Introdução
No cenário atual da educação no Ensino Superior, notam-se evidências de transformação para o processo de ensino no propósito de engajar e identificar os interesses dos alunos (Reis & Pena, 2020). Nessa transformação, tem-se que a aprendizagem do aluno precisa estar associada à sua motivação, aos seus interesses e ao seu envolvimento (Reis & Pena, 2020). No entanto, esse é um desafio para a ação docente, pois é notado em cursos de graduação certo nível de desmotivação dos alunos no que diz respeito ao processo de ensino e de aprendizagem. Segundo Behrens (2015), essa situação é causada pela deficiência de práticas que permitam fortalecer a formação desse aluno enquanto profissional. É preciso adotar, então, processos pedagógicos que permitam discutir e problematizar a realidade vivenciada pelos alunos, possibilitando reflexão e proporcionando, assim, que haja maior criatividade e criticidade por parte desses alunos (Behrens, 2015). Podem-se reconhecer exemplos de atividades que apresentam propostas que permitem aplicação de metodologias ativas, tais como: aprendizagem entre pares, discussões em grupo, estudos de caso, sala de aula invertida, aprendizagem colaborativa, aprendizagem baseada em problemas, aprendizagem baseada em equipe, ensino baseado em projeto, entre outros (Marin et al., 2010).
Este artigo tem como base a metodologia de Sala de Aula Invertida, de Bergmann e Sams (2016), na qual se propõe uma inversão do modelo de ensino tradicional, com aulas menos expositivas, porém mais produtivas, colaborativas e participativas. Importante ressaltar que a Sala de Aula Invertida tem sido alvo de estudos por autores tais como Strayer (2007), Schneider, Suhr, Rolon, e Almeida (2013), Munhoz (2015), Honório (2016) e Suhr (2016).
Strayer (2007) define a Sala de Aula Invertida como uma estrutura de sala de aula inovadora, em que a aula expositiva passa a acontecer fora do ambiente de sala de aula presencial, com a utilização das tecnologias, e se aplica a lição de casa e prática com conceitos dentro da sala de aula, por meio de atividades de aprendizagem. Schneider et al. (2013), por sua vez, defendem que a proposta pedagógica por trás dessa ideia de inversão da sala de aula tem aporte teórico encontrado em Bloom, psicólogo estadunidense, que em 1956 escreveu a Taxonomia dos Objetivos Educacionais. Esses mesmos autores salientam que “[...] o objetivo de Bloom à época era descrever os objetivos educacionais, do mais simples ao mais complexo e, com isso, permitir que se planejem os processos de ensino” (Schneider et al., 2013, p. 72).
Munhoz (2015) define a Sala de Aula Invertida como uma metodologia de ‘inverter’ o ciclo de aquisição de conteúdos e aplicação, de modo que os alunos tenham contato anteriormente com o conhecimento indispensável, antecedendo ao momento da aula presencial. Esse acesso prévio poderá ser por meio de um ambiente virtual de aprendizagem ou com a divulgação dos itens e materiais de leitura disponibilizados no plano de aula para que, no momento presencial em sala, alunos e professores passem a interagir de forma ativa em situações e momentos voltados a explicar, desenvolver e aplicar o conhecimento que foi construído previamente.
Compreende-se, neste artigo, que a Sala de Aula Invertida não inverte somente a estrutura do processo de aprendizagem, mas também transforma os papéis de alunos e professores (Honório, 2016). Dada a proposta dessa estratégia de ensino - distanciar-se do modelo tradicional de ensino -, a Sala de Aula Invertida tem por foco o envolvimento e a autonomia maior dos alunos, os quais têm o compromisso de se envolverem previamente com o seu processo de aprendizagem, sem aguardar, necessariamente, um protocolo informativo ou uma aula expositiva de responsabilidade do professor.
Suhr (2016) considera que a Sala de Aula Invertida é uma possibilidade de organização de sequências de atividades definidas em função de situações problema e que levam os alunos à resolução de problematizações, preferencialmente deliberadas em grupos.
No contexto de metodologias ativas, estratégias de ensino inovadoras e no propósito de salas de aulas invertidas, identifica-se a proposta de Aprendizagem Baseada em Problemas (em inglês, Problem Based Learning - PBL) ou a proposta de Orientação por meio de Projetos (OMP) enquanto recursos possíveis para o apoio no planejamento das aulas. O PBL é uma proposta metodológica, desenvolvida por Howard Barrowsem em 1969, na McMaster University, visando ao estudo em cursos de Medicina. Atualmente, pode ser encontrada em diversos contextos do sistema educacional, que vão desde a Educação Básica à Educação Superior.
Ribeiro (2010) descreve PBL como uma metodologia de ensino e aprendizagem colaborativa, construtivista e contextualizada, na qual as situações problema são utilizadas para iniciar, direcionar e motivar a aprendizagem de conceitos, teorias e o desenvolvimento de habilidades e atitudes no contexto de sala de aula. Alarcão e Tavares (2013) reforçam que o PBL possibilita reconhecer que o conhecimento precisa ser compreendido e conceitualizado pelos alunos de uma maneira mais ativa, autônoma e colaborativa, não como simples aquisição de uma informação, mas como produção, construção de conhecimento, de experiência, de vida. Farias, Martins e Cristo (2015) apresentam que o PBL valoriza os conhecimentos prévios e indicam que a motivação dos alunos ocorre quando estes se envolvem na solução do problema apresentado pelo professor, permitindo que esses alunos possam examinar, refletir e se posicionar sobre o conteúdo. Gomes, Brito e Varela (2016) salientam que o interesse pelo PBL se deve ao fato de se verificar uma dicotomia entre a formação e a prática profissional, já que pretende substituir processos de memorização e transferência de conhecimento científico unidirecional e fragmentado pela autoaprendizagem.
Relativamente à OMP, Bordenave e Pereira (1982) explicitam que essa proposta pode ajudar o aluno a conseguir informações, ler, conversar, anotar dados, calcular, unindo o necessário para iniciar seu próprio projeto. Blumenfeld et al. (1991) sinalizam que a ideia de se trabalhar com projetos no ambiente educacional não é nova, mas os importantes avanços na questão do conhecimento acerca da motivação, aprendizagem, professores e sala de aula ampliam a perspectiva positiva quanto à OMP.
Segundo Abrantes (1995), a OMP permite o desenvolvimento da responsabilidade e autonomia dos alunos, a autenticidade do projeto, o envolvimento de complexidade e resolução de problemas. O conhecimento específico, no formato disciplinar, oferece ao aluno a possibilidade de reconhecer e envolver as particularidades de um determinado conteúdo, enquanto o conhecimento interdisciplinar permite a possibilidade de se colocarem relações significativas entre conhecimentos, o que enfatiza a relevância da OMP (Prado & Almeida, 2003). Nesse sentido, a produção do aluno surge de problemas capazes de impulsionar a contextualização de conceitos já conhecidos por ele e na promoção de outros problemas. Logo, a OMP promove a problematização e a interação com diferentes áreas do conhecimento (Vilarinho, 2004; Prado, 2005).
Moran (2015) exemplifica a OMP por meio de projetos das escolas Summit (em inglês, Summit Schools1), onde os projetos são desenvolvidos entre atividades individuais e atividades em grupo e com a orientação de professores de diferentes áreas. Essa multidisciplinaridade favorece a visão global e integrada de conteúdos estudados em diferentes disciplinas. Valente, Almeida, e Geraldine (2017) acrescentam que, para o desenvolvimento de projetos, o professor pode trabalhar, com os alunos, diferentes tipos de conhecimentos, representados pelos procedimentos e estratégias de resolução de problemas, conceitos disciplinares e estratégias e conceitos sobre aprender.
Identifica-se, neste estudo, que a aprendizagem que acontece por meio dos projetos, com o desenvolvimento de atividades que sejam de responsabilidade e voltadas para ativar o aluno em seu processo de aprendizagem, deixa de ser uma mera atividade mecânica e permite que ocorram novas descobertas e uma melhor interação entre os alunos e professor por meio da resolução de situações-problema.
Os estudos demonstraram que existe discussão no meio acadêmico sobre a aplicação de metodologias ativas (por meio dos estudos sobre sala de aula invertida, PBL e OMP) em cursos de graduação em Instituições de Ensino Superior (IES), referenciando a relevância de uma aquisição e construção do conhecimento funcional e significativo para a atuação profissional.
Alarcon (2015) associa um conjunto de práticas e ferramentas de Gestão do Conhecimento (GC) com metodologias ativas, visando explicitar o quanto a GC pode contribuir para processos de ensino e de aprendizagem engajados no propósito de incentivar uma aquisição de conhecimento funcional e prática. Davila, Fraga, Diana, e Spanhol (2015) explicitam que ocorre uma ligação entre o conhecimento e os seus detentores, de forma a contribuir entre os usuários e membros da organização, que, neste estudo, reportam-se ao professor e ao aluno, respectivamente, presentes em sala de aula e representantes de uma organização educacional.
Conforme Batista (2004), as práticas e ferramentas da GC podem ser compreendidas como sendo estratégias de implementação que permitem tanto captar quanto reutilizar conhecimento estruturado; captar e compartilhar lições aprendidas com a prática; identificar fontes e redes de expertise; estruturar e mapear conhecimentos necessários para aumentar o desenho; mediar e controlar o valor econômico do conhecimento; e sintetizar e compartilhar advindo de fontes externas. Isso se repercute na vinculação de uso e aplicação de estratégias e métodos de ensino, por parte do professor, que possibilitem ao aluno identificar, analisar e aplicar conteúdos teóricos em perspectiva prática ao ser inserido nas propostas de metodologias inovadoras (Dal Forno, 2019).
Dalkir (2005) salienta que o ciclo da GC ocorre por meio da criação/captura, compartilhamento/ disseminação e aquisição/aplicação do conhecimento. A criação/captura trata da identificação, seguida pela codificação tanto do conhecimento interno como do conhecimento a partir do ambiente externo. Essa mesma autora indica que compartilhamento/disseminação permite uma avaliação do conhecimento criado/capturado. A etapa da aquisição/aplicação se dá somente após a validação e avaliação do conhecimento como relevante, sendo, então, inserido no armazenamento e utilizado nas ações pessoais e organizacionais.
Tem-se que o processo de aprendizagem já não fica associado a aulas expositivas do professor, mas sim com uma gestão da aprendizagem, o que, de acordo com Salvador (1994) e com Cosenza e Guerra (2015), refere-se às habilidades e capacidades do aluno em validar seu conhecimento e seu significado para a sua realidade, para a sua atuação e para a aplicação. Entende-se que a aquisição e a aplicação do conhecimento são tarefas do aluno por meio da gestão da sua aprendizagem.
Tratando-se de uma produção de pesquisa envolta nas áreas da Educação e da Gestão do Conhecimento, o presente estudo apresenta uma aplicação do planejamento de aulas proposto por Fiorini (2019) com o objetivo de verificar como as práticas da Gestão do Conhecimento podem ser utilizadas em aplicações da metodologia da Sala de Aula Invertida no processo de ensino e aprendizagem em cursos de graduação presenciais. A metodologia de pesquisa reporta-se à natureza aplicada, utilizando-se de pesquisa exploratória, pesquisa explicativa de cunho qualitativo e Pesquisa-Ação Participativa, e utilizando-se de um recorte específico sobre a Sala de Aula Invertida e métodos de aplicação de PBL e OMP com práticas e ferramentas de GC.
Planejamento das aulas na perspectiva de sala de aula invertida
Para uma melhor compreensão do planejamento de aulas proposto neste artigo, a Figura 1 apresenta as práticas da GC - segundo o manual da Asian Productivity Organization [APO] (2020) - utilizadas no planejamento das aulas. Note que as práticas da GC são ações dinâmicas que possibilitam um fluxo de compartilhamento do conhecimento, bem como um fluxo de disseminação do conhecimento para a promoção da reutilização ou atualização do conhecimento.
As práticas apresentadas na Figura 1 permitem melhorar o desempenho individual e do grupo nas organizações se estiverem alinhadas à identificação (IDE), criação (CRI), armazenamento (ARM), compartilhamento (COM) e aplicação (APL). A Tabela 1 procura salientar as etapas do ciclo da Gestão do Conhecimento que ocorrem com a aplicação dessas práticas.
Prática DE GC | IDE | CRI | ARM | COM | APLI |
Sistema de gerenciamento de documentos | X | X | X | ||
Brainstorming | X | ||||
Ferramentas de busca avançada | X | X | X | ||
Narrativas | X | ||||
Espaço virtual colaborativo | X | X | X | X | X |
Espaço de rede social | X | ||||
Blog | X | X | X | X | |
Fórum de discussão | X | ||||
Revisão de aprendizagem | X | X | X |
IDE - identificação; CRI - criação; ARM - armazenamento; COM - compartilhamento; APLI - aplicação (Adaptado de Fiorini, 2019).
O reconhecimento das práticas de GC repercute também na compreensão de que as relações estabelecidas em uma organização se referem à integração entre três fatores - Pessoas, Processos e Tecnologia - que resultam em um fluxo de ações dinâmicas que perpassam a avaliação, a contextualização e a atualização, conforme representado por Davila et al. (2015). De forma semelhante, observa-se essa relação estabelecida entre Pessoas, Processos e Tecnologia na Sala de Aula Invertida, por meio do envolvimento dos Professores e Alunos (ou seja, Pessoas) que desenvolvem e aplicam estratégias de ensino (ou seja, Processos) com o emprego de práticas e ferramentas da GC (ou seja, Tecnologia), conforme apresentado na Figura 2.
A metodologia Sala de Aula Invertida propõe três momentos, denominados de ‘antes’, ‘durante’ e ‘depois’. Contudo, dado que essa metodologia não especifica estratégias e nem recursos que podem ser utilizados nos três momentos, as práticas apresentadas na Figura 2 permitem sanar essa lacuna da Sala de Aula Invertida. Além disso, a escolha da prática da GC deve ter sempre atenção na ocorrência (parcial ou total) do ciclo da GC. A Figura 3 apresenta um refinamento da Sala de Aula Invertida proposta por Bergmann e Sams (2016), em que foram aplicadas estratégias de PBL e OMP. A Figura 4 demonstra a organização do ciclo de GC por meio do planejamento das aulas proposto.
Metodologia
A metodologia científica é de natureza aplicada com abordagem qualitativa, sendo realizada pesquisa bibliográfica exploratória e estudo de caso. Segundo Gerhardt e Silveira (2009, p. 41), a pesquisa exploratória
[...] tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A grande maioria dessas pesquisas envolve (a) levantamento bibliográfico, (b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e (c) análise de exemplos que estimulem a compreensão.
Por estudo de caso, conforme Ventura (2007, p. 384), temos que
[...] o estudo de caso como modalidade de pesquisa é entendido como uma metodologia ou como a escolha de um objeto de estudo definido pelo interesse em casos individuais. Visa à investigação de um caso específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações.
A coleta de dados foi realizada por meio de estudo documental do registro das aulas do professor com análise de conteúdo que, segundo Bardin (2002), pode ser realizada a partir de qualquer registro escrito ou em meio magnético usado como fonte de informação. A análise de conteúdo, conforme Bardin (2002, p. 9-10),
[...] oscila entre os dois pólos do rigor da objetividade e da fecundidade da subjetividade. Absolve e cauciona o investigador por esta atração pelo escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (do não-dito), retido em qualquer mensagem.
A análise de conteúdo seguiu a proposta de Mayring (2010, p. 602), realizando-se “[...] uma análise interpretativa de textos, por meio de decomposição do discurso e reconstrução racional de uma ideia central com a aplicação de regras lógicas a respeito da origem dessas mensagens, com a finalidade de criar categorias [...]”, e a proposta de Vergara (2010), procurando-se identificar o que está sendo dito a respeito de um determinado tema. Finalmente, esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética, via plataforma Brasil, tendo sido aprovada sob parecer Nº 3.158.203 (CAAE: 03709318.6.0000.5539) de 20 de fevereiro de 2019.
Aplicação do planejamento da sala de aula invertida
O estudo de caso foi realizado em uma disciplina de um curso de graduação em Engenharia de Software na modalidade presencial em uma IES da região Metropolitana de Maringá, Paraná. Foi utilizado o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da IES estudo de caso para disponibilizar conteúdo e atividades a serem realizadas pelo aluno em casa (seguindo a proposta do ‘antes’ e o ‘depois’ da Sala de Aula Invertida). Assim, nos momentos presenciais, os resultados poderiam ser discutidos com o apoio do professor (seguindo o ‘durante’ da Sala de Aula Invertida) em sala de aula conforme apresentado nas Figuras 5 e 6.
A análise documental foi realizada por meio dos registros das aulas do professor de Engenharia de Software. Esses registros serviram para verificar a dificuldade e/ou facilidade do professor em seguir o planejamento, ao detectar diferenciações de aceitação e participação dos alunos nas aulas aplicadas, considerando as especificidades da formação acadêmica desses alunos. Os registros feitos pelo próprio professor seguiram um formato textual, no qual foi descrito o passo a passo das estratégias utilizadas, os impasses e facilidades durante a aplicação, destacando como se deu a aceitação e participação dos alunos nas aulas.
- Primeira aula: A turma tem pouco ou quase nenhum contato com práticas pedagógicas inovadoras. Decidiu-se que não seria explicitada a prática, mas que seria explicada como proposta de ‘atividades de trabalho final a ser desenvolvido’. Portanto, os alunos não tinham a percepção de que aulas diferenciadas seriam aplicadas. A proposta apresentada foi de que os alunos deveriam apresentar um projeto de interface para um sistema de informação que visasse resolver o problema existente junto a uma clínica de psicologia: permitir a gestão de pacientes em uma clínica de psicologia. Não houve necessidade de capacitar para recursos tecnológicos, pois os alunos já tinham práticas com os recursos que seriam utilizados (acesso a material no AVA, submissão de material no AVA, participação em fórum, busca de material na internet).
- Segunda aula: O material disponibilizado visa clarificar o desenvolvimento de um projeto de interface para o problema apresentado. Portanto, foram separados materiais referentes à primeira tarefa que os alunos deveriam desenvolver: técnicas de engenharia de requisitos junto ao cliente. Além disso, foi disponibilizado material referente ao sistema de informação para gestão de agendamento e um WIKI para definição dos grupos de trabalho.
- Terceira aula: A aula decorreu diferente do que se pretendia, pois os clientes (secretária e psicóloga da clínica) vieram nesse dia (e não na aula seguinte, como tinha sido combinado). A aula teve dois momentos. Primeiro a discussão com os alunos sobre o que eles leram/pesquisaram sobre técnicas para realizar Engenharia de Requisitos. Portanto, a primeira parte da aula consistiu em aplicar a técnica de entrevista, na qual o professor serviu de mediador e incentivou os alunos a fazerem perguntas para que pudessem compreender melhor a necessidade do cliente. Na segunda parte da aula, após saída da secretária e da psicóloga, cada grupo fez um resumo do que foi dito pelos clientes, de forma que ficasse registrado e pudesse ser compartilhado via Fórum de Discussão no AVA.
- Quarta aula: Cada grupo (com apoio do professor) começou a construir o seu projeto de interface. As narrativas eram textuais (resumo do levantamento das necessidades dos clientes) e gráficas (esboço no papel de como deveria ficar cada interface). Ao final, os alunos deveriam disponibilizar no Fórum do AVA o levantamento das necessidades.
- Quinta aula: Foi apresentada uma ferramenta que permite a construção de projeto de interface de forma colaborativa. Os alunos iniciaram as atividades em sala de aula e foram alertados de que a entrega deveria ser feita no dia anterior à próxima aula.
- Sexta aula: Foi disponibilizado um Fórum no AVA para a solução construída pela ferramenta - imagens das telas do sistema de informação.
- Sétima aula: Dado que os alunos postaram o trabalho errado/incompleto, o professor optou por apresentar as entregas feitas (sem identificar os autores), sinalizando tanto os aspectos bons, bem como os problemas em cada proposta. Após os primeiros trabalhos, os alunos começaram a criticar/comentar os trabalhos que estavam sendo apresentados.
- Oitava aula: Os alunos refizeram o trabalho entregue previamente, levando em conta os comentários discutidos.
- Nona aula: A revisão de aprendizagem foi feita por meio de discussão sobre a primeira entrega e a entrega final do projeto de interface para a problemática apresentada. Discutiu-se também a postura deles enquanto profissionais e sobre a técnica de Engenharia de Requisitos nos pontos positivos e negativos.
A aplicação das nove aulas da proposta pedagógica no curso de Engenharia de Software permitiu validar e compreender a aceitação (ou não) do professor quanto a essa proposta. Além disso, o registro das aulas feito pelo professor possibilitou detectar quais foram as facilidades e/ou dificuldades das turmas diante dessa proposta. Para tal, foi aplicada entrevista não-estruturada para obter um detalhamento das percepções do professor sobre as aulas aplicadas; percepções essas que não conseguiram ser inteiramente dispostas em seus registros.
A proposta da ‘1ª aula’ consistia, basicamente, na capacitação dos alunos para participação das aulas desenvolvidas pelo método da Sala de Aula Invertida, na qual os professores explicam para os alunos a proposta das nove aulas e como deveria ser a utilização dos recursos tecnológicos em sala de aula. O professor, no entanto, decidiu por não explicar aos alunos a proposta da Sala de Aula Invertida com a ideia de que o não conhecimento sobre essa facilitaria a aceitação da proposta, haja vista que esses alunos não possuem familiaridade com metodologias ativas, o que poderia causar desconforto desses em participar de algo ainda desconhecido. Devido à formação dos alunos em Engenharia de Software, não houve necessidade de capacitá-los para usar os recursos tecnológicos propostos das aulas, haja vista que esses alunos já os utilizavam com frequência. Contudo, esses alunos tiveram dificuldade de entender a proposta metodológica, vindo a participar mais ativamente somente nas últimas aulas. Nesse sentido, faz-se relevante reconhecer que a utilização da Sala de Aula Invertida necessita ter, como pressuposto básico, uma capacitação dos participantes para os procedimentos da metodologia.
A proposta da ‘2ª aula’ foi trabalhada exatamente conforme o planejamento, utilizando-se de recursos tecnológicos para o desenvolvimento do ‘antes’, de modo a distância. O objetivo da aula foi alcançado, pois o professor conseguiu preparar e compartilhar os materiais com os alunos e estes conseguiram se preparar para as próximas aulas. Na ‘3ª aula’, o professor relatou dificuldade na interação dos alunos mediante o Brainstorming, havendo necessidade de o professor indicar a importância de existir uma maior interação dos alunos, dado que a aula foi aplicada em um ambiente totalmente interativo, apropriado ao Brainstorming, o que deveria facilitar o trabalho de integração da turma. Como os alunos da Engenharia de Software não haviam apresentado um contato anterior com esse tipo de atividade ativa e não conheciam a proposta da aula, isso pode ser considerado uma variável que influenciou na dificuldade de participação e de envolvimento desses alunos.
Conforme relato do professor, a ‘4ª aula’ transcorreu como o planejado, não havendo dificuldade dos alunos no acesso e na produção das narrativas por meio da utilização de ferramentas tecnológicas. Na ‘5ª aula’, foi utilizado o espaço virtual colaborativo, no qual os alunos conseguiram compartilhar e construir conhecimento por meio da construção do projeto em grupo - a atividade transcorreu sem dificuldade uma vez que os alunos estavam habituados com esse espaço.
Na sequência, na ‘6ª Aula’, o professor seguiu a proposta planejada obtendo o resultado esperado. Isso demonstra que não é a forma das aulas, presencial ou a distância, que permitem o alcance do objetivo delas, mas sim o emprego adequado das estratégias planejadas; fato esse que pode permitir a adaptação quando se fizer necessário.
Na ‘7ª aula’, o professor relatou que houve a necessidade de intervenção junto aos alunos no sentido de reforçar quanto à importância da dedicação e do empenho na execução das atividades, sendo necessária a correção dos trabalhos entregues e realinhamento da proposta da atividade. Portanto, a ‘8ª aula’ resultou em um retorno bastante significativo, pois o professor possibilitou a refacção da atividade anterior que se apresentava insuficiente, assim como permitiu novamente a discussão dos alunos por meio de ferramenta tecnológica.
Finalmente, a revisão de aprendizagem proposta para a ‘9ª aula’ foi aplicada pelo professor por meio de discussão em sala e entrega de atividades, não havendo a necessidade da elaboração do mapa conceitual, servindo esse momento ainda como feedback sobre as nove aulas aplicadas. Essa aula foi considerada muito positiva, pois os alunos não apenas entenderam a proposta da Sala de Aula Invertida como também conseguiram apreender o conhecimento específico da disciplina de forma diferenciada e interativa.
A análise dos registros das aulas e da entrevista não-estruturada junto ao professor permitiu entender que muitas das atividades desenvolvidas contemplavam os conceitos de PBL e OMP, não sendo essas estratégias utilizadas de forma tradicional como sequenciado no planejamento das aulas. Mesmo assim, pode-se considerar que as estratégias PBL e OMP foram utilizadas no contexto da Sala de Aula Invertida, pois as atividades desenvolvidas tiveram como foco uma problemática pré-estabelecida pelo professor, seguida de desenvolvimento de ações sistematizadas de modo a trazer solução aos problemas identificados.
Considerações finais
O cenário descritivo da estruturação e sistematização das aulas reporta a uma sequência de aulas elaboradas e projetadas na perspectiva das metodologias ativas e no processo de aplicação da Sala de Aula Invertida, conforme consta na pesquisa de Fiorini (2019) e nas descrições teóricas sobre aulas ativas. A promoção desse perfil de atividades que exigem do aluno um processo de organização anterior e uma preparação para estar em sala de aula propiciam desafios para o docente. Isso porque foram necessárias adaptações em algumas aulas, de forma a melhor enquadramento dos conteúdos curriculares do curso e adequação às estratégias pedagógicas adotadas na Sala de Aula Invertida.
Com o propósito de contemplarem as estratégias do PBL e da OMP, o planejamento pedagógico desenvolvido repercutiu no desenvolvimento de aulas que tiveram sequência similar ao planejado na sequência de aulas no que se refere ao levantamento do problema (via PBL) e a execução de projeto para solucionar o problema (via OMP). Acredita-se que a formação profissional e acadêmica da área de Exatas permitiu compreensão sobre o planejamento das aulas e a sistematização das ações. Outro fator importante a destacar, na aplicação das aulas no curso de Engenharia de Software, foi a familiaridade desse perfil de alunos com o uso de ferramentas tecnológicas de informação. Essa facilidade serviu como um recurso de motivação aos alunos.
Detectou-se que, para a concretização do planejamento das aulas, o professor precisa pensar sobre a sequência de aulas oferecida sob uma ótica de entendimento da Sala de Aula Invertida, sobre sua elaboração e a importância no processo ensino-aprendizagem e na formação de seus alunos, assim como na articulação conteúdo/metodologia no desenvolvimento da prática pedagógica. Com isso, foi possível que o professor pensasse em novas ações a serem agregadas na sequência inicial das aulas, desencadeando atividades que oportunizaram reflexão sobre a prática do planejamento.
Evidencia-se que o processo de autoavaliação docente e a análise de cada aula pertence ao cenário de aplicação de metodologias ativas. É preciso que seja realizada uma análise sobre o engajamento e o desempenho dos alunos quanto às atividades realizadas e o que foi proposto. O desenvolvimento de metodologias ativas exige um acompanhamento contínuo e uma avaliação de cada etapa do planejamento por aula aplicada, para que os conteúdos e os momentos experienciados tenham uma concatenação com o processo de aprendizagem do aluno.
Portanto, é necessário problematizar em aulas iniciais que promovam um reconhecimento e uma compreensão por parte dos alunos sobre o que é uma Sala de Aula Invertida, como também sobre competências e habilidades necessárias para que o aluno consiga desenvolver sua própria aprendizagem no processo específico de ensino e aprendizagem que envolve tal metodologia. Ou seja, é necessário ter mais tempo para o aluno se familiarizar com as estratégias da Sala de Aula Invertida, entendendo e reconhecendo o seu papel ativo nesse tipo de metodologia. Deve-se enfatizar para o aluno que ele precisa ter uma maior dedicação, especialmente nas atividades on-line, pois são, na maioria, individuais, porque demandam tempo de estudo em casa e uma maior organização e concepção desse aluno sobre a sua aprendizagem. Também se faz necessário que o professor realize intervenções junto aos seus alunos, no decorrer das aulas presenciais, incentivando-os nas discussões em sala de aula, fomentando as trocas de ideias e avaliando o processo que está em desenvolvimento e em organização.
Sugere-se validar esse planejamento de aulas em outras áreas do Conhecimento, tais como a área de Humanas. Para continuação dessa proposta, deve ser feito levantamento de novos estudos sobre a temática ‘Sala de aula invertida com aprendizagem baseada em problemas e orientação por meio de projeto com a utilização das práticas e ferramentas da gestão do conhecimento’ de forma a refinar essa proposta ou, até mesmo, gerar novos modelos na área educacional.