A constituição histórica da escola e da cultura escolar manifesta-se em um conjunto de práticas que se transformaram ao longo do tempo e alcançaram o século XXI. Ações escolares são perpassadas por projetos de estado, em estreita relação com a política, a sociedade e as práticas cotidianas. A escola existe pela ação de sujeitos, enquanto processo sócio-histórico.
Nesta pesquisa 1, que tem como objeto as práticas escolares e as trocas entre diferentes sujeitos no processo de constituição da cultura escolar, evidenciamos o papel dos inspetores, das professoras e da direção, por meio de um conjunto de orientações e recomendações sobre o fazer pedagógico, registrados em quatro Termos 2 de visitas e dezesseis Atas 3 de reuniões pedagógicas. Ao trabalho de inspeção encadeavam-se, ao longo do ano, várias outras ações protagonizadas pela direção, professoras e alunos.
Objetivamos analisar os registros escritos sobre a inspeção e as reuniões pedagógicas para compreender a conformação das práticas educativas que demarcaram culturalmente o Grupo Escolar Balduíno Cardoso, localizado em Porto União/SC, cidade que faz fronteira com União da Vitória/PR. O estudo delimita-se entre 1954 e 1957, quando as práticas para a escola primária catarinense eram orientadas a partir dos pressupostos da pedagogia da escola nova. Alicerçamos a investigação em fontes produzidas no interior da escola, as quais possibilitam “[...] articular de maneira rigorosa a relação entre a experiência singular e ação coletiva” ( REVEL, 1998, p. 11); conforme sublinhou Cunha, documentos dessa natureza “carregam traços e vestígios de vivências e práticas” (2007, p. 80) de um tempo não muito distante. A cultura escolar é aqui entendida na perspectiva apontada por Julia (2001, p. 9) como:
[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização).
O conjunto de normas orientava para condutas e práticas nas escolas. Nesta pesquisa, as normas têm por base a legislação educacional catarinense, em particular o Decreto-Lei n° 298, de 18 de novembro de 1946, que estabeleceu a Lei Orgânica do Ensino Primário; o Decreto n° 3732 de 12 de dezembro de 1946, que expediu o Programa para os Estabelecimentos de Ensino Primário; e o Decreto n° 3733 de 12 de dezembro de 1946, que regulamentou o Serviço de Inspeção Escolar no Estado ( SANTA CATARINA, 1946 a , 1946b, 1946c). Sua aplicabilidade exigia um conjunto de profissionais dispostos a atuar para tal: professores primários.
Portanto, nesta pesquisa, os Termos de visitas de inspetores, as Atas das reuniões pedagógicas e fotografias produzidas no interior da escola ocupam lugar central, junto com as normativas do estado para a escola primária e para os inspetores. A prática de escrituração e arquivamento garantiu a preservação dos documentos na escola, valendo lembrar que os inspetores verificavam sua existência, rubricando-os, o que inscreve a guarda da documentação entre as práticas administrativas cotidianas. José Benedito Ribeiro (1957, p. 30), inspetor que transitava por várias outras escolas catarinenses, escreveu que o arquivo do Grupo Escolar Balduíno Cardoso era “[...] um dos melhores [arquivos] do estado, em grupos escolares”.
Documentos dessa natureza são fontes para a análise da cultura escolar sob diferentes perspectivas no campo da história da educação, promovendo reflexões sobre o movimento que perpassa as práticas escolares, a cultura, a formação e o trabalho do professor ( VIDAL, 2009, p. 26). Os Termos de visitas trazem pistas sobre funções pedagógicas do trabalho dos inspetores junto às professoras nas salas de aula, bem como de cunho administrativo junto à direção e serventes. Os escritos acentuam, por um lado, lugares de poder, com recomendações, ou elogios sobre as práticas escolares, e por outro trazem indícios de “como tais práticas foram constituídas, procurando pôr em cena os usos que os sujeitos da escolarização fizeram dos objetos culturais que circularam no interior da escola”, conforme destaca Rocha (2011, p.2). Esses documentos inscrevem-se em lugares de produção do discurso, perpassados por normas, objetos, sujeitos e práticas ( CHARTIER, 2015).
As Atas de reuniões pedagógicas trazem indícios sobre o cotidiano, os costumes, o currículo e o tempo escolar, organizado entre práticas tradicionais e novas, com metodologias e recursos didáticos introduzidos no cotidiano das salas de aula. A cultura escolar transita entre a tradição e a renovação. A essas questões somam-se as trajetórias de formação e vida dos profissionais que atuaram nesse período, em estreita relação com a sociedade.
Neste artigo abordamos aspectos da criação do Grupo Escolar Balduíno Cardoso, a sua localização, e os lugares por onde circulavam alunos e professoras. Em seguida atentamos para a inter-relação entre o trabalho dos inspetores, da direção e das professoras, com vistas à consecução dos objetivos educacionais, considerando aspectos da legislação catarinense e a cultura escolar. Por último, discutimos sobre as recomendações dos inspetores e a organização do cotidiano escolar, com base nos Termos de visitas e nas Atas de reuniões pedagógicas.
O Grupo Escolar Balduíno Cardoso nas cidades fronteiriças
A reconfiguração geopolítica que se seguiu à Guerra do Contestado 4 (1912-1916) foi um dos resultados do Acordo de Limites, o qual dividiu a antiga cidade de Porto União da Vitória, então pertencente ao Paraná. Os trilhos da ferrovia foram o marco divisório, criando, de um lado, a cidade de União da Vitória, que permanecia como parte do estado do Paraná, e do outro, a cidade catarinense de Porto União. Santa Catarina assumiu o controle de uma área que reivindicava desde o século XIX e o município de Porto União foi criado em 1917 ( MAFRA, 2002).
Em 1918 iniciavam-se as atividades das Escolas Reunidas 5 de Porto União/SC, conforme previa a Resolução n° 1196, de 20 de junho daquele ano ( SANTA CATARINA, 1919). Essa escola pública, que dois anos após o fim da Guerra do Contestado foi criada na fronteira interestadual entre Santa Catarina e Paraná, seria transformada no Grupo Escolar Balduíno Cardoso, por meio do Decreto n° 2017, em 1927 ( SANTA CATARINA, 1928). A escola oportunizava a circulação de alunos entre ambos os lados da fronteira, integrando habitantes das duas cidades.
Os comerciantes cadastrados na coletoria estadual paranaense no final da segunda década do século XX são uma amostra da diversidade étnica e cultural nas cidades. Eram brasileiros, poloneses, ucranianos, alemães, italianos, sírios, portugueses, espanhóis e ingleses, escreveu o memorialista José Cleto da Silva (2006). Imigrantes que chegaram de “diferentes regiões do globo” eram portadores de “tradições e heranças” ( GRUZINSKI, 2003, p. 326) que se mesclavam à cultura regional, do sertanejo, dos monges e dos tropeiros.
A educação era prioridade entre os imigrantes. Até 1938 escolas étnicas como a alemã, por exemplo, coexistiram com escolas públicas das cidades. Naquele ano, coincidindo com o fechamento das escolas étnicas devido ao Decreto-Lei 6 de nacionalização, foi entregue à comunidade o novo prédio do Grupo Escolar Balduíno Cardoso. Eram instalações modernas. Um edifício com mobiliário, materiais específicos e um amplo espaço aberto compondo o conjunto arquitetônico. Em seu interior circulavam diariamente inúmeras crianças, nascidas em Santa Catarina, no Paraná e em outros estados, ou mesmo países. A construção da escola já vinha sendo pensada pelo menos desde 1935, quando a Assembleia Legislativa autorizou a Prefeitura de Porto União a adquirir o terreno ( STENTZLER, 2015).
Um visitante que procurasse pelo Grupo Escolar Balduíno Cardoso no ano de 1954, assim como nos dias atuais, era orientado a dirigir-se ao alto da colina, na região central de Porto União, avistando o amplo edifício que foi construído pelo estado de Santa Catarina e inaugurado em maio de 1938, com sete salas de aula. Era muito mais amplo e confortável que o espaço ocupado pela escola em 1918, com apenas quatro salas, na mesma região da cidade. Localizado numa área nobre, estava próximo ao hospital de caridade São Braz, da Igreja Matriz, do Clube Aliança, do Ginásio São José e também do Colégio Santos Anjos, onde funcionava a Escola Normal, responsável pela formação de grande parte das professoras que lecionavam no grupo escolar.
O prédio fica elevado em relação às ruas e ao campo de Educação Física, cujo acesso dava-se por uma escada, nos fundos da escola. Um muro levantado com pedras separava o edifício e a rua. A entrada principal do estabelecimento voltava-se para o Rio Iguaçu, por onde transitaram, no final do século XIX e primeiros anos do século XX, os vapores transportando pessoas e mercadorias. A chegada da ferrovia colocou fim a esse ciclo. Em suas memórias de estudante, Therezinha Leoni Wolff (2000, p. 88) descreve o interior do prédio: “Na parte frontal ficavam as diminutas salas da direção, secretaria, salas dos professores e almoxarifado. Nas alas laterais, as salas de aula, quatro de cada lado [...] circulando o prédio estava o jardim, local para as comemorações cívicas e sociais da Escola”.
No campo de Educação Física havia uma pista de atletismo e eram praticados diferentes esportes, como o arremesso de peso e dardos, entre outros. O inspetor escolar Germano Wagenführ, em visita realizada em 1955 (1955, p. 9v), observou que o campo estava “em muito bom estado de conservação e asseio, faltando só a barra de equilíbrio”. Mas as constantes aulas ministradas, segundo observou Ribeiro (1957, p.29), deixavam “a grama um tanto falha”. O campo de Educação Física era visível 7 por quem passasse pela rua, permitindo que transeuntes observassem o que era feito, assim como aconteceu no momento da fotografia ( Figura1), em que pessoas caminhavam do lado externo, e crianças, vestidas de branco, formavam um grande círculo no centro do campo.
Junto ao campo de Educação Física, separado por um muro, ficava o campo agrícola. Desde 1947 a associação 8 escolar Clube Agrícola Alberto Torres cultivava aquele espaço. A associação era presidida por uma professora. Entre os membros, um aluno era o secretário, que registrou em ata os planos para o cultivo:
Na terra virada, deverá ainda este mês ser plantado o aipim por diversos alunos, incluindo a diretoria [...] todos os membros da associação serão obrigados a estar presentes aos trabalhos agrícolas, nas segundas, quartas e sextas-feiras durante os recreios” ( BACHINSKI, 1947, s. p.).
As técnicas de cultivo da terra, as espécies de plantas e as ferramentas agrícolas transformavam-se em recursos didáticos, que integravam a cultura escolar.
Uma construção apartada das salas de aula, onde possivelmente funcionavam a cozinha, o almoxarifado e os sanitários, compunha o conjunto de edifícios da escola. A partir de 1938, com o fechamento das escolas étnicas, o número de alunos aumentou, levando a direção a emprestar salas de aula do Ginásio São José, um colégio particular, em frente ao Grupo Escolar. Entretanto, o inspetor registrou que mudanças haviam ocorrido:
O prédio, que foi aumentado, consta agora com 12 salas de aulas, 1 sala para a biblioteca e leitura, 1 gabinete do diretor, 1 de educação física, 1 dentário e a portaria. Com êste aumento todas as classes podem funcionar normalmente neste estabelecimento, sobrando, atualmente, no período da tarde uma sala de aula [...] ( WAGENFÜHR, 1954, p. 2).
A escola também foi pensada para oferecer atendimento odontológico aos alunos. Havia gabinete dentário, contudo nenhum dentista aceitou trabalhar “por vencimento tão diminuto”, escreveu o inspetor Wagenführ (1954, p. 2). O prédio estava bem conservado, com as paredes e os muros pintados, apresentava “um agradável aspecto [com] todo estabelecimento em muito bom estado de asseio e ordem”, registou ( WAGENFÜHR, 1955, p. 9v). O asseio e a higiene 9 eram temas recorrentes nas reuniões pedagógicas e integravam os conteúdos de conhecimentos gerais. A diretora reiterava que a “educação deve ser observada nos menores atos e se o aluno for bem encaminhado na escola, ele saberá se portar bem fora dela”, registrou a professora Vins Pimpão (1954a, p. 26). A cultura escolar, de acordo com Rocha (2011, p. 190-191), efetiva-se nas relações socioculturais mais amplas, organizando-se: “[...] sobre os modos e meios pelos quais as práticas sociais são configuradas em práticas escolares que se orientam no sentido de conformar os modos de agir no âmbito da sociedade, os valores, a corporeidade e as próprias subjetividades.”
Com a prática de assistência alimentar a cozinha passa a ocupar um lugar de destaque na escola. Wagenführ (1954, p. 1) registrou que a cozinha “está em perfeito estado de asseio e conservação, fornece sopa escolar para quase 800 alunos e que é tão procurada, sentindo ser mesmo uma sensível influência na frequência, caso falte, como se deu o início deste ano letivo”. A sopa contribuía para que os alunos fossem às aulas, especialmente as crianças de famílias pobres. Conforme evidencia a pesquisa de Paulilo, a escola pública também passava a “cuidar da infância pobre” (2022, p. 231). Por isso, o alimento também era assegurado em dias chuvosos, quando se colocava em prática um cronograma especial para que todas as crianças pudessem tomar a sopa, registrou Francisca Maria Weinand (1956 b ), em ata de reunião pedagógica.
A biblioteca, um lugar de disseminação de novas ideias, estava instalada na mesma dependência do Museu Escolar 10 ( RIBEIRO, 1957). No Termo de visita não há menção aos livros nela existentes, no entanto o seu funcionamento estava atrelado à associação escolar da biblioteca, composta por alunos e coordenada por uma professora. A associação orientava os estudantes sobre o cuidado com os livros e organizava rifas para adquirir novos títulos. Conjuntamente à biblioteca atuavam as associações do Clube da Leitura e do Museu Escolar. Com a “aquisição de um mimeógrafo”, ( WAGENFÜHR, 1955, p. 10v) também teria início a publicação do Jornal Escolar.
Entre normas e práticas
O Regulamento para o Serviço de Inspeção Escolar catarinense fez parte de um conjunto de normas que se seguiram à publicação da Lei Orgânica para o Ensino Primário nacional ( BRASIL, 1946). Este Estado também publicou a sua Lei Orgânica para essas escolas e um detalhado Programa para os Estabelecimentos de Ensino Primário ( SANTA CATARINA, 1946 a , 1946b, 1946c), colocado em prática a partir do início do ano letivo de 1947.
O inspetor “procederá como guia, como paciente conselheiro e não como simples e ríspido fiscal”, auxiliando e animando os professores, especificava o Regulamento ( SANTA CATARINA, 1946 c ). As ações fundavam-se em princípios científicos e práticos, parte de um “amplo e diversificado conjunto de inovações” que se desenvolveu na sociedade e na escola, renovando a forma de se relacionar com a produção do conhecimento ( ESCOLANO, 2017, p. 52).
A legislação educacional e as práticas educativas orientavam-se segundo princípios de renovação educacional ( AZEVEDO, 1932). Esse movimento renovador teve diferentes “epicentros geográficos” e desdobramentos; como parte de um “amplo movimento mundial [uma] diversificada rede de escolas novas se configuraria como a primeira grande corrente globalizadora e multinacional de renovação pedagógica que a história da escola registrou” ( ESCOLANO, 2017, p. 53). No Brasil, as pesquisas de Lourenço Filho difundiram-se perpassando a Lei Orgânica do Ensino Primário ( SANTA CATARINA, 1946 a ). Entretecidos a outras experiências escolares, os testes ABC 11 foram utilizados no Grupo Escolar. As novas teorias psicológicas revolucionavam o “modo de conceber a atividade do aluno e de regrar a prática pedagógica capaz de favorecê-la” ( CARVALHO, 2000, p. 117). Contudo, ainda não se priorizava que a totalidade dos alunos tivesse sucesso na escolarização, escreveu Anne-Marie Chartier (2022).
O inspetor Germano Wagenführ (1955) registrou que os 237 alunos dos 1ºs anos do Grupo Escolar Balduíno Cardoso estavam distribuídos em sete classes: uma com novatos tardos; uma com repetentes tardos; uma com repetentes fortes; uma com repetentes médios; uma com novatos fortes; e duas com novatos médios. Os primeiros anos correspondiam a 36% dos matriculados. Nos 2ºs anos eram cinco classes, totalizando 189 alunos (29%); nos 3ºs anos, quatro classes, contando com 115 alunos (17%); nos 4ºs anos, quatro classes, com 122 alunos (19%). O inspetor calculou que “76% dos alunos matriculados” concluíam o primário, sendo “um ótimo índice e creio que talvez único no estado”. Escreveu:
[...] estes resultados só puderam ser alcançados com a judiciosa seleção da docência, adequada colocação do professor, onde alcança o máximo do rendimento, a perfeita orientação pedagógica dada pela direção, a seleção precisa dos alunos, desde os primeiros anos, submetendo todos aos testes ABC e, finalmente, pela instituição de classes de alunos retardados, de conformidade com a circular n. 91 [...]. ( WAGENFÜHR, 1955, p. 11)
A lógica classificatória também embasou a composição das turmas nas séries subsequentes; contudo, adotava-se como critério o desempenho dos alunos na série anterior. As diferentes classes comportavam distintos procedimentos didáticos e também avaliativos. Em ata de reunião pedagógica, a professora Vins Pimpão (1954 b , p. 28) registrou a recomendação do inspetor Germano Wagenführ: “Quanto mais for ligada à realidade, tanto mais perfeita será a aula”. Além das questões pedagógicas era objeto de atenção o uso racional do espaço e dos recursos materiais em sala de aula, tanto pelos inspetores em suas visitas, quanto pela direção ao longo do ano.
Como forma de tornar as aulas mais atraentes, recursos didáticos como, por exemplo, mapas (que eram reproduzidos pelos alunos), centros de interesse, quadros de antropologia, de linguagem e objetos do museu, entre outros, integravam a prática docente. Segundo registrou Vins Pimpão (1954 c , p. 29v) em ata, a diretora recomendava que o uso desses objetos fosse feito com disciplina e organização pelas professoras, pois “[...] após o uso deve[riam] voltar ao mesmo lugar”.
A esses materiais, ainda em quantidade insuficiente, somava-se o quadro negro, que era o principal recurso para o trabalho conjunto em sala de aula. Sobre o seu uso, o inspetor Germano Wagenführ (1954, p. 3v) orientava para que os novos conteúdos em Matemática fossem trabalhados em etapas, articulando o concreto, a oralidade e a escrita: “Primeiro concretizar o cálculo, depois registrar oralmente, para finalmente representá-lo graficamente e, exi[gir] que os alunos acompanhem todas as três fases”. À explicação precedia a preparação mental dos alunos e toda atenção era necessária. Passados dois anos, a diretora solicitava que “[...] nem mesmo o lápis seja permitido ficar sobre a carteira durante uma explicação, evitando assim que os alunos se distraiam [...]” ( WEINAND, 1956 c , p. 41). As recomendações têm um forte apelo à metodologia tradicional, a qual se hibridizava a novas práticas no interior da escola.
Em sua passagem pela escola, o aluno deveria ser provocado a ver o mundo de outras maneiras, como por exemplo, em relação à vida social, à educação, à saúde e ao trabalho. Segundo Chartier (2015, p.49), “[...] os atores sociais dão sentido a suas práticas e a seus enunciados [...] na tensão entre, por um lado as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e, por outro, as restrições e as convenções que [limitam] o que é possível pensar, dizer e fazer.”
O fazer insere-se no cotidiano, nas representações construídas pelos sujeitos individuais e sociais, sendo as práticas da escola e das salas de aula indissociáveis dos aspectos histórico-culturais, antropológicos, sociais e políticos. Conteúdos dessa natureza, perpassando Geografia, História, Educação Moral e Cívica, higiene em seu aspecto social, com o intuito de desenvolver hábitos e atitudes de bondade, observação, ordem, civilidade, cortesia e respeito, honestidade, economia, cooperação, asseio, funções da nutrição e de excreção, vestuário, temperança e profilaxia, integravam conteúdos de conhecimentos gerais ( SANTA CATARINA, 1946 b ). Esses objetivavam, por fim, que os alunos governassem seus modos de pensar e agir embasados na cultura escolar que “es un componente essencial del mundo que nos envuelve y también del modo de examinar el passado de la civilización” ( ESCOLANO, 2021, p. 12).
A interação com as famílias também se processava de uma forma bastante lúdica, por meio dos Trabalhos Manuais. A Lei Orgânica do Ensino Primário, nos Artigos 18 e 19, previa que o professor contasse “[...] com auxílio dos alunos e eventualmente dos pais [para] trabalhos práticos de cultura, criação, pesca, indústrias rudimentares, e outras atividades rurais, destinados os lucros obtidos à escola” ( SANTA CATARINA, 1946 a , p. 130). Objetivava “[...] dota[r] a criança de habilidade técnica que permita interpretar com segurança, rapidez e bom gosto, as ideias próprias e alheias” ( SANTA CATARINA, 1946b, p. 33). Esses eram desenvolvidos ao longo do ano e expostos no encerramento das atividades anuais. Havia trabalhos específicos para meninos e meninas, com crescente complexidade, à medida que o aluno avançava nas séries.
Para as meninas acresciam-se ao trabalho de agulhas as prendas domésticas. Dava-se atenção aos detalhes práticos, como por exemplo, o crochê, a ser feito com “[...] agulha de osso e com fios grossos como barbante, lãs, etc., para a execução de objetos úteis” devendo ser ensinados pontos fáceis, no início. Ao final do curso primário, as alunas aplicavam o bordado em peças por elas costuradas, como lenços, fronhas, camisas e roupas de criança, por exemplo. O trabalho com agulhas também compreendia conselhos e exercícios que inspirassem nas meninas o “[...] amor à ordem, fazendo-as adquirir as faculdades sérias de donas de casa e pondo-as de sobreaviso quanto aos gostos frívolos e perigosos” ( SANTA CATARINA, 1946 b , p. 38). Os meninos, por sua vez, trabalhavam com desenhos, modelagem, madeira, arame, entre outros. A confecção de ratoeiras, réguas, cabides, porta-vasos, cantoneiras e caixilhos eram alguns dos trabalhos manuais masculinos. Os trabalhos manuais eram essenciais na formação dos alunos e os inspetores deveriam ter todo desvelo evidenciando o que se praticava nas salas, pois:
No curso primário, o ensino manual é tão importante como o ensino mental. Ambos se complementam e são inseparáveis. [...] Os trabalhos terão uma finalidade prática educativa e visaram a destreza e a firmeza das mãos na criação de valores e utilidades. A escola em que não se pratica intensamente o ensino manual, desde cedo, dá à infância uma educação falha, defeituosa e incompleta, senão mesmo prejudicial e perigosa para o seu futuro e na vida prática ( SANTA CATARINA, 1946 c , p. 7-8).
Contudo, era em torno da língua portuguesa que a escola trabalhava, tanto na forma escrita, quanto na oral. A língua era elemento central no processo de escolarização, com acentuado interesse na região em que a escola estava inserida, habitada por pessoas com raízes culturais, costumes e linguagens diversas que marcavam a forma de agir e se expressar. A prática na escola era avessa à diversidade linguística.
Segundo registrou em ata a professora Astrogilda de Mattos (1957, p. 48v), o inspetor José Benedito Ribeiro recomendava que “Mesmo que a matéria esteja certa convém baixar a nota caso haja erros de português. Como poderemos notar em história: a matéria está certa, português errado, não poderá receber 100”. Afirmava que a média aritmética e a nota de português eram o meio “[...] para fazer a classificação do aluno, a fim de evitar futuros atritos entre pais e mestres”. Reiterava que embora essa recomendação não estivesse de “[...] acordo com o regulamento [era] a melhor maneira de classificar o aluno”, o que também impactava no “[...] desenvolvimento do programa” nas diferentes classes dos primeiros anos. Sugeriu para os “[...] segundos, terceiros e quartos anos uma classificação por meio de notas das provas de português e de aritmética, em fevereiro. O aluno que nada acertou será T [tardos]; acertou a metade M [médios]; aquele que acertou tudo F [fortes]”. A escola, contudo, adotava encaminhamento distinto, considerando as “[...] notas obtidas pelo aluno no exame final”, escreveu a professora Astrogilda de Mattos (1957b, p. 48v).
As comemorações cívicas eram realizadas ao longo do ano pela liga pró-língua nacional. Em momentos como esse valorizava-se, sobretudo, a língua portuguesa. Saber a letra dos hinos, cantá-los e conhecer a biografia do patrono integrava a cultura escolar. No caso do Grupo Escolar Balduíno Cardoso havia regularidade na “[...] homenagem à bandeira aos sábados” pela manhã ( WEINAND, 1956 a , p. 37), com a participação de alunos, professoras e autoridades. Nesses eventos as boas maneiras, assim como a educação moral eram privilegiadas e o aluno também teria “[...] bom comportamento na rua, praças, cinema e igreja” ( MATTOS, 1957 a , p. 44v-45). A fotografia ( Figura 2), sem data, em preto e branco documenta uma dessas atividades. Ela está guardada no arquivo público de Florianópolis, o que indica que a comemoração tinha uma conotação diferenciada, possivelmente com autoridades estaduais.
Na fotografia, junto às escadas, há pessoas com vestes pretas, possivelmente autoridades. A postura dos alunos com a mão no peito, alinhados entre a parede do prédio e os canteiros do jardim e acompanhados por professoras, remete à ideia de que entoavam um hino. Havia pessoas no corredor que dá acesso às salas de aula. Talvez fosse parte do público que prestigiava a solenidade. As vestes pesadas indicam que era inverno. Entretanto, há alunas sem agasalho no centro do jardim, próximas ao mastro da bandeira, indicando que desempenhavam um papel de destaque na solenidade. Talvez fossem homenageadas, ou desenvolveram alguma atividade como hastear a bandeira, declamar poesias, ou ler uma biografia, por exemplo. Experiências dessa natureza circunscrevem-se na “ [...] espacialidade corporal e ambiental”, explicita Bourdieu (2013, p. 157). Elas compõem a cultura escolar conformando um conjunto de saberes, alicerçados no senso prático, um senso de jogo.
[...] o ‘senso de jogo’ oferece uma ideia bastante exata do encontro quase milagroso entre o habitus e um campo, entre a história incorporada e a história objetivada, que torna possível a antecipação quase perfeita do porvir inscrito em todas as configurações concretas de um espaço de jogo. ( BOURDIEU, 2013, p. 108).
A metáfora do jogo, com regras e movimento, exprime muito bem o cotidiano da escola em relação às normas e à realidade, com diferentes participantes e situações inusitadas, conformando o habitus, o comportamento dos sujeitos sociais. Escolano (2017, p. 177) defende que a “[...] passagem pela escola é um marco integrado no processo de construção ou de reconstrução de sua própria identidade narrativa [...]”, promovendo um diferencial na formação dos sujeitos, marcando-os para toda a vida. Na memória dos estudantes fixam-se “[...] práticas de sociabilidade” e de comportamento “[...] muitas vezes até mesmo sob a forma de respostas corporais” ( 2017, p. 178) como em atos cívicos, na escrita e leitura.
As recomendações
Inspetores, direção, professoras e alunos produziram documentos constituindo uma memória acerca do que foi pensado e realizado pela escola. Escolano advoga que a memória “[...] é um componente estruturador de toda a cultura da escola, e esta, por sua vez, da construção da subjetividade” ( 2017, p. 185). A memória associa-se a experiências circunscritas a um determinado tempo, lugar e pessoas. Certeau (1994, p. 13) alerta que “[...] é preciso interessar-se não pelos produtos culturais oferecidos no mercado dos bens, mas pelas operações de seus usuários”; pela “[...] criação anônima nascida da prática do desvio do uso desses produtos” ( CERTEAU, 1994, p. 18).
O trabalho dos inspetores escolares e da direção da escola mantém estreita relação com representações sociais, cultura e políticas estabelecidas pelo Estado ( FARIA FILHO, 2007). Os detalhados Termos de visitas trazem indícios do minucioso trabalho dos inspetores na formação e prática das professoras, por meio das recomendações e aulas-modelo, que eram um recurso recorrente na formação docente, com o intuito de “[...] ver para reproduzir os procedimentos vistos e dar a ver sua prática como modelo de outras”, assevera Carvalho (2003, p. 28).
Embora houvesse normativas específicas para as práticas nas disciplinas do curso primário, cada professora apresentava peculiaridades didáticas na relação com os conteúdos e as práticas. Por isso, após “[...] assistir a aula e arguir os alunos observando os métodos e processos de ensino, e o número de pontos já explicados [o inspetor] fará ministrar aulas que serão seguidas de uma crítica sincera, mas reservada” quanto ao trabalho de cada professora, ou da direção ( SANTA CATARINA, 1946 c , p. 10). Conforme explicita Anne-Marie Chartier, “Não se aprende a dar aula da mesma forma na cidade, ou em um vilarejo, no centro, ou na periferia” ( 2022, p. 58).
Dessa forma, a inspeção escolar contribuía para que novos conhecimentos e experiências perpassassem a prática docente, e consequentemente, a formação e a vida dos alunos. A formação prática, tendo os princípios da educação nova e os métodos ativos integrados ao cotidiano escolar, não poderia ser negligenciada naquele projeto renovador.
A questão dos conteúdos e a prática docente eram pontos cruciais para o êxito da proposta educativa catarinense. O detalhamento das recomendações sobre as aulas, que apresentamos no quadro 1, remete-nos à reflexividade presente no ato de inspeção. A reflexão, como escreve Jorge Larrosa Bondía, integra a postura de “[...] sujeitos críticos que, armados de distintas estratégias reflexivas, se comprometem, com maior ou menor êxito, com práticas educativas concebidas na maioria das vezes sob uma perspectiva política” ( 2002, p. 20). Cabia ao inspetor tecer, sutilmente, recomendações às professoras, não chamando a atenção direta aos “[...] erros, as falhas, e defeitos de seu modo de agir”, mas mostrando “[...] como o ensino da matéria poderia ser conduzido com resultado” ( SANTA CATARINA 1946 c , p. 7).
Língua portuguesa, leitura, ditado | Pôr em prática as orientações recebidas; preparar a lição de leitura no quadro com a letra de forma; preparar as palavras novas antes de ditá-las; evitar os alunos emendarem o que erraram; se esforce para melhorar nos cadernos dos alunos a letra, o asseio e a ordem; dar aulas de linguagem, escrita e leitura conforme observou na aula modelo que dei; não repetir a mesma sentença em caligrafia; fazer compreender os alunos que todos os trabalhos escritos também o sejam de caligrafia; dê assistência direta os alunos durante os trabalhos escritos ( WAGENFÜHR, 1954, 1955). Exigir dos alunos leitura com pausa, clareza, pontuação e em voz alta; continue ministrando as suas aulas bem objetivadas, como vem fazendo até a presente data; havendo possibilidade procure melhorar a letra dos alunos ( RIBEIRO, 1956, 1957). |
Aritmética | Alunos, acompanhar os cálculos com objetos como grãos ou palitos; evite que façam cálculos com o auxílio dos dedos ou riscos; intensifique o ensino de aritmética, principalmente as tabuadas; que todo novo problema contenha novo tipo de exercício a ser analisado com a classe e feito no quadro negro antes de fazê-lo no caderno; diariamente dar alguns minutos de cálculos mentais; recapitular os problemas para desenvolver e melhorar o raciocínio; em aritmética oral, siga as orientações que eu dei; não insinue as respostas; dê aplicações práticas de frações, conforme observou na aula modelo; faça ligeiras comparações aplicadas à realidade ( WAGENFÜHR, 1954, 1955). Na verificação do problema no quadro negro chamar apenas um aluno de cada vez; antes de escrever no quadro negro o problema fazer a preparação mental; na formação do problema deve dar oportunidade para que o aluno tome parte do mesmo ( RIBEIRO, 1956, 1957). |
Prática docente | Que os alunos sempre tenham um proveito prático, sempre dê ocupação; procure disciplinar mais os alunos para poder alcançar melhores resultados em suas aulas; orientar os alunos para economizar mais o papel; dirigir a sua aula a todos os alunos da classe para não deixar nenhum desinteressado no assunto em foco; ter mais calma ao ministrar as aulas; melhorar a ordem, asseio e caligrafia nos cadernos; sempre exigir resposta completa dos alunos; para endireitar a letra, exigir cadernos de linhas duplas para que façam todos os trabalhos escritos até normalizarem a letra; organize o plano diário das aulas que vai dar; sempre faça a classificação dos alunos de acordo com as provas mensais; procure tornar a disciplina em classe algo mais efetiva ( WAGENFÜHR, 1954, 1955). Exija posição correta do aluno no momento de escrever e quando estiver fazendo contas no quadro negro exigir que este faça comentários em voz alta; não permita que o aluno segure a pena no momento de escrever; fale mais alto quando estiver ministrando suas aulas; cadernos com muita ordem e asseio, as aulas ministradas muito bem dirigidas e objetivas; torne suas aulas mais expressivas e siga as minhas orientações verbais ( RIBEIRO, 1956, 1957). |
Fonte: Adaptado dos Termos de visitas (1954, 1955, 1956, 1957).
Essas recomendações revelam aspectos do trabalho dos inspetores e das professoras, sendo possível observar que nos relatórios de Wagenführ (1954, 1955) há uma incidência maior de recomendações, se comparados aos de Ribeiro (1956 12, 1957), cujas inspeções resultavam em relatórios mais elogiosos ao trabalho das professoras. Suas trajetórias entrelaçam-se a tantas outras histórias de trabalhadores da educação e os Termos de visitas revelam detalhes, “circunstâncias” e “motivações” ( BENSA, 1998, p. 45), dando a ver que mudanças se processavam nas práticas escolares, concomitantes a resistências e tensionamentos entre a cultura escolar e a sociedade.
O que os inspetores verificavam durante a visita mantinha estreita relação com o trabalho da direção e das professoras 13 no decorrer do ano letivo, conforme as Atas de reuniões pedagógicas. Embora as reuniões pedagógicas devessem ser mensais ( SANTA CATARINA, 1946 c ), isso ocorreu somente em 1957. Mas, estudos conjuntos sobre os programas de todas as séries se iniciaram em 1956. Outra prática recorrente foi apresentação e discussão de um plano de aula; a realização de comunicado sobre um tema atual, e a leitura de uma mensagem, em cada reunião. Essas discussões eram priorizadas em relação a outros assuntos em pauta.
As Atas indicam as múltiplas tarefas docentes, as quais se mesclavam à rotina de preparar conteúdos e ministrar as aulas. Cabia também às professoras: cuidar da higiene e fazer revista em alunos; corrigir os cadernos; encaminhar à biblioteca os alunos que não fizessem aula de religião; saber a letra dos hinos; cantar com os alunos nas entradas e saídas das aulas; contribuir com Natal dos Lázaros; aplicar as provas mensais, calcular as médias, classificar os alunos e lançar as notas mensalmente nos boletins; aplicar exames; conduzir reuniões da associação escolar e elaborar relatórios com as Atas dessas reuniões; emitir opinião sobre os programas do ano letivo; ajudar a servir a sopa; aceitar em suas salas somente alunos matriculados; dar os mesmos assuntos nas classes da mesma série; realizar o inventário de sua classe; e, planejar, organizar e participar de festividades diversas ao longo do ano.
Entretanto, a vigilância dos alunos durante o recreio foi o assunto mais frequente nas reuniões pedagógicas. Havia escala de professoras para cuidar do recreio e conforme o registro feito pela professora Vins Pimpão (1954c, p. 29), a diretora recomendava que:
[...] os professores mantenham uma grande vigilância dos recreios, não deixando que os alunos corram, joguem papel no pátio e para o outro lado do muro, agarrem-se nos galhos das árvores, tenham brinquedos bruscos como de socos, puxões, agarramentos, etc. [...] não permitir que os alunos se aglomerem ou andem pelos corredores.
No curto espaço de tempo do recreio as crianças exerciam o que Certeau denominou de “micro-resistências, as quais fundam por sua vez micro-liberdades, mobilizam recursos insuspeitos” ( 1994, p. 18), na fronteira entre o permitido e a transgressão às regras. A transgressão perpassa pelo que Certeau ( 1994, p. 22) denominou táticas, as quais se fundam na inteligência, na criatividade e nas experiências do cotidiano que são reinventadas no “entrelaçamento de percursos” preparando “nossos caminhos para se perderem na multidão”, nas múltiplas experiências. Os pátios do recreio são lugares em que as culturas infantis se desenvolvem. ( JULIA, 2001).
A escola exercia vigilância sobre os corpos das crianças que se movimentavam com certa autonomia; prática essa que pode ser compreendida à luz de Foucault (1997), quando trata das punições e seu papel no ajustamento social. Disciplinando o comportamento infantil, mas também de gênero, restringia-se o espaço de circulação, com regras mais rigorosas para as meninas. A diretora recomendou às professoras: “não devem permitir que joguem papel, cascas de frutas no chão [...] As meninas costumam brincar na rampa da escada do campo agrícola, não deve ser permitido” ( COELHO, 1955, p.33v), assim como o campo de educação física e nos corredores das salas de aula.
Embora houvesse previsão legal de que em “hipótese nenhuma os professores deixem seus alunos sem o recreio diário” ( SANTA CATARINA, 1946 c , p.6), a ideia de “alunos retidos em sala de aula” circulou pela escola, pelo menos até 1955, conforme registrou Coelho (1955, p. 33). Assim como se praticava o castigo, também havia a premiação pela frequência, e nesse caso, o aluno seria recompensado com mais cinco minutos de recreio ( WEINAND, 1956 b ). Em ambos os casos o aluno era acompanhado da professora. As relações de poder presentes no meio social também se manifestavam na cultura escolar que se estabelecia entre a força da tradição e os ideais de renovação pedagógica.
Considerações finais
Em decorrência das transformações socioeconômicas em âmbito mundial, o trabalho dos inspetores estava associado a um projeto de renovação da educação. A demanda perpassou as políticas educacionais catarinenses orientando a conduta desses profissionais na realização das visitas à instituição. Além de cumprir um papel burocrático, também exerceram funções pedagógicas, avaliando a prática docente, analisando os recursos utilizados pelas professoras e o aprendizado dos alunos. A formação, experiência e vivência em outras escolas facultava orientar a metodologia docente, com recomendações e aulas-modelo.
Tanto os Termos de visitas, quanto as Atas de reuniões pedagógicas, trazem indícios acerca do gradual deslocamento dos eixos da cultura escolar ( FARIA FILHO, 2007), uma vez que coexistiam orientações, tanto do inspetor, quanto da direção, demarcando culturalmente essa instituição, num jogo de trocas e reinvenções pedagógicas. A ação docente ressignificava-se na medida em que as reuniões pedagógicas tornavam-se lugar comum para reflexão e discussão de novas práticas. O trabalho conjunto oportunizava às professoras a compreensão dos princípios da escola ativa e do papel da educação na sociedade. Observa-se, no entanto, a coexistência de práticas que se pautavam em uma cultura escolar tradicional, com castigos, por exemplo.
Nos Termos de visitas aludia-se à excelência do trabalho educacional desenvolvido no Grupo Escolar Balduíno Cardoso, e de forma exagerada, ou não, afirmava-se que era o melhor estabelecimento escolar das cidades, associado ao exímio trabalho da diretora e do corpo docente. Os documentos analisados trouxeram à tona dados da “caixa preta” dessa instituição, conforme acepção de Julia (2001, p.13), possibilitando vislumbrar o modo como as inspeções e as reuniões pedagógicas conformaram culturalmente essa instituição educacional nas cidades fronteiriças, fortalecendo a educação pública e a ideia de pertencimento a Santa Catarina, mas também ao Brasil.