Introdução
O presente texto tem por objetivo compreender e analisar o período histórico do Seminário Diocesano de Mariana - conhecido como ‘Seminário Nossa Senhora da Boa Morte’ - na prelazia de três bispos de reconhecida atuação na Mariana e no Brasil oitocentista. A análise recai sobre três temporalidades distintas da vida da instituição. A primeira compreende o período de dom frei José da Santíssima Trindade, OFM (1819-1835); a segunda de dom Antônio Ferreira Viçoso, CM (1844-1875) e a terceira de dom Antônio Maria Correia de Sá e Benevides (1877-1896). Esses momentos necessitaram de bastante empenho dos prelados para superarem as crises, bem como para reorganizarem e assegurarem o funcionamento e as reaberturas desse estabelecimento. Quando dom Frei José, em 1820, e dom Viçoso, em 1844, chegam a Mariana, o seminário estava falido. Demonstraremos neste artigo, por meio dos regulamentos e da vida institucional, os diferentes exercícios político-econômicos para manter essa importante organização educacional brasileira em funcionamento. Ao lado do Caraça (Oliveira & Martins, 2011) e, depois, do Seminário Provincial Sagrado Coração de Jesus de Diamantina (1867), ambos fundados pelos lazaristas, os três constituíam-se como centros de formação do clero brasileiro, além de atuarem na educação dos meninos1 em Minas Gerais, destinados ou não ao sacerdócio. Dom Viçoso, depois de todas as peripécias para superar as sucessivas crises, entregou para seu sucessor o seminário em pleno funcionamento.
Sob a égide do ultramontanismo2, do qual Mariana foi, no Brasil, um importante centro irradiador, em especial sob a liderança de dom Viçoso, confirmam-se os estudos que apontam a pujança dessa corrente político-teológica
em Minas Gerais, em especial com a chegada de religiosos e freiras lazaristas - ordem religiosa vicentina, que tinha como objetivo primeiro fazer a expansão das missões populares, atuando na educação e na formação dos meninos em colégios e seminários, como os acima citados. Foi sobre a orientação dessas instituições, voltadas para melhorar a formação dos sacerdotes que se prepararam, em suas fileiras, os agentes mais significativos da reforma católica ultramontana no Brasil.
Nesse período, conforme Caldeira (2007), aconteceu a formação de parte considerável do clero brasileiro nas instituições escolares católicas sediadas em Minas Gerais, como o Seminário de Mariana, o do Caraça e de Diamantina, organizações que formaram padres e primavam pela moral dos sacerdotes, culminando numa reforma do clero brasileiro.
Claramente, a ascensão da Igreja ultramontana ocorre com Gregório XVI e tem seus impulsos principalmente com Pio IX e Pio X. A perspectiva, como diriam alguns ‘intransigente’, desses papados frente ao liberalismo, ao socialismo e aos pressupostos iluministas que acabaram sendo utilizados nos estudos bíblicos de forma radical, desbancando na heresia modernista, foi acentuadamente dominante na primeira metade do século XX (Caldeira, 2007, p. 80, grifo do autor).
A formação nessas casas de instrução estava marcada pelas correntes religiosas e pelo ideário, que tinham como parâmetro para o processo formativo do clero e da sociedade em geral. Nos colégios, todos seriam formados na mesma teologia e na mesma concepção política (ultramontana), seja o clero, seja o homem secular, pois com a tenra idade com qual se adentravam nesses espaços, não se sabia quem teria a vocação sacerdotal ou a secular. Ainda que o laicismo estivesse longe dessas paragens, os seminários também formavam o leigo para a sociedade. Portanto, todos eram formados como parte do clero. Formava-se o bom e ortodoxo católico.
O texto está dividido em quatro momentos: o primeiro faz uma introdução ao Seminário contextualizando-o cronologicamente em relação às instituições educacionais do Brasil; o segundo exibe o regulamento de 1821 correspondente ao período do episcopado de dom frei José (1819-1835); o terceiro apresenta, por meio da análise do regulamento de 1844 e de outras informações, o seminário no período de dom Viçoso (1844-1875) e último momento apresenta e discute o regulamento de 1878 no período de dom Benevides (1877-1896).
O Seminário Nossa Senhora da Boa Morte - uma instituição escolar mineira entre os séculos XVIII e XIX
O seminário de Nossa Senhora da Boa Morte3 foi fundado no século XVIII na cidade de Mariana4 em Minas Gerais. O que hoje compreende o Estado de Minas Gerais teve origem no século XVI através das expedições dos bandeirantes, que procuravam pedras preciosas no interior do país. Com rápido povoamento no século XVIII, a região tornou-se um importante centro econômico, impulsionando a criação da diocese de Mariana, a primeira do Estado e a sexta mais antiga do Brasil. Antes de 1745, data de sua fundação, tinha-se, no Brasil, a diocese de São Salvador, na Bahia, criada em 25 de fevereiro de 1551, a do Rio de Janeiro e a de Olinda, ambas de 1676, a diocese de São Luís do Maranhão, criada em 30 de agosto de 1677, e a de Belém do Pará, datada de 4 de março de 1719.
Uma primeira informação que se deve ter em mente quando se estudam os seminários diocesanos é o que concerne à instrução do concílio de Trento (1545-1563) para a formação sacerdotal. Realizado no século XVI, o concílio de Trento ficou conhecido por estimular a contrarreforma católica e, no que tange a formação sacerdotal, determinou novas diretrizes, como a criação de casas específicas para formação do clero, os denominados seminários (Freitas, 1979). Tardia e lentamente isso foi se consolidando no Brasil. O primeiro nesses moldes foi fundado em 05 de setembro 1739 no Rio de Janeiro, denominado Seminário São José. O segundo foi o Seminário de Belém do Grão Pará fundado em 17 de abril de 1749, seguindo do Seminário Nossa Senhora da Boa Morte, em Mariana, Minas Gerais, fundado em 20 de dezembro de 1750 pelo primeiro bispo da diocese, dom frei Manoel da Cruz. Ainda no período colonial, em 16 fevereiro de 1800, inaugura-se o Seminário Nossa Senhora das Graças, na diocese de Olinda e, em 1815, o Seminário São Dâmaso na Arquidiocese de São Salvador na Bahia (Freitas, 1979).
Além de ser o terceiro mais antigo do Brasil nos moldes tridentino, o Seminário de Mariana é considerado uma das primeiras instituições escolares de Minas Gerais, antes dele existia somente uma casa de educação de meninas, o Recolhimento Nossa Senhora de Macaúbas “[...] fundado em 1716, pelo Beato Félix da Costa” (Rocha, 2008 p. 81). Já no século XIX, aos poucos, outras instituições educacionais católicas foram surgindo, sendo as principais: o Colégio Nossa Senhora Mãe dos Homens na serra do Caraça, fundado em 1820; o Colégio para meninos de Campo Belo no Triângulo Mineiro e o Colégio do Bom Jesus de Congonhas, ambos de 1827; agregado ao Recolhimento de Nossa Senhora de Macaúbas, o Colégio de Macaúbas fundado em 1847; o Colégio da Providência em Mariana, de 1849; o Colégio Nossa Senhora das Dores, de 1866 e o Seminário Episcopal, de 1867 em Diamantina; o Colégio Dom Bosco em Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, de 1897, e o Colégio Nossa Senhora das Dores em São João Del Rei, de 1898 (Assis, 2019).
Antes da criação dos seminários, a educação no Brasil e a formação do clero ficaram a cargo, quase exclusivamente, das ordens religiosas. Os jesuítas, com seus colégios e seminários, tiveram papel preponderante no processo educacional nesse período (Carrato, 1968). O quadro 1 abaixo apresenta as principais instituições escolares jesuítas no Brasil-Colônia:
Os seminários jesuítas existentes no Brasil, antes da fundação do Seminário do Rio de Janeiro em 1739, não tinham por objetivo formar sacerdotes. Eram instituições educacionais5 restrita, às vezes, a públicos específicos. O Seminário de Belém, 1686, por exemplo, era uma casa de estudos que tinha como propósito formar apenas os filhos dos portugueses (Oliveira, 2014)6.
O seminário de Mariana foi uma das últimas instituições de ensino fundada pelos jesuítas no Brasil. Segundo Carrato (1968), o padre jesuíta José Nogueira, especialista em teologia, saiu de Pernambuco com destino a Minas, em 1748, para ministrar aulas e contribuir para a abertura do seminário.
Sabe-se que o início das atividades educacionais foi bem difícil, sobretudo pela falta da mão de obra especializada. Além da carência de professores nos sete primeiros anos, em 1758, por causas das políticas pombalinas7 de expulsão dos jesuítas do império e após ordem expedida pelo governo, os padres jesuítas tiveram que deixar Mariana e ir para o Rio de Janeiro (Trindade, 1951). Com a saída dos Jesuítas e restando poucas opções, dom Manuel convida os padres diocesanos para assumirem as aulas no seminário.
De 1750 a 1843, aproximadamente 90 anos, seis bispos foram nomeados para a diocese. Desses, dois não estiveram em Mariana, período em que a diocese foi administrada pelos procuradores - padres que, de certo modo e com limitações, assumiam a função administrativa. Além disso, de 1764, depois da morte de dom Manoel, até 1772, a prelazia fica em Sede Vacante, algo que vai afetar profundamente a estrutura do seminário. Nesse período, a diocese foi administrada pelo Cabido - uma espécie de conselho8. De 1772 até 1780, procuradores a gerenciaram, porque dom Joaquim Borges de Figueiroa (bispado: 1771 - 1772) e dom Bartolomeu Manuel Mendes dos Reis (bispado: 1772 a 1777) não foram à diocese. Isso também teve grande impacto no seminário. Por falta de uma liderança e referência eclesiástica há, nesse momento, um declínio moral na formação religiosa no seminário. Tal fato só começará a ser resolvido com a chegada de dom Viçoso a Mariana no século XIX. Mesmo assim, em 1852, oito anos depois de sua entrada na diocese, o bispo informou ao governo que dos 480 sacerdotes, a quarta parte era de maus padres, “[...] alguns embriagados, outros negociantes e quase todos da 4ª parte incontinentes com escândalos” (Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana [AEAM], 1852).
Nos primeiros anos de existência do seminário temos, portanto, o problema da falta de professores e o problema moral. Somados a esses, no final do século XVIII, o seminário passa a enfrentar dificuldades financeiras. Depois de 1793, após a morte de dom frei Domingos da Encarnação Pontével (bispado: 1778 - 1793), quarto bispo de Mariana, a diocese fica novamente sobre administração do Cabido até 1798, com a chegada dom frei Cipriano de São José (bispado:1797 - 1817). Nesse período, o seminário adentrou em uma grande crise financeira, chegando a ter dificuldades, por exemplo, para quitar os salários dos professores, devido à má administração do Cabido (Trindade, 1951).
Dom frei Cipriano de São José chegou à diocese de Mariana em 1798 e encontrou o seminário em decadência. Segundo Trindade (1951, p. 31), “[...] um dos primeiros atos do novo bispo foi um edital por meio do qual convoca para o seminário os candidatos ao sacerdote”. Porém, não conseguiu sustentação suficiente para se reerguer. Com dom Cipriano, o seminário funcionou até 1811, quando “[...] ainda havia seminaristas, mas depois estes faltam e o estabelecimento ainda algum tempo se conservou aberto apenas para os ordenados que ali vinham fazer os exercícios espirituais” (Trindade, 1940, p. 80-81). De 1811 até 1817, ano da morte de dom Cipriano, “[...] o seminário permaneceu fechado servindo de moradia para o reitor - em companhia de três escravos -, que usava o espaço para exercícios espirituais com os ordenandos” (Trindade, 1951, p. 31). Somente em 1821, com a chegada de dom frei José da Santíssima Trindade (bispado: 1819 - 1835), o seminário voltou às atividades.
Apesar de toda hierarquia administrativa e pedagógica que existia nos estabelecimentos de ensino católicos, o bispo, como se pode notar com esse breve resumo da história do Seminário de Mariana, era a autoridade maior. Por isso, saber de sua formação, de seus posicionamentos políticos, religiosos, enfim, de seus ideais é fundamental para compreender o processo histórico de permanência e de mudança da estrutura acadêmica dessas instituições. Passaremos agora, a tratar, a partir dos regulamentos, com maior profundidade a dinâmica interna do Seminário de Mariana no período dos três principais bispos dessa diocese no século XIX. Abaixo o quadro 2 sintetiza algumas informações para a compreensão dos próximos momentos deste texto.
O seminário de 1821 a 1835 sob a orientação de um bispo franciscano
A partir de 1820, depois de um período de graves crises, o seminário ganha um novo vigor com a chegada de dom frei José da Santíssima Trindade. Sexto bispo da diocese de Mariana, dom José, apesar de não ser considerado ultramontano - já que não combatia o regalismo - tinha uma posição política conservadora e defendia, como os ultramontanos, a reforma tridentina; a ortodoxia romana e combatia o liberalismo eclesiástico que lutava, entre outras coisas, por uma reforma na igreja nacional que a tornasse autônoma em relação à Roma e mais dependente do Estado (Santirocchi, 2014). O grande esforço para reabrir e manter o seminário com certo rigor moral sinaliza para a posição política conservadora desse bispo, já que essas instituições, como mostrado, eram uma exigência do concílio de Trento.
Trindade (1940) afirma que dom José teve os méritos de um fundador, por causa do amor e empenho em restituir o seminário. Mas, não só o seminário estava decadente, como também a diocese. “Dom Frei José encontra uma diocese praticamente desmantelada, se considerarmos os últimos anos do bispado de Dom Frei Cipriano e os três anos de Sé vacante, com a morte deste em 14 de agosto de 1817” (Oliveira, 1998, p. 28). O prelado assumiu a responsabilidade de reestruturar o seminário de tal modo que dispôs, segundo Oliveira (1998), de suas próprias poupanças, além de solicitar esmolas aos padres. Somado a isso, dom José ainda reestrutura a fazenda do seminário, reforma o prédio onde aconteciam as aulas e formula um novo estatuto para dar ardor religioso e vigor estudantil a essa instituição.
Diferentemente do primeiro regulamento do seminário de Mariana, de 1760, que era bem objetivo, o segundo, de 18219, era mais longo, explicativo e detalhado. Ele constava de uma introdução e mais três partes. A introdução abordava “[...] a utilidade pública dos seminários, sua recomendação pelo Concilio de Trento e pelos papas” (Oliveira, 1998, p. 28). Nela, dom frei José justifica a necessidade de os seminários, destacando que, por meio deles, dissolver as trevas da ignorância ao possibilitar ‘maiores graus de ciência’ aos estudantes; ressalta também que o seminário era o lugar onde apareciam os talentos raros e aprendia-se a boa moral que regula os costumes. O comentário do frei desfaz, em parte, a representação da cultura acadêmica de que os franciscanos não estavam associados à erudição, ou que revelam pouco interesse pela ciência e pelas questões intelectuais. Conforme nos indicam Sangenis e Mainka (2019), essas representações estereotipadas a respeito das Ordens Franciscanas são quase clichês na cultura e na academia, possivelmente são frutos de pouca pesquisa sobre a atuação destes na educação da colônia e até os dias atuais.
A introdução é a menor parte do regulamento, seguida pela primeira parte que é dividia em quatro capítulos, que tratam “[...] da administração e contabilidade do seminário, de sua fazenda e das obrigações do feitor junto aos escravos” (Oliveira, 1998, p. 28). O primeiro capítulo aborda a responsabilidade do bispo. O segundo trata especificamente da administração financeira, segundo a qual depende a felicidade e a conservação do prédio (AEAM, 1821). O terceiro trata a administração da fazenda, prescrevendo as normas administrativas e indicando o perfil do feitor que deve saber ler e escrever e ter conhecimento da doutrina católica para ensiná-la aos escravos. O quarto capítulo impõe que no último dia de cada mês houvesse uma reunião do reitor com o procurador e o tesoureiro, para fecharem as contas do mês (AEAM, 1821).
A segunda parte do regulamento, dividida em 14 capítulos, versa sobre “[...] o pessoal do seminário, seus alunos, superiores e oficiais” (Oliveira, 1998, p. 29). Neles, aborda-se detalhadamente a organização interna dessa instituição. O primeiro capítulo apresenta a obrigatoriedade da observância das normas do regulamento e trata das condições financeiras para receber os alunos a ‘título’ paupertatis. O segundo determina detalhadamente as vestimentas a serem usadas dentro e fora do seminário. O capítulo terceiro apresenta as normas internas e externas para o relacionamento intersubjetivo, chamando atenção para a caridade, a cortesia e a igualdade de relação entre todos os seminaristas. Há ainda algumas proibições como, por exemplo, tratar alguém por apelidos ou títulos de família. O quarto apresenta a rotina espiritual constituída pela frequência aos sacramentos da penitência e da eucaristia. O quinto capítulo trata do lazer e apresenta os jogos laranjinha e de bola para recreação. O sexto recomenda ao reitor paciência na correção moral. Indica como castigo as penitências, os exercícios espirituais, a abstinência e a reclusão no próprio quarto. O sétimo capítulo trata das obrigações religiosas dos alunos que não almejam o sacerdócio. Eles eram obrigados a terem responsabilidades religiosas nas paróquias, bem como manterem as práticas espirituais, como os sacramentos. O oitavo capítulo prescreve a conduta no refeitório, sob pena de castigo e exige oração antes das refeições, guardar o silêncio e o asseio pessoal e comunitário no ambiente. Do nono ao 14º, são apresentadas as normas para o reitor, o vice-reitor, o enfermeiro, o sacristão e o porteiro. Chama atenção o fato de as funções de sacristão, porteiro e refeitório ficarem reservadas aos alunos a ‘título’ paupertatis (AEAM, 1821).
A terceira parte do regulamento, dividida em oito capítulos, refere-se, especificamente, ao ensino das disciplinas do curso de filosofia e de teologia. No primeiro capítulo é evidenciado o peso da dimensão acadêmica para a formação religiosa, ao ressaltar que é por meio da religião e da ciência que os seminaristas poderão espalhar luzes sobre a igreja. O segundo capítulo ressalta o valor da gramática latina ao mostrar que ela abre a porta do conhecimento e facilita a inteligência dos livros científicos. Apresenta também o tempo e o horário de estudo; o perfil dos alunos que serão admitidos nessas aulas; a necessidade dessa disciplina para cursar outras, intituladas maiores; algumas obrigações do professor e a necessidade de comprovar para o reitor e os demais lentes, mediante exame, o aproveitamento dos estudos. Como se pode notar,
Serão admitidos a esta aula todos aqueles que não estiverem capazes de perceber, com facilidade, os autores clássicos. Nenhum Estudante solicitará o ingresso nas Aulas maiores sem que obtenha do Professor de Gramática Latina o seu beneplácito [...]. Disporá o mesmo Professor as Lições dos seus Discípulos e lhes fará as explicações necessárias e temas frequentes e, no fim de cada ano farão os seus Discípulos exames públicos em presença do Reitor e dos mais Lentes do Seminário (AEAM, 1821).
O capítulo terceiro retoma o objetivo da gramática latina e mostra que é por meio dela que os alunos vão conhecer a ciência das palavras, dos termos e das frases, das quais usam as artes e as ciências. Depois, apresenta a retórica como a disciplina na qual os alunos vão apreender a arte do bem falar, já que é através dela que eles serão capazes de ordenar, ornamentar, distribuir os pensamentos e ensinar os artifícios para a persuasão. Esse capítulo também apresenta algumas responsabilidades do professor: “O Professor desta arte ensinará pelo método mais fácil [...]. Nela buscará o aproveitamento daqueles com termos que se amoldem aos que ainda não entraram nos preceitos da Retórica” (AEAM, 1821).
O capítulo quarto apresenta a filosofia como uma ciência necessária para entrar na percepção das outras ciências, pois ela ensina a indagar as coisas pelas suas causas, prepara as ideias e os princípios das ciências do espírito, dirigindo, assim, as operações do entendimento. É por meio dela que é possível um clero capaz de edificar a igreja e um cidadão capaz de servir a pátria. Ele determina também o horário de estudo e algumas responsabilidades do professor desse conteúdo, como se lê:
Ela (filosofia) ensina a indagar as coisas pelas suas causas e efeitos, dirige as operações do entendimento, ela prepara os princípios e ideias de todas as ciências dos espíritos [...] pela (filosofia) se pode preparar um Clero capaz de edificar a Igreja e um Cidadão hábil ao serviço da Pátria e da República [...]. As horas desta Aula, que será duas vezes no dia, são das oito da manhã às nove e meia e, das três até às quatro e meia da tarde. Deixamos ao cuidado e diligência do Lente os exames dos seus Estudantes (AEAM, 1821).
O capítulo quinto afirma, com uma extensa argumentação, a teologia como ponto essencial da salvação das almas. Também apresenta uma divisão dessa disciplina: teologia prática, que trata da moral cristã, e teologia dogmática, que trata dos dogmas e da defesa da religião. Como se pode observar,
É, portanto a Teologia Cristã que procede de Deus, Autor da Revelação, derivada das Escrituras Santas e da tradição, onde são as fontes que têm bebido os autor ortodoxos as verdades que nos ensinam, assim, as leis da natureza, e princípios certos e infalíveis da religião, como os fins para que o homem fora criado; como essa se divide em Teologia Prática e Dogmática, temos determinado estabelecer uma cadeira que trate desta, na parte que pertence ao dogma e à defesa da religião; e outra de Teologia Moral, que não se pode dispensar ao ministério do sacerdócio, e da direção das almas (AEAM, 1821).
A gramática latina abriria as portas do conhecimento e facilitaria a inteligência para a leitura dos livros científicos. A retórica ensinaria a arte do bem falar, essencial para qualquer função pública. A filosofia ajudaria a indagar as coisas pelas suas causas, possibilitando ao estudante ter percepção das outras ciências ao preparar as ideias e os princípios das ciências, dirigindo as operações do entendimento. Por fim, a teologia trataria de ensinar o que concerne à salvação das almas. Portanto, o regulamento de 1821, comparado aos outros regulamentos, é singular. Nenhum outro é tão detalhado e explicativo no que tange às normas, às funções, às tarefas e à organização administrativa e acadêmica do seminário.
O seminário de dom frei José funcionou bem, sem grandes problemas, até 1827 (Oliveira, 1998). A partir dessa data, com a chegada do professor de filosofia, padre Antônio José Ribeiro Bhering10, começam a surgir vários problemas no seminário. Dom frei José, por causa de sua posição política conservadora que combatia o liberalismo eclesiástico, acusa o referido professor de ensinar filosofias proibidas pela igreja (filosofias iluministas) e o expulsa do seminário em outubro 1829. Por ele gozar “[...] de prestígio social e político na região” (Almeida, 2013, p. 18), isso gerou problemas, tanto para o seminário, como para o prelado.
Após ser expulso, padre Bhering vai para Ouro Preto, sua cidade natal e capital oficial da província de Minas Gerais naquele período e desenvolve, com o amparo político que tinha, “[...] uma fortíssima campanha contra o prelado, que, a contar deste ano, não teve um momento de tranquilidade no seu episcopado” (Trindade, 1951, p. 33). Bhering e os liberais atacaram, através dos jornais, o bispo e o seminário. O próprio viés estritamente moral do regulamento serviu de munição para o padre questionar as atitudes do bispo junto ao conselho Provincial de Minas. Apesar do regulamento não ter sofrido nenhuma intervenção do Estado e ter permanecido como documento norteador do seminário até a morte de dom José, a disputa política afetou a vida interna da organização, pois além de ferir a imagem pública dessa instituição de ensino, “[...] uma intervenção no quadro de professores [...] por parte do setor público se efetivou. Em 1832, foram proibidos de ministrar aulas no seminário e expulsos da província de Minas, em decreto assinado por Diogo Feijó, os professores [frades franciscanos] de filosofia e teologia, nomeados por Frei José” (Almeida, 2015, p. 83).
Isso, somado a outros problemas gerados pela posição conservadora desse bispo11, foi desgastando o prelado e a imagem social do seminário (Trindade, 1951). Com a morte de dom frei José, inicia-se novamente um período de Sede Vacante que terminou somente com a chegada de dom Viçoso em 1844.
O Seminário de 1844 a 1875 sob a orientação de um bispo lazarista
As condições em que o seminário se encontrava quando dom Viçoso chegou em Mariana não eram nada apreciáveis. O fim do episcopado de dom frei José da Santíssima Trindade e o último período de Sede Vacante causaram sérios problemas à instituição. Um deles diz respeito à estrutura física. Após a revolução de 1842, em que o prédio serviu de quartel para as tropas do governo, a parte física ficou decadente. Após sua chegada a Mariana, em apenas sete meses, dom Viçoso restaura o prédio e reabre o seminário.
As mudanças promovidas por dom Viçoso alteraram a estrutura interna do seminário. Antes, as acomodações eram divididas em cubículos (pequenos quartos). Com as mudanças, o imóvel passou a ter seis amplos dormitórios coletivos, “[...] os quais prestavam melhor a vigilância” (Pimenta, 1920, p. 103), possibilitando também maior número de alunos. Com essa mudança, de início, dom Viçoso atacou dois problemas: o financeiro e o moral. Não é por acaso que ele foi considerado um bispo reformador, tendo a educação como arma fundamental para implementar seus ideais. Em um ofício de 09 de janeiro de 1850 ele disse: “[...] só me nutro da esperança de um melhor futuro na criação dos candidatos ao clero” (AEAM, 1850).
Ao mexer na estrutura interna e aumentar o número de alunos acolhidos, dom Viçoso possibilitou ao seminário ter melhor receita, já que os estudos eram pagos. Pimenta (1920) nos informa que em 1845 todas as 150 vagas já estavam preenchidas e, segundo Camello (1986), a média anual de ordenações de dom Viçoso foi de 10,6 padres por ano. Ele ordenou 318 padres entre 1845 a 1875 - número bem expressivo. O quadro 3 abaixo, construído a partir do livro de matrícula de 1859 a 1867, possibilita-nos uma visão da capacidade do seminário de Mariana.
Não se pode afirmar que esses números se referem a todos os alunos matriculados no período de 1859 a 1867 por dois motivos: primeiro, no período correspondente ao quadro, o seminário de teologia se encontrava no Colégio do Carraça, por isso, é possível que tenham outros registros ainda desconhecidos. Segundo, a parte do seminário que estava em Mariana, o seminário menor, recebia alunos que não eram candidatos ao sacerdote (os colegiais) e o livro de matrícula não apresenta distinção em relação a esses alunos.
As mudanças internas no edifício do seminário, realizadas pelo prelado, tinham também a finalidade de atacar o problema moral, porque, com grandes dormitórios, ficava mais fácil a vigilância dos alunos. Essa decadência moral encontrada por dom Viçoso pode ser evidenciada em um texto escrito por dom Silvério e apresentado por Trindade (1953, p. 221), onde se lê: “O Seminário [...] estava de tal jeito que os alunos saíam de noite para as casas das amásias [...]. Chegava ao ponto que quando algum seminarista tentava alguma moça, ela lhe prometia para quando fosse padre, porque então tinha meios de sustentá-la”.
Além da mudança física, ocorreu, nesse mesmo período, uma divisão referente à estrutura acadêmica. Foram separados os candidatos ao sacerdócio dos demais alunos: “[...] o Colégio Episcopal denominou São Fidelis, e o seminário propriamente dito reservado aos candidatos ao sacerdócio: tudo no mesmo edifício” (Trindade, 1940, p. 91). Além das disciplinas estudadas, provavelmente tal separação se realizou com as mudanças nas divisões dos dormitórios, já que cada um dos grupos tinha um diretor específico. Aqui, é interessante observar que os primeiros responsáveis pelo Colégio Episcopal São Fidelis eram leigos: “Pachoal Pacine e Rocha Cabral, amigos que D. Viçoso fizera no rio e que o acompanharam até Mariana” (Trindade, 1940, p. 91).
Em 1845, já com o seminário funcionando, foi lançado um novo regulamento com 25 capítulos, seguido pelo horário das atividades internas. Ele dava ênfase à ordem, à disciplina e ao silêncio como elementos fundamentais para alcançar a virtude e a ciência. O regulamento ditava normas desde as primeiras horas do dia, até o cuidado físico corporal que cada um deveria ter consigo mesmo. Por exemplo, o artigo quarto impõe que, ao toque do sino, depois de se levantarem, os alunos deveriam lavar o rosto. O artigo sexto determinava o respeito com os momentos comunitários, como as aulas, as orações e as refeições. O artigo oitavo e parte do quarto determinavam o asseio com a cama, as roupas e os livros. O 15º proibia bebidas e armas (pistolas e facas) dentro do seminário. O artigo sétimo exigia o silêncio nos atos das comunidades: “[...] sendo moralmente impossível, que haja piedade e boa ordem aonde não há silêncio, diligentemente procurarão observá-lo; não falando fora das horas da recreação, nem fazendo rumores nos salões [...]” (Pimenta, 1920, p. 107).
As explicações do regulamento aparecem em um manuscrito de dom Viçoso intitulado Explicação motivada dos principais artigos do regulamento do seminário Eclesiástico de Mariana, que infelizmente se encontra incompleto no arquivo da Cúria de Mariana. Trata-se de um texto, segundo Camello (1986, p. 336), “[...] que se poderia classificar como teórico-doutrinário [...]”, conforme se pode ler neste pequeno trecho que trata a questão moral: “[...] os seminaristas a firmar-se cada fez mais no horror do pecado [...]. Procurem gravar profundamente no coração aquele dito de São Cipriano: Que aquele Senhor que disse ‘Eu sou a verdade’, nunca disse: Eu sou o costume” (AEAM, n.d., grifo do autor).
Por esse documento é possível saber detalhadamente como era a rotina interna da instituição, que além das atividades acadêmicas, tinha também, de forma intercalada, o lazer e a oração como atividades ordinárias, como se lê abaixo:
5:30 - Levantar.
5:45 - Atos da manhã em salões, ajoelhando no meio um atrás dos outros.
6:00 - Estudo com silêncio rigoroso.
7:00 - Missa, e depois almoço.
8:00 - Estudo em silêncio rigoroso.
9:30 - Aula por duas horas.
11:45 - Jantar e recreação.
3:30 - Aula por duas horas.
5:30 - Cantochão para os Eclesiásticos e recreação para os demais.
6:30 - Estudo em silêncio rigoroso.
7:00 - Ceia e recreação até 8:30.
8:30 -Exame e recolher-se.
É permitido até as 10h o estudo, e então se devem apagar as luzes particularmente (Regulamento 1844 apud Pimenta, 1920, p. 108-109).
A partir dessa distribuição, é possível perceber que o dia a dia dos estudantes era bem carregado. As atividades começavam às 5h45 e terminavam aproximadamente às 21horas, podendo ser estendido até às 22h. É interessante destacar aqui a organização dos horários referentes aos estudos, que eram distribuídos ao longo do dia. Também era a dimensão que dispunha de mais tempo: 07 a 08 horas de instrução por dia, sendo quatro horas de aula e de três a quatro horas de estudos pessoais. Essa organização permaneceu até 1856, quando foi confeccionado outro regulamento12, sob a direção dos padres lazaristas, que impuseram outra rotina através de uma nova organização para os dias de aula.
Além do tempo de estudo e dos horários das aulas, é possível analisar também os currículos dos cursos, que giravam “[...] em torno de uns cinco anos para as humanidades e uns três ou quatro para o curso de teologia” (Camello, 1986, p. 355). O regulamento de 1856 nos informa que as disciplinas do curso de humanidades deveriam ser cursadas em cinco anos, mas não aponta nada sobre o curso teológico (Regulamento de 1856 apud Trindade, 1940). No entanto, isso não era uma regra absoluta, pois, dependendo do grau de formação do estudante, ele avançaria mais rápido as etapas, sobretudo aqueles que almejavam o sacerdote como, por exemplo, o caso do ex-escravo Francisco de Paula Vitor (Fonseca, 2020), o primeiro padre ex-escravo do Brasil - que entrou no seminário em 1849 e foi ordenado sacerdote em 1851 - estudou somente três anos.
Antes de apresentarmos o currículo, é importante ressaltar duas informações. A primeira, segundo Camello (1986), é que à medida que o seminário se estabilizava com dom Viçoso, as grades curriculares tornaram-se mais robustas. Um dos motivos dessa configuração foi a entrega da direção da instituição aos lazaristas, que aconteceu em três fases. A primeira, 1849 a 1852, corresponde ao momento em que os primeiros padres lazaristas chegaram a Mariana. A segunda, 1854 a 1855, deu-se quando o curso teológico do seminário foi para o Caraça13 - por causa da epidemia de varíola, ficando inteiramente sob a responsabilidade dos lazaristas que já se encontravam nesse colégio desde 1820 -, e o Colégio São Fidelis foi para a fazenda do seminário em Paulo Moreira, que corresponde hoje a cidade de Alvinópolis14. A terceira corresponde à entrega definitiva do seminário que se “[...] efetuou, em 1859, por contrato solene firmado por Dom Viçoso e a Congregação da Missão” (Trindade, 1951, p. 52).
A segunda informação é que por causa do sistema de padroado, o seminário, de certa forma, estava submisso ao Estado e, por causa disso, recebia verba do governo tanto para oferecer bolsas de estudos, como para pagar alguns professores. Algumas disciplinas eram determinadas por leis do governo como as cadeiras de latim, francês, inglês, história, geografia, aritmética, geometria, trigonométrica e álgebra, que foram anexadas ao seminário pela lei mineira nº 445, de 20 de outubro de 1849 (APM, 1849).
Abaixo no quadro 4 as possíveis disciplinas estudadas no seminário no período de dom Viçoso,
O regulamento de 1856 informava algumas disciplinas estudadas no seminário, bem como a forma como se daria a distribuição das disciplinas. Eram três anos de latim, um de matemática e um de filosofia. A gramática portuguesa era estudada junto com o latim e no último ano desta disciplina poderia ser acrescentado o francês. Geografia era estudada junto com matemática e retórica junto com filosofia. Catequese e história sagrada eram estudadas aos domingos e às quintas-feiras (Trindade, 1940).
O seminário, sob a posição ultramontana de dom Viçoso, além dos 318 padres formados sob esse ideal político, teve a sagração de cinco bispos que contribuíram com a difusão do ultramontanismo no Brasil, são eles: dom José Afonso de Morais Torres, dom Luís A. dos Santos, dom João Antônio dos Santo, dom Pedro Maria Lacerda e dom Silvério Gomes Pimenta. Eles atuaram na sociedade brasileira resgatando a religiosidade vinculada diretamente ao Sumo Pontífice. Assim, sob a égide do ultramontanismo, com o ideal de formar o sacerdote ou profissional a partir da moral católica, o seminário de Mariana foi, no Brasil, um hábil instrumento para o fortalecimento do ultramontanismo. Os dois bispos subsequentes, dom Benevides e dom Silvério, também assumiram em seus episcopados a bandeira ultramontana, fazendo com que o seminário dessem continuidade às obras iniciadas por dom Viçoso.
O Seminário de 1876 a 1888 sob a orientação de um bispo diocesano
Depois da morte de dom Viçoso, ocorrida em 7 de julho de 1875, a diocese de Marina fica em Sede Vacante até junho de 1877, quando é confirmado para assumir a diocese dom Antônio Maria Correia de Sá e Benevides15. O período de dom Benevides (1877-1896) é considerado um dos mais férteis da instituição. Segundo Trindade (1951), entre 1882 e 1900, a média anual de matrículas foi de 200 alunos. Somente em 1886, por exemplo, tinha o seminário de Mariana 172 estudantes no curso de humanidades e 52 no curso de teologia. Ao todo foram 214 alunos. Uma das atitudes desse bispo, que influenciou essa fertilidade no ensino, foi a transferência do Colégio Teológico, que se encontrava na serra do Carraça desde 1854 por razões da epidemia de varíola, para Mariana. “Havia cerca de trinta anos que o curso superior de ciências eclesiásticas, ou seminário Maior funcionava no Caraça, propriedade particular dos padres lazaristas, distantes mais de sessenta quilômetros da cidade episcopal” (Trindade, 1953, p. 256). Em 1882, aproximadamente cinco anos após a chegada de dom Benevides a Mariana, com 38 alunos, o curso teológico retornou para a sede.
Além desse fato, temos também nesse período um regulamento que, apesar de não ter muitas novidades em relação aos apresentados anteriormente, permite-nos entender a dinâmica do seminário no período de dom Benevides. O regulamento de 1878 é bem conciso, contendo somente oito capítulos. Parece ser um regulamento de convite para ingressantes, uma vez que ele apresenta suscintamente a estrutura acadêmica e disciplinar da instituição, que é uma das principais exigências do seminário já anunciada no primeiro capítulo, no qual se lê: “Este regulamente tem por fim educar a mocidade na ciência e na piedade, e prepará-la principalmente para o Estado Eclesiástico, por isso não se admitem senão aqueles que se querem conformar com as regras deste Estabelecimento” (AEAM, 1878). Chama atenção nesse capítulo o fato de as regras serem as mesmas para todos os alunos, mesmo aqueles que não eram seminaristas. No que tange a disciplina, o capítulo VI apresenta algumas proibições como fumar, ter perfumes e manter relações desnecessárias com pessoas externas aos seminários, além de dar autoridade para os superiores de abrirem as cartas dos alunos quando necessário. Ainda no que diz respeito à disciplina, o capítulo VII apresenta as consequências para quem não respeita as normas. Primeiro, será avisado aos pais para que tomem a devida providência; segundo, se a falta for grave, serão despedidos (AEAM, 1878).
O regulamento apresenta também alguns elementos da parte acadêmica. O capítulo segundo mostra as disciplinas a serem cursadas naquele estabelecimento, são elas: latim, português, francês, inglês, geografia, aritmética, álgebra, geometria, retórica, filosofia racional, filosofia moral, história sagrada, história universal, catecismo e princípio de música vocal e instrumental (AEAM, 1878). É importante salientar aqui que essas disciplinas são do curso de humanidades, que é o primeiro momento da formação do padre no seminário. No entanto, elas não diferem das que existiam no período de dom Viçoso. A única diferença é a distinção entre aula de música vocal e aula de música instrumental que não apareceu nos outros regulamentos apresentados. É possível que o curso teológico manteve as disciplinas do período de dom Viçoso, pelo menos no início do episcopado de dom Benevides, já que, nesse momento, o curso ainda estava na serra do Carraça. O capítulo terceiro fala dos valores a serem pagos pelos estudantes: “As Mensalidades são atualmente de 25 reis mensais, pagos por trimestres adiantados sem desconto algum, mas 6 anuais para o médico ordinário da casa e uma matrícula de 20 reis que cada aluno satisfará na entrada” (AEAM, 1878). Além das despesas com a mensalidade, com o médico e com a matrícula, os alunos ainda teriam que pagar os dispêndios com a roupa, os livros e outras miudezas, conforme anunciado no capítulo quinto. O oitavo capítulo apresenta o período de férias, que nos dá uma noção de como era a organização do ano letivo, pois os alunos teriam três meses de férias, em julho, agosto e setembro. “Ninguém, portanto, poderá ir a ela [férias] antes do dia 30 de junho, nem será mais admitido o estudante já matriculado que dela [das férias] voltar depois de 1º de outubro sem justas razões” (AEAM, 1878). Por fim, o regulamento ainda ditava o que cada aluno deveria trazer quando matriculado no seminário: “1) todo o necessário para a cama e um cobertor vermelho para a uniformidade; 2) o vestuário ordinário, além da batina, cabeção, barrete e sobrepeliz; 3) As coisas indispensáveis para a limpeza, como bacia de rosto e de banho, escovas, pentes, tesourinha etc.” (AEAM, 1878).
Apesar de bem sintético, o regulamento de 1878 consegue ser mais abrangente ao tratar as dimensões postuladas pelo seminário e, diferentemente do regulamento de 1845, que quase não tratou a questão acadêmica, apresentou algumas informações que possibilitavam ao estudante saber da estrutura acadêmica dos cursos do seminário.
Considerações finais
O seminário, após o período de dom Viçoso, estava estruturalmente bem-organizado, por isso dom Benevides (último período analisado) não obteve grandes problemas em sua gestão. No entanto, o primeiro período (de dom frei José) e o segundo (de dom Viçoso) necessitaram de bastante empenho dos prelados para reabrirem e reorganizar o estabelecimento, bem como assegurarem o seu funcionamento. Comparando os três regulamentos, é possível perceber algumas regularidades. Todos intercalavam oração, disciplina e estudos. Além disso, a disciplina era o fundo pelo qual todas as normas e exigências dos três regulamentos se assentavam. Toda esta organização, que visava formar o sacerdote, pautava-se em uma disciplina bastante rígida que, de certa forma, permitia aos superiores julgar e avaliar os alunos e candidatos ao sacerdócio. Ela era o instrumento ideal e prático para perceber quais iriam se enquadrar no perfil exigido.
Há um grande esforço para justificar as normas impostas, sobretudo as acadêmicas e espirituais, no regulamento de 1821, o que não se repete nos outros regulamentos. O regulamento de 1845 é o mais incisivo com as ordens. Talvez isso se justifique pelo contexto moral em que o seminário se encontrava quando dom Viçoso assumiu a diocese, exigindo maior rigor disciplinar. Já o regulamento de 1878 não traz diferenças significativas em relação ao de dom Viçoso. Isso porque, nesse período, o seminário era governado pelos lazaristas. Deste modo, mesmo com a mudança do bispo, as autoridades do seminário continuaram as mesmas e, consequentemente, também as normas. A grande contribuição desse último bispo para a história do seminário foi trazer para Mariana o seminário de teologia, que se encontrava no seminário do Caraça desde 1854.