Introdução

A Teoria das Representações Sociais (TRS), por sua ampla possiblidade de análises, ganhou destaque em pesquisas no campo da educação, principalmente a partir dos anos de 1996 (Ogliari & ^{Ens, 2019}). Essa teoria tem demonstrado vigor e grande potencial, e as pesquisas realizadas no Brasil têm contribuído para o desenvolvimento da própria teoria, como assinalado por ^{Jodelet (2011}a). Essas pesquisas são desenvolvidas em diversas áreas do conhecimento, as quais têm permitido a compreensão e o respeito aos saberes do senso comum, construídos pelo indivíduo nas múltiplas relações objetivas e subjetivas que mantém com outros sujeitos, com o grupo social a que pertence, porquanto sustentadas pelos efeitos dos tipos de experiência comunicativa compartilhada sobre os valores, atitudes e objetos (físicos ou não) que tangenciam suas vivências.

No Brasil, a consolidação de investigações em representações sociais (RS), segundo ^{Santos (2013}, p. 14, grifos nossos), relaciona-se à

[...] criação de grupos de estudos e pesquisas, principalmente ‘junto aos programas de pós-graduação stricto sensu (mestrados e doutorados)’; do intercâmbio e da colaboração de pesquisadores estrangeiros como Jodelet, Wagner e o próprio Moscovici; da existência de uma rede internacional de comunicação sobre representações sociais; e dos debates e das trocas de experiências entre esses grupos de estudos e pesquisas em eventos científicos, nacionais e internacionais, acerca da Teoria das Representações Sociais.

^{Gonçalves e Sousa (2015}, p. 263), apoiando-se em ^{Jovchelovitch (2007}), afirmam que “[...] é a partir das mediações sociais que surgem as representações sociais, entendidas como estratégias que os sujeitos desenvolvem para enfrentar o mundo [...]”, uma vez que “[...] as representações sociais [...] expressam os saberes que um grupo produz e que lhes confere identidade social [...]”, em face da relação eu-outro-objeto, bem como da indissociabilidade entre essa interrelação e o contexto serem fundamentais para a constituição das representações sociais. Explicam, ainda, essas autoras:

[...] a teoria moscoviciana das representações sociais está fundamentada na indissociabilidade entre sujeito e sociedade, o interno e o externo, o sujeito e o objeto da representação; na reciprocidade entre fenômenos psicológicos e sociais; na aceitação de que a realidade é construída simbolicamente; e na relevância do contexto social, material e ideativo onde se desenvolvem as ações dos sujeitos (^{Gonçalves & Sousa, 2015}, p. 265).

Podemos dizer, tendo por foco uma análise psicossocial das pesquisas do campo educacional, que elas passaram a apontar para a força da comunicação social, quando fundamentada teórico-metodologicamente na teoria moscoviciana das representações sociais, que em muito têm contribuído para melhor compreensão dos fenômenos que acontecem nesse campo (^{Gilly, 2001}).

Essa proposta tem por base a obra La psychanalyse, son image, son public (A psicanálise, sua imagem e seu público), publicada em 1961, na qual Serge Moscovici lança suas proposições analíticas, metodológicas e teóricas que fundamentam a Teoria das Representações Sociais.

A TRS construída por ^{Moscovici (1961}, ²⁰¹²), a partir das proposições de Emile ^{Durkheim (2001}) sobre as diferenças entre representações coletivas e individuais, estabelecia a supremacia do coletivo em detrimento do individual, ou seja, uma representação coletiva agiria de forma coercitiva sobre uma representação individual, percebida como algo efêmero e passageiro, incapaz de afetar as coletivas, pois, segundo ^{Durkheim (2001}, p. 609), se a representação:

[...] é comum a todos é porque é obra da comunidade. Já que não traz a marca de nenhuma inteligência particular, é porque é elaborado por uma inteligência única, onde todas as outras se reúnem e vêm, de certa forma, alimentar-se. Se ele tem mais estabilidade que as sensações ou as imagens é porque as representações coletivas são mais estáveis do que as individuais, pois, enquanto o indivíduo é sensível até mesmo as pequenas mudanças que se produzem em seu meio interno ou externo, só eventos suficientemente graves conseguem afetar o equilíbrio mental da sociedade.

Diferentemente de ^{Durkheim, Moscovici (2001}, p. 62) destaca o caráter dinâmico das representações individuais ao afirmar que elas são “[...] ao mesmo tempo construídas e adquiridas”. Desse modo, Moscovici discorda da tese de Durkheim, tanto quanto à visão previsível preestabelecida sobre as representações individuais, como quanto ao caráter constante sobre as representações coletivas, pois essas não atendem a análises descritivas dos fenômenos sociais. Com base nessa leitura da dinâmica do social versus individual, Moscovici propõe uma mudança de perspectiva para explicar o processo de origem e constituição das representações sociais: uma abordagem analítica das representações, em vez do plano descritivo que as reduz ao mero reflexo do coletivo.

Devido a essas diferenças conceituais, ^{Moscovici (2003}, p. 49, grifo do autor) esclarece o uso do termo ‘social’ na denominação que utiliza para as representações ao afirmar:

[...] se, no sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião, etc.), para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar - um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu uso o termo ‘social’ em vez de coletivo.

Portanto, para ^{Moscovici (2003}), as representações são sociais e construídas/adquiridas pelo sujeito em sua relação com outros sujeitos e com o objeto da representação, cuja compreensão exige que se considere o contexto social, histórico e cultural das vivências do sujeito. Nesse sentido, as representações podem ser reestruturadas e passíveis de mudanças, dependentes da comunicação, uma vez que é por e com elas que as pessoas compartilham e interagem entre si, o que as qualifica como agente e mediador social.

As representações, como assinala ^{Moscovici (2003}, p. 52), “[...] restauram a consciência coletiva e lhe dão forma, explicando os objetos e acontecimentos de tal modo que eles se tornam acessíveis a qualquer um e coincidem com nossos interesses imediatos [...]”, porquanto

[...] são entidades quase tangíveis. Elas circulam, cruzam-se e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. A maioria das relações sociais estabelecidas, os objetos produzidos ou consumidos, as comunicações trocadas, estão impregnados de representações sociais. Sabemos que as representações sociais correspondem, por um lado, à substância simbólica que entra na elaboração [... da realidade] e, por outro, à prática que produz a dita substância (^{Moscovici, 1978}, p. 41).

Tais representações possibilitam ao sujeito tornar familiar o que não lhe é familiar, no que traduzem a soma de suas experiências e memórias, visto essas serem dinâmicas e não inertes. Para explicar como a memória atua nessas ocasiões, ^{Moscovici (2003}, p. 78) propôs dois processos: o da ancoragem e o da objetivação, a fim de esclarecer a maneira como eles agem:

A primeira [... da ancoragem] é dirigida para dentro da pessoa, está sempre colocando e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela classifica de acordo com o tipo e os rotula com um nome. A segunda [própria da objetivação é...] mais ou menos direcionada para fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-los e reproduzi-los no mundo exterior para fazer as coisas conhecidas a partir do que já é conhecido.

A fecundidade da proposta de Moscovici, ressaltada por ^{Jodelet (2011}a), seu alcance e seu impacto nas diferentes áreas de conhecimento (^{Philogene, 2011}) foram aspectos analisados por ^{Jodelet (2011}b), bem como no movimento de sua introdução e repercussão em nosso país (^{Jodelet, 2011}c).

Na análise da produção acadêmica no Brasil, esforços diversos têm sido realizados no sentido de identificar e qualificar a produção daqueles que defendem suas dissertações, teses e demais publicações no campo das representações sociais na educação, como: ^{Alves-Mazzotti (2008}); ^{Duarte (2010}); ^{Menin e Shimizu (2005}); ^{Menin, Shimizu, e Lima (2009}); ^{Sousa, Bôas, e Novaes (2011}); ^{Gonçalves e Sousa (2015}); ^{Ens (2018}), entre outros. Essas pesquisadoras, além de ressaltarem acerca do potencial da TRS para a explicação e a compreensão dos conhecimentos e das práticas de determinado grupo social, alertam para alguns problemas metodológicos nas pesquisas que examinaram, bem como constatam a falta de profundidade de algumas delas.

Assim, consideramos necessário investigar se essas questões, detectadas nas pesquisas que adotam a TRS, foram superadas por meio de uma apropriação mais adensada da potencialidade dessa teoria, ou seja, se as pesquisas avançaram e se demonstram maior apropriação das possibilidades teórico-metodológicas de utilização da TRS em seus procedimentos, análises, conclusões e sugestões. Algumas dificuldades apontadas por essas autoras decorrem de que: poucos estudos verificam as ancoragens das representações; quase não investigam a relação entre conhecimento do senso comum e escolares; a maior parte dos estudos prioriza a descrição de representações em detrimento de seus processos de origem e de manutenção ou não dessas representações; má/incompleta caracterização dos sujeitos das pesquisas, entre outras dificuldades.

Na continuidade dessas pesquisas, realizamos uma investigação bibliográfica, documental e exploratória, com o objetivo de delinear e analisar o mapeamento das pesquisas concluídas com vistas à produção de teses e dissertações, em cursos de pós-graduação stricto sensu em educação no Estado do Paraná, no período de 2016 a 2018.

Caminhos da pesquisa e caracterização das produções

Nesse estudo, temos como objeto de investigação teses/dissertações produzidas por estudantes dos PPGEs do Paraná que utilizam o aporte teórico das representações sociais. O que buscamos é compreender se as teses/dissertações produzidas estão organizadas de forma a contemplar as possibilidades teóricas e metodológicas da TRS. Ao darmos continuidade a investigações já realizadas por outros pesquisadores, avançamos, com o objetivo de apresentar a especificidade dessa produção no Estado do Paraná/Brasil.

A opção por mapear teses e dissertações defendidas nos PPGEs, do Paraná, está apoiada nas orientações de ^{Romanowski e Ens (2006}) de que estudos para compreender um estado de conhecimento possibilitam, com base na análise dessas produções, obter informações para desenhar criticamente o que se produziu e contribuem para compreensão do uso de um aporte teórico e dos pontos silenciados pelos pesquisadores, no caso sobre representações sociais de aspectos ancorados na educação.

Essa investigação contou com duas fases para o seu desenvolvimento e este texto incidirá sobre a segunda. Porém, elas são interligadas e por isso consideramos fundamental apontar que a primeira teve como ponto de partida mapear as teses e dissertações produzidas em PPGEs, por meio de pesquisa exploratória no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), no Brasil e no Paraná, que utilizaram o aporte da TRS com o descritor de busca ‘Representações Sociais’, em todas as áreas do conhecimento e, especialmente, no campo da educação, desde 1987 até 2018. Já na segunda fase, por considerarmos que a última revisão de teses/dissertações com esse foco foi a realizada por ^{Gonçalves e Sousa (2015}), tomamos para estudo as teses e dissertações produzidas no período de 2016 a 2018, para dar continuidade ao trabalho de investigação já empreendido por outros pesquisadores no sentido de compreender as produções nesse campo, com ênfase no Estado do Paraná.

O mapeamento realizado na primeira fase permitiu detectar que, no Brasil, as primeiras teses e dissertações, com o aporte teórico e/ou metodológico das RS, foram defendidas no ano de 1996 e totalizaram 8.044 teses e dissertações até 2018, sendo 1.784 no campo da educação. Na sequência, constam as áreas da Psicologia (587 produções), Enfermagem (523) e Sociologia (427). No Paraná, a produção iniciou de forma mais intensa por volta dos anos 2000 e até 2018 havia 353 teses e dissertações, sendo 104 na área da educação.

Esses dados reforçam que o campo educacional representa parcela significativa das produções de teses e dissertações em RS defendidas no Brasil e no Paraná. O mapeamento, realizado na primeira fase, contribuiu para com a análise, compreensão e inferência dos dados da segunda fase, pois permitiu a compreensão do campo da pesquisa em representações sociais no Brasil e no Paraná com suas instuições de pesquisa, seus PPGEs, pesquisadores, linhas de pesquisas e objetos de estudos.

Na segunda fase da pesquisa, ampliamos a compreensão sobre o mapeamento realizado e caracterização das teses e dissertações produzidas, por considerar: o foco das investigações; os sujeitos; o contexto em que se deram; as possibilidades teóricas e metodológicas; dentre outras características que se apresentavam nos resumos das teses e dissertações em educação no Paraná, no período de 2016 a 2018, que utilizaram a TRS. Com base nesse recorte temporal, identificamos 24 trabalhos produzidos em instituições de educação superior do Paraná, cujos resumos constituíram-se no corpus selecionado para essa fase.

Esse corpus foi sistematizado e submetido ao processamento de análise textual pelo software Iramuteq¹ (acrônimo de Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Os resultados da análise foram estudados pelos pesquisadores, os quais, com o apoio da hermenêutica filosófica (^{Gadamer, 1998}), foram interpretados. Para as interpretações e inferências, tomamos as relações entre o todo - aqui compreendido como as pesquisas disponibilizadas sobre RS, bem como os resultados provenientes da pesquisa exploratória, realizada na primeira fase dessa investigação, que retratam, quantitativamente, o conhecimento da pesquisa em RS no Brasil e no Paraná - e suas partes (resumos de cada tese e dissertação), com o objetivo de compreender o que dizem as teses e dissertações sobre RS, no Paraná.

Além da preparação do corpus, cada um dos resumos foi identificado, no Iramuteq, por uma linha de comando, a qual contemplou o número do resumo (de 1 a 24); a instituição na qual foi realizada a pesquisa; o curso de mestrado ou doutorado; e o ano da defesa. Assim, cada resumo recebeu uma identificação, que permitiu vincular os segmentos de textos (Unidades de Contexto Elementar - UCEs), provenientes da Classificação Hierárquica Descendente, com características de seu autor/instituição, ou seja, uma das linhas de comando utilizadas: **** *trab_19_uepg_04 *dout_2017, o que identifica o décimo nono trabalho analisado, quarto da UEPG, curso de doutorado, cuja tese foi defendida no ano de 2017, por exemplo.

Um corpus linguístico, ao ser processado pelo Iramuteq, em face dos subprogramas desse software, viabiliza: (1) a construção de uma ‘nuvem de palavras’, derivada de uma análise mais simples e que culmina com a representação gráfica em função da frequência das palavras; (2) a obtenção da força de relação/conexidade entre as palavras com a ‘análise de similitude’, programa que identifica as coocorrências entre as palavras que ocorrem juntas no corpus e que indicam a respectiva conexidade entre elas; e (3) ‘a classificação hierárquica descendente’, que possibilita analisar classes de segmentos de texto que, ao mesmo tempo, apresentam vocabulário semelhante entre si e vocabulário diferente dos segmentos de texto das outras classes (^{Nascimento & Menandro, 2006}; ^{Camargo & Justo, 2013}a; ²⁰¹⁶). Por meio da formação dessas classes, originadas pela Classificação Hierárquica Descendente, categorizamos o corpus analisado, após identificar as principais características presentes nos segmentos de texto, em cada um dos resumos das teses e dissertações estudadas, pelo ‘corpus colorido’.

A Tabela 1 indica a instituição de origem, o número de resumos por categoria (dissertação/tese) e a quantidade de orientadores envolvidos no desenvolvimento dessas produções em educação no Paraná, no período selecionado.

As três instituições que historicamente têm se destacado na produção acadêmica de teses/dissertações sobre RS em educação no Paraná são PUCPR, UEPG e UEM, seguidas da Universidade Tuiuti do Paraná, que começa a ganhar visibilidade nesses últimos anos. Apesar do aumento quantitativo das teses/dissertações, constatamos que apenas quatro programas stricto sensu no Paraná se dedicam a pesquisas educacionais com o aporte da TRS, concentradas em poucos orientadores, a partir de grupos de pesquisa.

As teses e dissertações analisadas abordam temáticas diferenciadas, porém se destacam com 11 produções as temáticas vinculadas à formação de professores (inicial e/ou continuada), produções que indicam a preocupação de seus autores em compreender o cotidiano escolar, as práticas educativas escolares e, principalmente, a necessária formação dos profissionais, com o aporte teórico das políticas educacionais para atuar em escolas.

Análises interpretativas com base nos dados gerados pelo Iramuteq

O corpus geral, constituído por 24 resumos das 19 dissertações e cinco teses, foi separado em 258 segmentos de textos (UCEs), com aproveitamento de 215 (83,33%) do corpus, nos quais foram identificadas 9.084 ocorrências (palavras ou vocábulos), conforme demonstraram os dados processados pelo Iramuteq.

^{Camargo e Justo (2013}a, p. 4) consideram que esse software oferece diferentes formas para analisar e/ou interpretar dados textuais, desde aquelas bem simples, como a lexicografia básica (como cálculo de frequência de palavras), até análises multivariadas (classificação hierárquica descendente, análise pós-fatorial). O corpus desse estudo, por se constituir pelo conjunto de resumos de teses e dissertações, caracteriza-se como textual, ou seja, o corpus não se origina de uma matriz de dados/palavras, embora o Iramuteq opere, por meio da lematização, com análise lexical.

Optamos pela ‘nuvem de palavras’ (Figura 1), a qual indica a dispersão dos vocábulos/palavras por sua frequência no corpus analisado, ou seja, quais foram utilizadas em maior quantidade, a fim de identificar, assim, suas palavras-chave. Para ^{Camargo e Justo (2013}a, p. 6), a nuvem “[...] agrupa as palavras e as organiza graficamente em função da sua frequência. É uma análise lexical mais simples, porém graficamente interessante”. Na nuvem, as palavras com maior frequência estão colocadas ao centro e com fonte maior, enquanto que aquelas com menor frequência são dispostas mais para a periferia da nuvem e com fonte menor.

A análise lexical dos resumos das cinco teses e das 19 dissertações selecionadas (Figura 1), processada por esse software, permitiu evidenciar o foco das pesquisas, suas temáticas e as características teóricas e metodológicas mais utilizadas. Em relação ao foco de interesse dessas produções, constatamos que recaem especialmente sobre o professor e sua formação, conforme estabelecido na caracterização das teses e dissertações. As temáticas abordadas reveladas na nuvem de palavras (Figura 1) têm como gatilho central o vocábulo ‘professor’, a partir do qual os demais, com maior frequência, irradiam: ‘escola’, ‘educação’, ‘estudo’, ‘estudante’.

Fonte: Os autores (2020)

Figura 1 Nuvem de palavras obtida com base no processamento do corpus textual no software Iramuteq 

O processamento do corpus, pelo Iramuteq, permitiu identificar menção significativa de ‘Moscovici’ e ‘Jodelet’, o primeiro responsável pela produção da própria teoria e a segunda, responsável pelo desenvolvimento, pela divulgação e pelo aprofundamento da teoria original de Moscovici, a qual fornece elementos conceituais concretos para serem operacionalizados nas pesquisas que procuram desvendar os processos formadores das representações sociais e que evidenciam, para isso, os conceitos de ancoragem (ancorar) e objetivação (objetivar) presentes na nuvem. Também em relação à abordagem teórica das teses e dissertações, fica evidenciado o uso da Teoria do Núcleo Central (^{Abric, 1994}; ²⁰⁰⁰; ²⁰⁰¹a), que procura identificar o que há de mais estável (duradouro) e aquilo que é mais periférico (instável) nas representações sociais.

Com referência ao tipo de abordagem metodológica, constam menções para uma pesquisa do tipo mista, com aspectos ‘qualitativos’; há referência sobre utilização de softwares (Iramuteq, Alceste e EVOC), assim como para análises possíveis a partir desses, como a análise de similitude e a análise de conteúdo. Versam também sobre instrumentos de pesquisa, sendo o questionário e as entrevistas semiestruturadas os mais referidos.

Outro recurso metodológico adotado nesse estudo foi a análise de similitude. ^{Camargo e Justo (2013}a, p. 6) esclarecem que esse “[...] tipo de análise se baseia na teoria dos grafos e possibilita identificar as coocorrências entre as palavras e seu resultado traz indicações da conexidade entre as palavras, auxiliando na identificação da estrutura da representação”. A opção por essa análise possibilitou interpretar a força de ligação entre as palavras presentes no corpus textual que estabelecem entre si (Figura 2).

Pela leitura do grafo da árvore máxima, realizamos a análise de similitude (Figura 2). Dessa leitura, depreendemos a existência de cinco blocos (‘professor’, ‘estudo’, ‘teórico’, ‘instrumento’ e ‘análise’), demarcados por halos que representam a proximidade e a força de ligação de suas palavras nos textos e que constituem categorias de análise. Os blocos apresentam conexão entre si, apesar de apresentarem diferentes forças de conexão entre eles e serem compreendidos de forma integrada.

O primeiro bloco (‘professor’) apresenta associação com os elementos ‘escola’ (f = 08) e contexto (f = 04), o que permite identificar que as teses e dissertações centram suas investigações no professor inserido no contexto escolar. Vale destacar que ‘escola’ apresenta conexão com ‘problema’ (f = 05) e problema com ‘indisciplina’ (f = 03), o que revela a tentativa de compreender as dificuldades que influenciam no trabalho do professor no cotidiano escolar. Além disso, ‘escola’ apresenta relação com ‘rural’ (f = 07), que permite inferir que as teses e dissertações consideram os territórios nos quais as instituições de ensino estão localizadas, o que é reforçado pela relação entre ‘professor-contexto’ (f = 04).

Fonte: Os autores (2020)

Figura 2 Análise de similitude obtida com base no processamento do corpus textual pelo software Iramuteq 

Professor apresenta forte conexão com ‘estudo’ (f = 15), o que demonstra a ligação entre os dois blocos (‘professor’ e ‘estudo’). Fica evidenciado que o foco das pesquisas em RS confirma estudos sobre professores, com destaque à formação inicial, uma vez que há ligação entre ‘estudo-pedagogia’ (f = 07) e ‘pedagogia-estudante’ (f = 04) e para a formação continuada pela conexão entre ‘estudo-docente’ (f = 07) e ‘docente-investigar’ (f = 03).

Os dois blocos analisados até aqui permitem apontar que as investigações analisadas estabelecem a relação entre o ‘professor’, o ‘estudo’ e a ‘escola’, pois a conexão entre eles se evidencia no grafo da árvore máxima, da Figura 2. Esses elementos em conexidade do primeiro e segundo bloco sugerem que as pesquisas desenvolvidas procuraram considerar a realidade complexa em que se desenvolve o trabalho do professor nas escolas, sua formação e sua valorização, como indicam Marcelo ^{García (1999}), ^{Nóvoa (1995}), ^{Ens, Ribas, Oliveira, e Trindade (2019}), entre outros.

Ao evidenciar essa relação, inferimos que as teses e dissertações, em suas concepções de formação docente, afastam-se da perspectiva da racionalidade técnica, na qual o professor é entendido como aplicador de técnicas preestabelecidas cujo desempenho profissional independe de fatores de qualquer outra natureza e que procuram desvendar a complexidade da formação docente na relação com a realidade escolar. A racionalidade técnica considera que “[...] a atividade profissional consiste na solução instrumental de um problema feita pela rigorosa aplicação de uma teoria científica ou uma técnica [...]” (^{Schön, 1983}, p. 21), portanto exterior ao contexto escolar e alheio aos professores, o que se distancia dos elementos em conexão encontrados nesse estudo.

Para ^{Zeichner (1993}), a defesa de uma perspectiva dos professores como práticos reflexivos leva o autor a rejeitar uma visão das abordagens de cima para baixo das reformas educativas, nas quais os professores aplicam passivamente planos desenvolvidos por outros atores sociais, institucionais e/ou políticos. Os elementos em conexão até aqui indicam que é essa a perspectiva adotada pelas pesquisas.

Compreender a escola como espaço de investigação, que revela aspectos da formação do professor, significa estar em autoformação, seja uma formação inicial ou continuada, as quais são relevantes à compreensão dos estudos sobre o professor. Assim, as pesquisas tomam a escola ‘por dentro’ e ‘não por fora’.

Com base nos aspectos inferidos pelas análises, corroboramos com ^{Pimenta (1997}, p. 12) de que:

[...] a formação envolve um duplo processo o de autoformação dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas experiências nos contextos escolares; e o de formação nas instituições escolares onde atuam. Por isso, é importante produzir a escola como espaço de trabalho e formação, o que implica a gestão democrática e práticas curriculares participativas, propiciando a constituição de redes de formação contínua, cujo primeiro nível é a formação inicial.

As teses e dissertações, ao considerarem o ‘professor’ em conexão com ‘estudo’ (f = 15) e ‘escola’ (f = 08), admitem que os professores não reproduzem meramente os conteúdos de suas formações, mas são capazes de reelaborar seus saberes quando confrontados com as experiências nas escolas, em um processo permanente de formação. Isso pode indicar uma possibilidade de investigação em RS a ser aprofundada, pois revela a comparação entre os conhecimentos do senso comum e os escolares, uma das fragilidades apontadas nas pesquisas e que justificam esse estudo.

A pesquisa psicossocial com o aporte das representações sociais, por dar voz aos sujeitos e por respeitar os saberes do senso comum do grupo social a que pertence, torna-se uma abordagem que capta essas realidades complexas e processos formativos e evidencia o que ^{Tardif (2012}) nominou como ‘saberes da experiência’. Esses saberes, embora sociais, podem ser tomados por uma análise psicossocial, como fizeram ^{Silva e Reis (2007}). Nessa perspectiva, os processos de ancoragem e objetivação das representações sociais sobre esses saberes foram investigados.

Em decorrência da especificidade do bloco ‘estudo’ emergem outros dois relacionados aos aspectos teórico-metodológicos das investigações e instrumentos de pesquisa. Nesse sentido, a conexão entre ‘estudo-moscovici’ (f = 06), ‘moscovici-jodelet’ (f = 10), ‘moscovici-abric’ (f = 08) demonstra os principais marcos teóricos utilizados nas teses e dissertações. Já as conexões entre ‘estudo-questionário’ (f = 06), ‘questionário-instrumento’ (f = 09) e ‘instrumento-entrevista’ (f = 07) indicam os instrumentos e procedimentos de pesquisa mais utilizados pelos pesquisadores. Não evidenciamos ampla diversificação, pois estes atendem às conexões dos pesquisadores brasileiros com a dimensão estrutural (Abric) da TRS.

Os blocos estudo e teórico apresentam relação direta de conectividade por meio da relação entre os elementos ‘estudo-moscovici’ (f = 06). Essa conexão revela Moscovici como referencial para os trabalhos, uma vez que o autor estabeleceu os pilares conceituais da TRS. Existe conexão entre ‘moscovici-abric’ (f = 08) e entre ‘moscovici-jodelet’ (f = 10), o que evidencia duas abordagens da TRS a partir dos fundamentos de Moscovici: a abordagem processual das RS (^{Abric, 2001}b; ^{Jodelet, 2009}) e a abordagem estrutural da Teoria do Núcleo Central (^{Abric, 2000}). Vale salientar que a relação mais forte de conexão incide sobre ‘moscovici-jodelet’ (f = 10) por ser essa a pesquisadora que deu continuidade aos trabalhos de desenvolvimento teórico da TRS, na perspectiva moscoviciana, portanto com alta conexão entre eles. Também pode ser explicado pela utilização da definição dada pela pesquisadora às representações sociais.

O bloco ‘teórico’ permite visualizar a especificidade das teses e dissertações em utilizarem referenciais teóricos específicos das RS, com poucas articulações a outros referenciais e ausências de outros, como da política educacional, da formação de professores e da didática, por exemplo, apesar de essas produções perpassarem por essas temáticas e compreenderem esses referenciais no corpo das teses e dissertações. Os resumos apresentam o aporte teórico que define as análises, ou seja, as RS.

A pouca referência a aportes teóricos de outros campos de pesquisa da área educacional nos resumos implica inferir que seus autores priorizam a temática de representações sociais em detrimento da relação entre referenciais. Entendemos que essa relação poderia ser mais fortemente apresentada, pois a TRS permite essa aproximação por seu caráter transversal.

O bloco ‘análise’ está em conexão com o bloco ‘professor’ pelos elementos ‘contexto-resultado’ (f = 05). Esse bloco incide sobre as análises das teses e dissertações ao considerar o contexto do professor e da escola nos seus resultados. Essa inferência se fortalece quando se observa a ligação entre ‘resultado-revelar’ (f = 09), ‘revelar-análise’ (f = 05) e ‘análise-software’ (f = 06), o que permite inferir que o professor, a escola, seus estudos e contextos, articulados de forma direta no grafo da Figura 2, são revelados nos resultados das análises por meio de softwares uma vez que apresentam conexão entre si. A ligação entre ‘revelar-ancorar’ (f = 03) é a mais fraca nesse bloco, o que indica que essa relação não está tão evidenciada nos resumos, mas parece revelar ancoragens a partir da escola. Inferimos que nesse bloco o foco recai mais sobre a análise dos resultados do software do que sobre a compreensão das ancoragens.

Com o objetivo de confirmar e ampliar a compreensão desse estudo, como resultado da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), o corpus (24 resumos/unidades de contexto inicial - UCIs) foi dividido em 258 UCEs (segmentos de texto/unidades de contexto elementar), dos quais 215 foram utilizadas para a construção de seis classes temáticas, que formaram dois grupos (A e B). Assim, podemos observar que houve alto aproveitamento (83,3% das UCEs), o que denota uma aceitável porcentagem, pois somente 16,7% das UCEs se diferenciaram das demais classificações (Figura 3).

Na CHD, os segmentos de texto são classificados “[...] em função de seus vocabulários, e o conjunto deles é repartido com base na frequência das formas reduzidas (palavras já lematizadas). Essa análise visa a obter classes que apresentam vocabulário semelhante entre si, e vocabulário diferente das outras classes” (^{Camargo & Justo, 2013}b, p. 516).

A Figura 3 apresenta a porcentagem de aproveitamento dos segmentos de texto (UCEs) em cada classe e possibilita contextualização prévia do mundo lexical do qual as palavras fazem parte, o que permite identificar as características de cada classe, com as palavras mais importantes de cada uma delas. O quiquadrado (χ2) ao lado da palavra indica a sua representatividade dentro da classe, ou seja, quanto maior ao quiquadrado, maior a representatividade da palavra.

Pelo dendograma obtido (Figura 3), identificamos que a estrutura hierárquica das classes temáticas (definida pelas seis classes) ficou agrupada em dois blocos (A e B). O bloco A aglutina os léxicos da classe 5 (‘Territórios de Pertencimento’), da classe 3 (‘Contexto Escolar’), os léxicos da classe 1 (‘Sujeitos da Pesquisa’), da classe 2 (‘Objetivos da Pesquisa’) e da classe 4 (‘Inferências’), e o bloco B incorporou os léxicos da classe 6 (‘Opções teórico-metodológicas’) e cobre todo o bloco A.

A denominação de cada classe foi construída com base no estudo de todos os resumos, que constituíram o corpus desse estudo, e a leitura dos segmentos de texto de cada classe formada pelo Iramutec tomou como ponto de partida a TRS e os dados da pesquisa exploratória resultantes da primeira fase dessa pesquisa. No processamento dos dados, o software destacou as palavras mais fortes e representativas de cada classe nos segmentos de texto correspondentes, bem como permitiu acessar os segmentos de texto de cada sujeito nas classes, o que possibilitou a inferência sobre o seu conteúdo.

A Classificação Hierárquica Descendente sustentou e ampliou as análises interpretativas realizadas a partir da Nuvem de Palavras e de Similitude. Nesse sentido, a classe 6 constituída por 23,71% dos segmentos de texto analisados e, portanto, a maior classe, indica a relação teórica e metodológica eleita pelos autores das teses e dissertações que serviram de fundamento pragmático para o desenvolvimento da sua investigação. Sob essa perspectiva interpretativa, pode-se dizer que os autores das teses/dissertações examinadas se preocupam em demonstrar as opções realizadas, pois a maior parte dos segmentos de textos tem relação com essa demonstração, especialmente as produções realizadas na esfera dos Programas da PUCPR e da UEM, uma vez que o termo ‘utilizar’ aparece com o maior valor de χ2 para a classe, o que indica seu maior poder de representação na classe.

Fonte: Os autores (2020)

Figura 3 Classificação Hierárquica Descendente obtida com base no processamento do corpus textual pelo software Iramuteq, contendo valores de X² e frequência 

Apresentamos, como exemplo, o segmento de texto com maior ‘score’, que auxilia a compreender a Classe 6, a qual denominamos de ‘Opções teóricas e metodológicas’: “[...] ‘utilizamos’ como ‘suporte teórico-metodológico a teoria das representações sociais’, ‘proposta’ por ‘Serge Moscovici’, tendo por foco a ‘teoria do núcleo central’ e nos valemos de uma ‘metodologia plurimetodológica’ aplicando como ‘procedimento’ de geração dos ‘dados’ a associação livre de palavras com ‘termo indutor’ e um ‘questionário’ semiaberto e outro sócio demográfico” (Resumo nº 2, PUCPR, mestrado, 2017). As palavras destacadas dos recortes das transcrições sublinham as que possuem a maior força no interior desse segmento de texto em articulação com essa classe (Figura 3).

A Classe 5 procura caracterizar os ‘locais’, os ‘territórios’, as comunidades do entorno do espaço escolar e suas singularidades, bem como identifica a esfera de gestão (estadual, municipal, rural, urbano). Nesse sentido, nominamos essa Classe de ‘Territórios de Pertencimento’, encontrada em 12,09% dos segmentos de textos pertencentes ao corpus analisado. Essa classe permitiu compreender que os resumos procuram localizar a instituição escolar como parte de um espaço físico, com singularidades, influenciada pelos aspectos externos a ela. Inferimos que pode se tratar da relação todo/parte que articula a interpretação hermenêutica, tendo as esferas de pertencimento função importante na TRS, com as análises incidindo sobre o subjetivo (a própria unidade escolar), o intersubjetivo (relação entre escolas, como escolas urbanas e rurais, por exemplo) e o transubjetivo (a política educacional estabelecida no território paranaense), porém a esfera transubjetiva não fica tão explicitada nos resumos.

Dos segmentos de texto extraídos da análise, aquele que apresentou o maior ‘score’ dentro da classe 5 foi: “[...] considerando estes aspectos ‘definimos’ como ‘objetivo geral analisar’ os impactos do ‘fechamento’ das ‘escolas municipais rurais’ do município de Almirante Tamandaré por meio da representação social de ‘moradores’, os sujeitos da pesquisa são 09 ‘moradores’ das ‘comunidades’ do entorno das ‘escolas rurais fechadas’ do ‘município’” (Resumo nº 23, UTP, mestrado, 2016). Percebemos que essa é uma característica mais acentuada nas produções relacionadas aos Programas da UTP e da PUCPR.

Os segmentos de texto que constituem a Classe 4 procuram demonstrar aspectos relacionados às análises e às considerações realizadas nas teses/dissertações, que evocam palavras como ‘reafirmar’, ‘apareceram’, ‘inferimos’, ‘iramuteq’, ‘similitude’, ‘análise’ e ‘tese’, entre outros. Nesse sentido, inferimos que se trata de uma classe que ressalta elementos das análises, bem como as convicções do pesquisador, o que permite a ele tecer suas considerações e inferências. A Classe 4 representou 23,26% dos segmentos de texto e passamos a denominá-la de ‘Inferências’, a segunda maior classe formada. Isso demonstra que depois das opções teóricas e metodológicas representadas pela Classe 6 (Figura 3), as inferências assumem lugar de destaque nas teses/dissertações sobre RS no Paraná, no campo da educação, especialmente nas produções da PUCPR. Isso pode ser evidenciado no segmento de texto: “[...] consideram ainda que esse proporciona valorização ‘profissional’ por meio da ‘progressão’ na ‘carreira’ docente para ‘reafirmar’ a ‘análise’ processada por meio do ‘software iramuteq’ e comprovar a relevância dos ‘elementos’ situados no ‘provável núcleo central’ das representações sociais sobre o ‘programa de desenvolvimento educacional do Paraná’” (Resumo nº 6, PUCPR, mestrado, 2018).

Esse segmento de texto também evidencia uma inferência que articula a TRS às políticas educacionais implementadas no Paraná, como o PDE e o plano de carreira dos professores estaduais. Da análise das palavras que constituem a classe 4 (inferências) da CHD, destacamos ‘políticas educacionais’ e constatamos que a frequência com que aparece no ‘corpus’ é baixa, já que apenas 4 vezes ela é citada de um total de 9.084 ocorrências e não adquire relevância nos resumos.

As políticas educacionais implementadas podem ancorar representações sociais e, por essa importante possibilidade, poderiam ser mais exploradas e articuladas nos resumos analisados, na perspectiva de compreender o que permanece e o que se altera no contexto da prática, o que pode evidenciar processos de ancoragem e objetivação.

^{Ball e Bowe (1992}), citados por ^{Mainardes (2006}), dizem que:

[...] o contexto da prática é onde a política está sujeita à interpretação e recriação e onde a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e transformações significativas na política original. Para estes autores, o ponto-chave é que as políticas não são simplesmente ‘implementadas’ dentro desta arena (contexto da prática), mas estão sujeitas à interpretação e, então, a serem ‘recriadas’ (^{Mainardes, 2006}, p. 53, grifos do autor).

Considerando que o contexto da escola (prática) está evidenciado nos resumos analisados e que a política educacional, balizadora da formação de professores, pode ser ‘transformada’ quando implementada, compreendemos que os resumos poderiam contemplar com mais intensidade a articulação com as políticas educacionais. Isso poderia fornecer aos resumos um caráter interpretativo mais adensado e articulado com as esferas de pertencimento descritas por ^{Jodelet (2009}, p. 695).

Pelos segmentos de texto que compõem a Classe 3 (16,28% do total), inferimos que esta incide sobre o contexto do objeto de estudo investigado nas teses/dissertações, especialmente o escolar. A Classe 3 está relacionada ao contexto escolar e a tudo que dele faz parte: professores, ação pedagógica, desenvolvimento profissional, formação docente no âmbito da escola e suas dificuldades. Parece indicar que as teses/dissertações que versam sobre RS, no Paraná, estão atentas à importância do espaço escolar como lócus de pesquisa e de produção de conhecimento e creditam ao espaço escolar e suas práticas a ancoragem das representações sociais investigadas, o que reafirma aquilo que apontamos na análise de similitude. Nesse sentido, nominamos essa Classe de ‘Contexto Escolar’ e apresentamos um segmento de texto para ilustrá-la: “‘Ações’ que visaram aprimorar, ‘desenvolver’ e, até ‘mesmo’, sanar ‘possíveis problemas’ oriundos de ‘processos’ de formação inicial inadequados têm sido investigadas e os ‘resultados’ dessas pesquisas ‘apontam’ para a ‘necessidade’ de se ‘considerar’ o espaço escolar como base” (Resumo nº 3, PUCPR, doutorado, 2018).

A Classe 2 exprime a intencionalidade da investigação proposta nas teses/dissertações, por vezes com sua justificativa. Estamos nos referindo à definição dos ‘objetivos da investigação’. Essa Classe compreendeu 12,09% dos segmentos de texto analisados, o que indica que os pesquisadores procuram evidenciar o que pretendem realizar em suas investigações. Erigir objetivos para a pesquisa é básico e fundamental para o(a) pesquisador(a) desenvolver sua investigação. A análise realizada indica ser esse um dos pontos observados pelos autores nas teses/dissertações contempladas nesse estudo e que ficam bem evidenciadas nas produções vinculadas aos Programas da UEPG e da UEM. Apresentamos um segmento de texto relacionados a essa Classe: “[...] ‘justificamos’ esse ‘estudo’ pela ‘necessidade’ de compreender a conceituação do ‘bullying’ pelos ‘acadêmicos’ desse ‘curso, futuros professores’, visando ‘contribuir’ com a ‘formação’ dos ‘futuros profissionais’ da ‘educação’ na ampliação de seus ‘conhecimentos relativos’ à temática considerando que a estrutura curricular desse ‘curso’ ainda não o aborda de ‘forma’ direta” (Resumo nº 14, UEM, mestrado, 2017).

E, por fim, porém não menos importante, a Classe 1, denominada de ‘Sujeitos da Pesquisa’, identifica os sujeitos contemplados nas teses/dissertações, apresentando, por vezes, suas idades, tempo de serviço, funções que ocupam na instituição de ensino, territórios em que residem ou atuam, entre outros. Assim como a Classe 2, que indica os objetivos da pesquisa, a Classe 1 comporta um elemento importante e imprescindível da TRS, que é o da caracterização dos sujeitos da pesquisa. Dessa maneira, parece que as teses/dissertações, especialmente as vinculadas aos Programas da PUCPR e da UEM, apresentam essa caracterização ou pelo menos se preocupam em apresentar algum esboço caracterizador dos sujeitos da investigação, o que pode ser verificado por meio do segmento de texto: “[...] ‘participaram’ do ‘estudo’ 50 professores ou ‘pedagogos’, a maioria ‘mulheres’, acima de 41 ‘anos’ e com pelo menos 10 ‘anos’ de serviço na rede pública do estado do Paraná, ‘visto’ que para ‘realizar’ o Programa de Desenvolvimento Educacional do Paraná, o professor ou o ‘pedagogo precisa’ alcançar ao menos a classe 8 do ‘nível’ II do plano de ‘carreira docente’ do ‘estado’” (Resumo nº 6, PUCPR, mestrado, 2018).

Das interpretações realizadas até este momento, foi possível verificar que, estruturalmente, os resumos das teses e dissertações analisadas possuem coerência interna e seus autores estão atentos em procurar superar as fragilidades apontadas pelos diversos pesquisadores que se empenharam em compreender o estado do conhecimento da pesquisa em RS. Entretanto, ainda não nos permitem realizar inferências sobre a qualidade da construção das classes que emergiram da CHD nessa investigação. Isso exigirá novos esforços investigativos com a finalidade de perceber o rigor na caracterização dos sujeitos, na definição dos objetivos, na detecção dos processos de ancoragem, da qualidade das inferências que ultrapassem a mera descrição das representações sociais, entre outros.

Considerações finais

Essa pesquisa, do tipo ‘estado do conhecimento’, incidiu sobre análise dos resumos de teses e dissertações em educação, que utilizaram a TRS como fundamento teórico e/ou metodológico. O percurso metodológico considerou duas fases da pesquisa: a primeira, vinculada ao mapeamento das produções, realizadas por meio do Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, no período de 1987 até 2018, além de considerar a produção nacional e a do estado do Paraná. Esse mapeamento permitiu apontar, como outras pesquisas, o crescimento quantitativo de produções, com destaque significativo para o campo educacional, o qual concentra a maior parte das teses e dissertações, com carências teóricas e metodológicas; e a segunda fase, objeto desse texto, incidiu sobre os resumos de 19 dissertações e de cinco teses elaborados em PPGEs do Paraná, produzidos no período de 2016 a 2018, os quais foram submetidos à análise textual por meio do software Iramuteq: nuvem de palavras, análise de similitude e classificação hierárquica descendente.

A análise dos resumos permitiu compreender a estrutura das teses e dissertações analisadas. Constatamos que o foco das investigações recai sobre o professor, estudo e escola, em especial sobre a formação de professores, bem como considera o contexto escolar. Esses resumos explicitam o objetivo das investigações, o contexto escolar, os territórios de pertencimento das instituições e dos sujeitos, bem como retratam a opção teórico e metodológica adotada e as inferências realizadas, o que caracteriza uma adequada sistematização de trabalho científico.

As análises textuais realizadas por meio da nuvem de palavras, da análise de similitude e da CHD foram complementares entre si, o que possibilitou detectar aspectos semelhantes e outros diferenciados entre si devido às especificidades de cada trabalho.

Em relação ao aporte teórico explicitado nos resumos, há menção quase que exclusiva da TRS, não sendo praticamente detectada articulação com outras teorias do campo educacional, o que indica que as produções não contemplam abordagens teóricas de outras áreas do campo educacional.

Nesse sentido, verificamos que campos como o das políticas educacionais, da formação de professores e da didática não adquirem relevância nos resumos estudados, uma vez que não são praticamente citados. Dessa constatação, indicamos que os resumos das pesquisas em representações sociais no campo educacional evidenciam com mais força as políticas educacionais e seus domínios teóricos para revelar análises mais adensadas, inclusive, no sentido de detectarem possíveis processos de ancoragem e objetivação com base no contexto da prática em que as políticas são implementadas e transformadas. Essa articulação poderia tornar mais relevante os resumos de tal forma que as políticas educacionais pudessem ser evidenciadas como esferas de pertencimento das RS.

Em relação à formação de professores, apesar de não constarem sua referência teórica, foi possível inferir um distanciamento da racionalidade técnica e uma aproximação com perspectivas que contemplam a escola como espaço de formação. Essa perspectiva compreende que o professor, ao atuar e se deparar com a realidade escolar, ressignifica seus saberes em um processo contínuo de formação, processo que pode revelar aspectos interessantes de RS no sentido da comparação entre conhecimentos do senso comum (como, por exemplo, os saberes experienciais) e os escolares.

O campo dessas investigações ainda carece de aprofundamento, porquanto se faz necessário analisar essas produções para além dos resumos, em uma terceira fase de investigação. Seria possível compreender os textos completos a partir das opções teóricas e metodológicas e da articulação entre as possibilidades da TRS e das formas como ela se desdobra na pesquisa, ou seja, pelos textos completos. Em síntese, é mister analisar como as teses/dissertações descrevem os sujeitos e quais relações apresentam entre o subjetivo, o intersubjetivo e o transubjetivo, bem como compreender como a realidade escolar é considerada e como creditam à escola a ancoragem das representações sociais e, entre outras questões, quais foram os elementos considerados que sustentam as inferências construídas.

Portanto, a investigação realizada até esse momento permitiu encontrar algumas respostas, mas é necessário avançar em busca de outras, na perspectiva de sempre aprimorar os processos investigatórios não realizados.