Introdução
Este artigo é produto do Estágio de Pós-Doutorado1, cujo Plano de Investigação teve como tema o conjunto de documentos denominados Atas do Conselho Nacional de Educação(CNE)2. OCNE foi criado em abril de 1931, no início do governo Getúlio Vargas, funcionando, em sua primeira fase, até o ano de 1936, quando foi reinventado sob regras mais rígidas, às vésperas do Estado Novo.
O CNE é conhecido dos historiadores da educação, contudo suas particularidades ainda não foram estudadas3. Identificamos nas atas do CNE pareceres de mais de 440 instituições educacionais que, até 1936, funcionaram ou deixaram de funcionar, portanto, sob a égide da legalidade, e, assim, o objetivo deste artigo é, portanto, apresentar como funcionava o CNE - conhecido também como o Tribunal da Educação - como ele era regido e a importância de suas reuniões, registradas em suas atas, para o campo da história da educação brasileira.
Diante da centralização do poder getulista, o CNE representou a organização e reorganização do sistema educacional brasileiro, não só assessorando a propositura de leis para a ensino, mas fazendo-as cumprir. Diversas instituições escolares, de norte a sul do país, foram fechadas e extintas após o crivo no CNE. Pelas atas podemos acompanhar a agonia dessas instituições pelo urgente reconhecimento federal4.
A investigação pós-doutoral demonstrou que a relação entre as instituições educacionais e o CNE variava conforme mudavam os envolvidos na hierarquia ministerial. Os julgamentos pelo CNE dos pedidos não eram uníssonos, justos ou cegos, mas intencionais e exclusivos. Esse redesenho parece óbvio, mas não o é, e se coloca em sentido contrário da padronização do comportamento entre duas instituições ou organismos, (des)fundamentando ideias que minimizem ações locais em torno de conceitualizações gerais. Em outras palavras, a relação entre duas instituições ou organismos variou conforme o tempo, não permanecia a mesma relação sempre5.
Se o governo local sofre mudanças a cada eleição, a relação do governo local com as escolas sob sua responsabilidade também poderá mudar e isso deve ser observado pelo pesquisador para não propor equívocos no resultado de sua pesquisa.
Portanto, cada evento deve ser observado considerando-se as suas particularidades. Ações extemporâneas e muito distantes da realidade de onde se pesquisa devem ser observadas com cuidado.
Outro ponto que ficou claro na investigação pós-doutoral é a possibilidade de fomento ao campo da história da educação por meio da publicação de documentos na íntegra, hoje pouco explorada6. A importância deste tipo de publicação, com ISBN/ISSN, como parte do ofício do historiador é um espaço a ser preenchido.
O achado documental que recuperamos, relativo ao conjunto das atas do CNE, onde se encontra preservado o ineditismo de parte importante das histórias de mais de 440instituições educacionais revela a importância desses documentos como de grande valor para história da educação brasileira. O volume de informações e documentos que compõem as atas do CNE chama a atenção para a possibilidade da publicação dessas fontes na íntegra.
As atas, enquanto documento e fonte, transitam facilmente entre a história local e nacional e são, por exemplo, ao mesmo tempo, pertencentes à história das instituições escolares e à história da instituição escolar.
A metodologia de pesquisa é o cruzamento de fontes, ou seja, pegamos o que temos na legislação e no regimento do CNE e verificamos a prática registrada em suas atas, para, assim, trazermos informações de como era o funcionamento desse organismo.
Este artigo revela como surgiu e funcionou o CNE, partimos da legislação e adentramos ao teor das atas. A criação, a estrutura, o regimento, os conselheiros, as demandas, as reuniões, os debates, uma introdução para iniciarmos o entendimento sobre o que passou a ser o Tribunal da Educação7.
A criação do Conselho Nacional de Educação
Com o sucesso da Revolução de 1930, em outubro desse mesmo ano, Getúlio Vargas ascendeu a chefe do Governo Provisório8, iniciando a organização da sua administração. Dentre as primeiras ações desse novo governo, referente à educação, estava a criação do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Ministério da Educação)9 por meio do decreto nº 19.402, de 14 de novembro de 1930.
Com a publicação desse decreto, passaram ao controle do Ministério da Educação os seguintes órgãos: Instituto Benjamin Constant, a Escola Nacional de Belas Artes, o Instituto Nacional de Música, o Instituto Nacional de Surdos Mudos, a Escola de Aprendizes Artífices, a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, a Superintendência dos Estabelecimentos do Ensino Comercial, o Departamento de Saúde Pública, o Instituto Oswaldo Cruz, o Museu Nacional e a Assistência Hospitalar.
Em 1º de dezembro de 1930 foi editado o decreto nº 19.444 organizando a estrutura do Ministério da Educação em um gabinete, uma diretoria e quatro departamentos, dentre estes, o Departamento Nacional do Ensino (DNE), que passou a subordinar, além dos órgãos citados acima, a Universidade do Rio de Janeiro; as Escolas Superiores Federais, localizadas nos Estados; o Colégio Pedro II (Internato e Externato), a Biblioteca Nacional; o Museu Histórico Nacional; a Casa de Rui Barbosa; e o Observatório Nacional10.
O decreto nº 19.560, de 05 de janeiro de 1931, aprovou o regulamento do Ministério da Educação e Saúde Pública, consolidando-o, porém Francisco Campos, então ministro da pasta, considerou necessária a criação de um órgão complementar que pudesse auxiliá-lo quanto às decisões referentes à educação, um órgão não deliberativo, mas consultivo, quanto a todos e quaisquer assuntos relativos à educação, sobretudo, que pudesse “[...] exercer funções de superintendência e de controle em tudo quanto se refira ás equiparações de institutos de ensino secundário e superior [...]” (Brasil, 1931a, Exposição de motivos), ganhando tempo e crédito nos atos ministeriais.
Para justificar a criação do Conselho Nacional de Educação (CNE), tema deste trabalho, na Exposição de Motivos encaminhada ao Chefe do Governo Provisório, datada de 02 de abril de 1931, Francisco Campos ressalta o ‘caráter imperioso e inadiável’ do CNE, uma vez que os “[...] aparelhos e centros de direção e de orientação do ensino tem um cunho acentuadamente e quase exclusivamente administrativo e burocrático [...]”, o que, segundo ele, era o motivo da deficiência técnica e didática do ensino, ou seja, quase sempre o ensino ficava à mercê de decisões de pessoas que não detinham conhecimentos e práticas suficientes para deliberarem sobre o ensino:
Além disso, a orientação do ensino, em todos os seus ramos, exige vistas largas, dilatados horizontes e cultura em que se reúnam os predicados de variedade e unidade. Requer, portanto, um órgão em que encontram expressão e caráter as correntes do pensamento contemporâneo, de sorte que o ensino possa ser considerado em função das exigências e transformações do nosso estado de cultura (Brasil, 1931a, Exposição de motivos).
A proposta expressa na exposição de motivos seria que o CNE representasse “[...] um grande papel no conjunto da organização administrativa e técnica do ensino no Brasil, contribuindo com a sua influência e autoridade, para que se mantenham as linhas claras, firmes e definidas [...]” da educação brasileira e, para tanto, “[...] somente num grupo de elite, escolhido dentre o que temos de melhor com matéria de cultura e de educação, poderá exercer essas altas e nobres funções de orientação e do conselho”.
E era o que se esperava do CNE, criado por meio do decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931, sem “[...] atribuições de ordem administrativa” (art. 4), mas como “[...] órgão consultivo do ministro” (art. 1), destinado a colaborar com os “[...] altos propósitos de elevar o nível da cultura brasileira e de fundamentar, no valor intelectual do indivíduo e na educação profissional apurada, a grandeza da Nação” (art. 2), devendo
a) colaborar com o Ministro na orientação e direção superior de ensino;
b) promover e estipular iniciativas em benefício da cultura nacional, e animar atividades privadas, que se proponham a colaborar com o Estado em quaisquer domínios da educação;
c) sugerir providencias tendentes a ampliar os recursos financeiros, concedidos pela União, pelos Estados ou pelos municípios à organização e ao desenvolvimento do ensino, em todos os seus ramos;
d) estudar e emitir parecer sobre assumptos de ordem administrativa e didática, referentes a qualquer instituto de ensino, que devem ser resolvidos pelo Ministro;
e) facilitar, na esfera de sua ação, a extensão universitária e promover o maior contato entre os institutos técnicos-científicos e o ambiente social;
f) firmar as diretrizes gerais do ensino primário, secundário, técnico e superior, atendendo, acima de tudo, os interesses da civilização e da cultura do país (Brasil, 1931a, art. 5).
Essas funções ficaram ainda mais evidentes nos registros contidos nas atas do CNE.
Os primeiros conselheiros
Os membros do CNE tinham exercício de quatro anos e poderiam ser reconduzidos e ou nomeados pelo chefe do Governo Provisório (ou Presidente da República) dentre nomes “[...] eminentes do magistério efetivo ou entre personalidades de reconhecida capacidade e experiência em assuntos pedagógicos [...]” com exceção do diretor do Departamento Nacional de Educação que era membro nato do Conselho (art. 3).
A princípio, a nomeação dos conselheiros deveria obedecer aos seguintes critérios:
I - Um representante de cada universidade federal ou equiparada.
II - Um representante de cada um dos institutos federais de ensino do direito, da medicina e de engenharia, não incorporados a universidades.
III - Um representante do ensino superior estadual equiparado e um do particular também equiparado.
IV - Um representante do ensino secundário federal; um do ensino secundário estadual equiparado e um do particular também equiparado.
V - Três membros escolhidos livremente entre personalidades de alto saber e reconhecida capacidade em assumptos de educação e de ensino.
(Brasil, 1931, 1§ - art. 3).
Não ficou evidente nas atas do CNE qual dessas vagas cada conselheiro preenchera, e, mesmo em relação àqueles que foram sendo substituídos, não ficava claro qual vaga de fato estava sendo preenchida.
A função de conselheiro não era remunerada, mas este recebia uma gratificação a título de diárias e despesas com viagens, considerando que parte dos conselheiros seriam oriundos de outros Estados (art. 7).
Os primeiros conselheiros, segundo a Ata da Instalação do CNE, de 20 de junho de 1931, foram nomeados, em 02 de junho de 1931, e, dentre eles, um padre, um almirante e um marechal. Vejamos:
Reunidos na primeira reunião do CNE sob a presidência do ministro Francisco Campos, em 20 de junho de 1931, foi dada posse aos conselheiros, com exceção do conselheiro Virgílio Marques Carneiro Leão por este não estar presente.
Na ocasião, Francisco Campos reforçou o papel esperado do CNE, afirmando que “[...] nem todos os assuntos, principalmente os de ordem técnica, podem ser resolvidos pelos Ministérios e exigem a colaboração de todas as competências [...]”, e, para tanto, reuniu “[...] homens de competências comprovada, em relação a todas as matérias que lhe estão afetas [...]”, de modo a garantir “[...] que todas as resoluções tomadas pelo Governo serão inspiradas no interesse público [...]” constituindo-se como “[...] uma parcela e um prolongamento do Governo” (Ata de Instalação do Conselho Nacional de Educação, 1931).
Primeira tarefa do CNE
A primeira tarefa do CNE foi organizar seu próprio regimento interno, ficando a cabo da comissão formada pelos conselheiros Leitão da Cunha e Reynaldo Porchat e pelo diretor geral do Departamento Nacional do Ensino, Aloysio de Castro.
A comissão elaborou um anteprojeto do regimento interno - que tinha por base o próprio decreto que criara o CNE - e o apresentou na reunião seguinte, realizada em 23 de junho de 1931. A proposta recebeu algumas sugestões e foi aprovada, devendo a comissão finalizar e revisar a redação final e apresentá-la para aprovação na próxima sessão.
Nessa mesma reunião, foram divididas as comissões internas do CNE, antecipando-se o regimento interno. Seguindo o Art. 8 do decreto que criou o CNE, essas comissões seriam responsáveis por analisar as demandas oriundas do Ministério da Educação conforme cada área. Para as atividades da primeira reunião, as comissões foram assim distribuídas11:
Notemos que há conselheiros que participaram de mais de uma comissão. Conforme vimos, as comissões eram nomeadas na sessão de instalação de cada reunião.
Na sessão seguinte, realizada em 25 de junho de 1931, o regimento foi aprovado unanimemente e entrou em vigor.
A primeira reunião do CNE subdividiu-se em sete sessões, realizadas entre as datas de 20 de junho a 04 de julho de 1931, sendo todas as sessões secretariadas pelo ‘Dr. Américo Pereira da Silva Pinto’.
As reuniões, a partir da segunda reunião, instalada em 05 de novembro de 1931, passaram a ser secretariadas pelo jovem e recém-bacharelado em Direito, Américo Lourenço Jacobina Lacombe, que viria a ser o quinto ocupante da cadeira 19 da Academia Brasileira de Letras, eleito em 24 de janeiro de 1974 (Academia Brasileira de Letras, 2018).
Diante da possibilidade de Lacombe continuar secretariando o CNE, o ministro Francisco Campos oficializou sua nomeação juntamente com mais dois profissionais, totalizando três servidores exclusivos às atividades contínuas do CNE, sendo o próprio Américo Lacombe, como secretário e com a gratificação mensal de 1:600$000; o Dr. Francisco Luiz Leitão, como oficial-estenógrafo12 e com a gratificação mensal de 1:200$000; e o Sr. Jordão de Oliveira, como porteiro-contínuo e com a gratificação mensal de 700$000. Segundo essas mesmas portarias ministeriais, de 05 de novembro de 1931, todos os três servidores poderiam ser dispensados a qualquer tempo.
Com as nomeações, fez-se necessário atualizar o regimento interno do CNE, modificando-se o Art. 26 com as funções do secretário e acrescentando-se os art. 27 ao 30, determinando-se as funções do oficial-estenógrafo e do porteiro-contínuo, assim como a origem da receita da secretaria e fixando os auxílios aos três servidores respectivos.
Essa alteração no regimento foi realizada pelo ministro Francisco Campos e publicada com data de 23 de novembro de 1931, sendo essa versão a que vigorou até final do ano de 1936, apesar da publicação da lei nº 174 em 6 de janeiro de 1936 que deveria ter extinguido o antigo CNE (art. 16) e criado outro de igual nome13.
Desse modo, o que classificamos como a segunda fase do CNE, organizado sob novas regras e recebendo maior autonomia, inclusive, sendo possível a eleição do presidente e do vice-presidente pelo próprio CNE (art. 11). A percepção de diárias fixas e de outros auxílios pagos mensalmente aos conselheiros (art. 12) somente se iniciou de fato no início do ano de 1937, quando da aprovação do novo regimento interno e da eleição do presidente, nos termos da lei nº 174, já citada.
O primeiro regimento do CNE
O regimento interno foi um documento confeccionado a partir do decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931, com o intuito de regulamentar as atividades do CNE. Ele foi editado pelos próprios conselheiros e era composto por 30 artigos, subdivididos em quatro capítulos: I - competências e composição; II - atribuições; III - funcionamento; e IV - Secretaria.
A seguir, percorremos artigo por artigo desse primeiro regimento e comparamos alguns trechos com a postura que encontramos nas atas do CNE, e de fato o regimento foi seguido como norteador das atividades do conselho, mas existiram exceções, como o exemplo de a presidência do CNE ser exercida por algum dos conselheiros, mesmo que na ausência do ministro e do diretor do DNE e isso não estando previsto no regimento14.
O CNE foi um órgão criado para auxiliar o ministro nos assuntos educacionais (art. 1) e não tinha poder deliberativo, apenas consultivo (Art. 3 e 4), o que permitia que o ministro pudesse discordar dos pareceres do CNE, como confirma Guilherme (2016) em sua tese de doutorado.
A composição do CNE e as suas atribuições fundamentais, previstas no regimento interno, seguiram idênticas ao que determinava o decreto que o criara. Contudo, não foi possível identificar individualmente à qual vaga cada conselheiro estava vinculado. As únicas vagas mais evidentes eram dos três membros que poderiam ser escolhidos livremente pelo presidente da República, dentre “[...] personalidades do alto saber” (art. 2, V) e havia, nesta primeira composição, um almirante, um marechal e um padre, conforme verificado no Quadro 2.
A presidência natural do CNE era do ministro da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública e, se ausente, do diretor do Departamento Nacional do Ensino (DNE) (art. 5 e art. 9). Observando as atas, a maioria das sessões foi presidida pelo diretor do DNE15.
Durante os anos de 1931 e 1932, foi diretor do DNE Aloysio de Castro, médico e presidente da Academia Brasileira de Letras16. No final de setembro de 1932, acompanhando o ministro Francisco Campos, Aloysio de Castro pediu demissão do cargo (Ata taquigráfica da 13ª sessão..., 1932), presidindo sua última sessão em 26 de setembro de 1931 (Ata taquigráfica da sétima sessão..., 1932; Ata taquigráfica da oitava sessão..., 1932).
Com a saída de Francisco Campos como titular da Secretaria de Estado dos Negócios da Educação e Saúde Pública (Ministério da Educação), ascendeu Washington Ferreira Pires, havendo a mudança na nomenclatura do Departamento Nacional de Ensino para Diretoria Geral de Educação (DGE) por meio do decreto nº 22.084, de 14 de novembro de 1932, que, até ser regulamentado, funcionaria com a mesma “[...] organização do Departamento extinto”.
Nessa primeira fase do CNE, os conselheiros não tinham vencimentos fixos, mas poderiam receber um valor relativo a diárias e indenização das despesas de viagem (art. 6). Não localizamos os valores pagos individualmente para cada conselheiro, pois essa informação não consta nas atas.
Além das atribuições fundamentais expressas acima, o CNE acumulava as seguintes atribuições:
a) opinar sobre as propostas dos Conselhos Universitários, respeito ás modificações dos estatutos universitários;
b) opinar sobre as propostas de modificações concernentes á organização administrativa ou didática dos institutos universitários;
c) opinar sobre a incorporação de novos institutos ás universidades;
d) opinar sobre o reconhecimento oficial, e equiparação das universidades estaduais e sobre a organização das universidades regionais;
e) opinar sobre a concessão de inspeção preliminar e o reconhecimento oficial dos institutos livres de ensino superior;
f) opinar sobre os relatórios dos inspetores dos institutos do ensino oficialmente reconhecidos;
g) examinar o regimento interno dos institutos livres de ensino superior, equiparados aos oficiais;
h) opinar sobre a cassação das regalias de reconhecimento oficial concedidas a institutos de ensino;
i) opinar sobre as questões didáticas referentes a institutos singulares de ensino que forem trazidas ao seu conhecimento pelo ministro da Educação e Saúde Pública;
j) propor a concessão de reconhecimento oficial a institutos de ensino secundário;
k) indicar a natureza, número de provas e processo do concurso para a escolha dos inspetores dos institutos de ensino secundário oficialmente reconhecidos, decorrido um ano de conclusão do curso dos primeiros diplomados pela Faculdade de Educação, Ciências e Letras, com habilitação para o exercício das funções de inspetor;
l) propor ao ministro da Educação e Saúde-Pública o número de inspetores gerais para o serviço de inspeção dos inspetores de ensino secundário, de acordo com o disposto no art. 52, do decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931;
m) fixar a data e as condições de habilitação para que se torne efetiva a inscrição provisória no registro de professores, de acôrdo com o art. 70, do decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931;
n) decidir sobre a inscrição, nesse registro dos atuais professores e docentes livres de institutos de ensino superior, oficiais ou equiparados, do Colégio Pedro II e dos institutos de ensino secundário e de equipamentos determinando ao mesmo tempo quais as disciplinas afins daquelas em que se tiverem habilitado nesses institutos, e nas quais possam também inscrever-se;
o) indicar os três membros da comissão examinadora estranhos a Congregação do Colégio Pedro II, nos termos do art. 16, do decreto n. 19.890, de 18 de abril de 1931;
p) dar parecer sobre todas as questões didáticas que lhe forem submetidas pelo ministro da Educação e Saúde Pública;
q) propor ao ministro da Educação e Saúde Pública todas as medidas que julgar convenientes ao progresso do ensino;
r) modificar este regimento interno, quando assim julgar conveniente pelo voto de dois terços dos conselheiros presentes á sessão em que for debatido o parecer da comissão respectiva (Ata da terceira sessão... 1931).
Eram previstas quatro reuniões por ano que deveriam acontecer nos meses de janeiro, abril, julho e novembro. As reuniões extraordinárias não tinham número mínimo ou máximo, podendo ser convocadas quando necessário (art. 8). Nessa primeira fase do CNE, houve apenas uma reunião extraordinária entre a primeira e a segunda reunião ordinárias de 1932.
O quadro a seguir monstra o total de reuniões e o número de sessões relativas a cada reunião no período de 1931 a 1936 (Não localizamos a ata da última sessão para confirmar o número exato de sessões):
Cada reunião poderia ser subdividida em quantas sessões fossem necessárias, com as convocações dos conselheiros devendo ser realizadas com antecedência de pelo menos 15 dias para cada reunião (art. 8). A convocação dos conselheiros para a próxima sessão, conforme conferimos nas Atas do CNE, era sempre realizada ao final de cada sessão. Na última sessão de uma reunião, o presidente indicava o encerramento da reunião.
As sessões das reuniões funcionaram conforme determinava o regimento do CNE, porém nem todos os anos houve o total de quatro reuniões e as sessões variaram em número, de reunião para reunião, conforme observado no Quadro 3.
Voltando ao regimento interno, cada sessão deveria ter a duração máxima de 3 h, podendo ser alongadas conforme decisão dos conselheiros (art. 10). As sessões somente poderiam ser abertas com a presença do presidente da sessão e da metade mais um dos conselheiros.
Se durante as sessões o número de conselheiros não fosse suficiente para votarem a matéria, ela seria adiada ou para a mesma sessão ou para a sessão seguinte, conforme notada a suficiência de quórum (art. 11).
Para o “[...] reconhecimento oficial e equiparação a institutos de ensino superior ou secundário ou da cassação dessa regalia [...]”, a aprovação deveria recorrer em número igual ou superior a 2/3 dos conselheiros (art. 12), o que tornava ainda mais dificultosa a aprovação.
As demandas que chegavam até o ministro eram repassadas ao DNE que, por sua vez, as distribuía às comissões do CNE conforme o tema do requerimento. As cinco comissões permanentes eram nomeadas na reunião de instalação (primeira sessão da reunião), com vimos no Quadro 2, mas poderiam ser nomeadas comissões ocasionais, caso fossem necessárias (art. 14), lembrando que eram no máximo quatro reuniões por ano.
Recebida a demanda do presidente do CNE, que também era chefe do DNE, os membros das comissões redistribuíam entre si a tarefa de relatoria, de modo a não haver presidente na comissão, apenas relator, transformando os demais em membros. Ou seja, cada processo, dentro da mesma comissão e apesar de manter a mesma composição, poderia ter relatores diferentes, sendo membros os demais.
De modo geral, as votações eram simbólicas, mas poderiam ser nominais, quando requerido (art. 15), sendo que o presidente do CNE, mesmo podendo intervir nas discussões, apenas votaria em caso de desempate (art. 16).
Do art. 16 ao 24, o regimento do CNE determinava as regras de funcionamento das reuniões. Observados nas atas, os trabalhos do CNE seguiram, quase sempre, o mesmo padrão regimental. Aberta a sessão pelo presidente, ao observar quórum suficiente, a primeira tarefa era a leitura, quase sempre dispensada, da ata seguida pela sua aprovação. Aconteceu algumas vezes que ou o presidente ou algum conselheiro registravam alguma informação logo no início das sessões, mas, de praxe, fazia-se a leitura dos pareceres oriundos da relatoria das comissões e, em seguida, abria-se para a ordem do dia.
Na ordem do dia, eram discutidos e votados os pareceres lidos na sessão anterior, de modo que os pareceres lidos na sessão atual seriam debatidos na sessão seguinte, salvo alguma rara urgência.
Findada a ordem do dia, abria-se espaço para que os conselheiros registrassem algum informe, permitidos apenas se fossem relativos à educação.
Os art. 25 ao 30, que foram inclusos depois, em novembro de 1932, definiram as funções e ratificaram os vencimentos dos cargos destinados aos servidores do CNE. Dentre as principais funções de cada um, ao secretário competia lavrar as atas das sessões e, após aprovadas, providenciá-las para a publicação, sendo ainda responsável por “[...] organizar a folha de pagamento do pessoal da Secretaria e a das gratificações aos membros do Conselho” (art. 26).
Ao oficial-estenógrafo, dentre outras funções, cabia uma parte bastante técnica, que era o “[...] acompanhamento taquigráfico das sessões do Conselho e redigir os debates”. A taquigrafia é uma técnica de escrita rápida que utiliza o registro não das letras, mas dos sons das falas, por meio de símbolos denominados taquigramas, de modo ser possível ao estenógrafo registrar, quase que em tempo real, as falas dos conselheiros, permitindo que as atas fossem lavradas com bastantes detalhes.
A importância desse destaque se dá pois as atas do CNE, as quais são objeto de pesquisa, foram taquigrafadas, sendo a técnica exibida no título de cada ata sempre no seguinte padrão ‘Ata Taquigrafica da __º Sessão da __ Reunião Ordinária de 193_, realizada em ____ de ________ de 193_ .’.
O profissional estenógrafo ainda existe e, mesmo com diversas tecnologias disponíveis, continua atuando, sobretudo, nas cortes judiciárias e no Congresso Federal.
Ao porteiro-contínuo competiam os serviços gerais, desde a conservação das salas das sessões à entrega de correspondências.
Origem das demandas
Eram diversas as demandas que chegavam ao CNE, porém a matéria mais frequente nessa sua primeira fase (1931 a 1936) foram os pedidos de reconhecimento de instituições educacionais que perderam o reconhecimento após a Reforma Educacional de Francisco Campos. Esse volume de pedidos ao CNE se deu pelo conjunto de normas decretadas que visava reformar a educação no país e que ficou conhecido como Reforma Educacional Francisco Campos.
Dentre outras coisas, a reforma retirou a autonomia dos Estados para o reconhecimento de instituições educacionais, sobretudo, do ensino secundário e do superior, criando novas regras para seus funcionamentos e obrigando a todos, ao menos àqueles que quisessem continuar na legalidade, a se enquadrarem às novas regras, requerendo a equiparação ao ministro da Educação e, consequentemente, ao crivo do Tribunal da Educação.
Diante do conjunto de normas contido na Reforma Francisco Campos, o decreto 19.851, de 11 de abril de 1931, conhecido como Estatuto das Universidades, passou a ser a norma balizadora do sistema universitário brasileiro e, dentre os diversos artigos que atribuíam tarefas ao CNE, um em especial tratava sobre a equiparação das universidades estaduais e das instituições particulares (livres).
As universidades estaduaes ou livres poderão ser equiparadas às universidades federaes para os effeitos da concessão de titulos, dignidades e outros privilégios universitarios, mediante inspecção prévia pelo Departamento Nacional do Ensino e ouvido o Conselho Nacional de Educação (Brasil, 1931b, art. 12).
O artigo acima seria suficiente para abarrotar os trabalhos do CNE, que era o órgão responsável por analisar e julgar cada um desses pedidos oriundos de todo o Brasil, que comumente se iniciavam com um requerimento e terminavam em processos volumosos, cheios de pareceres, dentre eles, os dos ‘inspectores federaes’ nomeados para realizarem a vistoria in loco das escolas requerentes17. As atas do CNE trazem registros detalhados desses processos.
O decreto 19.890, de 18 de abril de 1931, por sua vez, faz o mesmo que o decreto citado anteriormente, porém com o foco no ensino secundário, ou seja, a concessão federal poderia ser requerida “[...] para effeito de expedir certificados de habilitação, validos para fins legaes” (art. 44), desde que “verificada pelo Departamento Nacional de Ensino se o estabelecimento satisfaz as condições essenciais” (art. 45) expostas em seu Art. 45. Portanto,
A concessão da equiparação ou inspecção permanente se fará por decreto do Governo Federal, mediante proposta do Conselho Nacional [de Educação], approvada por dous terços da totalidade dos seus membros (Brasil, 1931, art. 48)
Veja que o artigo acima coloca uma condição ainda mais criteriosa para aprovação da equiparação dentro do CNE, determinando que isso somente aconteceria caso a votação a favor fosse igual ou superior a 2/3 dos conselheiros, sem dúvida, os votos dos presentes na sessão.
Diante da demanda a partir da promulgação destes dois decretos, um terceiro, o decreto 19.852, de 11 de abril de 1931, que dispunha sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro como padrão a ser seguido por todas as instituições de ensino superior do país, somou, em conjunto com as demais normas, outro problema: a ilegalidade imediata Escolas de Farmácia e Odontologia não reconhecidas pelo governo federal:
[...] atuais alunos das Escolas de Farmácia e de Odontologia não fiscalizadas pelo Governo Federal, e cujo funcionamento fica pelo presente decreto impedido de continuar, poderão transferir-se para as séries correspondentes das escolas oficiais ou equiparadas, provado que as escolas de origem tem, pelo menos, dois anos de funcionamento efetivo (Brasil, 1931c, art. 313).
Nesse momento, existiam, pelo menos, os seguintes grupos de instituições educacionais de níveis superior e secundário no Brasil: as públicas, criadas e mantidas pelo governo federal, e as criadas e mantidas pelos governos estaduais; as particulares, as reconhecidas pelo governo federal e as reconhecidas pelos respectivos governos estaduais18.
Com a proibição imediata do funcionamento das Escolas de Farmácia e Odontologia espalhadas por todo o Brasil, houve uma pressão sobre o governo federal, não somente das instituições educacionais, mas, sobretudo, dos alunos, que, pegos de surpresa, em pleno ano letivo, não tinham condições imediatas de migrarem para outras localidades (instituições).
O governo acabou voltando atrás, mas impôs uma série de condições, por meio do decreto nº 20.179, de 06 julho 1931, para que essas instituições pudessem requerer a equiparação, criando uma avalanche desse tipo de pedido ao CNE.
Grande parte das Escolas de Farmácia e Odontologia foi fechada em consequência direta ou indireta dos pareceres do Tribunal da Educação.
As Atas do CNE detalham esses processos e somam, ainda, diversos outros registros não somente de instituições escolares, mas de alunos, professores e cidadãos, convertidas em denúncias e solicitações dos mais variados tipos, sendo um conjunto de fontes com grande potencial para a compreensão da história local e da história da educação brasileira.
Breve análise
Com o sucesso da Revolução de 1930, um dos focos do Governo Provisório foi a educação, entendida como fundamental para o projeto de Brasil que se desenhava, senso comum entre os historiadores da educação19.
À frente da Secretaria dos Negócios da Educação e Saúde Pública, ascendeu Francisco Campos, incumbido de concretizar a reorganização da educação no país. Este entendeu que, diante das propostas que levaria ao chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, criaria uma grande demanda de atividades para si mesmo e propôs, juntamente com os pacotes de decretos conhecidos como Reforma Francisco Campos, a criação do Conselho Nacional de Educação, com o dever de ser um órgão consultivo e responsável por debater e emitir pareceres que pudessem desafogar as atividades diretas do Sr. ministro.
Segundo a Exposição de Motivos que acompanhou a proposta de criação do CNE, a ideia central que apareceu no texto foi a de especializar os atos do governo aos assuntos educacionais, ou seja, de que os estudos relativos à educação pudessem ser inspecionados por especialistas educacionais, segundo consta, na contramão do que se vinha realizando.
Interessante destacar que a criação de um conselho ou órgão semelhante ao CNE para auxiliar nas atividades ministeriais não foi privilégio da educação. Diversos outros conselhos foram criados, nas mais diversas áreas, a fim de fundamentar e validar as ações propostas pelo Governo Provisório ao Brasil que se queria20.
Voltando para a educação, foi possível localizar e catalogar praticamente todas as atas das reuniões do CNE durante sua primeira fase e observamos neste material uma particularidade valiosa de possibilidades para a história da educação.
Os mais diversos assuntos relativos à educação desse período encontramos nas atas. Os debates foram registrados com detalhes excepcionais, possibilitando recriar o ambiente do CNE com segurança. Porém, o que mais chamou atenção nessa documentação foi o potencial para auxiliar a história local. Exatamente isso, história local. Apesar de serem documentos relativos a acontecimentos nacionais, as demandas eram, em sua maioria, de grandeza local.
O mais comum foram escolas solicitando equiparação para continuarem funcionando, como o caso da Escola de Farmácia e Odontologia de Uberaba (Escola de Uberaba), que chegou a conseguir a equiparação, mas em seguida sofreu a perda do direito, agonizando-se no CNE entre 1932 a 1936, conforme registra Guilherme (2016) em sua tese de doutorado21.
Outra situação que ficou evidente, ao manipularmos as atas do CNE, foi que a relação entre qualquer instituição de ensino e um órgão governamental não é fixa, aqui representado pelo Ministério da Educação, ou seja, sofre alteração de humor conforme vão mudando as pessoas que presidem e compõem o órgão ou a escola.
Ainda utilizando o exemplo da Escola de Uberaba, segundo Guilherme (2016), quando no primeiro momento a escola conseguiu seu reconhecimento, era ministro Francisco Campos, e, dentro do CNE, o cunhado do dono da Escola de Uberaba, Samuel Libânio, era conselheiro, sendo o fiscal federal indicado por essa mesma instituição escola.
Esta conseguiu a equiparação, contudo, com a mudança de ministro, entrando Washington Ferreira Pires, mudou também a presidência do CNE e a Escola de Uberaba se viu obrigada, via denúncias, antes não acatadas, a refazer todo o seu processo de equiparação, e, encontradas irregularidades, perdeu a regalia e se viu obrigada a fechar (Guilherme, 2016).
No quadro abaixo podemos observar a troca de ministros que interferiu diretamente nos resultados dos pareceres do CNE:
Portanto, ficou visível nas Atas do CNE que as oscilações políticas, externas e internas a esse conselho, interferiram diretamente em suas atividades e, consequentemente, tornaram inviável uma análise padronizada do perfil desse órgão, que variou, sobretudo, conforme o tempo e composição humana.
Do mesmo modo, ampliando esse entendimento a outras instâncias governamentais, fossem das esferas municipais, estudais ou federal, ficou evidenciado que é frágil analisarmos quaisquer relações entre duas instâncias no campo da história da educação brasileira desconsiderando as particularidades locais e temporais a cada fato.
Considerações finais
O Conselho Nacional de Educação foi um importante organismo do governo de Getúlio Vargas, criado pelo ministro Francisco Campos, ligado à Secretaria dos Negócios da Educação e Saúde Pública.
Em sua primeira fase, funcionou de 1931 a 1936, quando foi extinto e reaberto sob novas regras, mais firmes e mais próximas do que viria representar o Estado Novo.
As atas do CNE formam um conjunto de informações que revelam fatos sobre instituições escolares de todos os níveis e de todo o território brasileiro, mostrados por meio dos debates, discussões, diálogos e pareceres contidos nesses documentos, de maneira exclusiva e inédita.
Este artigo apresentou o CNE e como era seu funcionamento, sendo uma base importante para a interpretação de suas atas. É intensão publicá-las.
Não encontramos quaisquer publicações que trabalharam o teor dessas atas e esta investigação, durante o estágio pós-doutoral, apontou como possível a publicação de fontes como uma possibilidade dentro o campo da história da educação brasileira, assim como demonstra como possível a pesquisa sem a necessidade de apego ao tradicionalismo citacional22.
A descoberta de fontes e o acesso aos recursos tecnológicos, sejam eles dos mais simples aos mais avançados, permite que nós, historiadores, avancemos quanto às possibilidades da pesquisa em história da educação, e tão importante quanto interpretar as fontes é disponibilizá-las e, claro, com ISBN.
Achados, antes egoístas, agora poderão fomentar o campo de pesquisa ainda mais, e o que era individual passa a ser coletivo, as possibilidades de pesquisa aumentam, deixando o olhar do pesquisador local para um olhar onipresente.
Existem fontes a serem descobertas e, também, é nosso papel descobri-las e, então, não somente interpretá-las, mas socializá-las, publicá-las.
Chamamos a atenção para as possibilidades da publicação de fontes (com ISBN/ISSN) dentro do campo da história da educação e percebemos que essa importância será visível e sentida em pouco tempo. É irreversível.