição, elevam a cultura democrática e as instituições públicas a um novo nível evolutivo, a uma perspectiva de maturação intensa e aguda, marcada exatamente por esse enfrentamento permanente da herança do totalitarismo e da colonização, sob a forma de racismo biológico, fundamentalismo religioso e eurocentrismo-colonialismo aplicados à cultura, à política e à epistemologia, utilizados como chave normativa para compreendermos (e, não raramente, erradicarmos) os diferentes seres humanos, as formas de ser e estar no mundo e, no limite, até a estratificação social e a atuação das instituições públicas em uma democracia pluralista e complexa.

Um dos aspectos-chave da correlação de totalitarismo-colonialismo consiste na produção de menoridade do indivíduo-grupo menor, isto é, inferior, antinatural e anormal, a partir da utilização da biologia e da religião como substratos justificadores do caráter apolítico e, portanto, natural da desigualdade e da evolução, da condição não cultural e, assim, essencialista do ser decaído desses indivíduos-grupos menores. O totalitarismo-colonialismo certamente não conseguiria sustentar-se e justificar sua validade e viabilidade, a não ser pela permanente produção de menoridade, pela sua pungente construção do anormal, antinatural, decaído ou selvagem, situação que confere ao totalitarismo-colonialismo e à sua obra (extinção de identidades alienígenas) um caráter civilizador e humanitário que lhe legitima a vocação de enfrentamento, combate e correção – isto é, de guerra total ao e eliminação simbólico-material do indivíduo-grupo menor. Nesse caso, a utilização do racismo biológico, do fundamentalismo religioso e, de quebra, como síntese de ambos, do etnocentrismo tem uma dupla finalidade, a saber: (a) colocar todos os problemas de constituição, integração e justiça de uma dada sociedade ou mais além na conta desses indivíduos-grupos anormais, antinaturais, decaídos ou selvagens; e (b) despolitizar o processo de produção de minorias político-culturais como menoridade e o de extinção simbólico-material desses indivíduos-grupos antinaturais, uma vez que sua condição como menores devém não de uma construção político-cultural, mas de sua estrutura fisiológico-genética (biologia) e/ou de seu não lugar na visão essencialista de mundo normalizada (religião) (DARWIN, 1974; SYNOD OF BISHOPS, 2015; MEMMI, 1967; OLIVEIRA, 2017). Logo, o totalitarismo-colonialismo também despolitiza sua cruzada genocida/etnocida, uma vez que, nesse caso, sua posição política e institucional é justificada exatamente pelo fato de que as minorias não são produção político-cultural, mas condição biológica e “não lugar” religioso. Ele pode matar à vontade, pois não está lidando com seres humanos, mas, no máximo, com sub-humanos: o antinatural, o anormal, o decaído e o selvagem não representam sujeitos políticos, mas condições a serem superadas pela mão civilizadora e, em muitos casos, eliminadas, dada essa sua situação de obliteração do normal, do natural, do moral, do civilizado que esses mesmos indivíduos-grupos menores causam quando estão na esfera pública, quando agem como sujeitos político-culturais. Em uma sociedade calcada na biologia e na religião enquanto bases da cultura e das instituições comuns, como foi o caso do totalitarismo-colonialismo, só existe a possibilidade do normal, do natural, do moral, do civilizado; o resto ou será convertido ou será apagado – quando muito, utilizado como mão de obra e objeto sexual (SPIVAK, 2014; MIGNOLO, 2017; DUSSEL, 1993).

Nesse sentido, a experiência do totalitarismo-colonialismo é o ponto de viragem no pensamento e na cultura contemporâneos. A partir dela, consolidamos a percepção, seja nas ciências humanas e sociais, seja, de um modo mais geral, na compreensão e na estruturação de uma sociedade democrática e até nos conteúdos e nas justificações de direitos humanos que, com mais ou menos intensidade, servem para a regulação das relações globais, de que a diversidade já não pode ser enquadrada, justificada e orientada por compreensões essencialistas e naturalizadas. A diversidade, por conseguinte, não pode ser apreendida teoricamente e trabalhada praticamente por meio de uma perspectiva biológica (morfologia, fisiologia, genética), nem por uma base teológica (revelação, essência, estrutura metafísica do mundo, natureza humana). Restam-nos a cultura, a política, o social, a história e a finitude; resta-nos, assim, o multiculturalismo como herança do globalismo colonial e da modernização democrática, que expressa em cheio a questão da pluralidade, da alteridade, da diversidade, da diferença, uma diferença que implica a e que é construída pela multiplicidade dos mundos morais em sua singularidade como absoluta (HABERMAS, 2002a; 2002b; HONNETH, 2007). Ela não pode ser homogeneizada, massificada ou enquadrada desde uma perspectiva unidimensional, exigindo, ao contrário, uma estruturação aberta e inclusiva da cultura, que necessita assumir um sentido não etnocêntrico bem como uma constituição não egocêntrica da consciência cognitivo-moral que, em relação com a pluralidade, abre-se à tolerância, à sensibilidade, à moderação e ao reconhecimento da diversidade, das diferenças em sua singularidade (HABERMAS, 1989; HABERMAS, 1990).

É nesse sentido que a diversidade, ao estabelecer o multiculturalismo como fundamento da vida social e das perspectivas teórico-práticas contemporâneas, também consolida a complexidade como característica central da compreensão, do tratamento e da orientação público-políticas dessas mesmas diferenças. Em uma democracia contemporânea o entendimento dos diferentes sujeitos sociais e a justificação da normatividade pública (o que as instituições políticas podem e devem fazer em uma sociedade plural; como a Constituição política e o direito assumem o desafio da diversidade; como a escola e a Educação Básica enfatizam essa mesma diversidade em seus currículos, suas práticas e seus valores etc.) exigem um nível de reflexividade, maturação e tratamento que não pode ser simplificado, posto que, por já não vivermos em sociedades étnica, cultural e religiosamente coesas (pelo menos em se tratando das democracias contemporâneas) – aqui, já não cabe mais uma análise “preto no branco” –, também não podemos uniformizar a vida social, as práticas formativas e os modelos antropológicos desde uma, por meio de uma perspectiva essencialista e naturalizada. Ora, a biologia e a religião, quando usadas politicamente (e, portanto, nesse caso, quando saem da mão dos/as cientistas e entram nas agendas dos partidos políticos e das comunidades morais próprias à sociedade civil, em sua cruzada relativa à cultura e à política, sua cruzada na cultura por meio da conquista de representação político-partidária calcada no messianismo religioso), levam exatamente à simplificação e à despolitização da pluralidade e do desafio que ela efetivamente lança à sociedade envolvente.

Esse desafio colocado e exigido pela diversidade consiste na reconstrução da história e na crítica pungente da cultura, uma vez que nossas democracias – e a democracia brasileira em particular – se constituem e evoluem a partir de uma tentativa permanente de refreamento dessa ênfase da biologia e da religião na política, na cultura, no social, nas instituições. Portanto, o primeiro dado histórico, epistemológico e político da constituição e dos grandes desafios enfrentados por uma democracia contemporânea está no fato de que as diferenciações sociais que temos também são diferenciações e estruturações calcadas em perspectivas raciais, de gênero e sexualidade, compreendidas e justificadas biológica e religiosamente, que estabelecem relações, valores e lugares naturalizados e essencialistas e, assim, apolíticos/despolitizados para os/as detentores/as dessa condição (QUIJANO, 2005; 1992; KILOMBA, 2019). O/a branco/a, o/a negro/a, o/a indígena, o/a amarelo/a, o/a azeitonado/a etc. são manifestações de uma essência a-histórica e/ou de uma condição fisiológico-genética que definem o que são culturalmente, determinam o que farão socialmente e, como consequência, apontam os lugares políticos e as posições econômicas que pessoas assumirão ao longo da vida, incluindo sua própria compreensão normativa dentro do e pelo contexto intersubjetivo no qual estão situadas. O totalitarismo baseou-se nesse princípio biológico-religioso ou essencialista-naturalizado em termos de compreensão da cultura, das relações sociais e das diferentes raças; o colonialismo produziu essa compreensão biológico-essencialista de raça, gênero e sexualidade, utilizando-a para justificar as relações de poder assimétricas e violentas bem como conferir lugares políticos, sociais, econômicos e epistemológicos às raças, aos gêneros e aos sexos. No caso das raças, estruturadas em um grau hierárquico e evolutivamente consequente (e isso serviria também para gênero e sexualidade) – do inferior, menos evoluído e selvagem para o superior, humano, universal e civilizado –, isso permitiria ao estágio mais evoluído enquadrar, orientar e, ao fim e ao cabo, erradicar o inferior. Afinal, em uma escala zoológica (como dizia Darwin) ou evolutiva e progressiva (como concebia a teoria social clássica – inspirada, nesse aspecto, no darwinismo), podemos traçar etapas evolutivas e especificar os consequentes graus de maturidade cultural-cognitiva próprios a cada uma delas, em que o mais adiantado teria condições de reconstruir os seus passos e, nesse sentido, compreender o menos evoluído como um produto do passado, uma etapa já superada pela civilização.

A biologia e a religião, enquanto perspectivas a-históricas, pré-culturais e pré-políticas, permitem definir-se uma identidade genético-transcendental comum e uma base antropológica fundamental, ambas de caráter substantivo, essencialista e naturalizado, que aglutinam e enquadram as várias culturas ou/como raças humanas desde um mesmo princípio evolutivo, mostrando as diferenciações, as gradações e o tipo de caminho percorrido por cada uma delas ou na escala zoológica ou na teodiceia humana como um todo. Como diz Darwin, em sua busca pela compreensão da evolução do homem em geral, em que a raça branca ou o homem europeu apareceria como momento superior e evolutivamente maturado, de caráter fisiológico-genético, frente aos negros e aos indígenas: “[...] o que, porém, a nós interessa de modo particular é o comportamento do homem dos tempos primordiais, e o nosso único elemento de julgamento sobre esse assunto é o estudo dos costumes das populações no estado semicivilizado ou selvagem” (DARWIN, 1974, p. 660, grifos nossos). Se quisermos saber quem somos como brancos, como civilizados, como heterossexuais, precisamos traçar essa escala evolutiva e essa teia relacional que vai do inferior ao superior, da barbárie à civilização, da seleção sexual e natural ao desenvolvimento antropológico – ou seja, se quisermos saber quem somos como brancos, civilizados e heterossexuais devemos recorrer à biologia (e subsidiariamente à revelação religiosa). Aqui, a biologia e a religião permitem uma compreensão da cultura de modo basicamente pré-cultural, da política de modo totalmente apolítico-despolitizado, da sociedade de modo fundamentalmente a-histórico. E, com isso, as diferenças passam a assumir – e a ser enquadradas por – uma base essencialista e naturalizada, avaliadas a partir de gradações e estágios de desenvolvimento que são determinados na esfera da fisiologia, da genética e da morfologia, em que a cultura não entra e a política não tem influência alguma, nem para compreender, nem para transformar. É contra essa condição, que é a base do totalitarismo, que a democracia se estrutura e luta permanentemente, posto que tal base essencialista leva à despolitização da cultura e da diversidade, à naturalização da desigualdade e, como fecho de abóboda de tudo isso, à dependência da cultura, da política e da sociedade em relação à biologia e à teologia.

Diversidade e democracia, democracia como diversidade

Nesse sentido, a invectiva fundamental da democracia pode ser definida por esta consigna: para além do racismo biológico, do fundamentalismo religioso e do colonialismo-eurocentrismo! Ou por esta outra: não à biologia e à religião na cultura e na política! Com efeito, as diferenças, enquanto condição estrutural e dinamizadora de uma sociedade democrática complexa contemporânea, consolidam a percepção, inclusive pelas várias experiências históricas de violência totalitária fundada no racismo biológico, no fundamentalismo religioso e no eurocentrismo-colonialismo, de que já não podemos mais retornar a um estágio de evolução sociocultural em que perspectivas essencialistas e naturalizadas colocam princípios, valores e modelos antropológicos pré-políticos, pré-culturais, pré-sociais e a-históricos como base para a compreensão humana e do enquadramento do multiculturalismo (RAWLS, 2000; HABERMAS, 2002a). Não apenas não podemos retornar a esse estágio de evolução humana muito próximo à barbárie em relação às diferenças (ou como efetiva barbárie em relação às diferenças), como também precisamos de uma reconfiguração cultural e uma reconstrução da história nacional a partir desses múltiplos sujeitos e dessas múltiplas experiências e histórias viabilizadas pela emergência das minorias político-culturais na esfera pública, com seu enraizamento e seu profundo ativismo político. De fato, essa é a grande conquista de uma sociedade democrática em que a diversidade é esse núcleo constitutivo, estruturante e dinamizador, a saber, a centralidade da diversidade, das diferenças como o ponto de partida, o meio de campo e o objetivo final da vida social, ao qual nossas instituições públicas e nossas práticas e valores comuns devem se voltar, nos quais eles devem se embasar.

Primeiramente, as minorias político-culturais são o resultado direto, a construção pungente e direta da supremacia política, cultural, normativa e epistemológica de posições de mundo essencialistas e naturalizadas, ou seja, do racismo biológico, do fundamentalismo religioso e do eurocentrismo-colonialismo; é por causa destes que aquelas existem. Minorias político-culturais são construídas como menoridade, chaga, anormalidade, condição antinatural, selvageria e animalidade exatamente pelo colonizador branco, justificando tanto o processo de colonização quanto o sujeito colonizador. Como consequência, a menoridade desses sujeitos e o caráter bravio desse contexto a serem colonizados conferem uma função humanista, civilizadora e progressista à colonização, que deixa de ser invasão, roubo e assassinato para se tornar um processo de condução dos/as irmãos/ãs menores, por parte dos irmãos maiores, ao caminho da cultura, da integração e do desenvolvimento; no mesmo diapasão, o sujeito colonizador deixa de ser um ladrão, um assassino e um usurpador, coisa que efetivamente ele é, para assumir um papel de desbravador, pacificador, aríete da cultura e do desenvolvimento nesse contexto selvagem e frente a esses sujeitos bravios, ainda menores (FANON, 1968; MEMMI, 1967). Ora, a compreensão biológica e religiosa de raça, gênero e sexualidade subverte a violência da produção de minorias, transformando-a em atividade salvífica, missionária, messiânica e curativa, posto que o assassinato cometido pelo colonizador não é assassinato, mas legítima defesa; a tomada de posse da terra não é roubo, mas desbravamento e construção do progresso e da civilização; e a condução do sujeito menor, sua catequização e sua cura deixam de ser violência direta para se transformarem em altruísmo e abnegação morais e vocação civilizatória; em contrapartida, quando o menor colonizado resiste, então há legitimidade, para o colonizador, de aplicar-lhe a guerra justa ou interná-lo (WERÁ, 2017). O colonizado, como uma coisa, um papel em branco, uma anomalia ou um quase animal, em contrapartida, torna imperioso o trabalho civilizador do colonizador branco, seja no sentido de orientação e condução daquele rumo à civilização, no de sua cura moral ou mesmo no de seu apagamento e sua invisibilização cotidianos.

Como se disse, esse tipo de compreensão biológica, religiosa, essencialista e naturalizada da cultura e da política é incompatível com as instituições públicas democráticas, o Estado democrático de direito e a cultura democrática por dois fatos óbvios: (a) enquadra as diferenças e o multiculturalismo a partir de pressupostos pré-políticos e pré-culturais, a morfologia, a fisiologia, a genética, a revelação etc., o que significa que o multiculturalismo é superficial e errado em muitas coisas, uma vez que, antes dele e como sua base, existe a biologia e a religião – por isso o multiculturalismo precisa ser avaliado e legitimado a partir dessa realidade pré-cultural que é dada e explicitada pela biologia e pela religião; e (b) naturaliza e, portanto, despolitiza os sujeitos sociais, as instituições, os valores e práticas intersubjetivos, a estratificação e as relações recíprocas, uma vez que estas não se devem a construções políticas, mas a lugares e condições pré-políticos, como a raça, o sexo e o gênero (concebidos, tanto quanto a raça, geneticamente e, assim, apoliticamente, a-historicamente). Novamente, aqui, Charles Darwin pode ser nosso exemplo. Ele se pergunta: por que as raças negra e indígena são inferiores aos brancos europeus? Por que, no mesmo sentido, o homem é intelectual e fisicamente superior à mulher? E a sua resposta é seleção sexual (e seleção natural, mas principalmente a primeira). Negros e indígenas são poligâmicos, cometem infanticídio e escravizam suas mulheres, logo não há seleção sexual no sentido de definição dos parceiros, não há monogamia (que significa escolha sexual – na poligamia, o acasalamento é desregrado), há pouca diferenciação genética e a mulher, como escrava, fica impossibilitada de escolher os melhores machos para procriação (DARWIN, 1974). E a mulher é inferior intelectual e fisicamente ao homem porque, em termos de seleção sexual e seleção natural, assumiu um papel passivo, de cuidado da prole e do lar, ao passo que o homem teve de lutar contra os outros machos para conquistar fêmeas para procriação, sendo que os machos vencedores conseguiram passar seus genes para a prole masculina dele herdeira, assim como tiveram de trabalhar e guerrear para a sobrevivência, adquirindo, como consequência, essa constituição intelectual e física superior frente à mulher (DARWIN, 1974). Conclusão: não foi a educação, a cultura e a política que causaram tais desigualdades e, por conseguinte, também não poderão modificar essa estrutura genético-fisiológica de desigualdade estrutural entre raça, gênero e sexo, embora possam contribuir para diminui-la. A solução é somente uma: assumir as virtudes do homem branco europeu e passá-las hereditariamente às proles vindouras, isso tanto para os negros e indígenas quanto para as mulheres brancas (DARWIN, 1974).

Evidentemente, Darwin escreve A origem do homem e a evolução social em 1859 e de lá para cá a biologia evolucionista aperfeiçoou-se muito relativamente a isso. Mas veja-se de novo o problema de se compreender singularidades culturais, diferenciações sociais, constituição normativa ou, por outras palavras, raça, gênero e sexualidade a partir de um prisma genético-fisiológico – seja lá o que isso possa significar. Porque o ponto central está tanto no fato de que a biologia despolitiza a cultura, submetendo-a à dinâmica da seleção sexual e da seleção natural, ou a uma certa ordem-condição genética, quanto na questão de que ela hierarquiza a evolução e a diferenciação entre os seres humanos (raça, gênero e sexo), assumindo uma compreensão do desenvolvimento da espécie que tem um sentido linear e unidirecional, naturalizado, essencialista e, assim, apolítico. Por causa disso, a biologia, ao hierarquizar e normalizar modelos antropológicos, justifica um tipo de normatividade social marcado pelas antíteses normal-anormal e natural-antinatural e, ao fazer isso, como dissemos, despolitiza a cultura, despolitiza essas noções normativas, como se elas não fossem construídas relacionalmente, mas dadas pela e interpretadas na natureza, por meio de um suposto método imparcial, neutro, impessoal e formal que vê e afirma basicamente uma perspectiva genético-fisiológica lá onde tudo não passa de cultura, política, relacionalidade. O multiculturalismo, como antítese das compreensões essencialistas e naturalizadas baseadas na biologia e na religião, possui como núcleo a diversidade humana enquanto uma construção cultural, política, social, historicamente localizada. E isso constitui toda a diferença quando falamos em democracia, em minorias político-culturais, em justiça restaurativa da e pela diversidade.

A diversidade, como condição fundamental de uma democracia, escancara o pluralismo dos sujeitos, das histórias, das experiências, das práticas e dos valores constituintes de uma dada sociedade ou mesmo mais além. Em particular, para o que nos interessa nesse texto, é importante que se perceba uma consequência muito importante viabilizada por esse mesmo multiculturalismo democrático, que é exatamente o aparecimento na esfera pública das minorias político-culturais e a consolidação destas como sujeitos político-culturais fundamentais da vida social, política, cultural e inclusive epistemológica contemporânea. As minorias político-culturais representam em cheio a diversidade democrática hodierna e, na esteira dela, permitem exatamente a constituição de uma poderosa e aguda perspectiva de crítica social, de reconhecimento cultural, de resistência e luta políticas e de práxis pedagógica em que somos efetivamente confrontados com as contradições vigentes na constituição de nossa sociedade, de seu passado e presente bem como do consequente desafio em termos de construção do futuro que queremos alcançar. Com efeito, como dissemos acima, as minorias são produzidas por processos de violência simbólico-material própria à colonização branca: o/a índio/a e o/a negro/a, por exemplo, passaram a existir como raça por meio da colonização europeia e branca e como sua justificativa (QUIJANO, 2005; MIGNOLO, 2017; DUSSEL, 1993). A mulher, o/a homossexual, o/a transexual, da mesma forma como no caso da ideia de raça, passam a ter seu sentido exatamente em termos de fundamentações essencialistas e naturalizadas, tornadas pungentes com o confronto com esse/a outro/a em sua alteridade, também tornados pungentes com a – e como – colonização (QUIJANO, 1992; KILOMBA, 2019; RIBEIRO, 2017).

Enquanto produto de violência simbólico-material, as minorias político-culturais viveram no corpo e na mente, na cultura e na autocompreensão normativa à chaga da marginalização, da exclusão e da violência. Enquanto sujeitos e condição menores, antinaturais e anormais, pré-civilizados e decaídos, elas, por um lado, serviram como justificativa do trabalho civilizador do colonizador europeu branco e despolitizaram essa mesma colonização, dando-lhe esse sentido humanista e obnubilando o fato de que ela se constitui em violência direta ab origine; por outro lado, uma vez construído esse sentido negativo e apolítico que humaniza e, assim, despolitiza a colonização, apagando sua barbárie, as minorias político-culturais precisam não apenas ser submetidas a um processo pungente de catequização e formação, mas também ser silenciadas, invisibilizadas e privatizadas. Nesse sentido, no momento da produção das minorias político-culturais por meio de violência simbólico-material temos também o apagamento delas da esfera pública, sua expulsão do dia a dia da convivência com o colonizador branco, seu afastamento dos olhos desse mesmo colonizador, como não naturais e não normais que são – ou, no máximo, como criados-mudos a receberem meia-tigela de comida e com a língua arrancada para não manifestarem qualquer som. Ora, a retomada da esfera pública e sua consolidação como sujeitos político-culturais militantes e engajados leva, em primeiro e fundamental lugar, à superação de uma dupla condição original da colonização branca e dos consequentes racismo biológico, fundamentalismo religioso e eurocentrismo-colonialismo, a saber: primeiramente, lhes permite superar a invisibilização, o silenciamento e o privatismo aos quais as minorias foram submetidas pelo colonizador branco – a anormalidade e o antinatural entram na esfera pública e ali deixam raízes profundas, pois vieram para ficar-agir ali permanentemente; em segundo lugar, lhes permite constituir uma posição de lugar de fala altamente política e politizante, posto que carnal e vinculada, isto é, as minorias político-culturais como um sujeito e uma perspectiva radicalmente políticos, por viverem no corpo e na mente, na cultura e na autocompreensão da violência, da exclusão e da marginalização como diferenças, como menoridade produzida e imposta por meio da negação e da morte planificadas e justificadas por essa tríade mutuamente dependente de racismo biológico, fundamentalismo religioso e eurocentrismo-etnocentrismo (KILOMBA, 2019; RIBEIRO, 2017).

Uma das características mais fundamentais e explosivas da diversidade democrática é, por conseguinte, a consolidação e a potência crítica, transformadora e revolucionária do lugar de fala das minorias político-culturais. É uma condição transformadora e revolucionária primeiramente para essas próprias minorias, que usam sua própria voz-práxis tanto para a construção de si mesmas e a reconstrução de sua condição e sua autocompreensão quanto para uma perspectiva de ativismo e de militância frente à sociedade envolvente, que as produziu e as legitima permanentemente como menores, invisibilizando-as e silenciando-as por isso. Com efeito, a consequência direta da atribuição de menoridade às minorias político-culturais é exatamente a incapacidade de falar e agir por si mesmas e desde si mesmas e, assim, de serem reconhecidas na esfera pública como iguais em aspectos relevantes (KRENAK, 2015; TUKANO, 2017). Como anormalidade, condição antinatural e pré-civilizacional, o grupo-indivíduo menor é, em todos os aspectos possíveis, incapaz de fala e de ação reflexivas, autodeterminadas, e, com isso, não tem lugar epistemológico, político e normativo seu; só lhe resta a periferia, o armário, a cozinha, o corpo para o trabalho ou a satisfação do senhor; o grupo-sujeito menor é um corpo sem voz, uma raça sem humanidade – só animalidade, só corpo, só aparência humana. Esse é o resultado da colonização e sua consequência fundamental é o fato de que, no máximo, no limite, o/a colonizado/a, o/a menor deve ser representado/a pelo grupo-sujeito maior, que fala em nome dele/a, age em nome dele/a, compreende por ele/a – o colonizador branco como a cabeça-civilização que dá sentido ao corpo-espécie do/a colonizado/a. Ora, o assumir a própria voz e o agir por si mesmas e desde si mesmas passam a ser, no contexto da diversidade democrática hodierna, a condição fundante e estrutural para a resistência, a revalorização e a reconstrução das minorias por si mesmas e desde si mesmas (GUAJAJARA, 2018; MBEMBE, 2014; SPIVAK, 2014; OLIVEIRA, 2017).

Um exemplo dessa questão de assumir e utilizar o próprio lugar de fala como autoconstrução, resistência cultural e crítica social, via ativismo político direto, pode ser visto tanto na constituição do Movimento Indígena brasileiro quanto na consequente produção estético-literária indígena que se desenvolve a partir dele. De fato, a bandeira de luta fundamental do Movimento Indígena brasileiro, que se organiza a partir de meados dos anos 1970, consiste exatamente no enfrentamento da noção de menoridade relativa que implicava a anulação da sua voz e de seu protagonismo bem como a sua invisibilização e o seu silenciamento, com a imposição de uma perspectiva de tutela tecnocrática e de paternalismo institucional que recusava não apenas a responsabilização jurídica deles, seu reconhecimento como pessoas jurídicas, mas também a atribuição e a afirmação de sua cidadania política. Como menores civilizacional e politicamente, como incapazes de responsabilidade jurídica e de autonomia política, eles deviam ser representados por órgãos governamentais. Na medida em que, como menores, são invisibilizados politicamente e representados tecnocraticamente, tudo o que se pode saber e fazer sobre os povos indígenas consiste naquilo que o representante – o branco, outrora colonizador, hoje tutor – puder e quiser fazer. Por isso, nesse caso de tutela, fala-se e pensa-se sobre a condição e o lugar do indígena, mas sem o indígena e, na maior parte dos casos, à revelia dele (KRENAK, 2015; TUKANO, 2017; MUNDURUKU, 2012; WERÁ, 2017). Nesse sentido, vemos no Movimento Indígena e na literatura indígena dele adveniente a constituição de uma perspectiva de autonomia política e de autoria estético-epistemológica que, imbricadas e mutuamente dependentes, levam exatamente à superação da invisibilização, do silenciamento e do privatismo e à consolidação de uma perspectiva de ativismo, militância e engajamento como minoria na esfera pública, política e cultural. Os/as indígenas passam a falar de modo autoral, autobiográfico, testemunhal e mnemônico por si mesmos/as e desde si mesmos/as e, com isso, instauram uma perspectiva de crítica, resistência e luta relativamente à condição e à causa indígenas no país, mas também, por causa dessa militância em primeira pessoa do singular e do plural concomitantemente (o eu-nós), levam a uma politização abrangente de nossas instituições, de nossos sujeitos políticos-normalizados e modelares, de nossa história nacional e de nossa cultura comum. Ao politizar-se, o Movimento Indígena politizou nossa sociedade, que produziu os/as indígenas como menoridade e os/as invisibilizou para despolitizar esse processo de violência, naturalizando-a por meio do conceito de raça biológica e/ou menoridade cultural.

Ao politizarem-se, isto é, ao consolidarem-se na esfera pública como sujeitos político-culturais militantes e engajados, as minorias político-culturais politizam a sociedade que as produziu, as instituições, os sujeitos, a história, as práticas e os valores que, ainda hoje, as naturalizam e, assim, as despolitizam, legitimando sua periferização epistemológica, social, cultural, política e econômica, a sua exclusão e a sua marginalização como párias. Ao se fazerem visíveis para si e para os outros, as minorias político-culturais fazem visíveis – isto é, desnaturalizam e politizam – a história nacional, nossos sujeitos políticos e projetos de desenvolvimento exemplares, as fraturas e as contradições sociais, políticas e culturais ainda não desenvolvidas, mormente a questão do racismo biológico (temperado com fortes doses de fundamentalismo religioso) que impregna nossas instituições, nossa cultura e nossa história, impedindo uma correta avaliação do nosso processo de modernização e dos desafios efetivos de uma democracia que se quer inclusiva, participativa e integradora da pluralidade, mas que, não obstante essa pretensão normativa, recusa-se a enfrentar a herança racista, autoritária e de desigualdade que foi imposta ao povo negro e ao povo indígena e que hoje se impõe também aos grupos LGBTQ+ e às próprias mulheres (FERNANDES, 2008; SOUZA, 2012; RIBEIRO, 2018). Nesse sentido, o lugar de fala das minorias político-culturais, marcado por essa violência simbólico-material sistemática e sistêmica, permite pensarem-se três questões importantes para a compreensão, a crítica e a reestruturação de nossa democracia: (a) a ideia de uma justiça reparativa que tem na diversidade antropológica seu núcleo estruturante e no relato autobiográfico, testemunhal, experiencial e mnemônico das minorias sua base catártica, crítica, politizante; (b) a formulação de uma perspectiva de inclusão, participação e reconhecimento ampla, na qual a diversidade implica autoria e autonomia diretas e leva à remodelação das instituições públicas com vistas à correção das desigualdades sociais e do racismo e do preconceito culturais vigentes; e (c) uma práxis política pelas e a partir das minorias político-culturais, que tem na descolonização da cultura e na descatequização da mente, isto é, no enfrentamento do racismo biológico e na construção de uma mentalidade não etnocêntrica e não egocêntrica aberta às e promotora das diferenças, seu contexto, seu conteúdo e seu mote básicos. Em suma, as minorias político-culturais permitem a construção de uma sociedade democrática pluralista, aberta, inclusiva, participativa e marcada pelo reconhecimento sociocultural, viabilizando seja a desconstrução do racismo biológico, do fundamentalismo religioso e do eurocentrismo-colonialismo, seja o sustento político-normativo do Estado democrático de direito sem necessidade de apelar-se a fundamentos pré-políticos próprios a posições essencialistas e naturalizadas. É aqui que a educação pública democrática encontra uma base normativa, política e humanística fundamental para a sua estruturação e a sua vinculação sociocultural.

Educação pública, democracia e diversidade: algumas conclusões

Com efeito, como argumentamos nas duas seções anteriores, o núcleo do pensamento e da cultura contemporâneos consiste exatamente na diversidade, na diferença; assim, os grandes inimigos desse pensamento e dessa cultura contemporâneos são o racismo biológico, o fundamentalismo religioso e o eurocentrismo-colonialismo, eixos estruturantes que, em sociedades de modernização periférica como o Brasil, aparecem totalmente correlacionados e interdependentes, sustentando-se mutuamente. Ora, o racismo, o fundamentalismo e o colonialismo têm como consequência três pontos básicos que inviabilizam qualquer possibilidade de transformação ampla e de maturação cultural, política, educacional e epistemológica mínimas, a saber: (a) assumem uma noção uniforme, massificada e essencialista de ser humano, de comportamento e de práticas exemplares a ser imposta socialmente por meio das instituições (raça como brancura, heterossexualidade compulsória, falocentrismo, família monogâmica etc.); (b) despolitizam essas mesmas ideias de raça, sexo e gênero, assumindo-as desde uma perspectiva pré-política, pré-cultural, pré-social e a-histórica, de modo que qualquer tentativa de politização pública e de trabalho institucional de desconstrução dessas perspectivas essencialistas e naturalizadas são deslegitimadas como subvertendo a natureza ou violando a vontade de deus, de modo que as instituições públicas se tornam reféns das Igrejas, dos movimentos conservadores e dos partidos e lideranças políticas que os encampam; e (c) invisibilizam, silenciam, privatizam e, ao fim e ao cabo, proíbem a fala, o aparecimento e o protagonismo públicos, excluindo as diferenças das instituições, dos currículos e dos espaços de visibilidade e de protagonismo que são básicos em uma democracia, a saber, a participação política, a construção de currículos, a produção de leis e a formulação de epistemologias. Com isso, as minorias político-culturais não apenas são alijadas fortemente da esfera pública como sujeitos político-culturais militantes, senão são afastadas da academia, da escola, do legislativo e do judiciário de um modo mais geral, reproduzindo-se no âmbito das instituições e por meio delas a segregação, a exclusão, a invisibilização e o silenciamento, que são o núcleo de nossa modernização conservadora. Inclusive, com esse afastamento, essas minorias deixam de ser temas fundamentais para a constituição das próprias ciências humanas e sociais bem como para a elaboração de políticas públicas de inclusão, igualdade, reconhecimento e participação.

É exatamente contra essa condição social de impedimento, de travamento e de não reconhecimento dos sujeitos-grupos alienígenas (um continuum que imbrica colonização e modernização conservadora, no Brasil), os quais destoam de padrões normais e naturais de socialização e subjetivação e visibilizam, politizam a herança histórica, política e cultural do etnocídio indígena, da escravidão negra, do autoritarismo e do racismo, que a militância, o protagonismo e o engajamento público, político e cultural das minorias está dirigido. Trata-se de uma luta permanente contra essa base biológico-religiosa que ainda domina o processo de modernização cultural da sociedade brasileira, conferindo-lhe esse sentido conservador de que falamos, desconstruído muito lentamente e possuindo enormes atrasos e regressões pelo fato de que as instituições públicas – na educação, na política, na academia e no próprio judiciário – só muito lentamente se abrem e assumem as pautas e os valores próprios ao pluralismo de um modo geral e às minorias político-culturais em particular. Nesse sentido, é questão de vida e morte a consolidação, o enraizamento e o ativismo público, político e cultural das e pelas minorias na esfera pública, e isso em um duplo aspecto: primeiramente, só poderão sobreviver à violência racial, de sexo e de gênero, bem como enfrentarem a desigualdade social e o autoritarismo institucional, se efetivamente aparecerem e lutarem publicamente, se gritarem e resistirem frente aos olhos, aos ouvidos e aos cérebros das pessoas; em segundo lugar, para além dessa primeira necessidade básica que consiste em publicizar-se para sobreviver, as minorias têm as tarefas de politizarem-se como minorias e, em consequência, visibilizar, desnaturalizar e politizar as estruturas culturais, as práticas institucionais, os valores normativos e os sujeitos institucionais que reproduzem e legitimam – via naturalização, despolitização, silenciamento e invisibilização – a construção permanente das minorias político-culturais em termos de violência simbólico-material que, como dissemos, também é dinamizada por meio do afastamento desses grupos-sujeitos alienígenas das instituições, como não produtores de conhecimento, currículo, políticas públicas e leis, sequer como temas institucionais nos âmbitos da educação, da epistemologia, da política e do direito.

Na verdade, o fascismo vive da produção explícita e direta de minorias político-culturais, à luz do dia e em plena voz, e sem medo ou pudor tanto do direito quanto da condição dos/as outros/as (ou até do politicamente correto). E essas minorias político-culturais são transformadas por ele nos bodes expiatórios de sua cruzada destruidora do Estado democrático de direito, da cultura democrática universalista, dos direitos humanos e, como consequência, da diversidade. O fascismo é o ilimitado e o não racionalizável – no sentido de não haver autolimitação e reflexividade internas para si e em sua relação para com os demais – na vida social, como princípio cultural e como sujeito político-institucional; e, na ausência de racionalidade e coerência em suas ideias, propostas e ações, busca exatamente o fomento de sentimentos primários de ódio, preconceito, intolerância e conflito – não por acaso o símbolo da arma e o maniqueísmo cultural, político e moral são as suas bandeiras principais. O fascismo, aliás, tem como consequência exatamente a construção de uma sociedade, um sujeito, uma ação e valores unidimensionais, massificados e totalizantes, sempre baseados no e determinados e dinamizados pelo maniqueísmo, pelo dualismo (ARENDT, 1989; RANCIÉRE, 2014). Por isso, no discurso e na prática fascistas, não se trata apenas da utilização dessa chave de leitura simplificadora da realidade calcada no bem e no mal, no amigo e no inimigo, no certo e no errado, mas também de sua imposição a uma realidade complexa e plural sem qualquer mediação. É nesse contexto, por conseguinte, que as minorias político-culturais são nossa última barreira contra a barbárie institucionalizada – principalmente em um momento em que instituições públicas – parlamento, partidos políticos, judiciário e mídia – consentem, promovem e assumem a defesa do fascismo e se assumem como perspectiva-sujeito-valor fascista em muitas situações.

Ora, no caso das minorias político-culturais, seu efeito imediato, uma vez consolidadas pública, política e culturalmente, é duplo: pluralizam as histórias, os sujeitos, as experiências, as práticas, os valores constituintes de uma dada sociedade e as relações entre sociedades; e, assim, desnaturalizam e politizam a vida social, as instituições e a nossa história nacional, inclusive a própria ideia do Brasil como uma grande família monogâmica una, indivisa, ordeira, fundida e amalgamada em termos raciais, hierarquicamente estruturada, sem contradições, dissensões e lutas internas – uma grande irmandade paternalista e tradicional, de base religioso-biológica. Essa pluralização dos sujeitos, das histórias, das experiências, das práticas e dos valores é fundamental para a maturação da democracia e a construção de contrapontos políticos, culturais e epistêmicos a uma forte tendência de massificação e unidimensionalização própria à nossa modernização conservadora, que tem na correlação de racismo e de fundamentalismo seus princípios estruturantes. A pluralidade leva ao embate, impele a contradição, produz luta social, disputa por hegemonia, conflito e discussão em torno das interpretações modelares de nossa vida nacional, consolidando, em consequência, outros sujeitos sociopolíticos. Com isso, a sociedade perde aquela estabilidade que advém de sua naturalização e de sua despolitização da cultura, uma estabilidade que tem como preço a produção permanente de menoridade e o massacre cotidiano de grupos minoritários, seja em nossas favelas, seja em termos de seu afastamento de condições mínimas de integração política, de reconhecimento cultural e de mobilidade social. A presença e a militância públicas, políticas e culturais das e pelas minorias leva (a) à desconstrução dessa perspectiva histórico-cultural homogênea, massificada, unidimensional e/porque familiar; e, da mesma forma, (b) transforma esses grupos-sujeitos, em geral colocados à margem de nossos processos de socialização e na construção e atuação das instituições, em base epistemológico-política de uma transformação qualitativa da cultura, das instituições, das práticas sociais de um modo geral. Sem as minorias político-culturais, ficaríamos condenados, nos âmbitos da cultura, da educação, da política e das instituições, a um imobilismo em movimento, de caráter permanente, para utilizar um conceito do filósofo político Marcos Nobre (NOBRE, 2013; SINGER, 2012).

É nesse sentido que uma das questões-chave para a hegemonia das minorias político-culturais em termos de esfera pública consiste exatamente no fato de que elas se tornem temas centrais em termos de elaboração da própria democracia nos diferentes campos de produção e reprodução da nossa sociedade, das instituições políticas para o direito, do direito para a cultura, da cultura para a educação, da educação para os embates na sociedade civil. Falamos acima que a grande novidade da vida sociocultural contemporânea está na consolidação das minorias político-culturais como sujeitos públicos, em termos de militância, ativismo e engajamento direto, a partir da superação de sua tradicional invisibilização, silenciamento e privatismo. Saíram dos armários ou do fundo do mato e se tornaram diretamente sujeitos político-culturais, enraizando-se profundamente na esfera pública. Isso é fundamental para a reflexividade social e a maturidade tanto de nossa cultura pública quanto de nossas instituições político-educacionais, mas essa potência regeneradora de nossas tradições e de nossas práticas sociais e institucionais e essa força político-cultural de contraponto aos nossos sujeitos político-modelares (o militar, o político profissional, o empresário rural e o pastor evangélico) necessitam ser acompanhadas da institucionalização dos sujeitos, das pautas, dos valores, das histórias, das experiências e das práticas das minorias como núcleo central das instituições e dos processos formativos no âmbito da educação em particular e da socialização de um modo geral. Sem esse passo em termos de institucionalização da condição e do sentido das minorias como tema educacional estaremos desperdiçando muito dessa energia política e desse potencial de transformação que elas possibilitam e detonam ao publicizar-se, desnaturalizando e politizando nossa sociedade (HONNETH, 2013).

A possibilidade de contenção do fascismo em nossa sociedade passa pela consolidação e pelo protagonismo público das minorias político-culturais em primeiro lugar e, como fecho de abóboda disso, pela sua institucionalização e aplicação como tema, como conteúdo, como currículo educacional que, ao tornar-se base e dinâmica da Educação Básica e pública, é transmitida para a sociedade como um todo enquanto valor básico para uma socialização integradora, equalizada e reflexiva. Não bastam a esfera pública e a militância e, ademais, não basta que as minorias político-culturais transformem-se em base epistemológica, normativa e curricular do Ensino Superior; é preciso, como sempre, Educação Básica pública em que elas sirvam como base curricular e mote para a discussão humanística, imbricando e dinamizando diferentes disciplinas que vão desde a língua portuguesa e a literatura, passando pela história e pela geografia e chegando, de modo direto, na filosofia, na sociologia, nas artes e no ensino religioso. Essas são as disciplinas fundantes de uma socialização efetivamente democrática, porque humanística, ampliadora dos horizontes cognitivo-morais que fazem parte tanto de uma coletividade plural, heterogênea e complexa quanto, em consequência, de subjetividades reflexivas, autônomas e sensíveis à diversidade. O fascismo, não por acaso, tenta a todo custo negar essa possibilidade de a Educação Básica pública assumir em sua radicalidade as diferenças, a diversidade e, em particular, as pautas, os conteúdos e os currículos ligados às minorias político-culturais como base programática e núcleo orientador dessa formação pública ampla e/porque humanística. Note-se que a maior tônica do fascismo, uma vez hegemônico institucionalmente, consiste em fechar os espaços de visibilidade das e pelas minorias político-culturais, reduzindo a diversidade a uma questão de escolha familiar no máximo e, com isso, retirando essas mesmas minorias das instituições e de suas políticas públicas (inclusive dos currículos educacionais). Nesse sentido, falta-nos a consolidação desse passo decisivo, já ensaiado, embora ainda não efetivamente maturado e realizado, de correlacionarmos e imbricarmos em cheio e de modo pujante a Educação Básica e pública com as minorias político-culturais. Só nesse momento estará completo o processo de maturação de uma sociedade democrática pluralista que resolve seus problemas de racismo e de fundamentalismo com educação escolar sólida e universalizada e, portanto, elimina o fascismo por meio daquilo que ele mais teme, ou seja, a educação democrática.

Referências

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Recebido: 25 de Novembro de 2020; Aceito: 02 de Setembro de 2022

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