INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo apresentar um balanço do que foi produzido em trabalhos científicos na área de Educação Infantil na primeira década após a promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil - DCNEI (BRASIL, 2009). Tal propósito leva em consideração o contexto político e pedagógico que desencadeou a necessidade de revisão do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) e da Resolução CNE/CEB n.º 1, de 7 de abril de 1999 (BRASIL, 1999), e que culminou na atual Base Nacional Comum Curricular - BNCC (BRASIL, 2017).
Nesse ínterim, as DCNEI (BRASIL, 2009) são elaboradas com a finalidade de orientar “a organização de propostas pedagógicas na Educação Infantil” (Art. 1º). Tal dispositivo, de caráter mandatório, cria a possibilidade de planejamento e realização de um trabalho pedagógico que tenha a criança como centro do processo educativo e as interações e brincadeiras como eixos das práxis.
Tendo em vista que no Brasil estamos vivendo um momento de retrocessos políticos importantes - como a ameaça à democracia conquistada às custas de muitas lutas e ao tombamento de muitas vidas - que terão consequências graves em todas as áreas, não podemos deixar de considerar e refletir sobre as repercussões das DCNEI (BRASIL, 2009) no cenário nacional procurando compreender os meandros percorridos no âmbito acadêmico até aqui. Vale considerar que, via de regra, esse campo resulta de pesquisas em contextos reais, portanto, também indica o impacto desse documento legal em várias realidades institucionais que cuidam/educam3 crianças de 0 a 5 anos e 11 meses de idade.
Na leitura que fazemos das publicações identificadas nesse levantamento referente a essa primeira década pós DCNEI (BRASIL, 2009), consideramos a influência das ideias de Leontiev (1978). Segundo esse teórico, para tornar suas as aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas, o homem deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, num processo de comunicação com eles. Assim, é através da educação que o homem tornase humano em sua essência.
A escola, como contexto educativo formal, tem responsabilidade nesse processo, devendo contribuir de maneira positiva no desenvolvimento da inteligência e personalidade dos estudantes. Em comparação com as finalidades das demais etapas da educação básica, as instituições de Educação Infantil, que tem como público “meninos e meninas, recém chegados ao mundo, [que terão, gradativamente, de dar] conta de um entorno repleto de situações a serem compreendidas e tomadas para si no exercício de se tornar humano” (FOCHI, 2015, p.48), ou seja, bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas4, que estão em processo intenso de aprendizagem e desenvolvimento, tal encargo torna-se ainda maior.
Nesse sentido, o balanço, aqui apresentado, dos impactos na produção acadêmica de uma década da promulgação das DCNEI (BRASIL, 2009) se propõe a responder a seguinte questão: o que ocorreu na esfera da pesquisa na área de Educação Infantil durante a primeira década de promulgação das DCNEI? Desta pergunta central, outras se fazem pertinentes: quais os temas de maior atenção nas pesquisas desenvolvidas nesse período? O que eles atestam? Qual o período de maior interesse acadêmico científico nesses dez anos? Qual o cenário político desse período?
Tais questionamentos não ocorrem de forma arbitrária, mas, sim, daquilo que entendemos que seja a busca pela cientificidade do saber e, dessa mesma forma, o sentido histórico, social, cultural e político de sua produção.
Essa compreensão nos induz a estruturar a exposição em cinco pontos: o primeiro, que aqui trazemos, introduz o tema, apresenta os propósitos do artigo e o seu foco; o segundo trata do contexto político dos embates legais que marcaram a conjuntura da década; o terceiro apresenta o percurso metodológico empreendido no levantamento; o quarto, traçado tendo como cenário a conjuntura do decênio, apresenta e tece reflexões sobre o que foi produzido nessa década a partir de pesquisas acadêmico-científicas e ensaios teóricos; e, por fim, o quinto, aponta algumas reflexões candentes que nos interpelam como pesquisadoras e militantes na área de Educação Infantil.
Percebe-se, assim, que a realização do balanço supradito possibilita uma espécie de “estado da arte” inicial do que foi produzido sobre e o que ocorreu na área de Educação Infantil durante o decênio eleito para a pesquisa, bem como um roteiro indicativo que nos pode possibilitar uma leitura histórica da conjuntura vigente no referido período.
O CONTEXTO POLÍTICO E A NOVA DEFINIÇÃO DE CURRÍCULO A PARTIR DAS DCNEI (BRASIL, 2009)
Compreender o contexto histórico de estruturação da política de EI brasileira é condição para o debate sobre a necessidade de reestruturação curricular das creches e pré-escolas.
Segundo Rosemberg (2000, p.136), o Brasil passou a se preocupar com a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente, com a educação das crianças somente a partir do
impacto de novas ideias sobre Educação Infantil veiculadas pelos movimentos sociais das décadas de 1970 e 1980 (o movimento das mulheres e o movimento pelos direitos das crianças e dos adolescentes).
Juridicamente, a sociedade brasileira passou a reconhecer as crianças como cidadãos de direitos, entre os quais, o direito à Educação, a partir da realização, em 1975, pelo Ministério da Educação (MEC), do primeiro Diagnóstico Nacional da Educação Pré-escolar. Após quatro anos, outra ação deste porte foi posta em prática, sendo 1979 declarado o Ano Internacional da Criança. Foi com a aprovação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), no entanto, e com a regulamentação de alguns de seus artigos, mediante o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 1991) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), que se efetivou maior atenção às crianças de zero a seis anos. Com isso, a Educação passou a ser, além de um direito fundamental da criança, uma garantia constitucional (KRAMER, 2005).
A promulgação da Constituição Federal em vigor (BRASIL, 1988) delega ao Poder Público uma responsabilidade nunca antes assumida: o atendimento gratuito em instituições de Educação Infantil às crianças de zero a cinco anos como parte de seu dever com a educação.
O ECA (BRASIL, 1991) prevê igualdade de condições para o acesso e permanência das crianças e adolescentes na escola, destacando sua condição de sujeitos de direitos, que devem ser tratados com prioridade absoluta pelo Poder Público.
A LDB (BRASIL, 1996) também trouxe inúmeras contribuições à área, dentre as quais: a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica, direito da criança, dever do Estado, opção da família5, vinculada aos sistemas de ensino, e a avaliação sem o objetivo de promoção para o Ensino Fundamental.
Acompanhando o reconhecimento da Educação Infantil como etapa específica da Educação Básica e levando em consideração suas especificidades pedagógicas cada vez mais explícitas, em 1998 foi lançado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998) como uma primeira tentativa de adequar os novos objetivos educacionais às propostas curriculares previstas para as creches e pré-escolas. Tal documento, passou por um processo de revisão e ampliação ao longo de dez anos, sendo reeditado através da Resolução Nº5 do Conselho Nacional de Educação - CNE no ano de 2009.
Entre as principais definições presentes nesse documento mandatório, estão o conceito de criança (tida como sujeito histórico e de direitos, centro do planejamento curricular), a concepção de Educação Infantil (reconhecida como formal e a ser realizada em espaços institucionais não domésticos, públicos ou privados, que educam/cuidam crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial e currículo (concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio humano); e as interações e brincadeiras como os eixos norteadores das práticas pedagógicas desenvolvidas com e para as crianças.
Ao se tratar de práticas pedagógicas é importante compreender que estas não são neutras. Sempre têm orientações (por mais oculta que possam parecer) que as guiam e são influenciadas pela concepção de criança e de Educação Infantil dos professores.
É um desafio fazer com que o currículo seja concebido como o projeto formativo integrado que se desenvolve durante toda a escolaridade (ZABALZA, 1998, p. 13). O currículo deve integralizar a vida na escola e a escola na vida, pois não há educação fora da vida (VIGOTSKI, 2010). Segundo as DCNEI (BRASIL, 2009), deve haver diálogo entre as experiências e saberes de vida da criança e os conhecimentos que a humanidade construiu e acumulou durante sua história.
A definição de currículo contida nesse documento normativo põe o foco na ação mediadora da instituição de Educação infantil como articuladora das experiências e saberes das crianças e os conhecimentos que circulam na cultura mais ampla. Tal definição inaugura, então, um importante período na área, que pode, de modo inovador, avaliar e aperfeiçoar as práticas vividas pelas crianças nas unidades de Educação Infantil (OLIVEIRA, 2010, p.4).
No ano de 2013 é promulgada a Lei Nº 12.796, que, entre outras provisões, insere a Educação infantil na definição de uma Base Nacional Comum Curricular para a Educação Básica (BRASIL, 2013), intensificando ainda mais os debates sobre as precauções ao se pensar um currículo que leve em consideração as características e necessidades dos bebês, das crianças bem pequenas e das crianças pequenas. Apesar de inserida em uma proposta comum nacional para a Educação Básica, às custas de muitas lutas, especialmente, dos movimentos sociais e universidades, a Educação Infantil manteve algumas de suas especificidades curriculares, uma vez que não se define por conteúdos ou disciplinas, mas por Campos de Experiências que precisam se ajustar aos princípios, às condições e aos objetivos expressos nas DCNEI (BRASIL, 2009).
PERCURSO METODOLÓGICO
Trata-se de uma pesquisa do tipo “Estado da Arte” cuja intenção é de, por meio de uma metodologia inventariante e descritiva, “mapear e discutir uma certa produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, tentando responder que aspectos e dimensões vêm sendo destacados e privilegiados em diferentes épocas e lugares” (FERREIRA, 2002, p.258).
Adotar essa forma de fazer pesquisa alicerça-se no argumento de Romanowsk e Teodora Ens (2006, p.38) de que:
faltam estudos que realizem um balanço e encaminhem para a necessidade de um mapeamento que desvende e examine o conhecimento já elaborado e apontem os enfoques, os temas mais pesquisados e as lacunas existentes.
De igual maneira, André (2009, p.43) complementa que este tipo de pesquisa é revelador dos “temas que permanecem ao longo do tempo, assim como os que esmaecem, os que despontam promissores e os que ficam totalmente esquecidos” pela academia.
Ao caracterizar essa modalidade de investigação, Romanowsk e Teodora Ens (2006) elencam alguns procedimentos adotados que também estão presentes neste levantamento das produções acadêmicas sobre as DCNEI (BRASIL, 2009) publicadas no decênio 2010 a 2020, dentre eles, não se restringir à identificação da produção, mas analisá-las; indicar as lacunas de disseminação do conhecimento resultante dos trabalhos mapeados; e examinar os temas mais e menos presentes nas investigações bem como os objetivos a eles relacionados.
Fazer um levantamento de publicações de pesquisas no formato eletrônico, o que vem aumentando, especialmente, desde a década de 2000, conforme aponta Caregnato (2011, p.72), “têm ampliado a oportunidade de se obter uma visão mais complexa e pormenorizada das redes formadas pelas comunidades científicas das diferentes áreas”. Por outro lado, é importante ter clareza de que por mais abrangência que pareça ter, nenhuma
base de dado apresenta cobertura completa da publicação científica mundial, o que aponta para a necessidade de seleção das bases de dados mais adequadas para as condições da análise desejadas, incluindo abrangência geográfica, área do conhecimento e período do estudo a ser feito. (FARIA et al p.8).
Considerando a incompletude comum aos bancos de dados on-line, os autores suprarreferidos recomendam “a utilização de mais de uma base de dados [...] para que, na falta de uma visão baseada na totalidade das publicações, possam ser construídas mais visões parciais para comparação e complementação” (FARIA et al p.8). Nesta perspectiva, a pesquisa foi realizada nas seguintes plataformas eletrônicas: Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, Google Acadêmico e ResearchGate, no período de maio a julho de 2021. O critério para inclusão do trabalho localizado foi aparecer no título a combinação dos seguintes descritores: “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” e “creche”; “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil” e “pré-escola”.
Tanto no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES como no Google Acadêmico o tipo de busca adotado foi o simples. No site ResearchGate a busca, também simples, foi realizada no formato “não logado”
A adoção do recorte temporal de 2010 a 2020 vincula-se tanto ao primeiro ano após a promulgação das DCNEI (BRASIL, 2009) - 2010 - como também ao primeiro ano após a implantação da BNCC (BRASIL, 2017) - 2020. Tratam-se de dois documentos orientadores e mandatórios relacionados ao currículo na Educação Infantil, tema ainda não consensual entre os pesquisadores da área.
O QUE REVELAM AS PESQUISAS SOBRE AS DCNEI (BRASIL, 2009) APÓS UMA DÉCADA DE SUA PROMULGAÇÃO?
Incluindo os estudos localizados em mais de uma plataforma consultada, o quantitativo de trabalhos publicado por ano encontra-se distribuído conforme apresentado no Quadro 1 a seguir.
Ano de publica- ção | Banco de dados | Quantidade de pesquisas sem exclusão dos trabalhos duplicados | |||
---|---|---|---|---|---|
Google Acadêmico | Catálogo de Teses e Dissertaçõ es - CAPES | ResearchGate | |||
Com os duplicados | Sem os duplicados | ||||
2010 | - | - | 01 | 01 | 02 |
2011 | - | - | - | - | - |
2012 | - | - | - | - | - |
2013* | 01 | 01 | 03 | - | 04 |
2014* | 01 | 01 | - | 01 | 02 |
2015* | 01 | 01 | - | - | 01 |
2016* | 01 | 01 | - | 02 | 03 |
2017* | 03 | 03 | 03 | 01 | 07 |
2018 | - | - | - | - | - |
2019 | - | - | 02 | 02 | 04 |
2020* | 02 | 02 | 01 | 02 | 05 |
Total | 09 | 09 | 10 | 09 | 28 |
TOTAL GERAL DE PESQUISAS CONSIDERADAS** | 21 |
Fonte: Elaboração das autoras, 2021.
*Anos em que foram localizados trabalhos duplicados
**Com exclusão dos 09 trabalhos duplicados
De acordo com o Quadro 1, percebe-se que, embora existam variações na quantidade dos estudos produzidos por ano, há um discreto crescimento no período de 2010 a 2013; nos biênios 2016 a 2017 (período de maior elevação) e 2019 a 2020 na quantidade das publicações sobre as DCNEI (BRASIL, 2009). Todavia, há um relativo decréscimo da quantidade de pesquisas nos seguintes intervalos de tempo: 2013 a 2015 e 2017 a 2019 (triênio de superior declínio). Chama a atenção o fato de não ter sido identificado nenhum trabalho em 2011, 2012 e 2018. O Gráfico 1, a seguir, evidencia esse movimento de ampliação e declínio no conjunto de investigações decorrente desse levantamento:
Na perspectiva de Santos, Barroso e Nascimento (2020, p.359), a oscilação na quantidade de publicação nesse decênio reflete “momentos de recuo e avanço da compreensão e aceitação (ou não) da ideia de um currículo para creches e pré-escolas”. Acrescente-se a isso “a defasagem entre a norma e sua efetiva implementação no cotidiano das instituições” (LOPES, 2011, p.7).
De fato, não existe uma correspondência entre os avanços na legislação e o que parece ter sido privilegiado nas publicações localizadas nesse levantamento. Ademais, a aprovação das DCNEI (2009), paradoxalmente, representa “um momento importante de fortalecimento e consolidação dessa etapa [Educação Infantil] como a primeira da educação básica, também desvela alguns temas difíceis para a área” (CARVALHO; FOCHI, 2017, p.15).
A necessidade de um currículo para a educação formal de bebês, crianças bem pequenas e crianças pequenas é emblemática dos dissensos persistentes tanto no âmbito acadêmico como institucional onde se pesquisa e se efetiva essa primeira etapa da educação básica, mesmo que a compreensão do que seja currículo presente nesse documento normativo diferencie-se radicalmente da perspectiva de disciplina escolar. Outrossim, é concebido como “um conjunto de práticas que possibilita aos professores elaborarem seus planejamentos com base nas experiências e nos interesses das crianças, [articulando-os] com os conhecimentos socialmente produzidos” (CARVALHO; FOCHI, 2017, p.27), com vias à promoção do desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade.
Concernente ao biênio de maior elevação - 2016 a 2017 - na quantidade das publicações relativa às DCNEI (BRASIL, 2009) identificadas por este mapeamento, semelhante à hipótese de Santos, Barroso e Nascimento (2020, p.359), atribuímos o fato às discussões e posterior aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017).
Quando considerado o número de pesquisas (nove) que se repetem nos bancos de dados supraditos, portanto, foram contabilizados duas vezes no compute geral de trabalhos localizados (28), essa soma recai para 21. A seguir, o Quadro 2 apresenta a quantidade de trabalhos duplicadas por plataforma e ano:
Ano de publicação | Quantidade de pesquisas | ||
---|---|---|---|
Google Acadêmico e Catálogo de Teses e Dissertações - CAPES | Google Acadêmico e ResearchGate | Total por ano | |
2010 | - | - | - |
2011 | - | - | - |
2012 | - | - | - |
2013 | 1 | - | 1 |
2014 | - | 1 | 1 |
2015 | - | 1 | 1 |
2016 | - | 1 | 1 |
2017 | 2 | 1 | 3 |
2018 | - | - | - |
2019 | - | - | - |
2020 | - | 2 | 2 |
Total Geral | 03 | 06 | 09 |
Fonte: Elaboração das autoras, 2021.
Ao todo, foram encontrados nove trabalhos duplicados: seis se repetiam nas plataformas Google Acadêmico e ResearchGate e três nos sites do Google Acadêmico e do Banco de Teses e Dissertações da CAPES. Tratam-se de seis artigos - Angotti (2014), Carvalho (2015), Ciardellaé (2016), Ostetto (2017), Persicheto e Perez (2020) e Nunes e Gonçalves (2020); duas dissertações - Oliveira (2013) e NUNES (2017) e uma tese - SOUZA (2017).
Quanto ao tipo de publicação, foram localizados dois anais de evento, quinze artigos, um capítulo de livro, oito dissertações, um livro, quatro monografias, cinco Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e uma tese, conforme indica o Gráfico 2 a seguir:
O maior percentual de publicações se concentra nas regiões Sul e Sudeste (77,2%), sendo 07 dissertações, 01 tese, 10 artigos, 01 capítulo de livro, 01 livro, 06 trabalhos publicados em anais e/ou apresentados em eventos e 08 TCC e monografias. Por outro lado, o menor percentual de trabalhos foi identificado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (22,7%), composto por 02 dissertações, 04 artigos e 04 TCC e monografias. O Gráfico 3 indica essa concentração de trabalhos nos eixos sul e sudeste do país:
A acentuada disparidade entre a quantidade de pesquisas produzidas nos eixos sul/sudeste e norte/nordeste/centro-oeste do país tem sido denunciada por diversos estudiosos que a relacionam com “as acentuadas disparidades na distribuição dos recursos científicos e tecnológicos e pela maior disponibilidade de recursos humanos e financeiros devido a políticas implementadas por importantes agências de fomento” (SIDON; HADDAD; MENA-CHALCO, 2016, p.p.22-23).
De forma semelhante, destacam Nazareno e Herbetta (2019, p.104):
a formação da pós-graduação no país é baseada na noção de assimetria, especialmente no que se refere ao investimento em alguns poucos centros de excelência, localizados em centros de poder político e econômico, desenvolvendo espaços elitistas e hierárquicos, assim como faz crescer as assimetrias regionais, tornando desiguais o acesso e a produção de conhecimento entre os distintos espaços de cada região.
Indubitavelmente, a disparidade de recursos de toda ordem bem como a assimetria hierárquica na produção de conhecimento e o acesso desigual a ele nas diferentes regiões e estados brasileiros também se refletem nesse levantamento sobre as pesquisas publicadas no decênio de 2009 a 2020.
Ao analisar os objetivos de cada pesquisa que compõe o conjunto de produção resultante desse levantamento, foram identificados, em conformidade com a Figura 1, posteriormente apresentada, os principais termos referentes às DCNEI (BRASIL, 2009) presentes em seus objetivos. Na referida imagem, os vocábulos que aparecem em frequência máxima e mínima estão grafados em tamanho maior e menor, respectivamente.
Pelo exposto na Figura 1, foram vários os principais termos e expressões identificados no objetivo geral de cada pesquisa sobre as DCNEI (BRASIL, 2009) incluída nesse mapeamento. As palavras que apresentaram maior6 frequência foram: criança (11)6, BNCC (06), currículo (06), práticas pedagógicas/ educativas/docentes (06), implementação/ implementada (05), cotidiano (04) e aprendizagem (04). Por seu turno, relações étnicoraciais, berçário, alteridade infantil e direito da criança foram as palavras e expressões de menor constância, sendo citadas apenas uma vez.
No que se refere a esse quantitativo ínfimo (uma citação!) de termos e expressões identificados nos objetivos gerais dos textos, esse resultado coaduna com as reflexões decorrentes dos levantamentos realizados por outros investigadores que se ocuparam dessas temáticas quase invisíveis nos resultados aqui apresentados. Igualmente, indica o que é considerado valioso pesquisar e publicar acerca das DCNEI (BRASIL, 2009) e o que é considerado menos importante, marginal nas investigações sobre este documento.
No que concerne ao tema relações étnico-raciais, por exemplo, embora as pesquisas sobre este assunto venham se ampliando na produção acadêmica brasileira, mormente, por meio de dissertações e teses, desde a década de 2000 a 2010 (SANTOS; SILVA; COELHO, 2014), em estudo realizado por Alves, Barbosa e Ribeiro, (2016), acerca dos projetos políticopedagógicos das instituições educacionais em Goiás, foi constatado que a despeito da
ênfase no papel da Educação Infantil no combate político e pedagógico das discriminações [...] persistem desafios conceituais e operacionais para a materialização da legislação, abarcando acesso, formação de professores, produção e divulgação de materiais pedagógicos [aumento e socialização das pesquisas sobre o tema] e, sobretudo, superação de concepções racistas e preconceituosas presentes na sociedade brasileira (p.312, grifos nossos).
Por seu turno, Silva (2019), ao visar apreender como e com que frequência a formação de professores de Educação Infantil/Educação Básica para o trabalho com o tema Relações Étnico-Raciais-RER, no período de 2003 a 2017, vem sendo discutida nas publicações acadêmicas, identificou a irrisória presença da temática nos trabalhos que localizou.
Aliás, muitos trabalhos do tipo “Estado da Arte” vieram a confirmar nossa hipótese de que RER encontram forte resistência para ser inserida nos currículos e ementas das disciplinas dos cursos de Pedagogia. O mesmo se dá nas investigações científicas: o foco nesse tema tem sido pouco frequente, particularmente, naquelas que se referem à formação universitária de professores que exercem a docência na Educação Infantil, congruente ao que afirma Silva (2019, p.73, grifos nossos):
esse assunto [RER] é pouco visibilizado nas pesquisas educacionais, especialmente, aquelas que se referem à formação inicial docente. Vale destacar que nenhum dos trabalhos citados revelou preocupação especial com a atuação docente na Educação Infantil. (SILVA, 2019, p.73, grifos nossos).
De forma similar, é emblemática da ausência das palavras e expressões “bebês e sua educação formal”, incluindo aí, o vocábulo “berçário”, naquilo que é considerado mais importante, primordial e recorrente nas investigações sobre currículo, enfocando as DCNEI (BRASIL, 2009). O resultado do estudo realizado por Gobbato e Barbosa (2017, p.32, grifos nossos) atesta que:
Se, por uma lado, eles [os bebês] estão mais perto, dentro das unidades de educação infantil; por outro, as análises e as reflexões feitas nesse trabalho mostram que ainda estão tão longe: ingressam nas instituições cada vez mais cedo, mas estão mais ausentes do que presentes nos discursos, nos documento e nas pesquisas.
Atrelados aos termos de maior e menor recorrência no objetivo geral de cada publicação, os verbos mais referidos foram: discutir (08), investigar (08), compreender (06) e analisar (06). Considerando a Taxonomia de Bloom, os verbos supraditos, pertencem às seguintes categorias: compreensão, que diz respeito à “capacidade de entender a informação ou fato, de captar seu significado e de utilizá-la em contextos diferentes” (FERRAZ; BELHOT, p.426) - é o caso dos verbos discutir e compreender; e análise, que corresponde à “identificação das partes, análise de relacionamento entre as partes e reconhecimento dos princípios organizacionais envolvidos. Identificar partes e suas inter-relações” (FERRAZ; BELHOT, p.426) - aqui se inserem os verbos analisar e investigar.
A identificação das palavras que mais e menos figuraram no objetivo geral dos textos bem como os verbos a elas relacionados possibilitou delimitar os temas abordados pelos trabalhos sobre as DCNEI (BRASIL, 2009) localizados na década focalizada nesse artigo, conforme aponta o Quadro 3:
TEMA | Nº DE PESQUISAS |
---|---|
Conceitos / Análises do documento/ Propostas das DCNEI/ Políticas/Teoria/ Concepções | 25 |
Brincadeiras | 2 |
Educação Física | 2 |
Temas transversais (Educação ambiental/educação étnico racial/Gênero) | 3 |
Áreas de conhecimento (Ciências, Lingua Escrita e Arte) | 3 |
Qualidade | 3 |
Práticas (implementação/repercussões) | 7 |
DCNEI e BNCC | 6 |
Avaliação da aprendizagem | 1 |
Datas comemorativas | 1 |
Prática com bebês | 2 |
Transição Educação Infantil e Ensino Fundamental | 1 |
Total | 56 |
Fonte: Elaboração das autoras, 2021.
A análise dos dados apresentados no Quadro 3 permite afirmar que o interesse por temas mais conceituais (Conceitos / Análises do documento/ Propostas das DCNEI/ Políticas/Teoria/ Concepções), com 25 referências nas pesquisas, estiveram no centro dos interesses. Essa constatação nos permite inferir que na década privilegiada por este artigo, os estudiosos pareciam mais preocupados em compreender o documento e a concepção de currículo nele presente. Daí, a diminuta presença do assunto “brincadeira” (apenas duas investigações a tiveram como interesse central) e total ausência do assunto “interações”, eixos norteadores das práticas pedagógicas na Educação Infantil (DCNEI, 2009).
O segundo tema mais recorrente foram as práticas (07). Essa relativa concentração nesse componente da docência em Educação Infantil confirma o que estudiosos, desde o final da década dos anos 90, vinham apontando em seus levantamentos: mesmo havendo certo consenso entre muitos professores e pesquisadores e alguns políticos e gestores institucionais, sobre a função de cuidado/educação na Educação Infantil, “o mesmo não acontece em relação à definição do que isso significa e de como deve ser viabilizada essa possibilidade junto às crianças” (ROCHA, 1999, p.15).
A BNCC (BRASIL, 2017) aparece associada às DCNEI (BRASIL, 2009) em seis publicações, o que pode estar relacionado ao contexto de elaboração, discussão e aprovação desse outro importante documento mandatório, a BNCC (BRASIL, 2017), cujas DCNEI (BRASIL, 2009) se constituíram em um dos principais aportes legais de sustentação.
Verifica-se, também, que temas ainda pouco consensuais como “sexualidade”, “presença masculina de professores na Educação Infantil” e “Educação Ambiental”, não figuram entre os temas abordados pelas publicações ou aparecem apenas uma vez, como “Avaliação”, “Transição Educação Infantil” e “Datas comemorativas”.
O BALANÇO DE UMA DÉCADA DA PROMULGAÇÃO DAS DCNEI: DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE PESQUISA
O objetivo desse texto foi apresentar um balanço do que foi produzido em trabalhos científicos na área da Educação Infantil na primeira década após a promulgação das DCNEI (BRASIL, 2009).
Considerando o recorte temporal (o primeiro decênio após a promulgação das DCNEI), bem como o quantitativo de pesquisas encontradas nesse levantamento e as bases de dados consultadas, os trabalhos que compõem o corpus desse artigo evidenciam inúmeros desafios que precisam ser enfrentados pela comunidade acadêmicocientífica em relação ao currículo na Educação Infantil e suas especificidades, o que possibilita a ampliação dos debates sobre o tema.
É fato que a dimensão do currículo da Educação Infantil é mais complexa quando comparada às demais etapas da educação básica, uma vez que há inúmeros fatores envolvidos, tais como as peculiaridades ligadas ao processo de desenvolvimento das crianças e as especificidades que precisam ser consideradas na práxis pedagógica, envolvendo uma maior aproximação com as famílias e as funções indissociáveis de cuidar/educar (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2001).
Os trabalhos aqui reunidos apontam os temas de maior destaque nas pesquisas e que envolvem a compreensão de currículo em sua episteme, perpassando por reflexões acerca das teorias, concepções e conceitos que o compõem. Em contrapartida, assuntos como o brincar, a avaliação e a prática com bebês, fundamentais para a efetivação de um currículo que considere a criança como centro, ainda são pouco explorados.
A aprovação da BNCC (BRASIL, 2017), em 2017, acirrou as discussões em torno do currículo que passa ser organizado através de “campos de experiências”, que abarcam as diversas dimensões do conhecimento, não podendo ser compreendidos na acepção de uma trajetória linear, cuja avaliação pressupõe produtos finais, mas como uma forma curricular a ser constituída “[...] pelos diferentes percursos narrativos das experiências que acontecem no encontro cotidiano” (PASUCH; FRANCO, 2017, p. 383) de crianças e adultos no contexto de creches e pré-escolas.
À guisa de conclusão, podemos perceber os avanços legais (ou, no mínimo, esforços nessa direção!) relativos à definição de um currículo desenvolvente (DAVIDOV, 1988) para as creches e pré-escolas brasileiras. Contudo, não podemos negar as ausências e inconsistências nas discussões em torno do tema, o que impulsiona a necessidade da realização de mais pesquisas nesse caminho.