INTRODUÇÃO
Na virada do século XIX para o século XX, o Brasil deixou de ser regido por uma Monarquia e passou a se organizar como República, alterando - embora não radicalmente - algumas formas de gerir a coisa pública. Nesse período, o país passou a experimentar gradualmente mudanças modernizantes em seu cotidiano, dentre as quais podem ser destacadas a preocupação com a saúde e a higiene públicas, a incorporação de avanços científicos e tecnológicos importantes, e a implementação de um novo modelo de instrução pública. As novas exigências de ordem política, econômica e cultural estavam a demandar recursos humanos capazes de fazer frente aos desafios de um país que almejava o ingresso imediato no mundo desenvolvido, de modo que a educação se constituía no instrumento mais eficaz para a adaptação da recém-criada República às premissas da ordem e do progresso.
Tambara e Arriada (2009) confirmam que neste momento realizava-se intensa campanha de difusão dos benefícios que poderiam ser auferidos com a universalização do acesso à escola, procurando promover uma assimilação harmoniosa entre a República e a educação no bojo de um processo, evidentemente, associado à moral e ao civismo patriótico de tal modo que é possível identificar “nos primeiros decênios do século passado um efetivo trabalho desenvolvido por uma plêiade de intelectuais que peregrinaram pelo país na defesa da constituição de um processo de conformação ideológica consentânea com as premissas republicanas em consolidação” (TAMBARA; ARRIADA, 2009, p. 279-280).
Sob essas circunstâncias, com o novo regime se impondo, a instrução pública passou a representar a redenção nacional. Desde então, deflagrou-se a missão essencial da formação da nacionalidade e da transformação de seus cidadãos em patriotas civilizados, capazes de corresponder aos anseios do novo regime. Vale ressaltar que, no que se refere à condição de cidadania, a base legal do novo regime apresentava uma grave incoerência. Ao estabelecer que todos eram iguais perante a lei, nossa primeira Constituição republicana não admitia privilégios de nascimento, desconhecia foros de nobreza e extinguia as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. Caracterizando formalmente um dado conceito de cidadania, alia-o à noção de direito, afastando-se da concepção oligárquica e absolutista de benefício e privilégio para poucos. Entretanto - e aí residiu sua mais sensível contradição -, mais à frente ela exclui mendigos, analfabetos e mulheres do exercício do sufrágio universal, um dos preceitos básicos da República, de tal modo que a “cidadania” republicana brasileira se conformaria a partir de um conceito desigual e excludente. Assim, não fazia jus ao sentido da res publica, negando, portanto, a sua prerrogativa fundante, “de todos”, “do povo”. Em razão disso, considera cidadão somente o portador de algumas condicionalidades, como certidão de nascimento e título de eleitor, por exemplo, ratificando a cidadania a partir da lógica de aquisição dos direitos civis.
Definitivamente nossa República não era afeita à participação popular. Carvalho (1990) apresenta e discute as correntes que disputavam a definição da natureza do novo regime republicano brasileiro, informando que entre o liberalismo à americana, o jacobinismo à francesa1 e o positivismo2, a primeira versão foi a vencedora e nela não havia lugar para a democracia, para um governo no qual existisse a participação direta dos cidadãos. A corrente americana defendia a construção de “uma sociedade composta por indivíduos autônomos, cujos interesses eram compatibilizados pela mão invisível do mercado. Nessa versão cabia ao governo interferir o menos possível na vida dos cidadãos” (CARVALHO, 1990, p. 9). Tal concepção pode vir a explicar o pequeno interesse e a baixíssima influência do povo na tomada de decisões no novo regime.
Terra (2012) confirma a construção da cidadania naquele período como um processo ocorrido numa relação, muitas vezes, conflituosa com o Estado, na qual a mobilização e a organização dos trabalhadores foram uns dos principais instrumentos de acesso a direitos entre o final do século XIX e início do século XX. Ainda segundo ele, “os trabalhadores envolvidos não foram meros espectadores e atuaram ativamente através dos requerimentos enviados ao governo, das suas associações, tanto mutualistas como de resistência, e das inúmeras greves” (TERRA, 2012, p. 294).
Em resposta a essas movimentações, as elites republicanas agiram, propondo
[...] a afirmação do novo regime perante a sociedade, através de políticas de valorização da instrução pública e da exaltação dos valores cívicos e morais nos conteúdos ensinados nas escolas públicas, objetivando a formação de um povo civilizado e cidadãos úteis à pátria” (COSTA; MENEZES NETO, 2016, p. 70).
Na mesma perspectiva, Schueler e Magaldi (2009) defendem que um elemento-chave no projeto da escola primária republicana “[...] diz respeito ao papel assumido por essa instituição na formação do caráter e no desenvolvimento de virtudes morais, de sentimentos patrióticos e de disciplina na criança” (SCHUELER; MAGALDI, 2009, p. 45).
Cabe destacar que não era recente essa tendência, ainda atual, de situar na educação - e, por consequência, na instituição escolar - a busca de soluções para a maioria dos males que afligem uma dada sociedade, imputando-lhe responsabilidades sociais. Trata-se de “um processo que está em curso há um longo tempo e coincide com o papel da educação na formação do moderno Estado-nação” (DEPAEPE; SMEYERS, 2016, p. 754).
Em várias línguas e no contexto de diferentes culturas, o mesmo ‘regime educacional’ estabeleceu-se em quase todo o mundo ‘civilizado’: um complexo semelhante de ações com o objetivo de formar estudantes (para mais tarde), disciplinando-os. Isto é evidenciado não só pelo comportamento educacional e o modo como as crianças são tratadas pedagogicamente, mas também pelos determinantes da própria cultura escolar (DEPAEPE; SMEYERS, 2016, p. 759).
No estado do Pará, a situação não era diferente. No documento legal que orientava a estrutura e o funcionamento do ensino primário, era prevista a oferta de uma matéria denominada “Cultura cívica”, componente do “Curso Superior”3 das escolas a ser ministrado no último horário de todos os dias. Seu programa previa a
leitura e explicação da constituição Federal e da do Estado - Noções succintas e praticas do direito pátrio. - Disposições fundamentaes das principaes leis federaes e do estado - Direitos civis e direitos políticos -Requisitos exigidos para o pleno gozo de ambos - Qualidades essenciaes aos contractantes - deveres civicos - civismo e espirito publico (PARÁ, 1890, p. 25).
A matéria mencionada estava acompanhada de outros conteúdos, como as “Lições de coisas”, o “Estudo teórico da moral” e os “Preceitos de civilidade”. Recebendo em diferentes momentos também a denominação de “educação”, a “Cultura cívica” era revestida de inegável importância para a formação da criança, a ponto de outras matérias também terem a incumbência de desenvolver esses conteúdos. Ao tratar do ensino de “Geografia pátria”, por exemplo, o regulamento atribui-lhe a tarefa de despertar na criança “[...] o amor da terra, e de educação civica pelas noções sobre a organisação politica e administrativa da sua villa ou cidade, do seu municipio, do seu estado e finalmente do seu paiz” (PARÁ, 1890, p. 35). Por outro lado, além da “cultura civica”, matérias como “cultura moral”, também estas do ensino primário, tinham como finalidade incutir nas crianças “[...] o culto da verdade, do bello e do bom, e preparando n’ellas bons futuros cidadãos, se esforçará por preparar á humanidade em geral - e é este o fim superior da educação - bons e uteis servidores” (PARÁ, 1890, p. 45).
Essas transformações no campo da instrução se materializaram em novos edifícios, métodos e materiais didáticos, assim como na profusão de iniciativas, como a criação de periódicos educacionais e a promoção de eventos de abrangência nacional e estadual, denominados de conferências ou congressos, com fins de discussão e difusão das tendências educacionais e pedagógicas daquela época.
Em termos do debate que alimentava e propagava as ideias educacionais e pedagógicas em voga, além da “imprensa periódica educacional como fonte e como objeto especialmente relevantes para a história da produção, difusão, apropriação e circulação de conhecimentos em educação” (FERNANDES, 2013, s. p.), estes eventos exerciam papel preponderante. Chegavam até a ser considerados sob uma “perspectiva de atualização, de continuação dos estudos depois da formação, e de vulgarização e aperfeiçoamento dos métodos de ensino” (BASTOS, 2003, p. 1). Insere-se neste cenário a realização de eventos dessa natureza como espaços de expressão e socialização do pensamento educacional republicano no início do século XX.
Com base no exposto, propomo-nos a investigar o Congresso Pedagógico do Pará, suas etapas e principais protagonistas. Para tanto, nosso objetivo é analisar o processo de sua organização inicial, ascensão e declínio durante a última década do século XIX, observando os resultados do debate que agregou intelectuais de diferentes ordens, propiciando manifestações diversas em matérias jornalísticas ou de opinião, ou mesmo por meio de convocações explícitas a sessões preparatórias.
A primeira fase do processo da pesquisa foi a busca e coleta de fontes documentais e bibliográficas, a princípio sem avaliar e analisar o material. Isto significa que não havia naquele momento preocupação em priorizar este ou aquele tipo de documento, senão apenas relacionar e reunir peças do acervo que tivessem algum vínculo com a temática e o período a ser estudado. Nesta fase, constatamos a existência de informações disponíveis em periódicos, como jornais e revistas, além da legislação em vigor e das mensagens de governadores do estado. Encontramos tais documentos no Arquivo Público do Estado, na Biblioteca Pública do Estado e na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Em um segundo momento, organizamos o material coletado, etapa no qual dispensamos maior atenção ao conjunto de documentos, de modo a consignar sua vinculação ao tema por meio da identificação do verbete “congresso pedagógico” ou em expressões similares, capazes de indicar proximidade com o objeto. O espectro de busca foi de 1882 a 1901 - portanto, anterior a 1895 e posterior a 1897 (embora este seja nosso recorte temporal) -, para podermos entender e explicar determinadas causas e consequências atinentes à organização do evento.
Também buscamos suporte na literatura dedicada ao estudo da instrução na Primeira República, em especial naquelas obras que investigam as conferências e congressos educacionais e pedagógicos. Vieira (2017) aborda-ambos entre as décadas de 1920 e 60. Bastos (2003) trata das conferências pedagógicas no município da Corte em finais do século XIX. Silva (2011) discute a nacionalização do debate sobre a instrução pública nestes encontros os da década de 1910. Saviani (2000) discute o protagonismo de Abílio César Borges, que, por ser pessoa próxima do imperador e possuir conhecimentos expressivos na área pedagógica, foi indicado “para o Conselho de Instrução Pública da Corte”4 (SAVIANI, 2000, p. 47).
O SURGIMENTO DAS CONFERÊNCIAS E CONGRESSOS NO BRASIL
Importa destacar que a experiência dos congressos e das conferências não é recente. Maria Helena Camara Bastos esclarece que “já no século XVI, Montaigne destacava o papel educativo e formativo de uma conferência, como espaço de permuta das luzes e idéias. No século XIX, as conferências disseminam-se como uma estratégia de educação e de vulgarização do conhecimento” (BASTOS, 2003, p. 1). Para a autora estes eventos “objetivavam discutir sobre diversas questões vinculadas à profissão, isto é, à educação e ao ensino. Tinham uma perspectiva de atualização, de continuação dos estudos depois da formação, e de vulgarização e aperfeiçoamento dos métodos de ensino” (BASTOS, 2003, p. 1).
Quanto a suas origens, elas são tão antigas quanto os estabelecimentos escolares.
A Prússia parece ter sido a primeira a instituí-las. Na França, há uma primeira referência em 1829, mas é a partir de 1835 que se generalizam, sendo suspensas em 1849. Recomeçam em 1871 e generalizam-se em 1878. No Brasil, o decreto n. 1331, de 17 de fevereiro de 1854, que regulamenta a instrução primária e secundária do Município da Corte (reforma Couto Ferraz), cria as conferências pedagógicas (art. 76), mas as mesmas só ocorrem a partir de 1873. Nos demais estados brasileiros, encontram-se inúmeras referências legais de estabelecimento das conferências pedagógicas (BASTOS, 2003, p. 1).
Para Gondra (2018), a década de 70 do século XIX foi um período em que "a representação mais estável e regular era a de que muitos dos problemas relativos à instrução pública poderiam ser resolvidos ou amenizados por meio do aperfeiçoamento dos professores nas Conferências” (GONDRA, 2018, p. 77). Assim, estas foram normatizadas pelo Regulamento de 3 de agosto de 1872, pelo Inspetor Geral J. C. Figueiredo, ao estabelecer que todos os professores públicos das escolas primárias do Município da Corte seriam
convocados com oito dias de antecedência pela Inspetoria Geral da Instrução Pública, para se reunirem nas férias de Páscoa e nas do mês de dezembro, a fim de conferenciarem sobre todos os pontos que interessarem: regime interno das escolas; métodos de ensino; sistema de recompensas e punições para os alunos (BASTOS, 2003, p. 2).
Como se vê, muito se esperava em relação a esses eventos, sobre os quais eram “depositadas as expectativas e a responsabilidade pela melhoria da qualidade do ensino primário, visto que deveriam proporcionar o aperfeiçoamento dos professores” (GONDRA, 2018, p. 79). De fato, as conferências adquiriram status de eventos de prestígio devido, dentre outras razões, à influência que passaram a exercer na discussão educacional e aos espaços que criaram para a circulação de ideias que, segundo Bastos (2003),
faziam parte de um movimento internacional, no qual a elite intelectual brasileira procurava integrar-se e vivenciá-las na sua realidade social. Esses intelectuais que participam do Estado, favorecendo a sua manutenção, também preconizam transformações nas estruturas sociais, na perspectiva de que a educação equivalia a progresso (BASTOS, 2003, p. 5).
Nesta perspectiva, vemos os congressos não como meros acontecimentos pretéritos, mas como iniciativas que se desenvolveram no contexto de um momento histórico relevante para a definição de uma nova diretriz para a política educacional do país. Vieira (2017) apresenta pensamento semelhante ao se referir a estes encontros nacionais no século XX, que para ele são “momentos privilegiados para flagrarmos o discurso educacional, pois essas conferências foram eventos nacionais que reuniram os principais protagonistas do debate educacional, sejam eles personagens consagrados, sejam indivíduos sem notoriedade no campo” (VIEIRA, 2017, p. 23).
Além disso, a exemplo das conferências pedagógicas estudadas por Bastos (2003), esses eventos podem se constituir em
um valioso registro das idéias que agitaram o ambiente intelectual brasileiro, após 1870. Expressam um amplo debate travado sobre as questões educacionais: métodos de ensino, matérias de ensino, co-educação, educação das mulheres, educação e trabalho, escolas mistas, ensino primário, ensino secundário, escola normal, universidade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, liberdade de ensino, magistério, etc. (BASTOS, 2003, p. 5).
Com vistas a discutir as propostas educacionais que foram fomentadas no início da década de 1910, Silva (2011) informa que os professores se organizaram para discutir os problemas da educação brasileira por meio de congressos pedagógicos em eventos intitulados:
Primeiro Congresso Brasileiro de Instrucção Secundária, ocorrido em São Paulo de 15 a 24 de fevereiro de 1911, e Segundo Congresso Brasileiro de Instrucção Primária e Secundária, realizado em Belo Horizonte de 28 de setembro a 4 de outubro de 1912, e o Terceiro Congresso Brasileiro de Instrução Primária e Secundária, em Salvador em julho de 1913 (SILVA, 2011, p. 1).
Com ampla divulgação na imprensa, seu público principal eram professores, representantes governamentais, autoridades educacionais, jornalistas e demais interessados. Ainda segundo a autora, a análise desses eventos “é de fundamental importância para que se perceba que o país, mesmo que lentamente, caminhava a favor de uma política educacional de abrangência nacional que proporcionasse uma formação dos sujeitos preparando-os para a efetivação da plena cidadania” (SILVA, 2011, p. 2).
No Pará, cumpre considerar a existência - desde o Império - de um “Conselho Superior de Instrução Pública”, composto por cinco membros nomeados diretamente pelo Govenador do Estado, escolhidos entre cidadãos “de comprovada competencia em assumptos de instrucção publica, e reconhecida probidade” (PARÁ, 1901, art. 15).
Ainda assim, foi criado - com apoio do governo - um novo colegiado, muito mais amplo (com sessenta membros) e com atribuições de discutir e emitir pareceres sobre diversas questões referentes à instrução pública. Entretanto, antes de sua criação efetiva pelo governo do estado, houve um momento em que educadores e demais interessados reuniram-se para preparar sua realização como um grande evento; essa ideia atingiu seu ápice no final do ano de 1900. A seguir, veremos como se processou o crescimento e o ocaso dessa ideia, que iria marcar definitivamente o debate sobre a instrução pública na passagem do século XIX para o século XX.
A ASCENSÃO DA IDEIA DO CONGRESSO PEDAGÓGICO: AS SESSÕES PREPARATÓRIAS E OS ANÚNCIOS PERIÓDICOS
No Pará republicano, os eventos tinham o intuito de promover a educação do povo, conferindo-lhe o status de civilizado, ordeiro e progressista. Assim, adquiriram elevada importância para o governo, que pugnava por estabelecer diferenças qualitativas e quantitativas de suas iniciativas em relação ao regime recém-derrotado. Em sua mensagem de 1897, Lauro Sodré fala das diferenças entre o regime imperial e o republicano no que se refere ao tratamento da instrução pública no Estado, destacando o contraste, que pelas
cousas da ensino [sic] oppõe o regimen republicano, em que ellas constitue a primeira preoccupação dos poderes publicos, ao regimen antigo, em que possuiamos uma organisação deficiente e cheio [sic] de lacunas, indicio de um systema politico, que não poderia viver alumiando o espirito do povo (PARÁ, 1897, p. 31).
Entretanto, para além desse aspecto de ordem ideológica, havia problemas de natureza orçamentária que precisavam ser resolvidos para dar continuidade à chamada modernização do ensino. Em 1898, apresentando o orçamento governamental para o biênio 1898-1899, Paes de Carvalho defende o investimento imediato a ser feito em quatro frentes importantes na área da instrução pública: a oferta de maiores vantagens, materializadas em um aumento para a classe dos normalistas; a contratação do que ele reputa como o agente mais importante da instrução pública - o inspetor escolar; a construção de edifícios próprios para o funcionamento das escolas primárias e a continuação da tarefa de mobiliamento das escolas primárias (PARÁ, 1898).
Nesse contexto, entre 1896 e 1897, acontece a materialização da ideia de uma instância de discussão das grandes questões da instrução no estado, decorrente de iniciativas semelhantes em nível nacional e internacional. Mais precisamente, é quando se inicia o processo de instituição e organização do Congresso Pedagógico do Pará, objeto cuja investigação deu à luz este trabalho.
Ao se investigar notícias sobre esses eventos nos jornais paraenses de meados do século XIX, a primeira referência encontrada é o Congresso Pedagógico da Espanha, realizado em maio de 1882 e aberto com a presença do próprio rei D. Affonso “promettendo o seu appoio para elevar o professorado hespanhol á altura do de outras nações da Europa” (DIARIO DE NOTICIAS, 1882, p. 2). No mesmo mês, do mesmo ano, também ocorreu o Congresso pedagógico da Argentina do qual, conforme mencionamos anteriormente, participou o brasileiro Abílio César Borges, Barão de Macahubas, a quem foi conferido o honroso lugar de vice-presidente do evento. Naquela ocasião, o Barão defendeu uma dissertação cujos temas abordavam a “influencia dos internatos normaes sobre o melhoramento e a diffusão da instrucção primaria” e os “melhores meios de nas escolas sustentar a disciplina, e de fomentar nos meninos o gosto pela instrucção” (SAVIANI, 2000, p. 42).
Talvez influenciado pelas iniciativas espanhola e argentina, no Brasil
o governo imperial, no intuito de convocar um congresso pedagogico, no qual se discutam questões relativas ao ensino publico na côrte e nas provincias, resolveu encarregar ao sr. conselheiro Leoncio de Carvalho de organizar as bases para a reunião do mesmo congresso, do programma das materias sobre que terá de versar a discussão e das instruções, que devem presidir aos trabalhos (A CONSTITUIÇÃO, 1882, p. 1).
Mais de uma década depois do congresso argentino, amplamente noticiado à época, começaram a ser publicadas na imprensa paraense notas informativas acerca da realização de reuniões preparatórias ao Congresso Pedagógico do Pará5.
Assim como em nível nacional, também havia na Província do Pará fortes expectativas quanto ao grandioso papel que esse tipo de evento tinha no sentido do aperfeiçoamento do seu corpo de professores. Em discurso proferido em uma das reuniões preparatórias ao Congresso Pedagógico do Pará, o diretor do Liceu Paraense e interino da Instrução Pública, José Antônio Pereira Guimarães6, destacava "as vantagens que trazem para as classes e para a sociedade em geral, as aggremiações como a de que se trata, attestados eloquentes da civilisação e adiantamento de um povo” (REVISTA DE EDUCAÇÃO E ENSINO, 1895, p. 83).
A ideia da fundação de um congresso pedagógico por ocasião da Exposição Interestadual7 surgiu de um artigo publicado na Revista de Educação e Ensino (1895), quando, em resposta à provocação do articulista, o inspetor escolar Antonio Firmo Cardoso8 convidou professores da rede pública e particular para uma reunião na sua residência no dia 29 de agosto daquele ano, em uma quinta-feira. Segundo a notícia divulgada na própria revista, em sua edição de setembro de 1895, o convite foi amplamente correspondido. Um elevado número de professores de ambas as redes, além de diretores de estabelecimentos de ensino compareceram ao local para conhecer e discutir a proposta, “mostrando assim que o professorado do nosso Estado tem sempre attenção solicita para tudo aquillo que significa um progresso e um alento ás variadas funcções da pedagogia” (REVISTA DE EDUCAÇÃO E ENSINO, 1895, p. 83). Quem presidiu a reunião foi José Antônio Pereira Guimarães, diretor do Liceu Paraense que, em um discurso de improviso, “demonstrou as vantagens que trazem para as classes e para a sociedade em geral, as aggremiações como a de que se trata, attestados eloquentes da civilisação e adiantamento de um povo” (REVISTA DE EDUCAÇÃO E ENSINO, 1895, p. 83).
Entre as proposições e encaminhamentos tomados nessa reunião ficou decidido que o evento deveria abranger todos os ramos do ensino público e particular, e não apenas a instrução pública primária, como inicialmente havia sido proposto. Também foi decidido que seriam convidados professores de todos os estados da União, não apenas os da região Norte. Para presidir os trabalhos, foi indicada a composição de uma mesa cujo presidente seria o interino da Instrução Pública, José Antonio Pereira Guimarães; o vice-presidente do Congresso era Firmo Cardoso, o primeiro secretário era Otávio Pire9s e o segundo secretário era Hilário Sant’Anna10. Para a comissão de imprensa, foram eleitos Alves da Cunha, Marcos Nunes e Bertoldo Nunes.
Essas decisões seriam oficiadas ao governador junto com um pedido de apoio necessário à realização dos trabalhos. No “Termo de presença” dos participantes da reunião, constavam 56 (cinquenta e seis) nomes, assim como suas funções e estabelecimentos a que estavam vinculados.
A matéria sobre a histórica reunião relaciona os nomes de Antonio Firmo Dias Cardoso, José Antônio Pereira Guimarães, Octavio Pires, Manuel Carvalho, R. C. Alves da Cunha, Ricardo Santos, Hilario Sant’Anna, Marcos Nunes e Bertoldo Nunes, que se manifestaram com posicionamentos e proposições que deram o tom das decisões tomadas, como dar ciência do acontecido ao governador, pedindo apoio oficial e
autorisação á Typographia Official, para a impressão de todos os trabalhos do Congresso, como também aos srs. directores dos diversos estabelecimentos officiaes de ensino, convidando-os e bem assim aos corpos docentes, para tomarem parte no congresso (REVISTA DE EDUCAÇÃO E ENSINO, 1895, p. 84).
Com base nas informações disponíveis, é possível inferir que aconteceram, pelo menos, sete a oito reuniões regulares, denominadas de “sessões preparatórias”, que tinham em vista a organização do Congresso Pedagógico. As notícias dão conta de que estas sessões eram mensais, abertas a todos os professores da rede pública e particular, além de aposentados, de ambos os sexos, que se dedicavam a discutir e tomar decisões relativas à organização do evento, a exemplo da proposição de que os professores do interior contribuíssem com uma quota anteriormente estabelecida para a impressão de todos os trabalhos a serem apresentados ao Congresso. Nestes encontros, alguns intelectuais de destaque proferiam conferências sobre diversos temas, a título de subsídio para a participação dos futuros delegados no evento, que aconteciam comumente em salões do prédio do Liceu Paraense. Nessas ocasiões, as abordagens pareciam variadas, mas giravam em torno de temas caros à República, seus feitos e heróis; é o caso da sessão em que Firmo Cardoso dissertou sobre a Conjuração Mineira e, especialmente, sobre Tiradentes, indiscutivelmente um herói da República.
No decorrer do processo de preparação, entre os conferencistas mencionados nas matérias, além de Cardoso, leem-se os nomes de Marcos Nunes, Hilario de Sant’Anna, Arthur Vianna, Octavio Pires e Anthunio Vieira, que, com suas manifestações na imprensa periódica do estado, destacaram-se como “porta-vozes” da “intelligentsia” educacional republicana em defesa do congresso pedagógico.
Em 18 de julho de 1896, em artigo da Folha do Norte, cujo título é “Congresso Pedagógico”, o autor - autodenominado “A. M.”11 - o entende como uma questão que, por sua natureza, não afeta somente a classe do magistério, mas a toda sociedade, qualificando-o como um “certamen civilisador que de alguma forma pode concorrer para o progresso do nosso Estado” (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2). O autor argumenta que a instrução é o único fator de felicidade dos povos e que a missão do professor, mesmo sendo modesta e obscura, é grande e nobre pela enorme soma de responsabilidades que tem perante a sociedade, a pátria e a civilização. AM também menciona que a profissão de mestre seria um verdadeiro sacerdócio, cuja única recompensa é a consciência de haver preparado futuros cidadãos dignos de uma pátria livre. Por outro lado, seu discurso é baseado na “suprema verdade de que a instrucção é um baptismo, ..., baptismo que nos lava, nos purifica das manchas da ignorancia, e que nos dá o direito de entrada no céo da civilisação” (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2 ). Assim, tal discurso é entremeado por denúncias em relação à falta de interesse do público e até mesmo de muitos dos membros do magistério em relação ao evento, além das queixas em relação à condenável indiferença que poderiam matar a iniciativa. Exemplo disso é a reclamação de que, no dia de uma das sessões preparatórias para o Congresso, comparece a ela apenas meia dúzia de professores e “mesmos como desanimados da realisação da idéa que com tanto ardor abraçaram” (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2). Demonstrando certo grau de mágoa, alega
á sociedade paraense não inspira confiança a iniciativa partida de magisterios, porque, para muitos, ainda prevalece o prejuiso de que o professor publico primario, não passa d’um vadio que vive á custa dos cofres publicos, por não ter aptidão para outra cousa (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2).
Cinco dias após a publicação de AM, outro autor, identificado como S.A., segue a mesma linha de raciocínio, atribuindo àquele evento a condição de um “certamen de civilisação” que honraria o estado e o nome do magistério, dando-lhe maior reputação profissional e “o quilate do adiantamento intellectual em que o regimen republicano tem collocado a classe de seu magisterio publico primario” (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2). Utilizando-se de uma metáfora relativa à guerra, S.A. advogava que naqueles tempos
as conquistas duradouras e reaes são as que se fazem nas pugnas do pensamento, em que a penna substituio o toque bellico dos clarins e o livro é a carabina de maior força para as luctas da civilisação. Educar, instruir, pois, o povo, preparal-o para essas luctas, deve ser hoje o fito de todos os bons patriotas (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2).
Na crítica a um raciocínio semelhante, encontrado em Erasmo Pilotto, Vieira (2011) ressalta que “a metáfora da marcha sugere as ideias do soldado e da batalha, tal como Pilotto concebeu a sua posição como intelectual e o seu engajamento em relação à causa educacional (VIEIRA, 2011, p. 38).
Isso dá tom da ideia que os intelectuais da época tinham a respeito do Congresso; de que teria sido útil e proveitoso em razão dos benefícios que traria aos alunos e ao estado, além daqueles benefícios e do “bom nome que a sua realisação trará á classe do magisterio primario” (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2); entretanto, segundo o autor, o evento não mereceu a devida atenção e nem o entusiasmo esperado, mesmo contando com o apoio do governador Lauro Sodré. Para S. A.,
quando o illustrado patriota, que preside o destino do Pará, apressa-se em trazer á idéa o auxilio valioso de sua protecção e apoio official, entre os membros do magisterio primario nota-se um como que indifferentismo pela realisação do Congresso pedagogico (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2).
É importante destacar que a indiferença mencionada se deu, segundo o próprio articulista, “pela falta de garantias e consideração de que em outros tempos se resentia o professor primario neste Estado, falta que os poderes publicos ainda não conseguiram sanar completamente” (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2). S. A. entende que os professores estavam acostumados
a vêr os seus esforços menoscabados, mal recompensados os seus sacrificios em pról do desenvolvimento intellectual da mocidade, tem-se tornado descrente de qualquer empreza que tenha por fim levantal-a do abatimento em que o nenhum apreço que os homens do antigo regimen ligavam aos negocios que diziam respeito á instrucção popular, a havia colocado (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2).
Dois dias depois, em novo artigo na Folha do Norte, S. A. inicia o texto tecendo críticas aos regulamentos do ensino de períodos anteriores, principalmente do período monárquico, mas sem deixar de criticar os regulamentos da própria República entre os quais o primeiro “teve como principal factor o illustrado e patriotico sr José Verissimo, encerram também em seus artigos algo de inexequivel e ressentem-se de faltas bem sensiveis para o bom desempenho das funcções do professor primário” (FOLHA DO NORTE, 1896c, p. 2).
É preciso considerar, entretanto, que S. A. é um republicano convicto, propagandista das realizações do novo regime, e que suas principais discordâncias em relação às normas que vigiam naquele momento diziam respeito mais à incompatibilidade desses regulamentos com a realidade do estado, além das dificuldades encontradas por docentes, que não dispunham de conhecimentos teóricos suficientes para um bom desempenho profissional.
Em seu terceiro texto sobre o Congresso Pedagógico, S. A. inicia sua reflexão relacionando as iniciativas de realização de congressos promovidos na Europa, por Alemanha, Suíça, Áustria, Bélgica e França, sem esquecer de ocorrências semelhantes em São Paulo e Rio de Janeiro, cobrindo-as de elogios. Continua argumentando que, após a Proclamação da República, o Pará sempre foi exemplo de boas causas no extremo norte, assim como vanguarda quando se tratava de instrução pública; uma prova seria a criação da escola normal, instituição que honra o estado. Porém, ainda se impunha a necessidade de adotar um sistema de instrução inteiramente paraense, de acordo com as exigências do meio e, neste sentido, muito pouco ainda tinha feito.
N’um paiz como o nosso, não podemos admittir, em certas particularidades, um systema de educação uniforme; porque o clima, os costumes variam de Estado para Estado e alguns, como o Pará, de localidade para localidade. (...) Nada seria mais irrisorio do que se vissemos transportados para as nossas escolas certos costumes só admissiveis e julgados proveitosos nos estabelecimentos italianos, allemães e sueccos!… (FOLHA DO NORTE, 1896d, p. 2).
Para ele, um estudo refletido sobre o nosso meio escolar e a adaptação de regras pedagógicas a ele deveriam ser responsabilidade dos professores, para seu próprio proveito. Da mesma forma, argumenta que a educação passa por processos de evolução e “todos aquelles que se dedicam ao ensino da mocidade devem, portanto, estar em dia com as diversas transformações porque ella houver passado, com as novas conquistas que, por ventura, ella effectue” (FOLHA DO NORTE, 1896d, p. 2). Por outro lado, denuncia os “minguados” vencimentos do professor paraense, que não lhe permitiam “fazer acquisição de livros em que vá haurir novos conhecimentos profissionaes” (FOLHA DO NORTE, 1896d, p. 2). Como alternativa, prega a importância do Congresso Pedagógico, que deveria ser anual e permitiria o “ensejo de tratarmos destes assumptos e aprendermos nas suas discussões as novas lições, que os nossos minguados recursos não nos permittem que vamos buscar nos mestres - mudos - os livros” (FOLHA DO NORTE, 1896d, p. 2).
No período em que estes artigos estavam sendo publicados, as teses nas quais se baseariam os debates do congresso já estavam sendo elaboradas pela comissão responsável, razão pela qual, em artigo na Folha do Norte de 30 de julho de 1896, S. A. se propõe a fazer uma breve apreciação das mesmas. Para organizar sua exposição se propõe a dividi-las em dois grupos. As dos interesses gerais do ensino e as que devem ser estudadas por um “lado todo especial”.
No primeiro grupo, S. A. situa as teses referentes “á educação nacional, educação civica, moral e religiosa, limites da instrucção primaria, exames de instrucção secundarias, etc. E dentre ellas é preciso salientarmos as que versam sobre a educação nacional e cívica” (FOLHA DO NORTE, 1896e, p. 2).
Assim, assevera que a educação cívica é um dos ramos que ainda dispõe de poucos conhecimentos, mas sua importância se impõe logo que “fitamos o futuro da patria” , pois se trata de uma educação que “sómente depois da Republica, teve, pela letra da lei, ingresso em nossas escolas publicas” (FOLHA DO NORTE, 1896e, p. 2).
No segundo grupo, associa as teses que se referem à instrução pública paraense, ao auxílio a alunos pobres do curso primário, à obrigatoriedade e à liberdade do ensino, à higiene escolar, às edificações escolares, à solidariedade do professorado primário e à escola normal. Mais uma vez, destaca a importância das condições naturais da região associadas à higiene como fator determinante para sua estruturação, dizendo que a
hygiene escolar é certamente um assumpto bem pouco estudado entre nós, mas cuja importancia está evidente. Serão de facto as horas em que funccionam as nossas escolas, as mais apropriadas para esse fim em nosso clima? Será mais conveniente funccionarem ellas, como até agora, até ao meio dia ou duas vezes ao dia, pela manhã bem cedo e á tarde, depois das tres horas? (FOLHA DO NORTE, 1896e, p. 2).
Outro aspecto abordado pelo articulista foi a instrução obrigatória, julgado por ele como “o assumpto da época e por demais importante”.
De modo geral, podemos identificar nos discursos manifestados nos artigos investigados - entre outros aspectos - três ideias centrais e recorrentes que caracterizam sua relação com o Congresso Pedagógico. A primeira ideia é composta por elementos quase místicos ou religiosos, expressões superlativas que se referem à tarefa do professor como sacerdócio, ao amor que se deve à instrução pública, ao progresso do estado, à felicidade, ao elevado desideratum do magistério e à suprema verdade de que ela é um batismo que lava e purifica das manchas da ignorância e dá direito à entrada no céu da civilização; havia ainda a ideia do professor como apóstolo do ensino, que leva, por todos os pontos do Estado, a lâmpada que ilumina a inteligência e aclara o caminho. Todas são expressões que apontam para uma concepção de educação como redentora de todos os males sociais, ideia que é articulada a numerosas passagens que dizem respeito à ideia de civilização e de patriotismo recorrentes também no texto.
A segunda ideia é relativa ao papel difusor do patriotismo e civilizador da educação, e se evidencia a partir de expressões do tipo “certamen civisador”, “responsabilidades perante a civilisação”, “consciencia de haver preparado futuros cidadãos”, “mundo civilisado” e “céo da civilisação”. Da mesma forma, percebe-se claramente um fundamento patriótico de sua natureza que se distingue em trechos como “responsabilidades perante a patria”, “cidadãos dignos de uma patria livre” ou “crime de leso-patriotismo”; ou até mesmo quando é salientada a educação nacional e cívica como imposição quando “fitamos o futuro da patria”.
A terceira diz respeito ao congresso como esperança de honra do magistério e aumento de sua reputação. O evento é visto como tendo tudo de útil e proveitoso, com benefícios para a mocidade e o Estado, além da classe do magistério primário. Os autores o veem como uma ideia necessária e de proveitos eficazes, um espaço para convivência, troca de opiniões e aprendizado de novas lições, cujas teses “oxalá despertem ... da indifferença a todos os nossos intelligentes e dignos collegas de classe” (FOLHA DO NORTE, 1896d, p. 2).
No primeiro texto de S.A., fica bastante claro que uma das causas do esvaziamento da ideia do Congresso é o desânimo que se abatia sobre o magistério. Mesmo com o suposto apoio do governo ao evento, o que parece é que os próprios professores não acreditaram na sua eficácia para a resolução - ou mesmo para contribuir com a remissão - dos problemas da instrução pública e das suas próprias demandas como profissionais do ensino. Lembrando nomes de alguns professores, considerados verdadeiros beneméritos, que dedicaram “uma existencia inteira á causa do futuro dos seus concidadãos”, o autor assevera que estes “tiveram como unica recompensa uma exigua aposentadoria que mais servio para amargurar-lhes os ultimos dias da existencia, tinham elles razão de sobra para apoderarem-se de um indifferentismo tomado quasi em aversão pela carreira em ingloria que tinham abraçado” (FOLHA DO NORTE, 1896b, p. 2).
No artigo de 25 de julho, S.A. observa que não passava em branco a prática de elaboração de dispositivos regulamentares da educação por pessoas que não eram da área. Segundo S. A., esse fato tornava inexequível a ação do professor e o bom desempenho de suas funções de orientador das crianças.
É notável o argumento de que só se consegue uma obra perfeita confiando-a a um profissional que, com longa prática, reunisse os conhecimentos teóricos indispensáveis para um bom desempenho, assim como o fato de os regulamentos serem confeccionados por pessoas completamente estranhas ao ensino, o que resultava em trabalhos completamente negativos e desastrosos. Em seu argumento, S. A. defendia a necessária coadjuvação dos professores na confecção das leis e que o Congresso Pedagógico seria um dos momentos em que as necessárias articulação e integração dos professores de diferentes regiões aconteceriam, facilitando uma construção mais adequada dessas normas. Embora acrescesse que a classe dos professores “não é daquellas em que a união prime por ser a principal impulsionadora de seu engrandecimento” (FOLHA DO NORTE, 1896c, p. 2), a participação dos professores na sua confecção e as sessões preparatórias para a ocasião poderiam ser vistas como soluções para a desintegração e desarticulação do magistério no estado.
O DECLÍNIO DA IDEIA DO CONGRESSO PEDAGÓGICO: O ESVAZIAMENTO DAS SESSÕES E A DEBATE NA IMPRENSA
Nos artigos de opinião anteriormente abordados, são visíveis as manifestações de indiferença em relação ao evento. Expressões e frases, como indiferença pública, indiferença de muitos professores, indiferença de alguns, indiferentismo, indiferença motivada pela falta de garantias e consideração, indiferentismo tomado em aversão pela carreira ou indiferença de colegas de classe, são comumente usadas para retratar o baixo nível do interesse do professorado na iniciativa de realização do Congresso.
Em uma das sessões preparatórias, a de 29 de novembro de 1896, a imprensa noticiou a “limitadíssima” participação, principalmente do público feminino. Como palestrantes, estavam Arthunio Vieira, que falou sobre a escola, e Arthur Viana, que analisou a escola normal. A nota informa que, ao lado do elogio à administração do governador Lauro Sodré, Viana revelou que "na Eschola normal os exames são feitos por meio de ‘colas’ ou ‘bolha’, escandalosamente, com grave prejuizo para a instrução publica" (DIARIO DE NOTICIAS, 1896, p. 1).
Estando constatada a pouca importância dada pelos professores às reuniões e ao malfadado congresso, merece destaque um aspecto que se refere à sua dimensão de controle em relação ao debate educacional. Para Gondra (2018),
as Conferências apareceram como um dos lugares nos quais, por meio da regulação das discussões, se poderia conhecer e exercer certo controle sobre o exercício profissional dos professores primários da Corte, instituindo códigos e difundindo doutrinas de modo a forjar práticas profissionais bem determinadas (GONDRA, 2018, p. 84).
Entretanto, essas iniciativas nem sempre contavam com o entusiasmo dos professores. Em um artigo denominado “Congresso Pedagogico”, publicado no jornal Folha do Norte de 18 de julho de 1896, o signatário “A. M.12” ressalta o valor da instrução para a população e para o país como fator de felicidade dos povos e da missão do professor que, “modesta e obscura, nem por isso deixa de ser grande e nobre pela enorme somma de responsabilidades, que perante a sociedade, perante a patria e perante a civilisação pesam sobre os seus hombros” (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2), mas reclamava da “condenável indiferença” que prejudicava a iniciativa daquele evento.
O Congresso estava previsto para ser realizado no início de 1897, como se vê na notícia do dia 28 de abril. Todavia, com o passar do tempo, as matérias vão relatando uma significativa redução da quantidade de participantes nestas reuniões, indicando um claro arrefecimento do seu público ou até mesmo do Poder Central no que tange ao compromisso com sua realização. Algumas manifestações publicadas nos jornais nos permitem inferir que, realmente, essas reuniões eram pouco frequentadas por parte do professorado, tendo em alguns momentos uma quantidade muito limitada de assistentes, principalmente do sexo feminino. Em uma das matérias, menciona-se o número de vinte e oito professores de ambos os sexos que, se comparado à quantidade de pessoas que compareceram à reunião na casa de Firmo Cardoso se constitui bastante insuficiente. Em outra passagem, o autor diz ser “doloroso ver se em dia de sessão preparatoria comparecer a ella meia duzia apenas de professores e esses mesmos como desanimados da realisação da idéa que com tanto ardor abraçaram” (FOLHA DO NORTE, 1896a, p. 2).
O esvaziamento das reuniões preparatórias ilustrava o desinteresse dos professores em relação ao evento e, consequentemente, o declínio da ideia de realizá-lo. Esse fato foi corroborado por um artigo assinado por "Sant’Anna" (que por suposição, seja referente a Hilário de Sant’Anna), no qual o autor tece fortes críticas a um artigo de Ambrósio Paiva, argumentando que este pretenderia "levantar um morto, operar um verdadeiro renascimento da idéa da reunião de um Congresso Pedagógico que, por algum tempo, dominou n’uma bôa parte do professorado paraense" (O PARÁ, 1898, p. 1). Sant’Anna também argumenta, no que tange aos líderes do processo de organização do Congresso, que “não havia inteira liberdade de acção em presença do superior hierarchico, a quem todos devem o maior respeito e acatamento” (O PARÁ, 1898, p. 1).
De fato, o evento só iria ser institucionalizado a partir do ano de 1900, ainda assim, dentro de um novo formato, não mais como um evento periódico, com duração de poucos dias, a exemplo das exposições ou conferências anuais, muito comuns na Primeira República. Em sua nova edição, o Congresso Pedagógico do Pará se estabelecia como uma instância mais duradoura e constante, semelhante aos conselhos de instrução, com reuniões periódicas durante o ano, membros permanentes, pautas previamente elaboradas e produção de pareceres, resoluções e relatórios que serviam de referência às políticas adotadas pelo governo vigente. Mas essa já é uma outra história.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se propôs analisar o processo de ascensão e de declínio da ideia do Congresso Pedagógico do Pará na última década do século XIX, indicando as origens de seu processo de implementação e discutindo diferentes posicionamentos de educadores, jornalistas e autoridades acerca desta iniciativa que pode ser considerada inovadora para a época. Todavia, a criação de expectativas ou a difusão da ideia de um espaço de participação e debate de ideias - como uma conferência ou um congresso -, em que questões candentes da instrução pública fossem discutidas ou aprofundadas por quem nela atuava ou mais entendesse do assunto, definitivamente não implicou a melhoria da qualidade do ensino.
Por outro lado, tanto a impressão causada pelos jornais e revistas da época ao noticiar informações a respeito do evento quanto a veiculação de opiniões de intelectuais ligados à ideia tiveram repercussão positiva, dado o inegável efeito sedutor dos conteúdos dos artigos de opinião ou da influência provocada pelos órgãos de comunicação daquele fim do século XIX. À primeira vista, impressiona o uso da linguagem de tom ufanista e quase religioso, que impõe o sentimento patriótico, prescrevendo a instrução como remédio definitivo para os males que atingem a nação e o estado.
Todavia, ficou evidente em nosso estudo que os discursos que preconizavam o Congresso como um evento “vantajoso”, um atestado de “adiantamento” ou um certame de “civilização”, não cumpriu as linhas gerais do que fora preconizado por seus defensores. As escolas continuaram sem possuir uma infraestrutura necessária para seu bom funcionamento; os professores continuavam a não receber estímulos que os levassem a uma nova forma de pensar seus modos de ensinar e os alunos não adotaram novos modos de aprender ou mesmo tiveram acesso a condições mais adequadas de frequência às aulas.
Expressões como fé, porvir, esperança, futuro, trabalho, pátria, civismo, instrução e valores físicos, intelectuais e morais se constituíram em mantras a serem reproduzidos de diferentes modos e tonalidades pelos arautos da educação republicana, no entanto, sem modificar nenhum aspecto importante da estrutura que dava sustentação à forma desigual de oferta de ensino à população paraense. Por isso, se a ideia de inovação é usada para indicar um processo de implementação de algo novo ou original, que possa vir a exprimir uma articulação entre a concepção, a divulgação e a implementação de uma ou mais medidas ou processos educacionais transformadores, no que tange à instrução pública no período a que nos reportamos, é impossível fugir da noção de que, mesmo com o fito de promover o bem comum e gerar mais benefícios à sociedade, nada foi conseguido; ao que parece, justamente por causa de quem ocupava os cargos decisórios no fazer governamental, pois na verdade não se sensibilizaram plena ou satisfatoriamente acerca da necessidade de ampliação dos investimentos estatais na instrução pública. Deste modo, foi possível compreender a impotência do Congresso no sentido de instituir uma cultura educacional e pedagógica inovadora - capaz de quebrar paradigmas seculares - numa realidade em que as regras fundamentais eram a Ordem e o Progresso.
Vimos que nossa República não era afeita à participação popular, o que pode vir a explicar o pequeno interesse e a baixíssima influência do povo na tomada de decisões no novo regime. Talvez por isso tenhamos detectado um grave desinteresse em relação ao evento, que não só não aconteceu na data prevista (inicialmente em 15 de janeiro de 1897), como também experimentou largo tempo sem informações ao público, que só voltam a ser divulgadas a partir de 1900, quando alguns jornais apresentaram matérias em que se anunciava a realização do Congresso em novembro de 1901, inclusive anunciando o apoio governamental para o deslocamento dos congressistas que moravam no interior do estado.
Como se observou, o entusiasmo com o desenvolvimento da educação e os benefícios que poderiam ser auferidos a partir da ideia de criação desse evento era visível, a ponto de ganhar as páginas dos jornais difundindo uma maneira otimista e, até certo ponto, eufórica, de conceber o evento - enquanto catalisador da modernização social e cultural -e estabelecer uma relação direta entre sua realização e o progresso da instrução. Entretanto, o que ocorreu algum tempo depois foi um completo esvaziamento das reuniões e um manifesto desinteresse por parte do magistério.
Sem a pretensão de responder definitivamente à questão sobre o declínio da ideia de um Congresso Pedagógico do Pará, podemos considerar algumas hipóteses, quais sejam: a de um natural sentimento de indiferença por parte da sociedade em geral e da categoria dos professores em especial; por se tratar de um evento pouco promissor no que tange à geração de benefícios a curto e médio prazo; ou ainda, que se desenvolveu um crescente desestímulo por parte de seus organizadores diante dos extensos encargos que se impunham diante de condições insuficientes de materialização das tarefas. Entretanto, considerando uma passagem da fala de Sant’Anna em julho de 1898, parece-nos mais consistente a hipótese de que o Congresso adquiriu feições ameaçadoras na visão das autoridades em razão de seu potencial crítico e mobilizador, o que redundou na ausência ou limitação da liberdade de ação de seus principais protagonistas frente ao posicionamento de seus superiores hierárquicos.