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Acta Scientiarum. Education

versão impressa ISSN 2178-5198versão On-line ISSN 2178-5201

Acta Educ. vol.46 no.1 Maringá  2024  Epub 01-Dez-2023

https://doi.org/10.4025/actascieduc.v46i1.68038 

Chamada Temática: A ascensão dos populismos e a crise democrática: desafios para o ensino das ciências humanas e sociais hoje

Ensinar a esquecer - ensino de história e extrema direita

Enseñar a olvidar - enseñanza de historia y extrema derecha

1Universidade Luterana do Brasil, Av. Farroupilha, 8001, 92425-020, Canoas, Rio Grande do Sul, Brasil.

2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.


RESUMO.

O artigo visa a analisar como a extrema direita vem buscando transformar o ensino de história, deslocando-o da historiografia academicamente aceita para narrativas gloriosas no formato de um romance nacional (Citron, 2017). A investigação apoia-se em um quadro teórico construído com a contribuição de diversos autores, com destaque para Cesarino (2022), Nunes (2022), Pelbart (2019), Traverso (2021), Stanley (2020). Após apresentar um panorama da ascensão da extrema direita no Brasil e no mundo, analisa-se documentos da extrema direita francesa e estadunidense que propõem mudanças no ensino de história. A seguir, discutimos as produções da Brasil Paralelo na forma de história pública e tensionamos essa versão a partir de um estudo etnográfico da cultura escolar. O artigo mostra aproximações entre as formas historiográficas e métodos de divulgação das propostas pela extrema direita nos três países, mas também indica alguns afastamentos.

Palavras-chave: ensino de história; extrema direita; rede transnacional; Brasil paralelo

RESUMEN.

El artículo tiene como objetivo analizar cómo la extrema derecha ha buscado transformar la enseñanza de la historia, desplazándola de la historiografía académicamente aceptada a narrativas gloriosas en formato de novela nacional (Citron, 2017). La investigación se basa en un marco teórico construido con la contribución de varios autores, con énfasis en Cesarino (2022), Nunes (2022), Pelbart (2019), Traverso (2021), Stanley (2020). Después de presentar un panorama del surgimiento de la extrema derecha en Brasil y en el mundo, analizamos documentos de la extrema derecha francesa y estadounidense que proponen cambios en la enseñanza de la historia. Luego, discutimos las producciones de Brasil Paralelo en forma de historia pública y tensionamos esta versión a partir de un estudio etnográfico de la cultura escolar. El artículo muestra aproximaciones entre las formas historiográficas y los métodos de difusión de las propuestas de la extrema derecha en los tres países, pero también indica algunas desviaciones.

Palabras clave: enseñanza de la historia; extrema derecha; red transnacional; Brasil paralelo

ABSTRACT.

The article aims to analyze how the extreme right wing has sought to transform the teaching of history, displacing it from academically accepted historiography to glorious narratives in the form of a national tale (Citron, 2017). The research is based on a theoretical framework built with the contribution of several authors, with emphasis on Cesarino (2022), Nunes (2022), Pelbart (2019), Traverso (2021), Stanley (2020). After presenting an overview of the rise of the extreme right in Brazil and the world, we analyze documents from the French and American extreme right that propose changes in history teaching. Then, we discuss the productions of Brasil Paralelo in the form of public history and we tension this version from an ethnographic study of school culture. The article shows approximations between the historiographical forms and the methods of dissemination of the proposals by the extreme right in the three countries, but also indicates some departures.

Keywords: history teaching; extreme right-wing; transnational network; Brasil paralelo

Não me leve a mal

Quem descobriu o Brasil

Não foi Cabral

(Não Foi Cabral, MC Carol, Composição: Léo Justi/MC Carol, Álbum Bandida, 2016)

Introdução

Há alguns anos, tem sido cada vez mais evidente o aumento gradual da presença da extrema direita em diversos países, formando o que se poderia chamar de uma rede transnacional. A organização de um evento nos dias 13 e 14 de maio de 2023 pelo partido português ‘Chega’, de extrema direita, que pretende reunir líderes de diversos países, como Brasil, Itália, Espanha, França e Holanda (Carmo, 2023), indica as pretensões de consolidação de tal rede. As formações da extrema direita pelo mundo são diversificadas, podendo tomar a configuração de movimentos sociais ou de organizações partidárias. Porém, em todos os casos, sempre existe a preocupação de intervir no campo educacional. Conforme Boaventura de Souza Santos, a educação é um dos principais alvos da extrema direita. Em análise que percorre o cenário educacional em vários países, o autor enfatiza a educação das relações étnico-raciais, a educação sexual, a educação para a cidadania, a educação para a inclusão e valorização da diversidade, e o ensino da história nacional como alvos prioritários de ataques da extrema direita. O autor expressa assim sua preocupação: “[...] não é optativo retroceder. Os retrocessos na educação são sempre um péssimo augúrio para a sociedade” (Santos, 2020, p. 10).

O objetivo deste artigo é analisar como a extrema direita vem buscando transformar o ensino de história, deslocando-o da historiografia academicamente aceita para narrativas gloriosas no formato de um romance nacional, a despeito de estudos historiográficos de reconhecimento acadêmico que apresentam uma história sem a linearidade desejada por esse campo, atravessada por contradições e marcada por processos violentos. Para tanto, apresentamos inicialmente um panorama geral da ascensão da extrema direita no mundo e no Brasil e prosseguimos analisando como a extrema direita vem atuando para transformar o ensino de história nacional na França e nos EUA. Posteriormente, analisamos a presença da produtora Brasil Paralelo1 no Brasil e sua atuação na construção de uma história pública que se contrapõe à história escolar, passamos depois a apresentar elementos de um estudo etnográfico de cultura escolar, relacionando com o ensino de história, e tensionamos a concepção historiográfica da Brasil Paralelo a partir desse estudo. Encerramos o artigo com nossas considerações finais.

Extrema direita volver: mundo

Nos últimos anos, observa-se uma gradativa ascensão da extrema direita em diversos países, tanto pela emergência de movimentos sociais com este eixo ideológico, como na inserção em partidos políticos claramente com esse viés na disputa eleitoral. Em alguns países, a extrema direita efetivamente chegou ao poder, como nos EUA, com Donald Trump (2017 a 2021), e no Brasil, com Jair Bolsonaro (2018 a 2022), com a obtenção de expressiva maioria eleitoral, governando por um período regulamentar de quatro anos. Após um mandato, foi substituída por políticos de viés de centro ou centro-esquerda.

Em outros países, agrupamentos políticos e lideranças de perfil conservador que chegaram ao poder, com o tempo, passaram a ter uma identidade cada vez mais próxima com a extrema direita, e seguem nos cargos até aos dias de hoje. É o caso da Hungria, com Viktor Órban como primeiro-ministro desde 2010, e da Turquia, com Recep Tayyip Erdoğan, que, entre 2003 a 2014, foi primeiro-ministro e, de 2014 até os dias de hoje, é o presidente com plenos poderes. Nos dois casos, um conjunto de medidas foram tomadas pelos governantes, convertendo o sistema político originalmente democrático em uma quase autocracia, termo que utilizamos aqui para indicar um grau elevado de concentração de poder no governante máximo e no poder executivo, que, por vezes, passa a nomear e destituir membros do judiciário e do legislativo.

As autocracias não são apenas regimes de direita. Um exemplo de autocracia oriunda de regime com perfil de esquerda é a Venezuela, onde sucessivas mudanças de legislação permitiram a reeleição do líder máximo, bem como minaram a independência dos outros poderes. Caso extremo de autocracia de esquerda, com enorme concentração de poderes na mão do governante, se dá na Nicarágua, comandada desde 2006 por Daniel Ortega e familiares. Cuba segue sendo um país onde a liderança política se mantém nas mãos de um grupo restrito, embora combinada com indicadores de qualidade em saúde, educação e bem-estar elevados.

Caso semelhante à Hungria e à Turquia é o da Polônia, aonde o partido Lei e Justiça governa, com Mateusz Morawiecki como primeiro-ministro, desde 2017, defendendo pautas de cunho nacional conservador, claramente alinhadas ao pensamento da extrema direita mundial. A França elegeu em 2017, e reelegeu em 2022, Emmanuel Macron, um político originalmente de partidos de esquerda, e atualmente de centro. Mas nessas duas eleições presidenciais tivemos sempre votações expressivas em candidaturas da Front National, com Marine Le Pen, que foi ao segundo turno presidencial nas duas oportunidades, com crescimento do percentual de votos, e defendendo ideias alinhadas com a extrema direita. Nas eleições presidenciais chilenas em 2021 foi ao segundo turno o candidato José Antonio Kast, da Frente Social Cristã, de extrema direita, que acabou derrotado, mas mostrou expressiva votação. Na Suécia, o partido de nome Democratas Suecos tem conquistado cada vez mais votos nas eleições, situação que ocorre também com partidos de nítido cunho neofascista e de extrema direita na Espanha (Partido Vox), na Alemanha (partido Alternativa para a Alemanha) e na Áustria (Partido da Liberdade Austríaco).

Em um caso mais recente, o da Itália, assistimos a vitória do partido de extrema-direita Fratelli d’Itália em 2022, o que possibilitou a indicação de Giorgia Meloni como primeira-ministra, com posições políticas assumidamente neofascistas. O protagonismo de ser a primeira mulher a chegar ao posto de comando político do país - feito que remete às lutas feministas - veio acompanhado de posições nitidamente conservadoras em termos morais e políticos. Na América Latina, o Uruguai, o Paraguai, a Guatemala e o Equador são governados por lideranças e partidos de direita, com pautas conservadoras e antifeministas, o que permite abrir espaço para a emergência de agrupamentos e líderes de extrema direita.

Retornando ao caso brasileiro, a eleição de Lula da Silva (2023 a 2026) não significou recuo nos agrupamentos de extrema direita, que ainda manifestam um protagonismo que originou inclusive tentativa de golpe contra o governo legalmente eleito no início do mandato. Ao observar a situação da América Latina, percebe-se o que vem sendo chamado de uma nova ‘onda rosa’ com as recentes eleições presidenciais de Lula da Silva no Brasil, Pedro Castillo no Peru, Gustavo Petro na Colômbia e Gabriel Boric no Chile, foram todas com margem bastante apertada de votos, em alguns casos quase um empate. No Chile, onde a eleição do mais jovem presidente da história daquele país teve uma margem um tanto maior de votos, a situação logo experimentou uma reversão com a derrota do referendo acerca da nova constituição, uma das principais bandeiras de campanha. E no Peru o presidente Pedro Castillo, empossado em julho de 2021, foi afastado do poder e preso em dezembro de 2022.

Embora tenhamos variações regionais, e por países, que possam explicar essa ascensão da extrema direita, uma leitura dos principais programas, slogans e bandeiras permite listar um conjunto de diretrizes políticas um tanto comuns: 1. Há uma ênfase no discurso do restabelecimento da ordem nos países, vista como atributo do passado, que precisa ser recuperado, tanto em termos de valores morais quanto em termos de ordenamento político do governo e da sociedade; 2. Em muitos países, notadamente os europeus, o tema da migração é intensamente explorado pelo discurso da extrema direita, com cores neofascistas, a defender tanto uma superioridade da raça nacional e a defesa do território, quanto a ideia de um inimigo externo que corrompe os valores éticos, morais e religiosos que ordenam a nação; 3. Há um evidente apelo a tradições religiosas, na maior parte dos países vinculadas ao cristianismo e ao catolicismo romano, na forma de lemas como ‘deus acima de todos’, ‘deus, pátria e família’, ‘deus no comando’; 4. As críticas ao processo de globalização, chamado, por vezes, de globalismo, são frequentes, e incluem rejeição ao pertencimento a blocos econômicos - posição que na Europa se chama de ‘eurocética’ e no Brasil se traduz em desligamento ou enfraquecimento de articulações como a do Mercosul e da Unasul; 5. As ideias de nacionalismo econômico e de adoração da pátria são comuns aos partidos de extrema direita, embora, em muitos casos, impliquem desindustrialização e dependência econômica do exterior; 6. O discurso da extrema direita se apresenta como porta voz da liberdade e como antissistema (anti-establishment), e acusa as forças democráticas e de esquerda de constituírem um sistema corrupto e ultrapassado, que cerceia a iniciativa dos cidadãos, e estimula a preguiça, via subsídios e auxílios; 6. O discurso da lei é sempre na pauta da justiça punitivista, chegando com facilidade à defesa da pena de morte, o que resulta em processos de encarceramento em massa, que produziram enorme incremento da população carcerária; 7. Associado ao discurso antissistema, a ideologia política da extrema direita é populista, personalista e antipolítica, no sentido de denunciar constantemente a atividade política como predatória, devendo a gestão pública ser feita por instituições privadas ou de mercado, ou inspirada nos princípios daí derivados; 8. Não reconhece as desigualdades sócio-históricas - como aquelas derivadas da raça e do gênero e da pobreza - e há uma vigorosa defesa da meritocracia e do empreendedorismo individual, com a consequente visão de que a estrutura estatal deve ser mínima, de modo a conceder aos empreendedores a mais ampla liberdade de ação; 9. As práticas e rituais democráticos são progressivamente atacados ou abandonados, em favor de regimes autocráticos, com o poder migrando ou para as forças armadas e policiais - quando não para as milícias - ou para grupos empresariais e o governante máximo; 10. A ênfase na liberdade toma aspecto bélico, com a proliferação de slogans como ‘povo armado jamais será escravizado’ e facilitação na liberdade de possuir armas e munições; 11. A produção do pânico moral é ativamente fomentada, e para isso as questões da comunidade LGBTQIAP+ e do feminismo constituem o inimigo central, a supostamente ameaçar a família e a coesão moral da sociedade; 12. A família aparece como instituição central, encarregada do cuidado, da previdência, da educação, da guarda dos filhos, da subsistência econômica, tarefas que o estado progressivamente vai se desincumbindo e a ela delegando; 13. Dissemina-se na sociedade um anti-intelectualismo, que afeta tanto a escola quanto às universidades e a pesquisa científica, com reflexos em políticas públicas, como é um caso evidente o da vacinação ou o uso de máscara no caso da prevenção da Covid 19, que passam a serem vistas com desconfiança, como ineficazes ou como intromissão indevida do poder do estado sobre os indivíduos, afetando sua liberdade pessoal; 14. As instituições encarregadas da educação - escola pública e universidades públicas, bem como mídias educativas estatais - são vistas como infiltradas pelo ‘marxismo cultural’, e devem então ser censuradas ou vigiadas pelas famílias e indivíduos. Todos os tópicos elencados acima têm consequências diretas na cultura escolar, e na docência das disciplinas da área de ciências humanas, particularmente a História.

Extrema direita volver: Brasil

No Brasil, é possível identificar movimentos no sentido da extrema direita desde o início do século XXI. O aparecimento do ‘Movimento Escola sem Partido’, no ano de 2004, constitui um marco importante nessa trajetória, dando visibilidade a um conservadorismo radicalizado. Contudo, conforme mostram alguns analistas, a virada efetivamente vai ocorrer no ano de 2013. Em junho daquele ano, irrompeu uma série de manifestações catalisadas pelo ‘Movimento Passe Livre’, por conta do aumento das passagens do transporte coletivo urbano. A insurgência iniciou-se em Porto Alegre e alastrou-se pelo país: em breve, não era mais somente pelos 20 centavos2. Embalados pela Primavera Árabe, surgiram inúmeros cartazes, com as mais diversas demandas: “Meu cu é laico [...]”, “Depois da cura gay, só falta o alvejante para negros [...]”, “É uma vergonha, passagem mais cara que a maconha” (Pelbart, 2019, p. 126). Entretanto, se algumas delas estavam alinhadas com demandas à esquerda do governo da Presidenta Dilma, outras já prenunciavam o que viria: “Queremos hospitais padrão FIFA [...]”, “O gigante acordou [...]” e “O povo unido não precisa de partido [...]” (Pelbart, 2019, p. 126). A primeira dessas três enunciações, embora ainda não coloque explicitamente a questão da corrupção, está ligada à noção de mau uso do recurso público, que seria um dos pilares das manifestações da direita posteriormente, especialmente embaladas pela operação Lava Jato3. As duas últimas estão associadas a uma ideia de um público antissistêmico (Cesarino, 2022), que é contra a política e defende a força popular contra as elites, em especial as elites da política partidária. Esse público elegeu Jair Bolsonaro para a presidência em 2018, pois, apesar de seus 27 anos como deputado federal, ele conseguiu construir uma imagem de outsider da política.

O governo do PT prometeu, em 2013, ouvir as reivindicações populares, conseguindo reeleger a Presidenta Dilma, mas não conseguiu sufocar a revolta. Sua estratégia foi a de tentar extirpar o que havia de ingovernável nos protestos, com vistas a reestabelecer as condições para dar continuidade aos modos de governar que vinham sendo adotados. “Governar é, antes de tudo, e por antecipação, expurgar essa dimensão ingovernável, irredutível, no limbo do invisível e do indizível, através da reiteração incessante do estado das coisas” (Pelbart, 2019, p. 127). Black blocs e manifestantes ligados a posicionamentos à esquerda do governo foram presos e receberam penas criminais. Durante os protestos de 2013, por um átimo de tempo, houve uma explosão multitudinária. A tela foi trocada pela rua, a indignação pela ira. E só a ira é capaz de induzir insurgência. Porém, a ira é um afeto de alta intensidade e baixa permanência. Desterritorializa subjetividades, que serão rapidamente reterritorializadas. E foi nesse movimento que a extrema direita se viu bem-sucedida.

As subjetividades insurgentes contra ‘tudo que está aí’, com suas formações discursivas antissistema, foram reterritorializadas por um espectro político ultraconservador em termos de costumes e ultraindividualista e antiestatal em termos econômicos. Os públicos antissistema foram capturados por forças que se opunham às modestas transformações realizadas pelos governos petistas, reivindicando o fim de políticas sociais de redução da desigualdade e dos tímidos avanços ao combate à misoginia, ao racismo e a lgtbfobia. Se o PT não conseguiu pacificar a multidão e reterritorializá-la em seus próprios termos, a extrema direita então mobilizou-se para

[...] extirpar de vez esse magma indomável, incompreensível, renitente, que teima em recusar a civilização branqueada, eurocêntrica, heteronormativa, a subjetividade consumista, a hegemonia do mercado - em suma, [para assegurar] a extorsão da existência. É um modo de existência padrão que deve imperar, dizimando os demais - residuais, menores, insignificantes, experimentais -, que teimam em arrastar heranças bárbaras (Pelbart, 2019, p. 140).

Esse movimento realizou o que se poderia chamar de uma gentrificação das subjetividades, expulsando os modos fora do padrão. Essa limpeza do campo político deveria seguir com uma limpeza no campo da História, por meio de narrativas unificadas, heroicas, sem contradições, sem a negatividade da presença dos sujeitos menores, divergentes, residuais. Embora a constituição do campo da extrema direita apresente variações locais, é possível afirmar que essa reterritorialização gentrificada das subjetividades, com uma vontade de produzir uma história gloriosa, que exclui esses outros que sujam seu brilho, é uma constante nos diversos movimentos.

Conforme já assinalamos, para Boaventura Santos (2020) a educação é um dos principais alvos da extrema direita. O ensino da história nacional é um ponto de destaque em diversas discussões do campo, com o propósito de produzir uma versão edulcorada e brilhante, sem as sombras das derrotas, das fraquezas e dos atos vergonhosos. Um dos modos de conter, ou enquadrar, o protagonismo dos grupos sociais no cenário contemporâneo é lhes retirar legitimidade na história ensinada, seja ensinada no âmbito escolar, seja ensinada no âmbito do que se chama de história pública, aquela difundida por redes sociais, mídias, coletivos políticos, artefatos culturais que possuem sempre dispositivos pedagógicos. Tendo em vista o objetivo deste artigo, cabe notar preliminarmente que tanto nos EUA, quanto na França, observamos iniciativas que incidem sobre os conteúdos que serão trabalhados nas escolas.

Extrema direita volver: História

Como já mostramos, a segunda década do século XXI foi marcada pela proliferação e fortalecimento de movimentos de extrema direita ao redor do mundo. Movimentos heterogêneos, com “[...] conteúdo ideológico errático, instável e contraditório, no qual se misturam filosofias políticas antinômicas” (Traverso, 2021, p. 18). Embora a quase totalidade desses movimentos não assuma de forma explícita uma orientação fascista, é possível identificar princípios do fascismo em todos, ainda que sejam incorporados por meio de práticas diversificadas. Para o autor, as políticas de austeridade, características de uma racionalidade neoliberal4, implantadas por governos de esquerda frustraram as classes populares, que foram conquistadas pela extrema direita por meio do discurso populista de combate às elites.

Entretanto, se existem convergências dos atuais movimentos de extrema direita com o fascismo, também há divergências. E é nesse sentido que, para Traverso (2021, p. 14), “[...] o conceito de fascismo parece ser inapropriado e indispensável para compreender essa nova realidade”. O autor sugere o uso do termo pós-fascismo para caracterizar a extrema direita atual. Uma das principais divergências com o fascismo clássico é a ênfase que a maioria dos novos movimentos coloca na liberalização da economia, uma vez que defendem a redução da ação estatal e sua não intervenção sobre o mercado. Todavia, são marcados pelo nacionalismo e, em geral, opõem-se ao que costumam chamar de ‘globalismo’, conforme já mencionamos.

Stanley (2020), apesar de reconhecer que os movimentos de extrema direita atuais são diferentes daqueles dos anos 1930, trata como fascista todo movimento ultranacionalista. Em seu livro, ele discute dez características que perpassam os fascismos, o que inclui a construção de um passado mítico e o anti-intelectualismo. Para ele,

Os políticos fascistas justificam suas ideias ao aniquilar um senso comum de história, criando um passado mítico para respaldar sua visão do presente. Eles reescrevem a compreensão geral da população sobre a realidade distorcendo a linguagem da idealização por meio da propaganda e promovendo o anti-intelectualismo, atacando universidades e sistemas educacionais que poderiam contestar suas ideias. Depois de um tempo, com essas técnicas, a política fascista acaba por criar um estado de irrealidade, em que as teorias da conspiração e as notícias falsas tomam o lugar do debate fundamentado (Stanley, 2020, p. 16).

Esse passado mítico é marcado por guerras e conquistas, povoado por heróis viris, guerreiros corajosos e valorosos, sempre brancos, sempre heterossexuais, sempre vinculados a uma tradição cristã guerreira, da qual a nação se orgulha. Tal construção, segundo o autor, fundamentou o fascismo de Mussolini e fundamenta os movimentos pós-fascistas da atualidade. Esse passado mítico é utilizado como estratégia para mudar o presente, já que fomenta o nacionalismo e o apego às tradições. De acordo com o autor, esse passado mítico se estrutura com a lógica da família patriarcal, com lideranças masculinas análogas à figura do pai. As poucas mulheres que aparecem, desempenham papeis secundários, muitas vezes ligados à maternidade e ao cuidado. Quando, eventualmente, essas mulheres assumem posições de destaque, são, em geral, associadas a povos ditos bárbaros. A construção de um passado mítico busca a adesão masculina a esse modelo patriarcal, mas também a adesão feminina, pois a preservação dos papeis de gênero estaria associada com a preservação da nação e, por consequência, da família. Ao fim e ao cabo, a estrutura sociopolítica patriarcal da nação é a garantia da preservação da família.

Nesse sentido, trazemos aqui as análises de Garcia, Lazarini, Barbieri, e Mello (2017), que mostram que a criação da escola pública na França, no século XIX, conhecida como a escola de Jules Ferry, foi engendrada em meio a fortes lutas operárias. Embora uma parte significativa da burguesia rejeitasse a ideia de custear a educação escolar do proletariado, Ferry defendeu-a como instrumento para fomentar uma noção de cidadania, o que implicaria a defesa da pátria contra o inimigo estrangeiro. Desse modo, a escola pública deslocou o inimigo interno da luta de classes, que poderia resultar em guerras civis, como no caso da Comuna de Paris, para a figura do inimigo externo, a nação inimiga. A produção da identidade nacional promoveu o enfraquecimento da identidade de classe, pois substitui a virtualidade do devir revolucionário pela do devir soldado. Entendemos que esse tipo de associação possa ser utilizado para compreender parte das estratégias da extrema direita: o nacionalismo, com sua decorrente defesa da pátria, bem como a defesa da família, dois valores não apenas bastante naturalizados em nossa sociedade, como reforçados por esse campo político, comunicam a ideia de que seria necessário abandonar as lutas por direitos, por igualdade de gênero, por superação do racismo e da homo/transfobia para lutar em uma pressuposta guerra maior.

Assim, os movimentos de extrema direita têm grande apego a um passado que não é aquele da historiografia amplamente aceita nos meios acadêmicos, mas que reforça mitos de uma sociedade heroica e patriarcal. Ainda segundo Stanley (2020, p. 29), as versões da história que eles promovem “[...] diminuem ou extinguem completamente os pecados passados da nação [...]”, uma vez que classifica o conhecimento acadêmico de conspiratório e forjado por elites que pretendem penalizar o povo. A construção do passado mítico está estreitamente ligada com um anti-intelectualismo ou, conforme Cesarino (2022), com a crise do sistema de peritos constituído na Modernidade, que tomava a ciência como a forma de veridicção privilegiada. Ou seja, o reconhecimento de que os procedimentos científicos eram a forma mais adequada de atribuir valor de verdade. No contexto digital, as formas modernas de atribuir veracidade vão sendo corroídas pelas condições oferecidas pela tecnologia, que cada vez tornam mais indistinguíveis textos e imagens autênticos ou falseados. Nesse sentido, estaríamos nos afastando da confiança nos peritos para auferir veracidade rumo a formas características de uma economia da atenção com mediação algorítmica.

Segundo a autora, as políticas de verdade vêm sendo reconstruídas com base em três elementos: a eu-pistemologia, a conspiritualidade e a bifurcação amigo-inimigo. A eu-pistemologia refere-se a formas de veridicção em primeira pessoa, baseada na experiência sensorial imediata. É possível afirmar que o ambiente digital, com sua capacidade infinita de proliferar enunciados, oferece um mercado de verdades variadas, ao gosto do consumidor. Conforme Han (2012), a sociedade atual clama por transparência, e para tanto abre mão da confiança. Ora, o sistema de peritos está longe de ser transparente e apreensível de forma imediata pela grande maioria dos indivíduos, uma vez que necessita formação e treinamento específicos para ter acesso à verdade. A eu-pistemologia pode ser entendida como um desdobramento desse imperativo contemporâneo de acreditar apenas no que nos é apreensível, bem como na ideia de liberdade individual de escolha. Esse mercado de verdades é alimentado por estratégias que visam a alterar conceitos e saberes reconhecidos e de consenso científico. Essas estratégias podem variar da simples e grosseira falsificação do que é reconhecido como verdadeiro até outras de maior sofisticação, que se utilizam de técnicas e peritos com reconhecimento pela comunidade acadêmica, porém instilando dúvidas com o objetivo de produzir descrença no conhecimento científico.

Oreskes e Conway (2010), que desenvolvem suas investigações no contexto das ciências da natureza, mostraram que pesquisadores renomados foram cooptados pela indústria tabagista, nos anos 1950, para falsear resultados, no intuito de refrear as intenções governamentais de regulamentar o tabaco. Eles mostram que o mesmo aconteceu entre o final do século XX e o início do XXI em relação ao aquecimento global, com o propósito de construir a ideia de que não haveria uma unanimidade entre os cientistas em relação ao tema. Os autores chamaram esses cientistas de ‘mercadores da dúvida’. Entendemos que esse conceito pode ser estendido às ciências humanas, embora os pesquisadores que defendem uma versão mitificada da história assumida pela extrema direita não sejam, via de regra, nomes de destaque acadêmico.

O segundo elemento que Cesarino (2022) apresenta é a conspiritualidade. A verdade supostamente não mediada da eu-pistemologia é apenas mediada de outro modo, por meio da troca da confiança nos especialistas por imagens e narrativas em primeira pessoa que tendem a se afastar dos veículos midiáticos mais tradicionais, geralmente alinhados com os peritos. Esses conteúdos seriam reveladores de uma verdade oculta, que só os iniciados, os que tomaram a red pill5, podem ter acesso. De acordo com a autora, esses conteúdos são apresentados não apenas de uma perspectiva conspiracionista de desocultação de verdades que um certo grupo poderoso não deseja publicizar, como tomam ares de uma espiritualidade, no sentido de verdades reveladas aos eleitos.

Saraiva e Zago (2021) identificaram esse movimento na extrema direita, em que a verdade aparece não em oposição ao falso, mas como algo a ser revelado. Os autores propuseram que o conceito foucaultiano de políticas da verdade, entendido como as regras que separam o verdadeiro do falso em um determinado regime de verdade, fosse substituído por políticas do verdadeiro, entendidas como as estratégias para revelar verdades ocultas que poderiam ameaçar o sistema. Os públicos antissistema de quem Cesarino (2022) trata estariam imersos em uma conspiritualidade produzida a partir de determinadas políticas do verdadeiro.

Por fim, Cesarino (2022) trata da bifurcação amigo/inimigo. Nesse caso, o mundo passa a ser dividido em um binarismo simplificado, com uma disposição a aceitar tudo o que vier do campo reconhecido como amigo como verdadeiro e o que vier do inimigo como falso. O campo reconhecido como ‘amigo’ partilharia as mesmas visões de mundo, os mesmos valores e, portanto, as mesmas verdades. Carvalho (2019) discute, a partir da psicologia social, que existiria uma forte tendência de os indivíduos aceitarem como verdadeiro aquilo que está em consonância com suas crenças. A isso denomina ‘viés de confirmação’. O cientista político ainda afirma que quando entramos em contato com novas informações que sejam contrárias às nossas crenças, experimentamos um mal-estar que enseja negar a veracidade ou, pelo menos, minimizar a importância da informação, o que é conhecido como ‘dissonância cognitiva’. A bifurcação amigo/inimigo está totalmente alinhada com essa lógica e a radicalização da aceitação dessa estratégia é característica da extrema direita. Nos grupos do Telegram ou na frente dos quartéis no início de 2023, era frequente a exortação de não acessar a mídia tradicional para obter informações, mantendo-se conectado apenas às mídias ‘amigas’.

O ensino de História está em disputa nessa crise dos peritos. Em contraste com o Brasil e os Estados Unidos, a França nunca foi governada por um presidente de extrema direita. Porém, as votações desse campo têm experimentado um crescimento significativo nos últimos anos. Em 2002, o candidato da Front National, Jean-Marie Le Pen, obteve 17,8% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais, e pela primeira vez a extrema direita chegou a essa etapa do processo eleitoral. Em 2017, sua filha, Marine Le Pen, representando o mesmo partido do pai, obteve 33,9% dos votos no segundo turno. Em 2022, Marine Le Pen concorreu novamente, agora pelo partido Rassemblement National, alcançando 41,5% dos votos. Destacamos que o candidato da Reconquête, Éric Zemmour, um político de extrema direita com um discurso mais radical do que o de Marine Le Pen, obteve 7,07% dos votos e ficou em quarto lugar nesse último pleito. Tendo em vista o contexto de fortalecimento da extrema direita francesa, consideramos relevante analisar suas propostas educacionais para o ensino de história. O plano de governo de Marine Le Pen (2022, p. 13, tradução nossa) propõe “[...] um programa de reforço em francês e história na rede de educação prioritária”6. A rede de educação prioritária visa à redução das desigualdades sociais, por meio da oferta de aulas de reforço em escolas situadas em zonas de vulnerabilidade social. É necessário salientar que imigrantes e seus descendentes têm maior vulnerabilidade e seriam mais atingidos por essa política, com claro viés de desenvolvimento do sentimento nacionalista.

A ênfase do plano de Le Pen no ensino da história nacional despertou nas associações de professores o temor do retorno daquilo que ficou conhecido como a perspectiva do ‘romance nacional’, uma forma de ensinar história mitificada, que celebra as vitórias, o heroísmo e a grandeza da França, criada no final século XIX e utilizada nas escolas elementares francesas (Morin, 2022)7. A própria candidata assumiu essa intenção em um tweet, em que escreveu “[...] nossa escola será a escola que fará nossas crianças adquirirem, além dos saberes elementares, o conhecimento do romance nacional” (Le Pen, 2017, tradução nossa)8. Entretanto, essa proposta de reconduzir o ensino de História para a perspectiva do romance nacional não surge nessa campanha. Fundado em 2016 e ligado à Front National, nome anterior do partido de Le Pen, o Coletivo Racine tem por objetivo resgatar a escola da República, aquela fundada por Ferry (Racine, 2013), que estaria ameaçada por reformas advindas das ideias do movimento de Maio de 1968. Entre suas proposições, destacamos: “Introduzir, sobretudo na escola primária, um ensino cronológico da história, essencialmente da França, dando lugar ao romance nacional, apresentado sob a forma de narrativas que formam a memória, forjam o sentimento de pertença à nação e são portadores de valores que orientam a conduta” (Racine, 2013, tradução nossa)9.

O excerto acima explicita os objetivos de ensinar uma história mitificada nas escolas: desenvolver o patriotismo, que atenuaria tensões sociais internas, de acordo com o próprio Ferry, fundados da escola da República e desenvolver comportamentos morais.

O plano de governo de Zemmour (2022c, p. 3, tradução nossa), por sua vez, não trata do ensino de história, propondo “[...] recentrar o ensino em saberes fundamentais (ler, escrever e contar) na escola primária”10. Apesar disso, em um tweet, ele afirmou: “Sim, quero refazer o romance nacional na escola, fazer com que a França seja amada por sua história como fui feito para amá-la. Os livros escolares são um tecido de propaganda antifrancesa”11 (Zemmour, 2022b).

A intenção de intervir no ensino de história também está presente na extrema direita estadunidense. No seu discurso no 4 de julho de 2020, Trump12 afirmou que as crianças são ensinadas nas escolas a odiarem seu país, por meio de uma história radicalizada e baseada em mentiras, que difama os heróis e apaga os valores nacionais. Isso consistiria, segundo o ex-presidente, em um processo de doutrinamento que gera conflitos. Na ocasião, o presidente referia-se aos recentes protestos gerados pelo assassinato de George Floyd, um negro desarmado, pela polícia. Como parte das manifestações, foram derrubadas estátuas de líderes dos Confederados ou que, de algum modo, estão ligados ao racismo (Seipel, 2020).

Em setembro do mesmo ano, Donald Trump nomeou uma comissão de assessoramento presidencial para produzir orientações para o que ele denominou de ‘educação patriótica’, cujo propósito era combater versões anti-estadunidenses da história. Embora o currículo das escolas nos EUA seja regulamentado por regras estaduais, o governo federal exerce influência por meio de distribuição de verbas. A Comissão foi composta por 18 membros, sendo que nenhum deles era um especialista em história dos EUA. Seu trabalho resultou em um relatório que buscava afastar da fundação do país a mácula da escravidão e atacava o progressismo, comparando-o ao fascismo (Crowley & Schuessler, 2021). Ela foi denominada de Comissão 1776, em referência ao ano da independência dos EUA, fazendo um contraponto ao Projeto 1619, desenvolvido pelo New York Times, em referência ao ano em que chegaram os primeiros negros escravizados no país (NYTimes, 2019). O Projeto 1619 tinha por objetivo “[...] reformular a história do país, colocando as consequências da escravidão e as contribuições dos negros americanos no centro de nossa narrativa nacional” (NYTimes, 2019, tradução nossa)13. O relatório da Comissão 1776 foi apresentado dia 18 de janeiro de 2021, dois dias antes do término do governo Trump e três dias após o aniversário de Martin Luther King.

O relatório tem 45 páginas, porém as últimas 25 são apêndices. Ele produz sua versão de romance nacional dos EUA. Nos primeiros capítulos, dedica-se a dar sua versão sobre o significado da independência dos EUA e sobre os princípios fundadores da nação. A seguir, discute o que seriam cinco desafios para esses princípios: a escravidão, progressismo, fascismo, comunismo e racismo e políticas identitária. A seguir, o texto aponta algumas tarefas a serem realizadas para a renovação nacional (USA, 2021). Já na introdução, afirma que pretende “[...] relatar as aspirações e ações dos homens e mulheres que buscaram construir a América como [...] uma nação exemplar, que protege a segurança e promove a felicidade de seu povo, como exemplo a ser admirado e imitado pelas nações do mundo [...]” (USA, 2021, p. 1, tradução nossa)14, o que mostra seu alinhamento com o que os franceses chamaram de romance nacional. Logo a seguir, admite que “[...] a história americana tem sua cota de equívocos, tropeços, erros e contradições. Esses erros sempre encontraram a resistência dos princípios claros da nação, e, portanto, nossa história é muito mais uma história de sacrifício, coragem e nobreza” (USA, 2021, p. 1, tradução nossa)15. Ou seja, houve alguns erros no passado, mas erros pontuais, que estavam justamente contra os princípios fundadores. Por essa razão, não poderiam persistir e foram corrigidos. Logo, por definição, declaram que os EUA têm uma história de grandezas, com base em valores incontestáveis.

Ainda segundo o documento, a partir da independência dos EUA, o povo manteve-se unido pela “[...] afirmação da universalidade e princípios eternos de justiça e legitimidade política” (USA, 2021, p. 3, tradução nossa)16. Um ponto extremamente explorado no documento para opor-se às chamadas políticas identitárias é o princípio de que ‘todos os homens são criados iguais’. Na seção que trata da escravidão, justifica que os fundadores da nação viveram em um tempo em que a prática estava naturalizada e apenas começava a ser repudiada. Rebate o argumento de que os estados do Norte, que proibiam a escravidão, poderiam não ter aceito unir-se aos do Sul, em que a prática era permitida, argumentando que a união do país era mais importante. Também afirmam que a constituição não proibiu a escravidão, apesar de a maioria dos fundadores apoiar esse posicionamento, por respeito ao princípio do consentimento, que é a base de uma sociedade não autoritária. A abolição da escravatura aparece como uma decorrência do desenvolvimento da nação, e, por efeito, reestabelece os valores originais da sua fundação. Não existe menção às lutas abolicionistas e a guerra de secessão é mencionada apenas indiretamente, quando há uma referência a vidas perdidas: “Este conflito foi resolvido, mas a um custo de mais de 600.000 vidas. As emendas constitucionais foram aprovadas para abolir a escravidão, conceder igual proteção perante a lei e garantir o direito de voto independentemente da raça” (USA, 2021, p. 12, tradução nossa)17. Aqui, a publicação não apenas apaga as lutas, mas parece ignorar que, mesmo após a abolição, os negros continuaram sendo discriminados, a despeito da Constituição.

Porém, mais adiante, quando trata de racismo e políticas identitárias, o relatório admite que “[...] isso não colocou fim ao racismo, nem ao tratamento desigual dos negros” (USA, 2021, p. 15, tradução nossa)18. Ali, encontramos menção à Klu Klux Klan, às leis Jim Crow, que determinava a segregação das raças em espaços públicos, e às dificuldades impostas durante muito tempo para evitar que os negros votassem. Entretanto, assegura que houve “[...] um movimento nacional composto por pessoas de diferentes raças, etnias, nacionalidades e religiões para criar uma América totalmente comprometida com acabar com a discriminação legal” (USA, 2021, p. 15, tradução nossa)19. Ou seja, o documento passa a impressão de que houve uma ampla rejeição aos dispositivos racistas, o que é sabidamente falso, uma vez que há provas robustas de que as estratégias discriminatórias foram amplamente apoiadas pela população branca.

O documento, ao tratar do Movimento pelos Direitos Civis, liderado por Martin Luther King, afirma que seus princípios de defesa de igualdade entre brancos e negros foram distorcidos posteriormente:

O Movimento dos Direitos Civis voltou-se quase imediatamente para programas contrários aos elevados ideais dos fundadores. As ideias que impulsionaram essa mudança vinham crescendo nos Estados Unidos há décadas e distorceram muitas áreas da política no meio século que se seguiu. Entre as distorções, estava o abandono da não discriminação e da igualdade de oportunidades em favor de ‘direitos de grupo’ [...]. A justificativa para reverter a promessa de direitos civis sem distinção de cor era que a discriminação passada requer esforço presente, ou ação afirmativa na forma de tratamento preferencial, para superar desigualdades acumuladas há muito tempo (USA, 2021, p. 15, grifos no original, tradução nossa)20.

Alinhado com os princípios da extrema direita, o excerto acima caracteriza mecanismos de promoção da igualdade como privilégios. E é a partir da discussão sobre o que sejam os direitos a serem garantidos que o documento ataca o campo progressista: “Em vez de garantir direitos fundamentais fundamentados na natureza, o governo - operando sob uma nova teoria da Constituição ‘viva’ - deve evoluir constantemente para garantir direitos em evolução” (USA, 2021, p. 13, grifos no original, tradução nossa)21. Aponta, ainda, que “[...] os progressistas sustentam que as verdades não são permanentes, mas relativas a seu tempo” (USA, 2021, p. 13, tradução nossa)22.

Para fazer essa crítica, o relatório apoia-se na afirmativa que abre a declaração de independência dos EUA, que a toma como legitimada pelas “[...] leis da natureza e da natureza de Deus [...]” (USA, p. 21, tradução nossa)23, não aceitando que a verdade e os direitos possam ser contingentes. Segundo o relatório, isso seria um desrespeito ao povo, que não foi consultado sobre uma mudança nos princípios fundadores. E vai além, já que equipara progressistas com fascistas: “Assim como os progressistas, Mussolini buscou centralizar o poder sob a administração dos assim chamados especialistas” (USA, 2021, p. 13, tradução nossa)24. A publicação traz críticas tanto ao fascismo, quanto ao comunismo, por serem ambos sistemas totalitários que negam a liberdade individual concedida por Deus. Nota-se, ainda, que não existe no documento qualquer referência aos povos originários e a seu genocídio.

O relatório não foi apenas alvo de críticas, mas de deboche pelos historiadores, tendo em vista as afirmativas absurdas que contém (Crowley & Schuessler, 2021). A Comissão 1776 foi dissolvida assim que Joe Biden assumiu em janeiro de 2021. Contudo, isso não encerra as tentativas de impor o negacionismo histórico, visto que a extrema direita ainda é forte e as políticas educacionais são responsabilidade dos estados. Na Flórida, por exemplo, o governador Ron DeSantis, republicano que disputará as primárias com Trump para tornar-se candidato à Presidência em 2024, homologou uma medida aprovada pelo legislativo que obriga professores esconderem livros que estejam ligados à chamada cultura woke (Bermúdez, 2023), termo que tem sido usado para descrever os movimentos sociais que buscam aumentar a conscientização sobre questões sociais, raciais e de justiça social. A ideia central para esses movimentos é que a sociedade precisa ser ‘despertada’ (em inglês, woke) para as questões de opressão e discriminação que existem em diversos setores da vida social.

A ideia de romance nacional, em substituição a história do país de acordo com a pesquisa historiográfica, explica também as propostas de criação de parques nacionais pelos EUA, ao estilo daqueles do conglomerado Disney, onde as crianças e jovens poderiam se divertir participando dos grandes momentos da conquista e colonização do país. Nos indagamos de que modo o extermínio das populações indígenas poderia constar nesses parques, na forma de algo divertido.

O plano de governo de Bolsonaro (2018, p. 41), em 2018, indicava que a escola deveria ensinar “[...] mais matemática, ciências e português”. Apesar de não tratar do ensino de história, traz pistas de como ela é significada pela extrema direita brasileira, com uma evidente perspectiva de romance nacional.

Saliente-se que as Forças Armadas do Brasil tem (sic) uma História que nos orgulha Por exemplo, heróis brasileiros lutaram contra o Nacional Socialismo na Segunda Guerra Mundial. Fomos o único país da América Latina a lutar contra os Nazistas. Posteriormente, outros heróis impediram a tomada do poder por forças de esquerda que planejavam um golpe comunista no Brasil em 1964 (Bolsonaro, 2018, p. 34).

Já o plano de 2022 afirma que em seu segundo governo Bolsonaro iria “[...] incrementar ações que forneçam os fundamentos de importantes disciplinas como Matemática, Português, História, Geografia, Ciências de uma forma geral e outras, permitindo que os alunos possam exercer um pensamento crítico sem conotações ideológicas” (Bolsonaro, 2022, p. 25). Essa afirmativa pode ser lida como a intenção de intervir no currículo escolar, a fim de consolidar concepções de extrema direita sobre essas áreas, fazendo pensar em uma história na perspectiva do romance nacional, possivelmente direcionando a geografia para esse lado e para a exaltação da economia de mercado, bem como forçando perspectivas negacionistas ou introduzindo o criacionismo, renomeado como design inteligente. Ações governamentais que visem fornecer fundamentos para o ensino de determinadas disciplinas são características de governos autoritários.

Entretanto, durante o governo de Bolsonaro foram mantidas as reformas educacionais promovidas por Michel Temer entre 2016 e 2018, que reduziram o espaço nos currículos escolares para o ensino de História, bem como de outras ciências humanas, notadamente no Ensino Médio. Ao mesmo tempo, observamos o crescimento de artefatos que têm por objetivo ensinar a ‘verdadeira’ história do Brasil, a história do Brasil que ‘teus professores não te ensinaram’. Parece ter havido uma vontade de tirar o ensino de História da influência de supostos professores doutrinadores para entregar a empreendedores capazes de ‘dar um pouco de Brasil para as pessoas’25. Portanto, se nos EUA e na França a ideia é escolarizar uma história fora dos parâmetros acadêmicos, aqui trata-se de desescolarizar o ensino de História. Ou seja, a extrema direita pode tanto apelar para um reforço nacionalista no ensino de História pelas escolas, quanto em seu enfraquecimento, abrindo espaço para que seja realizado na forma de uma história pública. Na próxima seção, analisamos o caso da Brasil Paralelo, um dos principais veículos brasileiros a atuar na fabricação de uma história pública aos moldes do romance nacional.

Extrema direita volver: a produtora Brasil Paralelo

A Brasil Paralelo (Tudo começa com uma..., n.d.), que foi registrada como pessoa jurídica em 2016, segundo seu próprio site, identifica-se em 2023 como ‘uma empresa de entretenimento e educação’, orientada ‘pela busca da verdade histórica, ancorada na realidade dos fatos’. Tem como fundadores Filipe Valerim, Henrique Viana e Lucas Ferrugem, que se conheceram quando estudavam na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em Porto Alegre. O conteúdo oferecido pela empresa é de cunho conservador e ultraliberal, e pode ser classificado como alinhado aos princípios da extrema direita. Inclui artigos diversos e ebooks com acesso gratuito. Porém, seu modelo de negócios está predominantemente estruturado em produtos audiovisuais. Segundo o site, 10% desse conteúdo tem acesso gratuito pelo YouTube e o restante está reservado para os assinantes, que devem pagar mensalidades entre R$ 19,90 e 59,90 para terem acesso. Os valores variam com o conteúdo que pode ser acessado, sendo que a assinatura de maior valor inclui não apenas filmes e séries, de produção própria ou de terceiros, como também cursos. A assinatura também inclui conteúdo para o público infantil.

Gestada a partir da lógica de propulsão de conteúdo proporcionada pelos algoritmos, a empresa tem forte atuação em outras redes sociais, e está presente em múltiplas plataformas: Twitter, Telegram, Facebook, embora seu maior engajamento seja no Youtube, onde seu canal conta com um total de 1.717 vídeos (Gonzalez, 2022, p. 55).

Na aba ‘Sobre nós’, encontramos informações relevantes sobre a empresa. Ali consta que, em 2022, as produções audiovisuais do grupo tiveram mais de 6,9 milhões de espectadores únicos e atingiram a marca de mais de 550 mil assinantes, em um impressionante crescimento de 8000% em seis anos. De acordo com levantamentos realizados por órgãos de imprensa, a Brasil Paralelo foi a maior anunciante brasileira nos produtos do grupo Meta, com destaque para Facebook e Instagram. De acordo com Granjeia e Almeida (2023), em uma reportagem para o veículo Núcleo Jornalístico, entre agosto de 2020 e janeiro de 2023, a produtora gastou R$ 16,3 milhões em 48.843 anúncios. A posição da Brasil Paralelo é seguida por anúncios de produtos da própria Meta: R$ 14,1 milhões em anúncios do Whatsapp e R$ 3,4 milhões do Facebook. O ex-presidente Jair Bolsonaro ocupa a quarta posição, com uma despesa de R$ 2,7 milhões.

Isso mostra o enorme investimento para divulgar não apenas a Brasil Paralelo, mas o campo da extrema direita de modo mais amplo, evidenciando o forte financiamento que recebe. Além de investir em publicidade, a Brasil Paralelo também tem uma equipe que trabalha na otimização do posicionamento da marca em mecanismos de busca, como o Google. É importante notar os resultados dessa estratégia agressiva, que acaba por atrair público para além dos anúncios. Segundo a mesma reportagem, o engajamento orgânico valeria cerca de R$ 45 milhões, caso fosse pago.

Outra reportagem publicada em 2021 na Revista Forbes, de autoria Alejandro Chafuen (2021), fez um levantamento dos principais think tanks e empresas que produzem vídeos ditos educacionais pró-livre mercado ao redor do mundo. O ranking é liderado pela plataforma PragerU (abreviatura de Prager University Foundation), uma plataforma de livre acesso, cujo propósito é “[...] promover os valores americanos por meio do uso criativo de vídeos educacionais, a fim de atingir milhões de pessoas” (PragerU, 2023). Sua estrutura é semelhante à da Brasil Paralelo, porém não requer o pagamento de assinatura, apenas solicita doações voluntárias. Em sua seção de vídeos de cinco minutos, estão disponíveis produções sobre economia, política, raça, cultura, valores americanos, meio ambiente, liberdade de expressão e história. Como é possível observar, são temas caros às discussões da extrema direita, com sua negação sobre racismo e aquecimento global, suas preocupações com as chamadas guerras culturais, sua defesa de uma liberdade de expressão ilimitada e sua história despida de negatividade e revestida de heroísmo. A Brasil Paralelo é chamada nessa reportagem de ‘Netflix pró-sociedade livre’. Entrevistado pela reportagem, Lucas Ferrugem declarou: ‘Somos um alvo frequente de mentiras, difamações e esforços de cancelamento por partidários e grupos ideológicos. Porém, [...] não surte nenhum efeito real sobre o grande público e somente reforça nossos esforços contra o establishment brasileiro’.

Essa ideia de guerra é permanente no discurso da extrema direita e muito explorada pela Brasil Paralelo, como mostraremos nas análises. Em especial, as cruzadas são objeto de culto. Acreditamos ser possível afirmar que a extrema direita constitui as cruzadas como um modelo de vida a ser perseguido, em um permanente guerra santa, não restrita às questões morais, mas incluindo o comunismo. Sauvêtre, Laval, Guéguen, e Dardot (2021, p. 23) escreveram que o neoliberalismo “[...] procede, desde as origens, de uma escolha fundadora: a escolha da guerra civil”. Conforme autores como Brown (2019) e Lazzarato (2019) já mostraram, o neoliberalismo necessita combater a democracia para sua consolidação, tendo em vista que seus princípios são profundamente contrários ao bem-estar da população. Tomando os movimentos de extrema direita quase que como um desdobramento desse princípio, ao associar a defesa radical do livre-mercado com regimes politicamente autoritários, consideramos razoável afirmar que a extrema direita radicaliza essa escolha pela guerra.

A guerra civil do neoliberalismo se dá em muitas frentes: contra democracia, contra políticas sociais, contra direitos dos trabalhadores, ... Porém, na extrema direta, destacam-se as batalhas por valores morais e modos de vida. Travam-se aquilo que Hunter (1991), já no início dos anos 1990, chamou de guerras culturais. Para o autor, as guerras culturais são “[...] hostilidades políticas e sociais enraizadas em diferentes sistemas morais” (Hunter, 1991, p. 42), o que resultaria em divergências políticas fundadas na questão da autoridade moral. Para a extrema direita, é necessário vencer a guerra cultural para preservar um mundo idílico que estaria ameaçado. “Ela sonha com caminhos excêntricos a um passado imaculado, uma agência humana redentora e um mundo ordenado do alto” (Harding & Steward, 2021 apud Cesarino, 2022, p. 230).

A analisar os dados da reportagem de Chafuen (2021), é possível afirmar que a plataformização e a algoritmização são partes importantes da divulgação e consolidação das ideias do que se pode chamar de uma rede transnacional de extrema direita, com atravessamentos substantivos na produção de sujeitos aderentes a seus princípios, suas ideias e seu posicionamento antissistêmico. Empoli (2021), na obra ‘Os engenheiros do caos’, estuda o fenômeno a partir do caso do Movimento 5 Estrelas, na Itália. Sua ascensão está baseada na figura carismática do comediante Beppe Grillo. Porém, o engenheiro desta sofisticada obra é Gianroberto Casaleggio, um circunspecto especialista em marketing digital, que viu em Grillo a figura ideal para desenvolver seu projeto político. O ‘Movimento 5 Estrelas’ apresenta-se como antipolítica: não é um partido, é um movimento; não assume ser de direita, apesar de todos seus posicionamentos o colocarem até mesmo em um extremo deste campo político. Ele é, sobretudo, um movimento populista, que se coloca contra o sistema e contra as elites que saqueariam o Estado. De acordo com Empoli (2021), Casaleggio declarou que o que lhe interessa não é a política, mas a opinião pública. Seus esforços se deram no sentido de moldar a opinião pública, com vistas a reconfigurar a política como um produto voltado a eleitores-consumidores. Esse gestor desenhou uma bem elaborada campanha digital, utilizando o comediante como o elemento que a dota de calor e paixão.

A ofensiva de Casaleggio iniciou-se com um blog, em 2005, que logo se tornou o blog com o maior número de acessos da Itália. Em 2007, incorporou uma plataforma chamada Meetup, que servia para organizar grupos de discussão. Vendia-se a ideia de uma organização que simplificava a participação política, por evitar as pesadas burocracias partidárias: ali, qualquer um poderia dar sua opinião. O número de participantes crescia rapidamente, com intenso engajamento. Entretanto, essa participação nas redes não se refletiu em participação efetiva nos rumos do Movimento, inclusive com censura àqueles que teciam críticas. Casaleggio centralizava decisões, mantendo-se nos bastidores, mas escolhendo as lideranças que iriam representar o Movimento. Gradativamente, passaram a participar do sistema político. Havia um monitoramento permanente das redes, por meio da análise da reação dos seguidores às postagens e do cálculo do que deveria ser feito a seguir. Foram realizadas postagens para diferentes segmentos, no intuito de ampliar o engajamento. Não existia limite para a trollagem, para as notícias falsas, para as teorias da conspiração. Conforme mostram diversos estudos, conteúdos falsos, com tons conspiracionistas, geram engajamento muito superior do que conteúdos qualificados.

Em 2013, Grillo/Casaleggio obtiveram 25% dos votos e fizeram que seu partido fosse o mais votado da Itália. Apesar de o estudo estar centrado no ‘Movimento 5 Estrelas’, o autor mostra que o mesmo modus operandi é utilizado por outros políticos de extrema direita. Pensamos que ser possível afirmar que Grillo foi o líder necessário para dar suporte a uma estratégia fortemente plataformizada e algoritmizada, de modo semelhante ao que aconteceu com a ascensão de Trump ou Bolsonaro. Nesse sentido, podemos tomar a Brasil Paralelo como um dos elementos que constituem um amplo ecossistema digital no Brasil que sustenta o fortalecimento da extrema direita.

Em uma postagem de 2022 (Por que chamam a Brasil Paralelo..., 2022), o site afirma que a empresa foi criada com o propósito de “[...] resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. De acordo com Gonzalez (2022), a Brasil Paralelo tem um modelo de negócio militante. Ou seja, aufere lucro com base na defesa de uma determinada ideologia. De acordo com Nunes (2022), o fato de que os empreendedores políticos ganhem dinheiro não significa que tenham uma relação instrumental com a defesa de suas ideias. Eles efetivamente acreditam em uma sociedade em que ‘cada um sabe seu lugar’ e defendem que a sobrevivência deva ser garantida pelo mérito daqueles capazes de vencer a concorrência. Para o autor, o bolsonarismo se constituiu como um movimento apoiado no empreendedorismo, tanto pela defesa que faz da prática, quanto da importância para sua consolidação. A classe média, ainda que beneficiada pelos anos de governos petistas, cultivou uma série de ressentimentos, dirigidos tanto para aqueles que estavam em melhor condição, quanto para os mais humildes. Ressentem-se da elite econômica, pelo dinheiro, e da elite cultural, pelas marcas de distinção. Ressentem-se dos mais pobres, pois percebem que a distância entre eles diminuiu. E é nesse nicho que a extrema direita tem seu público mais fiel, que percebe na sua militância novas oportunidades de carreira. Influencers e youtubers que defendem valores tradicionais, combatem o comunismo e exaltam o patriotismo. Utilizam as redes para acumular capital político que se traduz em capital econômico.

Ainda segundo Nunes (2022), esta seria mais uma diferença em relação do fascismo histórico: enquanto este baseava-se em organizações de massa altamente disciplinadas, a extrema direita contemporânea conta com um enxame de empreendedores, que atendem a uma demanda de mágoas, rancores e frustações, oferecendo acolhimento e soluções simples. Para ele, existe uma semelhança entre os agitadores de extrema direita e os coaches, que devem se posicionar como objetos de admiração, induzindo na audiência uma espécie de ‘otimismo cruel’. Grande parte dos ganhos dos empreendedores da extrema direita estão lastreados na ideia de que revelam verdades restritas a um pequeno número de eleitos, em linha com a conspiritualidade de que trata Cesarino (2022). Apresentam-se como transgressores, capazes de romper com o senso comum, ao apostar em um pensamento freelance (Nunes, 2022).

Como já mostramos, a Brasil Paralelo tem um investimento gigantesco em publicidade. Contudo, para o sucesso do negócio precisa produzir uma percepção do público de que é um conteúdo orgânico, compartilhado e acessado espontaneamente. A produtora, que conta com um número crescente de conteúdos, tem se dedicado à “[...] criação de ecossistemas comunicacionais multiplataformas que formam um circuito fechado em que progressivamente se constroem mundos paralelos” (Nunes, 2022). Porém, esse Brasil paralelo distancia-se com o Brasil encarnado nas escolas e nas ruas, com sua diversidade cultural e seus sujeitos menores.

Diversidade volver: a cultura escolar

Escola estadual de educação básica de grande porte, situada na zona leste de Porto Alegre, próxima a uma das avenidas radiais da cidade. Primeiro semestre de 2023. Um de nós chega para a observação etnográfica logo na primeira hora da manhã, quando o alunado já está em torno do portão central, ainda sem acesso ao interior da escola. Os muros externos estão pintados pelas turmas de alunos e enfocam temas como meio ambiente, sustentabilidade, educação para o trânsito, educação das relações étnico raciais, projetos de futuro, valorização da escola, combate aos discursos de ódio e à violência urbana, expressão de ídolos culturais e musicais próprios das culturas juvenis, preocupação com a intolerância religiosa. Bastou indagar e os alunos passaram a explicar os significados dessas produções. Em seguida, os portões se abrem. Feita a identificação, permitem a entrada, pois a visita estava previamente agendada. No amplo refeitório, observa-se alunos e alunas que recebem a primeira refeição do dia. Os alimentos utilizados têm origem na agricultura familiar da Região Metropolitana de Porto Alegre, em atendimento a políticas públicas nacionais. As merendeiras informam que, para os lanches do meio da manhã e do meio da tarde, os clubes de mães de dois bairros próximos fornecem os salgados e os doces, via um fundo comunitário e, com isso, se oportuniza renda para as famílias. São entabuladas conversas com as professoras e professores em diversos momentos ao longo da manhã. Há duas professoras negras, trajando alguns adereços que remetem à indumentária africana. O professor de música é um jovem rapaz negro, com cabelos dread, os mesmos cabelos que identificamos em outros meninos negros. A escola tem quatro coletivos musicais, e uma pequena banda. É realizada a observação de dois períodos de aula de História em turma do Ensino Médio. A classe é composta por predominância de meninas, e dentre elas meninas pardas e negras, que participam intensamente dos debates. São visíveis na turma dois alunos assumidamente gays, como também uma menina que, ao participar do debate proposto pelo professor, estabelece uma conexão entre o fato de ser lésbica e sofrer preconceito e o tema da aula, o racismo, apresentado como um traço estruturante da sociedade brasileira. Todos lembram os recentes casos de ‘trabalho escravo’ em vinícolas do Rio Grande do Sul. Em determinado momento, a vice-diretora do turno da manhã entra na sala, e recorda que, na hora do recreio, na sala de atividades multidisciplinares, estará a urna para votação da representação dos alunos no conselho escolar, todos têm direito de voto. Há tanto discentes concorrendo de modo isolado, quanto algumas chapas.

A sineta toca. Hoje é o dia do chamado ‘recreio estendido’: uma vez por semana, em dias variados, o recreio dura 35 minutos, e os alunos organizam atividades. Duas galeras funk ocupam um território específico do amplo pátio, com danças e disputas corporais e verbais. Um grupo de meninas negras encena uma representação teatral em outra parte do pátio, dizendo de seus projetos de vida. Dois times mistos, de meninos e meninas, se enfrentam numa partida de futebol em uma das quadras, na maior gritaria. A outra quadra está ocupada por jovens sentados no chão, em pequenos grupos, conversando, escutando música, namorando, comendo, jogando cartas, folheando revistas. Um grupo de alunos e alunas ocupa o longo corredor do segundo andar de um dos prédios, cujas sacadas dão para o pátio, e ali dispõe faixas de muitas cores, com desenhos e reivindicações de todo tipo, desde críticas ao Novo Ensino Médio, até manifestações de apoio à diversidade na escola e contra a onda de violência escolar e assassinatos de alunos e professoras. Há vários estilos de música disputando o espaço sonoro. No meio disso tudo, alguns alunos entram e saem do refeitório para pegar seu lanche, enquanto outros fazem fila para votar na eleição ao conselho escolar. A cantina da escola é administrada pela associação de moradores, e ali alguns alunos compram refrigerante. Três meninos pintam a porta da sala de artes, orientados pela professora. Duas jovens travestis fazem uma espécie de performance, como se estivessem em uma passarela de desfile de moda, e são aplaudidas por um grupo de meninas.

Quando a sineta bate novamente, acontece um lento movimento de retorno às salas de aula. Faixas e cartazes permanecem expostos. Parte do que observamos aqui, em termos da cultura escolar e do cotidiano escolar, é fruto da intensa participação - e politização - que essa comunidade teve no movimento de ocupação das escolas, em 2016, conforme discutido em Seffner (2017). Naquela ocasião, os alunos e alunas protagonizaram por 45 dias uma intensa vida cultural e política na escola, apoiados tanto por pais e mães e famílias, quanto por alguns pequenos comerciantes locais, que doaram alimentos. A escola apareceu em alguns programas televisivos, e foi visitada por algumas pessoas de expressão política na cidade, conforme livro de registro de visitas até hoje exposto no saguão.

Do trabalho de etnografia de cenas da cultura escolar realizado, já descrito do ponto de vista metodológico em Seffner (2020a; 2020b) e do qual a descrição acima é pequena parte, queremos destacar alguns personagens, algumas redes e alguns movimentos sociais, que no contemporâneo constituem a cultura escolar e nela demonstram protagonismo. Os personagens são meninos negros e pardos; meninas negras e pardas; meninas e meninos brancos e brancas; população LGBTQIAPN+; as mulheres tanto entre o alunado quanto, notadamente, entre as professoras e nas funções de direção da escola; diferentes grupos das culturas juvenis, um tanto em torno da identificação musical. Das redes, queremos destacar as conexões da escola com a agricultura familiar e com as associações comunitárias de mulheres e de moradores do bairro. Dos movimentos sociais, queremos destacar o ativismo em torno da abolição do chamado Novo Ensino Médio, bem como ativismos em temas de gênero e sexualidade e raça e juventudes, e da preocupação com o tema da violência e das conflitualidades, particularmente dos discursos de ódio que circulam na sociedade, bem como do discurso da equidade de gênero. A eleição para o conselho escolar atende ao princípio constitucional da gestão democrática da escola, que é uma política pública. A aula de História tratava de um dos chamados temas sensíveis, ou passados que nunca passam, a saber: as heranças e atualizações da escravidão negra, e deu margem ao debate acerca das questões de estigma, preconceito e discriminação.

Percebemos na cultura escolar a circulação de uma diversidade de narrativas históricas, e de protagonismos, o que dialoga com as noções de intensidade democrática, densidade democrática e democracia participativa, conforme discutido em Santos e Avritzer (2009), bem como debates em torno das diferentes posições políticas, que tomam o outro como antagonista, e não como inimigo. Há tanto uma afirmação de diferentes lugares de fala, quanto caminhos de diálogo entre os diferentes lugares, e seu convívio na cultura escolar, pela valorização da diversidade cultural, étnica e social. Parte desse clima político efervescente é fruto das conquistas da Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, que assegurou mecanismos de financiamento da escolaridade pública, o que permitiu um amplo, e nunca antes experimentado na história do país, processo de inclusão das crianças e jovens na escolarização. Não apenas o acesso foi garantido, como também as políticas públicas de garantia da permanência escolar entraram em ação, como é o caso do Programa Bolsa Família e da atuação dos Conselhos Tutelares, bem como programas de transporte escolar, de merenda escolar e de fornecimento do livro didático e do material escolar. A mudança no perfil do alunado tornou a escola pública brasileira mais diversa e próxima do que se poderia chamar ‘a verdadeira cara demográfica do Brasil’, ou seja, salas de aula com predominância de meninas, de pessoas pretas e pardas, com diversidade de orientação sexual, com diferentes pertencimentos religiosos, oriundas de agregados familiares com diferentes configurações, com adesão a ideologias e agrupamentos políticos múltiplos, crianças e jovens integrantes das muitas e diferentes culturas juvenis, com adesão a uma multiplicidade de ídolos musicais ou culturais, do rap até a música nativista.

Este cenário de diversidade cultural e pedagógica impacta currículos - que se abriram para temas como gênero e sexualidade, raça e etnia, sustentabilidade e meio ambiente, estudo das desigualdades; impacta regimentos escolares - que preveem mecanismos para atender ao princípio constitucional da gestão democrática da escola; impacta o calendário de datas cívicas - que se viu ampliado com celebrações de efemérides e personagens que representam de modo mais apropriado a diversidade cultural brasileira; impacta o livro didático - que não apenas chega hoje ao conjunto do alunado, como também é complementado por recursos computadorizados, e inclui temas que representam preocupações das comunidades com maior representatividade; impacta as aulas das disciplinas das ciências humanas, em particular da História, objeto de nossa preocupação neste artigo, que hoje em dia aborda a educação das relações étnico-raciais, a história das mulheres e das relações de gênero, a história da sexualidade, a história dos povos africanos, as narrativas indígenas e dos povos originários, se ocupa da chamada educação em temas sensíveis e abordagem dos chamados passados que nunca passam, da complexidade política e econômica do mundo contemporâneo, da história da China, da Índia e do Oriente Médio dos dias atuais (e não apenas com registros da antiguidade longínqua destes territórios), bem como lida de modo mais decisivo com uma diversidade de fontes históricas, saindo do uso tradicional, e de viés positivista, que concedia exclusividade ao documento escrito e guardado em arquivos, conforme discutido em Pereira e Seffner (2008). Portanto, percebemos aqui um campo de lutas para estabelecer a história do Brasil. Um tensionamento entre o romance nacional linear e glorioso, forçosamente branco e patriarcal, da Brasil Paralelo e a história complexa e múltipla que vem sendo promovida em escolas com uma cultura escolar democrática e aberta à diversidade cultural.

Democracia volver: embates história pública e história escolar

Esse movimento cultural e pedagógico, e igualmente político, faz a cultura escolar caminhar em um rumo muito diverso das produções da Brasil Paralelo. Conforme Nicolazzi (2022), bem como o exame feito por nós dos materiais da produtora, podemos afirmar que esta constrói uma narrativa histórica do nosso passado na forma de uma história pública, com efeitos sobre o presente e sobre os projetos de futuro, particularmente das crianças e jovens. Interessa perceber aqui quais usos políticos do passado são acionados, e quais as consequências disso. Ou seja, de que modo, ou modos, essas narrativas do passado funcionam no espaço político contemporâneo. Contra quem, e a favor de quem, elas se posicionam. Que modelo de sociedade defendem, que modelo criticam ou desvalorizam.

Há um pressuposto importante da ideologia da Brasil Paralelo que é o combate que seus materiais fazem à suposta influência de esquerda, ou ao marxismo cultural, que ela diz identificar nas aulas de História, na pesquisa acadêmica e na educação brasileira em geral. Parece-nos mais que a tentativa é de apagamento dos marcadores sociais da diferença - raça, região, gênero, sexualidade, religião, geração, classe, família, ideologia, filiação partidária - que hoje em dia povoam a cultura escolar, e que são portadores de um ativismo político de diversos grupos sociais. O projeto da Brasil Paralelo é de realizar uma tarefa de educação histórica, com claro viés de direita, e com frequentes incursões na extrema direita, pela promoção dos discursos de ódio. Tal educação histórica atua tanto na forma de uma história pública, que se dissemina para audiências não escolares - daí a preferência por materiais audiovisuais e ciclos de palestras ou aulas públicas - quanto na forma de fontes para as pesquisas escolares, que desautorizam o livro didático e as falas de professores e professoras - e isso explica sua estreita conexão com iniciativas como o movimento escola sem partido, o movimento ideologia de gênero - conforme Barzotto e Seffner (2020), que analisam o site intitulado ‘De Olho no Livro Didático’26, que visa desqualificar materiais didáticos. A história propagada pela Brasil Paralelo assume a forma do ‘romance nacional’ (Citron, 2017), conforme já analisado.

A narrativa histórica do passado feita pela Brasil Paralelo insiste em apagar a presença dos povos originários na história brasileira, com evidentes reflexos nas lutas contemporâneas. É o caso da afirmação ‘não existe povo indígena, existe apenas povo brasileiro’ que, com variações, aparece em suas produções. Com isso se desautorizam as lutas dos povos originários nos dias de hoje. De modo semelhante, a narrativa histórica da Brasil Paralelo toma a escravidão como uma questão meramente de ordem moral, que parece não ter gerado desigualdades estruturais na sociedade brasileira. Por conta disso, quando as classes dominantes, todas brancas, se deram conta do pecado moral que era a escravidão, a Princesa Isabel assina a Lei Áurea, e com isso a escravidão está resolvida, e o povo negro libertado. Não se enfoca a escravidão como elemento estruturante da economia e da sociedade, que deixou não apenas um legado de desigualdade, mas também mecanismos que atualizam a situação de inferioridade e pobreza da população negra e parda, na forma de um passado que nunca passa, dando origem a, entre outras manifestações, o chamado trabalho análogo à escravidão, de forte presença na organização econômica brasileira.

‘A última cruzada’, série de sucesso da produtora, situa o protagonismo da monarquia portuguesa como fundante da identidade brasileira. Junto dela, são os homens brancos de descendência europeia que protagonizaram a construção do Brasil, em estreita colaboração com a religião católica, sendo o catolicismo tomado como elemento unificador da identidade nacional. A noção bélica de última cruzada remete claramente a um combate a todos os ativismos políticos que buscam mostrar o protagonismo de outros grupos sociais na história brasileira. Na narrativa da Brasil Paralelo, a presença das mulheres na história se restringe a figuras como a Princesa Isabel e a Imperatriz Leopoldina. Povos indígenas, mulheres pobres, população negra e parda, população LGBTQIAPN+, pessoas deficientes, famílias que trazem novos modelos de organização para além do ideal monogâmico e heterossexual, migrantes do oriente como chineses e japoneses, religiões de matriz africana, os demais povos latino-americanos, enfim, todos os dissidentes da norma branca, cis/heterossexual, europeia e católica não são valorizados e, na maioria das vezes, sequer citados na história narrada pela Brasil Paralelo. Mas estão presentes nas salas de aula, e na demografia da população brasileira.

Claro está que as cotas raciais, as cotas para travestis e transexuais, as cotas para indígenas, para alunos e alunas originários da escola pública, e outras políticas de inclusão, são criticadas em nome do discurso do mérito individual. A noção de reparação histórica está ausente nos documentários da produtora. Estes usos políticos do passado que se manifestam em suas produções levam a uma reificação do patriarcado, da monarquia como sistema de governo estável e esclarecido, da branquitude, do catolicismo como religião definidora de nossa nacionalidade, do protagonismo português que apagou outros povos e identidades, das tradições europeias. Todo esse discurso histórico tem impactos no presente, e se move no sentido contrário aos elementos da cultura escolar que mostramos na etnografia de nossa visita a uma típica escola pública da capital gaúcha, situada em bairro de classe média baixa, que recebe alunos e alunas de regiões mais pobres da cidade, por conta de sua localização próxima de uma grande avenida radial, que liga o centro da cidade à regiões periféricas.

Não há uma valorização de formas plurais de se narrar a história, pelo contrário, faz-se a defesa de um modelo de história eurocêntrico, singular, patriarcal, de heróis brancos e homens e heterossexuais, de ideais europeus de vida, claramente situados no século XIX, o que se verifica pelo apego à narrativa da família imperial. Vale lembrar que o Brasil atravessou praticamente todo o século XIX como país escravista, na contramão da imensa maioria das nações do mundo. Mas, como já dito acima, tal ‘pecado moral’ foi removido pela Lei Áurea, e com isso dele não restaram vestígios, pois agora somos todos iguais, somos todos povo brasileiro, e patriotas por dever. Com isso se enfatiza certa continuidade da essência nacional, o privilégio de comandar - aquele dos vultos ilustres da pátria - é visto como algo natural. Se omite a pluralidade da formação social brasileira, com seus enfrentamentos, conexões, desacertos, disputas, acordos e desacordos, lutas regionais, esforços de centralização ou descentralização, ambição federativa versus poder central, momentos de ditadura e de retorno à democracia. Todos esses episódios passam por um esquecimento deliberado. E produzem o esvaziamento da autoridade docente, de professores e professoras, que é aliás um princípio constitucional, na forma da liberdade de ensinar e da valorização da pluralidade pedagógica. E não se valoriza a democracia como regime político do direito a ter direitos, como melhor estratégia de lidar com os dissensos, no sentido de obter consensos, mesmo que temporários e precários, para gerir a vida política e econômica, na forma de pactos, alianças, disputas e mecanismos de resolução de conflitos.

O discurso da produtora borra também os limites entre espaço privado e público, esquecendo de modo proposital que a Constituição Federal de 1988 diz que a educação é dever do estado e da família, em conjunto, e com autonomia própria de cada instância. Para a Brasil Paralelo, a família é vista como entidade a reger a escola, e isso explica a adesão de suas produções a propostas de educação domiciliar. Ela própria se apresenta como uma fornecedora de recursos pedagógicos para que pais e mães eduquem seus filhos acerca da história pátria, passando ao largo das políticas públicas de estado e da escola pública brasileira. Com forte pendor para a militarização da vida política, e abrindo espaço para as ideias da extrema direita, as produções da Brasil Paralelo insistem na figura de um poder moderador, a controlar a democracia, que tanto pode ser exercido pela família real, figura frequente em seus documentários, como pela instituição vista como a mais patriótica e leal de todas, as forças armadas. A monarquia é apresentada como um sistema que existe desde sempre, a reger os povos, e a produzir dinastias de indivíduos supostamente mais preparados para o comando, reservando à grande maioria o papel de ser governada. A Brasil Paralelo está situada entre os movimentos conservadores, de direita, com clara abertura para a extrema direita, por conta da produção de discursos de ódio, o que é visto de modo vigoroso no modo como ela apresenta o embate entre o cristianismo, visto como algo que existe desde sempre, e o islamismo, que aparece em certo momento histórico, associado as noções de barbárie e invasão, e com isso se erige como inimigo da civilização, o que em parte remete ao título do documentário mais famoso, ‘A última cruzada’.

A Brasil Paralelo é um bem-sucedido empreendimento de história pública, a rivalizar com o aprendizado histórico escolar e a construir uma alternativa de educação histórica na sociedade, via documentários que buscam contar a ‘verdadeira’ história do Brasil. Com isso, ela colabora para o esvaziamento de espaços formais de pesquisa, produção e difusão do conhecimento, na forma de mediadores sociais. Não há apresentação de fontes históricas em suas produções, e muitos menos elas dialogam com a pesquisa historiográfica consolidada, e com isso se retira a possibilidade dos alunos e alunas de lidarem com discussões importantes de teoria da história, como qualificação das fontes, seleção e operação de procedimentos metodológicos, método científico, interpretação de teorias e do lugar de fala. Finalizamos salientando a epígrafe deste artigo: ‘Não me leve a mal; quem descobriu o Brasil; não foi Cabral’, da MC Carol. A afirmação da epígrafe não é feita no sentido do esquecimento. Ao contrário, ela é feita no sentido de lembrar os muitos Brasis, os povos originários, a construção deste país chamado Brasil, com uma diversidade de forças e potências. A letra da música remete a uma abertura da história, enquanto as produções da Brasil Paralelo remetem a um fechamento da história. A abertura da história remete a um protagonismo dos muitos grupos sociais. O fechamento da história remete a manutenção da história única.

Considerações finais

Conforme mostramos ao longo do artigo, a extrema direita na França, nos EUA e no Brasil deseja construir uma história que toma a forma de romance nacional (Citron, 2017), com narrativas lineares e heroicas, que visam a cultivar o patriotismo e o apego a valores tradicionais. Entretanto, se a extrema direita organizada de forma partidária na França e nos EUA busca atuar sobre o currículo escolar, transformando a historiografia amplamente aceita pela comunidade acadêmica na sua versão higienizada, no Brasil, o movimento tem sido um pouco diferente: o ensino de história tem perdido espaço no currículo escolar, enquanto veículos plataformizados, com destaque para a produtora Brasil Paralelo, vêm ocupando esse espaço por meio de uma história pública. Ou seja, enquanto França e EUA visam escolarizar uma historiografia que já não encontra suporte no meio acadêmico, o Brasil visa a desescolarizar o ensino de história.

As análises desenvolvidas explicitam diversas convergências entre a versão historiográfica da extrema direita nos três países. A questão da escravatura no Brasil e nos EUA recebe tratamento semelhante: enquanto no Relatório 1776 (USA, 2021) era apresentada como um desvio princípios fundadores da nação, sendo sua abolição um processo natural de correção desse equívoco, a Brasil Paralelo assume que foi uma falha moral que foi corrigida pela atitude de uma mulher branca e nobre. Em ambos os casos, não existe reconhecimento de que o racismo é estruturante dessas sociedades, considerando as consequências da escravatura algo superado.

A produtora Brasil Paralelo, na série ‘A última cruzada’, enaltece o cristianismo e sua coragem de ter promovido as cruzadas, remetendo a uma luta por valores. As cruzadas remetem a combates de ativismos políticos, que podem ser o comunismo e a ideologia de gênero, entre outros. As cruzadas podem ser percebidas como um modo de vida a ser seguido, que se estabelece como um permanente combate em prol de valores tradicionais. O combate à chamada cultura woke, forte entre a extrema direita francesa e estadunidense vai no mesmo sentido. Como vimos, o governador da Flórida, Ron de Santis, promulgou, em 2023, lei que obriga as escolas esconderem livros que estejam nesse espectro. Trump (Alfonseca, 2023), Marine le Pen (Sulzer, 2023) e Zemmour (Zemmour, 2022a) promovem uma guerra contra o chamado wokism. Outra convergência é o uso da ideia de que somos todos iguais para combater as ações afirmativas voltadas para pessoas negras, que aparece tanto no Relatório 1776, quanto nas produções do Brasil Paralelo. Em ambos os casos, essas estratégias são tratadas como privilégios injustificáveis.

A Brasil Paralelo assume a família como entidade orientadora da escola e defende a educação domiciliar, prática bastante frequente nos EUA. Por outro lado, na França, Marine Le Pen defende o reforço do ensino de História nas escolas em que estudam crianças com maior vulnerabilidade, nas quais estão muitos alunos oriundos de famílias de imigrantes afiliadas ao islamismo e seus valores. Ou seja, nesse caso, a família não mais se constitui em guia das ações escolares. A família islâmica não poderia orientar as ações escolares por não estar lastreada nos ‘bons valores familiares cristãos’.

Uma marcante divergência entre os três países é a relação com a monarquia. Na França, país que tem como parte de seu passado glorioso uma revolução que instituiu a república, não aparece nenhum traço de elogio à antiga nobreza, nenhuma nostalgia pelo antigo regime. O mesmo acontece com os EUA, que tem orgulho de sua ruptura com a Inglaterra e com sua realeza. “Na época da fundação dos EUA, a reivindicação mais difundida era uma forma de direito divino dos reis, ou seja, a afirmação de que Deus nomeia alguns homens, ou algumas famílias, para governar e destina o resto a ser governado. Os fundadores americanos rejeitaram essa afirmação” (USA, 2021, p. 4, tradução nossa)27. Entretanto, a Brasil Paralelo, na série ‘A última cruzada’, mostra uma tendência a reverenciar as ligações com a corte portuguesa, dando a entender que a colonização que trouxe os europeus para o Brasil foi fundamental para qualificar o país.

É importante notar que ao mesmo tempo que nos três países a extrema direita busca impor uma história branca, eurocêntrica, patriarcal e cristã, a população é diversa e não encontra representação nesses grandes romances nacionais. Professores e professoras lutam contra essas versões higienizadas para recolocar os sujeitos infames28 no curso da história.

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45NOTA: Karla Saraiva: dedicou-se à análise dos documentos relacionados com o trumpismo e com a extrema direita na França, bem como dos vídeos do Brasil Paralelo. Fernando Seffner: desenvolveu a etnografia da cultura escolar e contribuiu na análise das produções do Brasil Paralelo. O texto do artigo foi escrito conjuntamente, com contribuições dos dois pesquisadores em todas as seções.

Recebido: 28 de Abril de 2023; Aceito: 29 de Julho de 2023

* Autor para correspondência. E-mail: profa.karla.saraiva@gmail.com

INFORMAÇÕES SOBRE OS AUTORES Karla Saraiva: É doutora em Educação, pela UFRGS, graduada e mestre em Engenharia Civil, pela mesma Universidade. Atualmente, é coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil e pesquisadora 2, do CNPq. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2105-0619 E-mail: profa.karla.saraiva@gmail.com

Fernando Seffner: É doutor em Educação pela UFRGS, Licenciado em História e Mestre em Sociologia pela mesma Universidade. É professor titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e pesquisador 2, do CNPq. ORCID: http://orcid.org/0000-0002-4580-6652 E-mail: fernandoseffner@gmail.com

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