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Conjectura: Filosofia e Educação

versão impressa ISSN 0103-1457versão On-line ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.27  Caxias do Sul  2022  Epub 10-Mar-2024

https://doi.org/10.18226/21784612.v27.e022030 

RESENHAS

ROOS, Jonas. 10 Lições sobre Kierkegaard. Petrópolis: Vozes, 2021.1

Thiago Luiz de Sousa2 

2Bacharel em Filosofia e Mestre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). No momento, está no doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

ROOS, Jonas. 10 Lições sobre Kierkegaard. Petrópolis: Vozes, 2021.


Como se introduzir ao pensamento de determinado autor? Enquanto houver novas pessoas interessadas em compreender algum pensamento que ainda permanece vivo por meio de obras, perguntas como essa não deixarão de ser feitas e farão com que a História da Filosofia, mesmo aquela mais antiga, permaneça nova. Obviamente cada autor, seja por conta de seu contexto, de seu estilo, de sua língua ou das mais variadas questões, deixa para nós, seus leitores, seus próprios desafios. Nesse sentido, ao lado do autor que procurarmos começar a compreender e vencer seus desafios sempre será de boa companhia um livro escrito por um especialista que tem entre seus objetivos principais introduzir esse pensamento. Diante das coleções que estão ativas atualmente e que vêm trazendo ao público textos introdutórios escritos por especialistas, podemos destacar o livro mais recente da Coleção 10 Lições, coordenada por Flamarion Tavares Leite, publicada pela Editora Vozes, dedicado ao pensamento kierkergaardiano, escrito por Jonas Roos, intitulado “10 Lições sobre Kierkegaard”, que é um bom companheiro em um caminho introdutório ao mais famoso filósofo dinamarquês, Soren Kierkegaard.

Jonas Roos, autor da obra à qual esta resenha é dedicada, é um filósofo da religião brasileiro e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião (PPCIR) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Graduado em Filosofia, em 1999, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Roos fez seu Mestrado (2003) em Teologia pelo Instituto Ecumênico de Pós-Graduação das Faculdades EST (IEPG/EST), com uma pesquisa dedicada ao pensamento de Kierkegaard sob a orientação de Enio Ronald Mueller. Em seu Doutorado (2007), feito nessa mesma instituição e sob a mesma orientação, aprofundou suas pesquisas sobre Kierkegaard, contando com a coorientação de Álvaro Valls e um período sanduíche no Søren Kierkegaard Research Centre da Universidade de Copenhagen, sob as orientações de Pia Søltoft e Jon Stewart. Além disso, Roos possui um Pós-Doutorado (2009) em Filosofia pela Unisinos.

Em “10 Lições sobre Kierkegaard”, Jonas Roos faz um duplo convite, provocando o seu leitor a conhecer os alicerces da obra kierkegaardiana e, ao mesmo tempo, incentivando-o a encaminhar sua própria tarefa de conhecer a si mesmo. Sendo assim, em todas as suas dez lições Roos mantém viva a marca que se faz presente em toda a obra kierkegaardiana, “[...] de que uma pessoa não nasce um indivíduo, mas deve produzir a própria individualidade, deve tornar-se si mesma” (ROOS, 2021, p. 11). Temos, assim, em mãos uma obra que busca oferecer conceitos que são fundamentais tanto para conhecer a obra do filósofo dinamarquês quanto para fazer uma reflexão sobre a existência, uma filosofia da existência.

Em sua primeira lição, Uma ideia pela qual viver e morrer¸ Roos recorre aos Diários de Kierkegaard para afirmar que, em sua busca por uma ideia pela qual valha a pena viver e morrer, o filósofo dinamarquês reconhece que o primeiro passo para se alcançar isso é o autoconhecimento. Assim sendo, “[...] partindo de sua existência particular, Kierkegaard desenvolve uma filosofia que descobre elementos universais da existência humana” (ROOS, 2021, p. 16). Diante disso, Roos narra alguns fatos da vida do filósofo dinamarquês que são significativos e reinterpretados em seu pensamento, o que faz com que já na primeira lição o leitor compreenda que está diante de uma filosofia viva que estava atenta aos desafios de sua época, como o apresentado pela igreja dinamarquesa. Em sua segunda lição, Ironia e comunicação indireta, Roos resume da seguinte maneira o desafio que a questão da existência deve enfrentar em um contexto dogmático, como o da época de Kierkegaard: “Como apresentar a uma pessoa o desafio existencial de tornar-se si mesma, de construir a própria identidade, tornando-se um indivíduo único, se esta pessoa se entende como pronta e acabada, ou seja, se ela não se permite questionar o sentido da sua própria existência?” (ROOS, 2021, p. 30). O filósofo dinamarquês percebe que a compreensão subjetiva necessita de uma dupla reflexão, pois compreender apenas os conceitos gerais não basta: é necessário que essa compreensão se converta também em tarefa existencial. Por isso, como mostra muito bem Roos, Kierkegaard escreve por meio de pseudônimos, com uma comunicação indireta, com a ideia de pensar questões religiosas, entre outras coisas, a partir de uma posição não cristã, permitindo que aqueles que se consideram cristãos encarem as bases de sua fé. Ao final desse estudo, Roos oferece um mapeamento de toda a obra kierkegaardiana, com todos os seus pseudônimos e os livros assinados pelo próprio Kierkegaard.

Em suas quatro lições seguintes, Angústia (terceira lição), Desespero (quarta lição), Fé e subjetividade (quinta lição) e Paradoxo (sexta lição), Jonas Roos apresenta um resumo valioso para a compreensão do pensamento de Kierkegaard que se faz presente na seguinte fórmula: “angústia é a possibilidade; o desespero é a síntese mal efetivada; e o indivíduo, o si-mesmo, é a síntese corretamente realizada” (ROOS, 2021, p. 47). Temos, assim, de um modo bem conciso, a apresentação de um mapa conceitual no qual conceitos fundamentais tomam a cena: angústia, desespero e indivíduo. Na antropologia filosófica de Kierkegaard, o sujeito enquanto possibilidade, ao mesmo tempo chamado para realizar a síntese entre a finitude e infinitude, pode cair no desespero, que, como vimos, seria a síntese mal efetivada. Porém, a “[...] saída do desespero não pode se dar a partir do próprio desespero, precisa ser operada num salto, em uma perspectiva radicalmente nova” (ROOS, 2021, p. 67). Diante desse cenário, um conceito se faz muito importante de ser evocado, o da fé. Sendo assim, a fé não seria viver em uma outra realidade, o “[...] que caracteriza a fé, portanto, não é um abandono da realidade, mas uma ressignificação da realidade” (ROOS, 2021, p. 76). O sujeito é conduzido a um paradoxo, pois, assim como Abraão, todo sujeito “[...] precisa realizar a síntese que o constitui a partir de sua historicidade, assumindo que a verdade eterna, paradoxalmente, pode se fazer presente na história” (ROOS, 2021, p. 92).

Em suas quatro últimas lições, Amor (sétima lição), Repetição (oitava lição), Existência (nona lição) e Indivíduo (décima lição), Jonas Roos aponta alguns elementos que são essenciais para a principal tarefa existencial do sujeito, que se dá na realização correta da síntese da finitude com sua infinitude, um paradoxo. Para isso, Roos aponta um conceito que será extremamente importante no pensamento kierkegaardiano, o amor, que “[...] é elemento-chave para a realização da síntese de finitude e infinitude que constitui aquilo que somos, justamente por ser entendido como o que conecta esses elementos” (ROOS, 2021, p. 103). Porém há um outro desafio do qual sujeito não pode escapar e que está sempre presente em sua vida, o da repetição, a qual, como aponta Roos, deve ser compreendida na esfera da liberdade enquanto algo que é conduzido pelo amor e faz com que o sujeito transforme, mesmo que provisoriamente, uma possibilidade em necessidade. Sendo assim, a “[...] repetição só é compreendida na esfera da liberdade, e a liberdade, por sua vez, só em compreendida na esfera do amor” (ROOS, 2021, p. 112). Por meio desse movimento, que tem o amor como elemento-chave, o sujeito pode se considerar livre do desespero e, consequentemente, livre. Por fim, Roos pode apresentar aquilo que, entre outras coisas, considera o mais importante do pensamento de Kierkegaard e nos brindar com a seguinte afirmação, que resume todo o seu livro: “Tornar-se indivíduo no processo de realizar a síntese implica viver na finitude, na história, nas relações, em consideração amorosa para com o próximo, e assim em liberdade” (ROOS, 2021, p. 138).

Em 10 Lições sobre Kierkegaard podemos encontrar um livro introdutório surpreendente, que traça uma chave de leitura do pensamento do filósofo dinamarquês sem se esquecer de fornecer ao seu leitor elementos tanto para uma reflexão sobre sua própria existência quanto para o começo de uma pesquisa filosófica que envolva tal autor. Sobre esse último ponto devemos destacar o papel que Roos dá nesse livro para a tradição de Kierkegaard que vem se construindo no Brasil, citando e indicando autores brasileiros, como Álvaro Valls, Humberto Quaglio, Victor Fernandes, Márcio Gimenes de Paula e Gabriel Guedes Rossatti. Com isso, posso dizer que com esse livro tenho uma nova resposta diante da questão tão antiga, que se faz nova para os jovens pesquisadores: como se introduzir a Kierkegaard? Caso essa pergunta apareça, posso responder sem receio: com 10 Lições sobre Kierkegaard, de Jonas Roos, uma vez que tal livro é uma das melhores introduções nacionais do pensamento do maior filósofo dinamarquês, está escrito em nossa língua e valoriza nossa tradição.

1O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Referências

ROOS, Jonas. 10 Lições sobre Kierkegaard. Petrópolis: Vozes, 2021. 149 p. (Coleção 10 Lições). [ Links ]

Recebido: 06 de Agosto de 2021; Aceito: 12 de Agosto de 2021

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