Introdução
Na história da educação, a valorização da cultura material escolar, impulsionada, sobretudo, pelos estudos da cultura escolar, leva à compreensão de que os espaços e a arquitetura escolar são elementos ativos do processo educativo1. Neste estudo, realizado da perspectiva da história cultural, concebemos que a materialidade pode ser compreendida para além de sua funcionalidade, ou seja, por meio da interrogação a respeito de seus significados e de suas representações simbólicas. O objetivo é relacionar a arquitetura de um edifício escolar, construído pelo governo do estado do Rio Grande do Sul no início do século XX, com o patrimônio histórico-educativo, levando em consideração os elementos educativos e culturais e compreendendo-os como bens materiais e imateriais da educação. Para tanto, articulamos vestígios de sua gênese com as transformações ocorridas em sua trajetória e também com os mecanismos de conservação e preservação da história e da memória da educação.
A escola primária, dentre as diferentes instituições sociais, está demarcada por uma concepção espacial que foi sendo historicamente elaborada. Inserida em uma trama discursiva, ela incorpora as mudanças nos diferentes âmbitos da sociedade, como, por exemplo, os processos de reconfiguração das cidades e os discursos higienistas entre o final do século XIX e início do XX.
No momento em que foi separada das outras instituições, a arquitetura escolar tornou-se central para o processo educativo, incorporando uma importância que, até então, não existia. A configuração dessa instituição com um prédio próprio, ou seja, separado das demais instituições, dotou-a de identidade particular2. Reconhecendo esses espaços como importantes propagadores de ensino e cultura, direcionamos o olhar para a escola pensada, projetada e construída para ser um espaço escolar.
As pesquisas sobre arquitetura escolar vêm sendo desenvolvidas da perspectiva da cultura escolar, segundo a qual os espaços e a cultura material são elementos fundamentais para o conhecimento do interior da escola, de aspectos do seu cotidiano, de seus atores: corpo discente e docente3. De acordo com Julia (2001), podemos destacar três elementos para a constituição de uma cultura escolar: o espaço escolar específico, os cursos graduados em níveis e o corpo profissional específico. Essa seria a tríade essencial para as pesquisas na área. As reflexões de Viñao (2002, p. 29) direcionam o olhar para tudo o que está relacionado com o cotidiano da escola, tanto no plano das ideias quanto no das práticas. Ou seja, a cultura escolar pode ser compreendida como “[...] um conjunto de teorias, ideias, princípios, normas, pautas, rituais, inércias, hábitos e práticas (formas de fazer e pensar, mentalidades e comportamentos) sedimentadas ao longo do tempo em forma de tradições, regularidades e regras de jogo que não são postas em dúvida e que são compartilhadas por seus atores no centro das instituições educativas”.
Entendida como um elemento cultural, político e pedagógico, a arquitetura está além dos condicionamentos provocados por suas estruturas, pois desempenha um papel de simbolização na vida social, sendo o edifício escolar uma forma que comporta determinada força semântica em razão dos signos e símbolos que exibe. O projeto ou o modelo de arquitetura não determinam os usos desses espaços: nem sempre um espaço construído para uma função é utilizado conforme o previsto. Entretanto, não podemos nos esquecer de que a concretização de um modelo passa a se relacionar com o contexto, em uma via de mão dupla, já que os seres transformam e são transformados pelos espaços que habitam.
A arquitetura escolar é, portanto, por si, um programa, uma espécie de discurso que institui em sua materialidade um sistema de valores, tais como: ordem, disciplina e racionalidade. Ela é um dos marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda a semiologia que cobre diferentes símbolos estáticos, culturais e ideológicos (Escolano, 2000). Apesar de ser um elemento visível, implícito ou manifesto, funciona como uma forma oculta, invisível e silenciosa de inculcar, transmitir, produzir e reproduzir valores, formas de ser aluno, criança e futuro cidadão.
Valendo-nos da concepção de patrimônio histórico-educativo, compreendemos que a escola constitui parte significativa da cultura material e imaterial das diferentes sociedades, podendo ser analisada com base nas tendências universalizadoras e também em suas particularidades. Em suas pesquisas sobre a cultura material da escola, Escolano (2011) ressalta a importância da materialidade para a memória escolar, considerando especialmente: cadernos, diários, manuais, revistas, mapas, aparelhos de laboratórios, mobiliário e, sobretudo, os espaços escolares, que apresentam, além de seu aspecto funcional, símbolos e representações. Conforme o autor,
[…] as construções escolares são, além de registros individuais, verdadeiros templos do saber e símbolos de toda a comunidade […] a arquitetura escolar tem exercido sobre os sujeitos que lhe frequentaram, a médio ou longo prazo, um poder de impregnação. Os edifícios escolares contêm em si mesmos conteúdos e valores de memória e são indutores de influências duradouras nas memórias dos atores que viveram sob resguardo de seus muros. (Escolano, 2011, p. 16-17, tradução nossa) 4.
Ao analisar cultura como patrimônio, Velasco (2007) destaca que a noção de cultura é ampla, indefinida, e acolhe praticamente tudo. Já a noção de patrimônio é limitada a uma série determinada de elementos, ou seja, o patrimônio cultural é estrategicamente seletivo. Desse modo, quando se patrimonializa, é necessário fazer uma redução forçada do amplo conceito de cultura. Ao considerar aspectos dos bens culturais, Souza Filho (2010, p. 165) menciona a grandeza imaterial a que os mesmos remetem, ou seja, mesmo necessitando de um suporte material para sua existência, o bem cultural é, essencialmente, um bem imaterial “[...] todo bem cultural tem em si uma evocação, representação, lembrança, isto é, sobre a materialidade do bem existe uma grandeza imaterial que exatamente lhe dá o conteúdo cultural”. De modo geral, o patrimônio cultural no século XXI - material, imaterial e mundial - é compreendido como algo em constante movimento, construído pelos homens de um determinado tempo e lugar. Exige “[...] a consciência ou sentimento de pertencimento de algo que é, de algum modo, valioso e, portanto, necessita ser conservado e protegido” (Viñao, 2011, p. 34, tradução nossa) 5.
Estabelecendo uma discussão em torno do patrimônio cultural e da educação, Mayordomo (2016, p. 13) recorda que, conforme foi assinalado na Convenção da UNESCO para salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ocorrida em 2003, é difícil separar o material do imaterial no panorama cultural. No caso dos objetos da atividade educativa, “[…] certamente são um suporte físico culturalizado, sobre o qual descansam significados e informação, onde o imaterial ou o intangível não existe sem os referentes materiais”. Dessa maneira, o autor ainda afirma que “[…] tanto os espaços como as práticas e materiais das instituições educativas são bens culturais, pois são realidades cheias de significado e testemunho” (Mayordomo, 2016, p. 14, tradução nossa)6.
A ampliação da noção de patrimônio material e imaterial incide sobre as reflexões de outros campos, como, por exemplo, o educacional. Esse movimento foi fundamental para as novas perspectivas da história da educação, as quais recuperam e valorizam a memória da educação em diferentes tempos e espaços. Analisando o espaço escolar como patrimônio histórico e lugar de memória, Viñao (2008) identifica-o com uma espécie de ‘contenedor’, onde se produz, conserva ou se destrói o patrimônio histórico-educativo:
Um patrimônio formado não apenas pelos espaços e edifícios, mas também por objetos procedentes do exterior (livros de texto, material didático e científico, mobiliário e objetos diversos, etc.) ou produzidos pelo próprio meio escolar como, entre outros, os exercícios e provas dos alunos, os trabalhos manuais, os cadernos e diários escolares, as fotografias próprias do mundo escolar, os diplomas e títulos dos expedientes acadêmicos (Viñao, 2008, p. 25, tradução nossa)7.
O mesmo autor salienta que “[…] os usos e sentidos dos vestígios materiais e imateriais do passado diferem, assim como diferem seus significados em função de quem, o lugar, a maneira e com que finalidade os olham” (Viñao, 2011, p. 49, tradução nossa)8. De acordo com Rabazas e Ramos (2010), a pesquisa em torno do patrimônio educativo consiste nas últimas tendências da museologia, sendo elaboradas com base nas acepções conceituais que existem sobre o patrimônio cultural. Também Meda (2013, p. 169) destaca que essa categoria é recente e que foi se modificando por meio de categorias utilizadas para descrever bens de natureza escolar, como patrimônio cultural da escola, patrimônio histórico escolar e patrimônio dos bens culturais escolares. No que diz respeito ao significado semântico, sua ideia é de que se trata de um “[...] complexo de bens materiais e/ou imateriais frutos e/ou produtos em contextos educacionais formais e/ou não-formais ao longo do tempo”9.
Os estudos sobre a temática compõem um movimento transnacional, expressando formas escolares globalizadas e uma materialidade comum. Dessa maneira, exprimem “[...] modalidades simultaneamente convergentes e específicas de preservar o patrimônio educativo e a cultura escolar, encontrando-se segmentos homólogos entre os diferentes países”. Por outro lado, também analisam atentamente as particularidades dos sistemas nacionais de ensino, fazendo um balanço entre as tendências globais e regionais (Morgarro & Namora, 2015, p. 27).
No Brasil, o estudo do patrimônio histórico-educativo tem ganhado força nos últimos anos, especialmente com a criação, em 2008, da ‘Rede Ibero-americana para a investigação e difusão do Patrimônio Histórico-educativo (Ridphe)’, coordenada por Maria Cristina Menezes e com lista de discussão gerenciada pela Universidade Estadual de Campinas10. Podemos também mencionar a promoção dos ‘Simpósios Ibero-americanos: História, Educação, Patrimônio Histórico-Educativo’, aos quais estão articulados pesquisadores de diferentes países, especialmente, Espanha, Argentina e México11.
Ao realizar um balanço das atividades RIDPHE, a coordenadora destaca que, em 2014, a lista congregava 200 pesquisadores envolvidos com a temática e que, entre seus membros, constam pesquisadores e professores de “[...] diferentes universidades, centros de investigação e guarda do patrimônio educativo, escolas públicas e demais instituições, preocupadas com a temática da REDE, com representantes de Portugal, Espanha, de vários países da América Latina e de diferentes estados brasileiros”. Sobre o seu fortalecimento e expansão, afirma que a revista tem se “[...] fortalecido e se expandido, sobretudo, a partir da organização dos simpósios ibero-americanos: História, Educação, Patrimônio Educativo, que buscam congregar investigadores de vários países que tratam da temática do Patrimônio Histórico Educativo” (Souza & Cunha, 2014, p. 244).
As pesquisas desenvolvidas em torno da temática da arquitetura escolar têm estimulado o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, sobretudo arquitetura e história da educação. Conhecendo os discursos, os projetos, os modelos, as tipologias, as linguagens, os símbolos e as representações, dentre inúmeros outros elementos e significados possíveis de se dar a ler, e tomando por base o edifício escolar em suas variadas formas e contextos, podemos lançar diferentes olhares para o passado, o presente e o futuro de tais instituições. Dessa maneira, a interlocução entre a arquitetura escolar e o patrimônio histórico-educativo envolve diferentes esferas públicas, instituições e sujeitos, assim como sua problematização enquanto bem material e imaterial.
Valendo-nos desse prisma, analisamos a arquitetura escolar da Aula Isolada Campo da Redenção, construída entre os anos 1907 e 1908 conforme o projeto de cartografia dos primeiros edifícios escolares para a escola primária pública, passando pelos diferentes processos de adaptações e reformas empreendidas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul. As atividades escolares funcionaram no local como Grupo Escolar Luciana de Abreu até sua transferência para nova sede, em 1971. A partir de então, o edifício foi ocupado pelo escritório da 1ª Coordenadoria Regional de Obras Públicas (CROP), por 25 anos, e o Museu Antropológico do Estado do Rio Grande do Sul (MARS), entre os anos 2000 e 2005. Ainda, foi cedido para uso do Movimento Negro, mas, como não havia uma declaração oficial do estado, a Organização Não-Governamental teve que desocupá-lo. Depois, o edifício permaneceu em estado de abandono até ser transferido do Estado para a Prefeitura de Porto Alegre, tornando-se sede da Casa de Conselhos Municipais, situação em que se encontra desde 2015. Para esse último, também foram apresentados projetos de ampliação, que acabaram não sendo concretizados.
O corpus documental utilizado para análise dos aspectos de sua construção e dos primeiros anos de sua trajetória foi composto pelos Relatórios da Diretoria de Instrução Pública e Obras Públicas do Governo do Estado do Rio Grande do Sul (1889-1930), consultados no Memorial do Assembleia Legislativa do Estado. Em seguida, a pesquisa foi direcionada para as instituições que foram instaladas no edifício: a Coordenadoria de Obras Públicas e o Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS); adentramos assim um universo de periódicos, processos administrativos, fotografias, projetos e plantas vinculados, sobretudo, à Prefeitura de Porto Alegre. Também realizamos pesquisa junto à Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural da prefeitura de Porto Alegre (EPAHC) e visitamos o atual edifício da Escola Estadual de Ensino Fundamental Luciana de Abreu. Ainda, consultamos documentos existentes na 1ª Coordenadoria Regional de Educação/Secretaria da Educação do Estado do Rio Grande do Sul, onde localizamos registros dos atos e decretos relacionados à instituição e uma publicação elaborada pela Direção da instituição e o Círculo de Pais e Mestres, de 1984.
Aula Isolada Campo da Redenção: aspectos de sua construção
O sistema de educação no estado do Rio Grande do Sul estava submetido à Secretaria de Negócios do Interior, sob comando da Diretoria de Instrução Pública, composta pelo diretor e pelos secretários e inspetores. Suas atividades estavam marcadas pela centralidade e pela hierarquização do poder do Presidente, que controlava a instrução pública por intermédio do Secretário dos Negócios do Interior e Exterior. Do Inspetor Geral da Instrução Pública, que era subordinado hierarquicamente a ambas as autoridades, sendo responsável pela direção e inspeção do ensino, dependiam, além dos inspetores, os diretores, os professores e demais funcionários do setor12.
Nos primeiros momentos da República, o objetivo principal era a reforma completa do modelo de ensino primário, começando por seus atores e pela estrutura física: mestres (bem preparados e bem remunerados); escolas boas (melhores edifícios, claros e espaçosos); mobiliário escolar (decente e moderno) (Abbott, 1895, p.6). Assinalamos algumas medidas então consideradas necessárias para a melhoria do ensino, como a fiscalização das aulas públicas, com ênfase às faltas cometidas pelo professorado; a aquisição de casas próprias para as escolas, com mobília recomendada pela pedagogia moderna; o método a ser seguido em todas as escolas e a adoção dos livros escolares (Abbott, 1896, p.199).
A necessidade de substituir gradativamente as casas alugadas pelos prédios próprios era um dos principais temas abordados pelo Diretor de Instrução Pública. Em suas palavras, os fins da educação primária eram amplos e não se restringiam aos ensinamentos de ler, escrever e contar:
Educar consiste em um processo que abrange a tríplice natureza humana. Exerce sua benéfica ação sobre o corpo, desenvolvendo-o com observância inteligente e sistemática das benignas leis de higiene que conservam a saúde e prolongam a existência. Sobre a inteligência, robustecendo-a e enriquecendo-a com conhecimentos úteis e cultivando-lhe o gosto que se eleva com a virtude; finalmente, sobre as faculdades morais, fortalecendo-lhe a consciência do bem e do dever (Abbott, 1896, p.297).
A substituição gradativa de casas alugadas para prédios projetados e construídos para ser escolas era justificada por questões do ponto de vista econômico, já que os alugueis aumentavam significativamente; do ponto de vista pedagógico, porque não comportavam o número de alunos e não permitia sua divisão em graus de adiantamento, conforme recomendava a pedagogia moderna; e higiênico, pois as salas eram pequenas, com pouca entrada de ar e luz, sem sanitários. O mobiliário também é destacado como inadequado, “[...] antigo e sem elegância, parece atestar a nossa inacessibilidade aos progressos da Pedagogia” (Abbott, 1896, p. 5).
Os recursos financeiros destinados à construção de edifícios escolares correspondiam a um dos principais gastos dos governos estaduais. Ao analisar o financiamento da educação e as iniciativas particulares para a construção de prédios escolares em 11 estados brasileiros, Nascimento e Rocha (2013) salientam o silêncio sobre o assunto nos estudos historiográficos, tendo em vista que tal questão era central nos discursos sobre a instrução primária, remetendo, principalmente, para os edifícios escolares e o pagamento dos docentes e de outros servidores. A análise da documentação realizada pelos autores evidencia que os maiores gastos com a instrução pública referiam-se aos edifícios escolares, sendo também significativo o que se gastava com a inspetoria escolar (passagens/diárias)13.
De acordo com Peres (2011), para garantir o funcionamento das escolas primárias no estado, sobretudo o modelo de colégios elementares instituídos em 1909, era necessário garantir prédios adequados, agrupar alunos, nomear professores/as para cada classe, escolher diretores, fiscalizar os docentes, formular programas e regimentos e selecionar livros didáticos. Muitas dessas inquietações perpassaram décadas sem solução, como foi o caso dos edifícios construídos especialmente para escolas.
A Diretoria de Obras Públicas, em seu relatório de 1907, apontou a necessidade de edifícios públicos, dentre eles, os destinados a escolas primárias no meio urbano e rural, a escolas complementares, a colônias para alienados e a penitenciárias. Eles seriam pilares para desenvolvimento material e intelectual, satisfazendo a ciência moderna,
A construção de escolas públicas para o curso urbano e rural, o prédio para a escola complementar de ensino primário, a fundação de colônias para o conveniente tratamento dos alienados e a edificação da penitenciária, satisfazendo as exigências da ciência moderna, são instalações que se impõem desde já, em face do desenvolvimento material e da nossa cultura intelectual (Gonçalves, 1907, p. 2).
Nessa conjuntura, em face da necessidade de espaços adequados para o funcionamento das aulas públicas, foi iniciada em 1907 a construção da primeira escola urbana em Porto Alegre, de acordo com o projeto tipo (1899)14. No ano seguinte à construção da escola pública Campo da Redenção, em Porto Alegre, o prédio foi finalizado, nele passando a funcionar uma aula mista. De acordo com a Diretoria de Obras Públicas, essa foi a primeira escola primária construída com capacidade para receber 60 alunos em duas salas de aula, com gabinete do professor, sala de espera e espaço para recreio dos alunos em dias de chuva ou habitação do professor:
Esta é a primeira escola primária em construção, das do tipo projetado por esta diretoria. Mede 8 metros de frente sobre 12,m85 de fundo; tem espaço para 60 alunos, em duas salas, gabinete de professor e sala de espera no pavimento superior, cujo soalho fica 2,m20 do solo; a parte inferior, perfeitamente ventilada recebe, como a superior, ar e luz por todas as faces e poderá servir, ou para recreio dos alunos, em dias de chuva ou para habitação do professor. O terreno que ladeia a edificação é todo murado, sendo a frente com gradil e portão de ferro (Gonçalves, 1907, p.40).
Conforme o Relatório de Obras Públicas e uma fotografia da Diretoria de Instrução Pública (1924), a escola estava localizada nas esquinas da Avenida da Redenção15 e Venâncio Aires. Essa última rua delimitava o Campo da Redenção, onde ainda não existiam edificações particulares, já que era resultado de um loteamento promovido pela intendência municipal (Franco, 2012). No ano de 1908, foram inaugurados os bondes elétricos na cidade de Porto Alegre e uma de suas vias era a esquina onde se localizava a escola.
Após a finalização das obras, a escola isolada aparece nos relatórios de Instrução Pública apenas como edifício próprio do estado, compondo o conjunto fotográfico, anexo ao relatório de 1924, como ‘Aula Isolada - Typo de construção’, conforme imagem a seguir.
Fonte: Alves (1924).
Nessa fotografia, podemos observar que a escola foi construída com dois pavimentos, o que não corresponde exatamente ao projeto de 1899, no qual o tipo previsto era de apenas um. O espaço do piso inferior poderia ser destinado às atividades dos alunos em dias de chuva ou ser utilizado como moradia da professora. Também podemos visualizar uma escadaria externa, que dava acesso ao andar superior, e uma fachada simples com a inscrição ‘escola’. Não havia menção a sanitários, que provavelmente eram localizados em formato de latrinas, na parte externa do edifício. O terreno estava murado por todos os lados, contendo um portão de ferro com acesso principal pela Avenida Redenção.
O prédio foi entregue para as aulas em março de 1908, começando a funcionar no ano seguinte sob responsabilidade da professora Chrispiniana Antonia de Campos, que permaneceu na escola até 1933. De acordo com o histórico da instituição, existente no setor de Inspeção Escolar da 1ª Coordenadoria Regional de Educação, no Ato número 358 (Rio Grande do Sul, 1922), ela aparece com a denominação de ‘Escola Pública’; no Decreto número 3.898 (Rio Grande do Sul, 1927), aparece com a nomenclatura de ‘Escolas Reunidas’ e, no Decreto número 5.555 (Rio Grande do Sul, 1934a), foi elevada à categoria de Grupo Escolar, com uma matrícula de 500 alunos. O Decreto número 5.614 (Rio Grande do Sul, 1934b),
conferiu-lhe o nome de ‘Grupo Escolar Luciana de Abreu’16, cujo primeiro grupo de professoras foi composto por: Enertina Perez, Eugenia Seligman, Talaia de Moura, Ligia Dias, Alda Peres, Adilia Souza, Nilsa Silveira, Zulmira Guimarães Cauduro. A primeira diretora do grupo escolar foi a professora Eugênia Seligman17.
Com o Decreto número 32.621 (Rio Grande do Sul, de 1943), a instituição foi autorizada a funcionar nos três turnos, caso em que o aumento do número de matrículas resultou na insuficiência do prédio para comportar as atividades escolares. Quase três décadas se passaram até que a diretora, Anésia Pereira, solicitasse junto à Prefeitura de Porto Alegre a construção de um novo edifício, que ocorreu durante o governo de Thompson Flores (1969-1975). O novo edifício foi construído em outro terreno, localizado na Rua Jacinto Osório, número 60, no bairro Santana.
Já no novo espaço, no ano de 1984, foi organizada uma publicação a respeito do histórico da instituição, sobretudo, a partir de 1934, quando passou a funcionar como Grupo Escolar:
A Direção e o Círculo de Pais de Mestres da Escola Estadual de 1º Grau Luciana de Abreu dedicam este documentário aos pais, alunos, professores, funcionários e à comunidade em geral pelo muito que fizeram para que esta escola fosse crescendo e aperfeiçoando o seu trabalho, em prol da nossa criança e do nosso jovem, nestes 50 anos de atividades.
Na ocasião, sob a direção de Nair Paim Nora, foram organizadas fotografias de alunos e professoras do antigo e do novo espaço escolar, uma lista das diretoras, a biografia da patrona da instituição, Luciana de Abreu, assim como uma canção escrita pela professora Cyra de A. Neves Brites em novembro de 1984:
Luciana!
Eu não te escrevi para que fosses um hino,
Mas sim, uma amorosa canção.
Eu aprendi que os acordes,
A melodia
Traduzem mais intensamente
Os sentimentos.
Eu te ofereci numa pauta
Um pouco do meu coração!
Foi com meu peito aberto
Pleno de luz, de amor,
De imensa gratidão
Que eu te escrevi essa canção
Ela representa o meu Adeus,
O meu carinho,
E um imenso amor...
É uma homenagem, Escola querida
Uma oferenda
Do que existe de mais profundo
No meu ser de Mestra,
Simplesmente aquela,
Que através
De tuas paredes acolhedoras,
Pode cumprir plenamente
Sua missão.
Outros tempos: transfigurações no espaço escolar
Com a transferência do Grupo Escolar Luciana de Abreu para o novo espaço, o antigo edifício passou por distintas ocupações. De acordo com informações da Diretoria de Obras Públicas e da imprensa, funcionou no local, durante 25 anos, a sede do 1º Escritório Regional de Obras do Estado (Zero Hora, 2001). A edificação foi incluída na lista de imóveis tombados pelo poder municipal, conforme inscrição número 174, código 2668.9, em 02 de abril de 1993, ficando sob a responsabilidade da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural da prefeitura de Porto Alegre (EPAHC). Portanto, é considerada uma área de especial interesse cultural da cidade.
A sede do MARS foi instalada nesse local por meio do processo administrativo número 006242-24.00/00-9, de 29 de outubro do ano 2000. Na ocasião, o Secretário de Estado da Administração e dos Recursos Humanos, Dirceu Lopes, autorizou a destinação do imóvel para a instalação da Secretaria da Cultura. Em consulta ao acervo do MARS18, constatamos que a sede passou por reformas, sendo inaugurada para atividades do Museu em dezembro de 2002. De acordo com o periódico Correio do Povo:
RS Ganha Museu antropológico
A secretaria estadual de cultura inaugurou ontem à tarde a nova sede do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul (MARS), na antiga casa amarela, situada na esquina das avenidas João Pessoa e Venâncio Aires. Uma cerimônia ecumênica com a participação de um líder espiritual guarani e um pai de santo marcou a abertura do Museu. A construção do prédio data de 1908 e sofreu uma reforma para ser a primeira sede própria em 24 anos de existência do museu. ‘Esse novo ambiente propiciará o desenvolvimento de todas as potencialidades de uma instituição de memória e patrimônio’, afirma o diretor do MARS, Walmir Pereira. O museu funciona de segunda à sexta-feira das 9h às 12h e das 14h às 18h, aberto à visitação pública (Correio do Povo, 2002, grifo do autor).
O edifício passou então a ser sede das diversas atividades e exposições realizadas pelo MARS, merecendo destaque sua utilização como marca da instituição, conforme podemos visualizar no folheto comemorativo dos 25 anos do Museu (1978-2003), assim como em diversos convites para atividades.
Fonte: Acervo do Museu Antropológico do Estado do Rio Grande do Sul.
Nessa conjuntura, como a área construída era de apenas 214,72 metros quadrados, surgiu o problema da falta de espaço adequado para acomodar o acervo institucional do MARS, composto por aproximadamente 5.000 peças etnográficas e 30.000 peças arqueológicas. Assim, o material permanecia armazenado em salas localizadas no edifício da Rua dos Andradas, Centro de Porto Alegre. Em outubro de 2001, visando uma solução para a questão, deu-se início à tramitação junto à prefeitura de Porto Alegre para a autorização de um projeto de ampliação para o MARS. No ano de 2004, o projeto foi apresentado pela empresa Tagram Arquitetura e Design, de Porto Alegre, conforme Figura 3.
Fonte: Acervo do Museu Antropológico do Estado do Rio Grande do Sul.
No espaço do antigo edifício escolar, estava prevista a instalação de uma cafeteria e de uma livraria no térreo e um espaço para cursos no andar superior. O projeto de ampliação englobava a área livre do terreno, com uma edificação nova de três pavimentos, compostos por auditório, biblioteca, salas de exposição, sala de montagem de exposições, espaço de múltiplos usos, laboratórios de antropologia, arqueologia e de restauro, área destinada ao acervo e à administração, depósitos, sala de serviços gerais e sanitários.
Fonte: Acervo do Museu Antropológico do Estado do Rio Grande do Sul.
Fonte: Acervo do Museu Antropológico do Estado do Rio Grande do Sul.
Após avaliação do setor responsável do EPAHC, o projeto foi indeferido com base no artigo 62 do Decreto 12.715, do município de Porto Alegre. Foi solicitada a alteração da proposta, pois esta não estava de acordo normas vigentes e, tampouco, era compatível com as diretrizes internacionais para intervenção em bens do Patrimônio Cultural19. Foi ressaltado ainda que a construção necessitava atender à ‘Recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea da UNESCO’ (Actas de La Conferencia..., 1976), enquadrando-se “[...] harmoniosamente nas estruturas espaciais e na ambiência dos conjuntos históricos” (EDIFICAPoa, 2002).
Em novembro do ano seguinte, o pedido foi reaberto pela firma requerente, que solicitou esclarecimentos pela denegação. Como resposta, a equipe do EPAHC encaminhou outra resolução, justificando que o prédio integrava um conjunto histórico de interesse cultural e listando bens tombados e inventariados em seu entorno, tais como: o antigo Cinema Avenida, do Templo Positivista, Parque Farroupilha e, ainda, os prédios inventariados e tombados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desse modo, o local estava ‘inventariado, sob o regime de estruturação com vistas à preservação’, pela prefeitura de Porto Alegre.
Na conclusão, datada de 19 de janeiro de 2004, o EPAHC considerou louvável e benéfica o projeto de ampliação do MARS, mas, justificando que o edifício integrava um conjunto histórico, cujos elementos naturais e construídos eram referência cultural, recusou novamente o pedido.
Em maio desse mesmo ano, a empresa contratada para o projeto de ampliação encaminhou um novo documento ao EPHAC, propondo alterações nos recuos das dimensões, ampliação da transparência entre o prédio antigo e o novo, deslocamento da biblioteca, dentre outras normas técnicas de construção. O arquiteto responsável, Luiz Antônio Rocha, finalizou seu pedido: “Pensamos ser esta uma solução que permitiria a coexistência frutificante entre antigo e o contemporâneo, respeitando o primeiro, mas garantindo as condições de sustentabilidade do segundo, o Museu Antropológico do Rio Grande do Sul, que lá se busca implantar” (EDIFICAPoa, 2004).
No dia 06 de outubro de 2004, o EPAHC considerou que os ajustes do projeto se enquadravam nos interesses de conservação de bens culturais, emitindo parecer favorável à construção. No entanto, outros elementos referentes às dimensões e demais normas obrigatórias pela legislação, como estacionamento no local, continuaram sendo motivo de discussão entre o requerente e o órgão responsável pela autorização. Nesse impasse entre a necessidade de sede permanente e compatível com as necessidades do MARS e a edificação de interesse histórico e cultural, a obra não foi executada.
Com a troca de governo e a inviabilidade de seguir com as negociações para a ampliação do MARS, outra atividade no edifício do antigo Grupo Escolar Luciana de Abreu foi mencionada na imprensa diária: a instalação do ‘Memorial Brizola’, em homenagem ao ex-governador do estado do Rio Grande do Sul20. Em reunião no Palácio Piratini entre o Governador Germano Rigotto e os familiares do político, o prédio do antigo Grupo Escolar Luciana de Abreu foi oferecido, sem nenhuma menção ao fato de que havia abrigado por mais de meio século uma instituição de ensino:
[...] um prédio na esquina das avenidas João Pessoa e Venâncio Aires, para abrigar o acervo. - O local é ideal para sediar o memorial, pois, além de ser de fácil acesso, com uma reforma ficará em condições para guardar o acervo, afirma Rigotto. Em duas semanas será criada uma força tarefa responsável pela triagem dos documentos guardados no Rio de Janeiro (Zero Hora, 2005, p. 10).
Em janeiro de 2005, a sede do MARS já havia sido transferida para o edifício do Memorial do Rio Grande do Sul, localizado na Praça da Alfandega, local onde está instalada a parte administrativa até hoje (Correio do Povo, p. 21), mas o Memorial Brizola também não foi concretizado. No edifício, foi instalado o Centro de Cultura Negra do Rio Grande do Sul, com base em um acordo firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura (SEDAC) e a Organização Não-Governamental (ONG) que lidera o projeto, a Associação Cultural de Mulheres Negras do Estado. Contudo, como não houve uma publicação no Diário Oficial, a ONG não poderia solicitar envio de recursos federais para utilização do prédio. Por isso, precisou deixar o local e a edificação ficou em situação de abandono, com entrada de moradores de rua pelas janelas quebradas. A assessora jurídica de cultura na época, Carolina Tavares, declarou à imprensa: “[...] há interesse de outras secretarias no local. Agora, somente uma decisão da governadora21 poderia reverter esse processo de retomada” (Zero Hora, 2007).
No ano seguinte (junho de 2008), o vereador ‘Professor Garcia’ encaminhou à Câmara Municipal de Porto Alegre um pedido de informações referente à situação do prédio. O documento apresentava as seguintes indagações: 1. ‘Quem é o proprietário?; 2. Quem deve efetuar a limpeza?; 3. Qual é a situação fiscal do imóvel?’. A justificativa para tal solicitação era de que o lugar se encontrava ‘abandonado, sendo alvo de depósito de entulhos’22. Como resposta, a prefeitura de Porto Alegre informou que imóvel localizado na Avenida João Pessoa, número 1.110, sob a inscrição municipal 1271059, estava registrado em nome do estado do Rio Grande do Sul, cabendo-lhe, portanto, a responsabilidade pela manutenção, limpeza e conservação.
Em 2009, por meio do ‘Termo cessão de uso’ número 160/2009 (EDIFICAPoa, 2009), o governo do estado transferiu o prédio para o município, que o destinou à instalação da Casa de Conselhos Municipais. No ano seguinte, a empresa Ernani Borges Arquitetura foi contratada para a elaboração do projeto, com previsão de adaptação do antigo edifício, de instalação de três salas de reuniões no primeiro pavimento e um auditório no andar superior integrado a uma nova construção com 4 pavimentos, distribuídos entre administração geral, salas de reuniões, centro de documentação, pesquisa e biblioteca, sala de gerência de conselhos e treze salas de conselho, copa, depósitos e sanitários.
Fonte: Acervo do EdificaPoa.
Fonte: Acervo do EdificaPoa.
O projeto foi autorizado pelo EPAHC em outubro de 2010, no entanto, como havia embargos ao projeto arquitetônico, sua execução precisou ser adiada. Segundo o prefeito José Fortunati, a instalação da sede teve que passar por adaptações, mas seria lançada no ano de 2012. Estava previsto que o local acomodasse escritórios, salas de reuniões, setor administrativo e auditório (Jornal do Comércio, 2011).
Em fevereiro de 2012, a imprensa salientou a situação de abandono do local, juntamente com cerca de 18 mil prédios de propriedade do estado (Correio do Povo, 2012). No ano seguinte, o Jornal do Comércio registrou que a construção estava passando por uma série de reparos, visando sua adaptação para as novas atividades23 e que as falhas no projeto da casa estavam sendo resolvidas: “[...] como o prédio que sediará a Casa dos Conselhos é tombado pelo Patrimônio Histórico e está passando por uma restauração, qualquer mudança tem de ser cuidadosa” (Jornal do Comércio, 2013). Na informação de que as obras estavam quase concluídas, não há nenhuma menção ao projeto original nem ao fato de que o local fora construído para ser uma escola isolada.
Em entrevista concedida ao periódico O Sul 21, o historiador Sérgio da Costa Franco mencionou alguns aspectos da trajetória histórica do edifício, destacando seu valor para a história da cidade e seu funcionamento como escola Luciana de Abreu:
Grande importância arquitetônica não tem, mas tem significado para a história da cidade, porque é uma construção pioneira naquela área ali, opina o historiador Sérgio da Costa Franco. Ele conta que a casa foi construída para ser uma escola pública, durante o período em que Borges de Medeiros mandava no Rio Grande do Sul. ‘Era uma escola e o porão era usado como moradia para os professores. Seguramente foi construída depois de 1912, porque antes não havia nada naquela região, entre a José Bonifácio e a Venâncio Aires. Aquela área fazia parte do que hoje é o Parque Farroupilha’ [...] Franco se recorda que nos anos 1960 funcionava na casa o que se chamava de Grupo Escolar Luciana de Abreu. Atualmente, o ‘grupo’ é a Escola Estadual de Ensino Fundamental Luciana de Abreu e se mudou para perto dali, na Rua General Jacinto Osório, entre a Santana e a Vieira de Castro (O Sul 21, 2013, grifo do autor).
Em 2014, o então prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, inaugurou a Casa dos Conselhos Municipais, mas apenas com a edificação antiga reformada, pois o projeto de ampliação, assim como o do MARS, não foi concretizado. Atualmente, o piso térreo abriga o escritório e os sanitários e o piso superior, um auditório, com capacidade para 60 pessoas, exatamente o número de alunos previstos no projeto original. Um elevador de acessibilidade foi adaptado nos fundos, tendo em vista a necessidade de adequação às normas da NBR 9050/04 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT, 2004) quanto à acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
Fonte: Acervo particular.
A edificação está inventariada sob regime de ‘estruturação’ na Prefeitura de Porto Alegre, um dos instrumentos administrativos de preservação do patrimônio cultural do município. Essa medida tem como seu principal objetivo a preservação de imóveis de “valor histórico, arquitetônico, urbanístico, ambiental, simbólico e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados” (Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural [EPAHC], s.n., p. 1).
Cabe salientar que os imóveis classificados em regime de estruturação são considerados como “[...] elementos significativos ou representativos da história da arquitetura e do urbanismo para a preservação de diferentes paisagens culturais construídas ao longo do tempo no município” e não podem ser destruídos (EPAHC, s.n., p. 1). Os imóveis em seu entorno são classificados sob regime de ‘compatibilização’, o que significa que se devem preservar o entorno e a ambiência dos bens classificados como estruturação. Desse modo, um imóvel sob regime de compatibilização pode ser substituído por outro desde que respeite a volumetria adequada à edificação vizinha, que, por sua vez, está sob regime de estruturação.
Em visita à atual Escola Estadual de Ensino Fundamental Luciana de Abreu visualizamos, no hall de entrada, uma placa sobre a história da escola contendo a menção ao período de seu funcionamento no edifício localizado na Avenida João Pessoa. Nesse mesmo espaço, estão expostas algumas fotografias, dentre as quais a principal é a da patrona da instituição, Luciana de Abreu, e uma série de placas em homenagem aos antigos diretores. Contudo, procurando documentos referentes ao edifício em diversos estabelecimentos públicos, verificamos que lhe era atribuído valor histórico e cultural, mas não localizamos nenhuma referência ao período em que o mesmo funcionou como instituição de ensino e tampouco foi localizada a planta original.
Considerações finais
Ao analisar os primeiros vestígios da construção e a trajetória da Aula Isolada Campo da Redenção, posteriormente denominado Grupo Escolar Luciana de Abreu, podemos observar a importância que o estabelecimento de ensino teve no cenário da cidade de Porto Alegre, com localização privilegiada e crescente número de alunos ao longo do século XX. Apesar de seu projeto ser destinado para abrigar uma escola de pequena dimensão, para receber aproximadamente 60 alunos, foi possível verificar, em sua arquitetura, elementos importantes da cultura escolar no início do século XX, como a presença da moradia do/a professor/a junto à escola e/ou espaço coberto para atividades físicas e recreio.
Um elemento significativo para a construção da memória dessa escola consiste na organização, em 1984, da publicação referente à história da instituição, na qual estão reunidas fotografias, lista de nomes de ex-professoras e diretoras, canções, dentre outras fontes que podem consideradas como patrimônio histórico-educativo rio-grandense. Os dados apresentados oferecem indícios para outras pesquisas a respeito dos sujeitos, envolvendo depoimentos de ex-diretores/as, ex-docentes, ex-alunos/as e ex-funcionários/as.
Após a transferência para nova sede, constatamos um silêncio em torno da longa trajetória da edificação anterior, que funcionou mais de 60 anos como escola, pois nenhum dos processos consultados menciona sua origem como aula isolada ou seus anos de atividade como grupo escolar. Durante a tentativa de ampliação do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul, o setor responsável pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Município (EPAHC), enfatizou que o projeto de ampliação não estava de acordo com o regime de preservação a que o edifício estava submetido, mas sem se referir a nenhum histórico do local.
Podemos assinalar que sua valorização como patrimônio cultural da cidade de Porto Alegre e seu registro no EPHAC, sob o regime de estruturação, garantiu a preservação da edificação, mas não sua descaracterização. Conforme observamos no material consultado, ao longo desses anos uma das janelas da fachada principal foi fechada para colocação de um ar condicionado e o seu interior foi totalmente modificado. Além disso, a inscrição ‘escola’ de sua fachada foi removida.
Enfim, tendo atingido o objetivo de localizar os vestígios da gênese dessa construção e os principais aspectos de sua trajetória, consideramos ter dado um primeiro passo para sua valorização como patrimônio histórico-educativo.
O conjunto de ações sistemáticas em torno da organização do acervo escolar na nova sede, o investimento em políticas de valorização dos espaços escolares, articulando passado, presente e futuro, assim como em projetos de educação patrimonial consistem em desdobramentos necessários de pesquisa, no sentido de entendermos a arquitetura escolar e o espaço dessa instituição. Entendemos que a Aula Isolada Campo da Redenção necessita ser compreendida com base em seu ‘passado’, como memória da educação, em seu ‘presente’, tendo em vista a situação em que se encontra na atualidade e, em seu ‘futuro’, vislumbrando o cenário de expectativas para sua preservação.