Introdução
O Resumo Escolar foi concebido como um impresso, cujo conteúdo deveria ser “lido e explicado” (Vivacqua, 1929, p. 13) aos alunos em sala de aula pelo professorado capixaba. Como periódico produzido e distribuído pelo Serviço de Cooperação e Extensão Cultural (SCEC)1, coube ao diretor deste órgão do governo, o jornalista Garcia de Rezende2, selecionar as 137 matérias, em geral não assinadas, que compuseram as sete edições publicadas, quinzenal ou mensalmente, entre abril e setembro de 19293.
Como propõe Chartier (2002, p. 61-62), no percurso entre a produção de um impresso e seus usos, é preciso considerar os sentidos conferidos aos textos pelos atores envolvidos em sua publicação, uma vez que “Os textos não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são os veículos [e] [...] as formas que permitem sua leitura, sua audição ou visão participam profundamente da construção de seus significados”. Por isso, observamos que, em todos os exemplares, a qualidade da impressão monocromática, em dimensões aproximadas do padrão A5, a diagramação em duas colunas, a composição das capas e o uso de desenhos, fotografias e quadros evidenciam os cuidados com a execução do projeto gráfico da publicação.
Do ponto de vista da organização das seções e da diagramação, a publicação procurou manter, nos sete números analisados, um padrão estético constante e, a partir do segundo número, passou a imprimir pelo menos uma imagem em todos os números. Além disso, não há qualquer anúncio comercial ou referência a patrocinadores, o que indica que sua concepção integrava os investimentos governamentais na reforma em andamento. Também não há menções ao expediente do impresso. O único nome citado no jornal é o de Garcia de Rezende, como redator e responsável pelo SCEC, órgão da Secretaria da Instrução que chancelava o jornal4.
Concebido como um instrumento de “inovação pedagógica” e de “integração cultural”, esse periódico deveria levar às instituições públicas de ensino “[...] o formidável movimento da cultura moderna, na sua obra grandiosa de organizadora do equilíbrio do mundo, creado pelo gênio da sciência dentro dos traços dynamicos e da expressão profundamente humana do novo idealismo” (Rezende, 1930, p. 30). Desse modo, buscava fornecer às escolas e aos professores informações sobre diretrizes escolanovistas que orientaram a Reforma da Instrução Pública no Espírito Santo, realizada por Attilio Vivacqua, secretário da Instrução durante o governo de Aristeu Borges de Aguiar. Iniciada em 1928, essa reforma acabou bruscamente interrompida pela nova ordem política estabelecida no Brasil pós-1930 (Berto, 2013; Berto & Simões, 2017).
O jornal ou folheto, como era denominado pelos seus idealizadores, tinha três objetivos principais: disseminar as diretrizes da escola ativa no Espírito Santo, subsidiar a formação em serviço de professores que atuavam em escolas primárias e promover o acesso dos estudantes a temas, debates e inovações tecnológicas que marcaram o pós-guerra. A estratégia5 utilizada pela secretaria de Instrução consistia no envio do Resumo Escolar a todas as escolas públicas, visando à sua leitura em sala de aula pelos professores. Operava, assim, como veículo informativo e de apoio aos docentes, na medida em que, como veremos adiante, além das informações atualizadas, continha textos de conteúdo didático-pedagógico relacionados com a Escola Nova.
Portanto, o Resumo Escolar deve ser compreendido como parte do conjunto de iniciativas pedagógicas propostas no contexto da reforma escolanovista6 no Espírito Santo (1928-1030) (Berto, 2013), cuja arquitetura foi fortemente influenciada pelo pensamento de Adolphe Ferrière e Ovide Decroly7, conhecidos defensores do potencial pedagógico dos impressos escolares. Pode-se imaginar, dessa maneira, que o Resumo Escolar espelhava essa influência.
É possível também que o interesse pela criação do Resumo Escolar como elemento de inovação pedagógica tenha se inspirado na publicação de periódicos escolares que circularam no Brasil no início do século XX, sob a influência do pensamento de Célestin Freinet (Bastos & Ermel, 2013; Jacques & Grimaldi, 2013; Rabelo, 2013; Cunha, 2013). Inspirado pela obra L’école active, de Adolphe Ferrière (1922), e pelo Courrier de l’école, produzido por Ovide Decroly, com a participação de seus alunos da École de L’ermitage, em 1925, Freinet compreendia o impresso escolar como elemento potencializador de “[...] uma educação centrada na livre expressão e na criação coletiva do conhecimento” (González-Monteagudo, 2013, p. 17-18, tradução nossa). Nesses termos, propunha “[...] uma alfabetização crítica dos meios de informação mais modernos do seu tempo: a imprensa, o rádio e o cinema” (González-Monteagudo, 2013, p. 22, tradução nossa), atribuindo às leituras e publicações escolares a possibilidade de contribuir para desenvolver uma educação adaptada às necessidades das crianças.
A publicação capixaba, entretanto, foi pensada e produzida completamente fora do domínio escolar, ainda que claramente endereçada às escolas e aos seus sujeitos. Mais do que isso, não contou com a participação de alunos ou professores, cabendo a estes últimos a leitura sistemática, em sala de aula, das matérias publicadas. Observa-se, dessa maneira, que os usos estratégicos do Resumo Escolar, que visava à implementação e à ampla divulgação da escola ativa em instituições locais, acabaram por subverter princípios básicos da aprendizagem ativa, na medida em que a publicação se tornou uma espécie de manual de prescrições endereçadas aos professores e, por extensão, aos estudantes. Essas prescrições se misturavam com “atualizações” noticiosas sobre o Brasil e sobre o mundo.
Os usos que visavam à instrução e ao ordenamento da aplicação do método ativo pelo magistério são indiciados pela formulação e a execução do projeto editorial do jornal. Esperava-se que os professores - em geral, pouco ou nada familiarizados com as prescrições em circulação - colocassem em prática, por “iniciativa própria”, um “método próprio” (desde que ativo, deduz-se). A questão ganha peso, se for levada em conta a fragilidade da formação, o predomínio de professores leigos nas escolas espalhadas por todo o Espírito Santo e a precariedade do funcionamento das escolas isoladas, localizadas tanto na capital como no interior (Berto, 2013; Novaes, 2020).
Entre esses e outros estranhamentos, produzidos a partir de leituras indiciárias - movidas a contrapelo (Ginzburg, 2002) - das matérias publicadas nas edições preservadas do periódico, em cruzamento com relatórios de inspeção escolar e outros relatórios de governo, bem como matérias jornalísticas, buscou-se compreender os usos estratégicos do Resumo Escolar como dispositivo pedagógico que conferia materialidade à disseminação dos princípios que orientaram a reforma escolanovista no Espírito Santo.
Para tanto, partiu-se do pressuposto de que, como argumenta Catani (1996), os impressos escolares oportunizam o acesso a questões de ordem didático-pedagógica, dentre outros temas que pautam a formação de professores em serviço, e a dinâmica da vida escolar. Ou, ainda, possibilitam conhecer “[...] lutas por legitimidade, que se travam no campo educacional, [vis-a-vis a] participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam a instaurar as práticas exemplares” (Catani, 1996, p. 117).
O Resumo Escolar como dispositivo material: constituição e destinação
Em entrevista concedida por Attilio Vivacqua à revista paulista A Platea, em 1928, e reproduzida alguns dias depois no jornal Diario da Manhã8, encontrou-se, pela primeira vez, uma referência à criação do Resumo Escolar. De acordo com o entrevistado, a princípio, pretendia-se que o periódico fosse distribuído semanalmente, de modo a atingir a todos os alunos e alunas de cada escola, e que contivesse, “[...] em synthese, o que de mais importante se passou no paiz e no estrangeiro. Feito em linguagem simples, ao alcance das mentalidades novas, o nosso Resumo irá enraizar no espírito infantil uma noção exacta e consciente de nacionalismo e de humanidade” (Brilhante..., 1928, p. 1). Na edição de maio de 1929 da revista Vida Capichaba, acrescentava-se isto sobre a organização e conteúdo do Resumo: “Está dividido em diversas secções, nas quaes se estuda, com termos fáceis e desataviados, o momento social e intelectual do mundo, do Brasil e do Espirito Santo, especialmente” (O Resumo, 1929, p. 59).
Nessa linha de pensamento, a reportagem dos fatos apresentada pelo Resumo Escolar associava-se ao ideário reformador, que almejava difundir, nas escolas e na sociedade, o ideal do “[...] homem novo, conduzindo uma personalidade mais representativa da tumultuosa phase de progresso industrial por que têm passado todos os povos civilizados depois da grande tormenta [referência à I Guerra Mundial]” (A Escola..., 1929, p. 8). Tratava-se de integrar o Espírito Santo às conquistas da modernidade industrial (Simões & Berto, 2017), incorporando-o “[...] ao quadro em que o Brasil projecta, no mundo, toda a sua grandeza” (A Escola..., 1929, p. 8). Em linhas gerais, observa-se que esse quadro de modernização ungia o propósito da “inovação cultural”, francamente associada à ideia de atualização e à conexão com os avanços da ciência e da técnica.
Propunha-se, portanto, que as instituições escolares fossem aparelhadas para refletir “[...] uma mentalidade mais objectiva e radiosa [que] passou a exprimir, em todo o mundo, o gênio forte e saudável” (A Escola..., 1929, p. 8) do novo homem surgido no contexto pós-guerra. Dessa maneira, “[...] como era natural creou-se uma ‘nova pedagogia’ para educal-o convenientemente, plasmal-o de accordo com o dynamismo da vida moderna” (A Escola..., 1929). Segundo a lógica dos reformadores, ainda que a escola ativa fosse insuficiente para atender às complexas necessidades educativas do homem moderno, representava “[...] sem duvida, a mais avançada conquista dessa pedagogia” (A Escola..., 1929, p. 8). Almejava-se, assim, que a publicação do Resumo Escolar promovesse a atualização docente “[...] de acordo com os novos methodos de ensino adoptados pela Secretaria da Instrucção [...]” (O Resumo Escolar, 1929, p. 1).
Nesse contexto, o secretário Vivacqua identificava a escola ativa como “[...] directriz pedagogica [cuja finalidade seria] despertar a iniciativa e interpretar a espontaneidade do alumno” (A Escola..., 1929, p. 8). Para tanto, caberia a cada professor organizar o “seu methodo de ensino” de acordo “com a sua intelligencia”, de maneira a conduzir e orientar os estudantes no processo de sistematização dos conhecimentos adquiridos “por iniciativa propria” (A Escola..., 1929, p. 9).
Como parte desse propósito, concebeu-se, na experiência capixaba, uma publicação escolar totalmente produzida de fora para dentro das escolas nas quais circularia. Além de propagar notícias do Brasil e do mundo, o impresso objetivava ampliar o alcance da “[...] intensa propaganda das directrizes e processos da educação activa” (Aguiar, 1929, p. 86). A estratégia utilizada nesse sentido deveria ser compatível com o limite orçamentário para a educação, bem como com as precárias condições das escolas, a fragilidade da formação docente e a dificuldade de acesso à maioria das instituições, dificuldades descritas pelos inspetores escolares nos relatórios apresentados à Secretaria da Instrução9.
Como parte dessa estratégia, além de veicular “inovações pedagógicas”, o Resumo Escolar constituiria um dispositivo importante para a atualização de professores em serviço, segundo as diretrizes da reforma educacional em curso (Vivacqua, 1930a). A criação do impresso, em 1929, somava-se a uma estratégia preparatória dirigida a um conjunto de mais de 800 professores que atuavam em escolas primárias estaduais, situadas, em sua maioria, no interior do estado. O Espírito Santo, embora pequeno em extensão, mostrava-se diverso do ponto de vista da geografia, do clima e da composição populacional, por isso o atendimento da população se dava por meio de escolas rurais, escolas de imigrantes e escolas urbanas. Entretanto, a ausência de informações disponíveis com relação à tiragem estabelecida para cada número e ao curto ciclo de vida da publicação não permite aquilatar o alcance da sua distribuição no âmbito das escolas locais até 193010.
Em traços gerais, a ilustração da capa do quinto número do jornal (Figura 1)11, publicado em julho de 1929, sintetiza o que poderíamos chamar de inspirações ou elementos de uma escola ativa capixaba. Nessa ilustração, identificamos: representações geográficas, políticas, religiosas, culturais e econômicas relativas ao Espírito Santo (mapa, brasão, Convento da Penha, montanhas, trabalho, produção agrícola e o mar, juntamente com galhos de café - principal produto local); símbolos da modernidade científica (avião, torres de transmissão elétrica, microscópio); e símbolos da produção de conhecimento (livro e pena).
Para os editores, o Resumo Escolar deveria se configurar, antes de tudo, como um instrumento de apoio didático, com a finalidade de orientar o funcionamento das instituições escolares no contexto da reforma instituída. Nessa perspectiva, as matérias contemplavam, ao mesmo tempo, questões do método de ensino e daquilo que os editores entendiam como “integração cultural”, demandando aos professores que tornassem “[...] obrigatoria a [...] leitura [do impresso] em classe, explicando a seus alumnos a natureza e a significação de todos os factos nelle contidos” (O Resumo..., 1929, p. 1).
Em geral, os assuntos abordados distribuíam-se nas seguintes nove seções recorrentes: Editorial, Vida Internacional, Descobrimentos, Vida Brasileira, Inventos, Curiosidades, Grandes Figuras Humanas e Instrucções ao Professorado. Além disso, dados sobre o ensino público no Brasil e no Espírito Santo, iniciativas do governo e informações avulsas sobre o estado ocupavam espaços no miolo e nas quartas capas do periódico.
Sobre o uso a ser feito nas escolas, a orientação que abria o primeiro número não poderia ser mais direta: “Cada acontecimento da vida internacional, brasileira e espirito-santense, deverá ser estudado habilmente pelo professor, que analysará, de accordo com as instrucções da Secretaria, em linguagem simples e clara, os seus mais importantes aspectos [...] (O Resumo..., 1929, p. 1, grifo nosso). Aos docentes, caberia a tarefa de despertar o interesse infantil pela leitura obrigatória do periódico, compondo “[...] um interessante exercício recreativo, embora com efficientes e formosos objetivos educacionaes. O dia da sua leitura deverá ser tido pelos alumnos, como um agradavel acontecimento escolar” (O Resumo..., 1929, p. 1).
Os textos publicados apresentavam, “em analyses rapidas”, questões como “[...] as agitações da vida contemporanea, as conquistas do progresso, o trabalho da sciencia, o heroismo, as descobertas scientificas, as invenções, o movimento social dos povos e tudo o que occorrer, de importancia, na existencia mundial e brasileira” (O Resumo..., 1929, p. 1). Considerando a complexidade desses temas e tendo em vista os propósitos da educação das crianças e as condições do ensino escolar descritas nos relatórios de inspeção da Instrução Pública, pode-se conjecturar que, mesmo um professor ativo, moderno e cheio de iniciativas, mas com parcos recursos além da matéria impressa, teria grande dificuldade em tornar “interessantes e recreativos” textos sobre temáticas duras, geralmente descoladas do mundo infantil, sem perder de vista o cumprimento de objetivos educacionais “eficientes e formosos”.
Em síntese, esperava-se que os professores planejassem e executassem o ensino de modo a motivar as crianças (e a si mesmos, queremos crer) a partir da leitura obrigatória de matérias reproduzidas de outros impressos. Dentre eles estava o jornal Diario da Manhã, órgão oficial do governo, visivelmente ocupado com a propaganda política, além de textos nem sempre referenciados e certamente incompatíveis com objetivos pedagógicos desenhados para atender aos interesses do ensino, sobretudo, em se tratando da educação das crianças. Seria essa uma missão (im)possível? Como realizar a leitura recreativo-educacional dos temas, divididos por seções, associando-os à vida dos alunos?
Na Seção “Vida Internacional”, por exemplo, encontramos temas como: a “Questão Romana” (avaliada como hábil conquista diplomática de Mussolini); “A revolução mexicana” (a expectativa pela batalha definitiva entre as forças federais e os rebeldes); e o “Barbeiro de Sevilha” (performance de Bidu Sayão no Theatro Real da Opera de Roma). Além dessas temáticas, também foram identificadas matérias sobre: o Vaticano e o Papa, o concurso Miss Universo, as descobertas arqueológicas, os descobrimentos polares e o aniversário da independência norte-americana.
Para tratar de temas nacionais, na seção Vida Brasileira, destacam-se: a chegada do correio aéreo a Vitória, o centenário do escritor José de Alencar, a ida da Miss Brasil aos Estados Unidos para o concurso mundial de beleza e a lembrança de datas comemorativas, especialmente as de caráter cívico. Abria-se, também, espaço para a orientação quanto aos cuidados com a saúde (prevenção da febre amarela, por exemplo) ou com relação à preservação das matas brasileiras, além de pronunciamentos do presidente da República e de ministros de Estado. Eventualmente, temas de interesse geral apareciam relacionados com assuntos locais, como é o caso da criação do Serviço Florestal pelo governo, para fiscalizar as matas do Espírito Santo, e a Bolsa do Café, criada para incentivar a economia cafeeira. Além dos temas gerais sobre a vida brasileira, essa seção contemplava textos associados à educação: a Escola Ativa como política educacional em processo de implantação; referências ao Curso Superior de Cultura Pedagógica, de acordo com os métodos da escola ativa; e a programação proposta para a Semana de Educação, que se realizaria naquele ano de 1929 em todo o estado.
Finalmente, na seção “Curiosidades”, figuravam temáticas arrojadas, envolvendo viagens e invenções para o aperfeiçoamento da vida humana, a exemplo das matérias “O aproveitamento do calor do Sol”, “Viagem à Lua” e “Navegação interplanetária”.
Portanto, na análise dos temas abordados pelo Resumo Escolar, assim como dos modos de apresentação do conteúdo, imediatamente duas questões nos pareceram relevantes: a quais estudantes se endereçavam as matérias publicadas? Qual o perfil do professorado responsável pela exploração didática dos temas tratados? Como serão argumentadas a seguir, as respostas a essas perguntas remetem às condições para o exercício da profissão docente em escolas públicas do Espírito Santo no contexto de implantação da escola ativa, ao final da década de 1920.
O Resumo Escolar como dispositivo para a formação de professores em serviço, no contexto de implantação da escola ativa
Nas estratégias formuladas pelos reformadores do ensino no Espírito Santo, um fio condutor orientava a publicação do Resumo Escolar e a sua ampla divulgação em ambientes escolares: a “instrução” de professores/as em serviço. Dessa maneira, embora anunciado como “[...] um jornal de creanças” (O Resumo..., 1928, p. 1), o universo infantil não constituía o principal foco das escolhas e das abordagens editoriais e temáticas. Por outro lado, recomendava-se, por exemplo, que trechos retirados de relatórios de governo, documentos legislativos, regimentos e jornais, fossem estudados e diligentemente apresentados em sala de aula, de modo a tornar as leituras atrativas para os alunos.
Conforme anunciado na ocasião do lançamento, além de registrar acontecimentos importantes em linguagem clara e atraente, tratava-se de “[...] um jornal de creanças, organizado, porém, com altos propositos didacticos e com uma perfeita e radiosa comprehensão dos ideiaes do ensino moderno” (O Resumo..., 1928, p. 1). Consequentemente, as orientações aos professores ocupavam um lugar de destaque na composição do impresso, na expectativa de que levassem a esse grupo os novos métodos de ensino a serem adotados nas escolas.
Desenhava-se, dessa maneira, o endereçamento ao magistério de um número significativo de matérias de cunho didático-pedagógico que ocupavam espaço nos editoriais e nas seções diversas, além de comporem uma seção específica, intitulada “Instruções ao Professorado”, disposta sempre ao final de cada edição. Por meio dessa seção, pretendia-se fazer chegar aos docentes elementos da inovação pedagógica orientada pelos princípios escolanovistas. Para analisar os textos contendo orientações didático-pedagógicas dirigidas aos professores que atuavam em escolas públicas, considerou-se que
[...] os materiais impressos deixam ler as marcas de usos prescritos e destinatários visados. Fornecem indícios sobre as práticas escolares que se formalizam nos seus usos, mas têm o seu peso documental fortemente demarcado por sua relação com as estratégias de que são produto. O que significa dizer que as informações que fornecem sobre as práticas escolares são mediadas por sua configuração como produto daquelas estratégias (Carvalho, 1998, p. 4-5).
Entre as orientações aos professores, foram encontradas matérias sobre a higiene, alimentação, saúde e ensino da música. Divulgou-se, por exemplo, o conteúdo de uma palestra proferida por Carlos Alberto Gomes Cardim, trazido ao Espírito Santo para organizar os Orpheons Escolares12. Nessa palestra, técnicas para a condução do ensino da música nas escolas, segundo o método analítico, foram apresentadas aos professores, concluindo-se que:
Com a orientação da escola activa que se vêm applicando, serão explicados os compassos compostos, a tonalidade, as escalas, os grupos alterados, os signaes de expressão, as syncopas, os ornamentos, os andamentos e enfim, tudo o que diz respeito aos rudimentos de musica que, por este meio, serão bem comprehendidos e acolhidos pelos alumnos com muito interesse e inteira satisfação (O Ensino… 1929, p. 8).
Há, também, modelos de regimento e instruções para a criação de Associações de Pais e Professores, além de orientações para criação de pelotões de escoteiros no estado, o que só poderia ser feito por um instrutor que fosse habilitado dentro das exigências da Secretaria da Instrução (O Escotismo, 1929).
No segundo número do jornal, publicado em 1º de maio de 1929, as instruções aos professores sobre o método Decroly fazem referência ao “ensino da vida pela vida”. As orientações aparecem em diversos documentos produzidos durante a reforma do ensino, especialmente, a partir da leitura de Adolphe Ferrière, recorrentemente citado nos relatórios de Attilio Vivacqua. Ferrière, no livro A lei biogenética e a escola activa (1929)13, elogiava os resultados do programa de ensino adotado por Decroly, recomendando a sua divulgação: “A nosso ver, nenhum outro sabe tão bem harmonizar, de melhor maneira, a theoria com a pratica, secundar a natureza infantil e preparar a criança para a vida” (Ferrière, 1929, p. 59).
Nesse sentido, formulavam-se “ideias” e “considerações” que deveriam orientar professores e professoras na adaptação do método em sala de aula, postulando-se a aprendizagem ativa com base em três operações: a observação, a associação e a expressão (Considerações..., 1929). No quesito “observação”, que poderia acontecer dentro ou fora da sala de aula, caberia ao professor proporcionar ao aluno o “contato directo com a realidade”, visando à sua compreensão. O texto aponta para uma realidade “[...] concreta, podendo ser medida, vista, sentida, como por exemplo a casa da escola, ou [...] abstracta, podendo ser analysada, estudada, discutida, como, por exemplo, a escola em si” (Considerações..., 1929, p. 6). Pretendia-se, dessa maneira, provocar na criança em fase de aprendizagem “[...] a sua curiosidade, o seu interesse, a sua ansia de compreender, a disciplina denominada lição de cousas” [...] (Considerações..., 1929, p. 6, grifo do autor).
Para além da sala de aula, incentivam-se visitas ou excursões a fábricas, jardins, praças e institutos científicos, ainda que as primeiras e os últimos fossem especialmente raros no Espírito Santo à época, mesmo na capital do estado. Em versão menos apartada das condições objetivas da escolarização em diferentes municípios, recomenda-se que a observação considere:
O menino e as suas necessidades e meio ambiente dividido em: - o menino e a familia, o menino e a escola, o menino e a sociedade, o menino e os animaes, o menino e os vegetaes, o menino e a terra (agua, ar e terras), o menino e o Sol, a Lua e as estrellas. Em seguida: a alimentação, a necessidade de lutar contra as inclemencias, a defesa contra os perigos e o trabalho solidário (Considerações..., 1929, p. 6).
Quanto à “associação de ideias”, ela consistiria em provocar conexões entre fatos ou objetos observados em sala de aula e experiências de vida dos estudantes. Procurava-se abarcar “[...] tudo que cerca as creanças no meio em que vivem, tanto na escola quanto na rua e nos seus lares” (A Escola..., 1929, p. 10). Argumentava-se que quaisquer fatos, objetos ou realidades “[...] dos quaes se faça uma habil associação das ideas, previamente delineada pelo professor no seu caderno de preparação de lições, fornece[m] elementos seguros para o estudo activo e interessante” (Considerações..., 1929, p. 6). Como exemplo, cita-se a associação no espaço e no tempo, para o ensino de Geografia e de História, indicadas como unidades destinadas ao “[...] estudo da civilisação nacional, dentro da civilisação humana, com todos os seus aspectos geographicos, sociaes e políticos” (Considerações..., 1929, p. 6).
Por fim, adverte-se que o “[...] trabalho da associação não deve ser improvisado, salvo quando é occasional, determinado pelo imprevisto de um facto qualquer: guerra, tempestade, tremor de terra, e demais occurrencias produzidas no nosso momento de vida” (Considerações... 1929, p. 6). Em se tratando de uma “adaptação” do princípio associativo decrolyano ao ensino local, tais exemplos não deixam de ser curiosos, tendo em vista o distanciamento observado entre guerras e terremotos e as experiências de vida dos alunos.
Chegamos, assim, ao terceiro elemento adaptado, que seria a “expressão”, definida em duas dimensões: a concreta, que compreenderia, entre as atividades desenvolvidas em sala de aula, modelagem, desenho, trabalhos em papel e madeira; e a abstrata, que envolveria leitura, conversação, escrita e exercícios de redação traduzidos no ensino da língua pátria e do desenho (Considerações..., 1929).
Conforme descrito na matéria denominada Idéas sobre o preparo das lições, recomendava-se que a própria escola fosse objeto de observação pelos alunos do primeiro ano, a partir de atividades como caminhar pela sala, estudar sua localização e compreender a sua distribuição e a utilidade do espaço (Quadro 1). Em seguida, viria a comparação da instalação escolar com a casa da criança e com um edifício público. Lições sobre a finalidade da escola, a higiene e o respeito às instituições de ensino completariam o bloco curricular vinculado às associações. Em síntese, por meio da observação e da comparação de espaços domésticos com a organização e com a arquitetura de prédios que abrigavam instituições públicas, pretendia-se abordar questões de higiene em diferentes espaços de convivência social e familiar, assim como o respeito à escola como representação do público.
Lições para o 1º anno | |||
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Tema / Turma | Observação | Associação | Expressão |
A ESCOLA | “Percorrer a escola. Estudar praticamente o local em que ella está situada. Utilidade dos diversos commodos” | “Comparar com a casa que mora. Comparar com um edificio publico que já tenha visto. O fim da escola. Hygiene escolar. Como respeital-a” | “(Escripta, oral e por meio do desenho simples). A creança a caminho da Escola. A Escola. A casa em que mora. O edificio com o qual comparou a escola. A função da hygiene como defesa da saúde” |
A CLASSE | “Dimensões da sala em que funciona a classe. Numero de janellas e portas. Mobiliario” | “Utilidade das janellas. Arejamento. Breve noção da função respiratória” | “Uma peça do mobiliario da classe. Um menino estudando. As carteiras” |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Idéas... (1929, p. 10).
Nas classes escolares, a adequação de janelas, portas e mobiliário indicaria a circulação de ar necessária à salubridade dos prédios e, por extensão, das construções de uso público ou privado. Nos exercícios escolares, o que poderia expressar esse tema? “Uma peça do mobiliario da classe. Um menino estudando. As carteiras”, sugeria o texto do Resumo Escolar (1929, p. 10).
Em casa, seria necessário enfatizar os cuidados com o asseio e o vestuário que antecediam a ida para a escola, no sentido de reforçar o papel da higiene na preservação da saúde (Quadro 2). Essa indicação estava explicitada na recomendação de uma atividade de expressão na qual, por meio do desenho, as crianças pudessem representar itens e ações relativos aos cuidados com o corpo.
LIÇÕES PARA O 1º ANNO | |||
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Tema | Observação | Associação | Expressão |
ANTES DA CLASSE | “Fazer contar oral e graphicamente o que faz uma creança antes de vir para a escola” | “A ‘manhã’ no lar. Os cuidados de asseio e do vestuario antes de vir para a Escola” | “Desenho do natural: uma bacia com um jarro. A pia. Uma creança escovando os dentes, cortando as unhas, penteando-se. Expressão oral: - Deveres da creança na vida domestica” |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Considerações... (1929, p. 11).
Outro ponto focalizado no primeiro ano escolar diz respeito à produção cafeeira, que sustentava a economia local ao final da década de 192014. Nesse ponto, o ciclo apresentado é o seguinte: plantio, beneficiamento, comercialização, modos de preparo e ingestão da bebida. Tudo isso para familiarizar os estudantes com o café (produto agrícola e bebida) (Quadro 3).
LIÇÕES PARA O 1º ANNO | |||
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Tema / turma | Observação | Associação | Expressão |
CAFÉ | “Mostrar um pé de café. A machina de beneficiar. Como se faz o café. Observar os grãos de café, o moinho, a cafeteira. A acção de se moer o café. O vapor dagua. O café como producto agrícola e como bebida” | “Outra bebida que se prepara com agua fervendo. O café brasileiro. O commercio do café” | “Expressão graphica: - As ações observadas: o moinho, o grão, a chaleira. Como se toma o café. Expressão oral: - Contar como se faz o café” |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Considerações... (1929, p. 10).
Para o segundo ano, a lição é ilustrada pelo processo de transformação da lagarta em borboleta, visando à “explicação da metamorfose” e à observação dos fenômenos da natureza, associados à produção fabril de tecidos (Quadro 4). Aos alunos pedia-se que observassem esse fenômeno natural e narrassem o que viram.
LIÇÕES PARA O 2º ANNO | |||
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Tema | Observação | Associação | Expressão |
ANIMAES - BICHO DA SÊDA | “A lagarta que tece e come. Mostrar uma folha de amoreira. A chrysalida em que se transforma a lagarta. A borboleta que põe os ovos. A baba sedosa. O casulo. O fio” | “Elemento que constitue a chrysalida. Explicação da metamorphose. A vida do insecto no casulo. Como se desenrola e se tece o fio. Comparar com o fio da lã do carneiro, com o do algodão. As fabricas de tecidos. A roupa. Comparar a sêda animal como fio de bananeira (sêda vegetal). A cultura do bicho da sêda” | “Desenho das metamorphoses (o casulo, a chrysalida, a borboleta). Expressão oral: contar o facto observado” |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Considerações... (1929, p. 11).
A lição selecionada para o terceiro ano trata da utilidade dos animais para a produção da vida humana, em dimensões que abrangem desde a proteção das plantações contra insetos e a fidelidade dos cães aos seus donos até viagens a cavalo, o boi, o arado, o couro, a indústria, a carne (Instrucções..., 1929, p. 11) (Quadro 5). Após observarem os animais e os processos de transformação mediados pela ação humana, os alunos narrariam esse processo na produção de uma história que relacionasse humanos e animais caninos.
LIÇÕES PARA O 3º ANNO | |||
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Tema | Observação | Associação | Expressão |
ANIMAES AUXILIARES DO HOMEM | “Um sapo comedor de larvas. O João de Barro comedor de insectos errantes e damninhos. A casa do João de Barro. Observar um cão, um cavallo, um boi etc.” | “Os sapos e o João de Barro protegem as plantações porque se alimentam de insectos damninhos. O cão defende o seu dono e é o seu fiel amigo. A funcção do cão policial. Como o cavallo defende e presta serviços ao homem. Os esquadrões de cavallaria. A policia montada. As viagens a cavallo. Serviços prestados pelo boi. A carroça, o arado, o carro de bois. Os chifres e o couro - suas utilidades industriaes. A carne. A carne congelada. Os frigorificos. O charque, etc.” | “Expressão: desenho de um cão e de um homem a cavallo. Expressão oral: Contar a utilidade do boi, do cavallo, do sapo e do João de Barro. Uma historia com os seguintes personagens: o homem e o cão” |
Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Considerações... (1929, p. 11).
Embora a seção Instrucções ao professorado ofereça orientações didático-pedagógicas diretamente endereçadas às práticas em sala de aula, matérias publicadas em outras seções sublinham aspectos relacionados ao ensino em geral e às ideias da escola ativa em particular, direcionando modos de organização e condução das atividades escolares. Nesse sentido, o título “Instruções ao professorado” é consistente com a intenção editorial do Resumo Escolar, uma vez que instruir tanto pode significar a transmissão de conhecimentos como o ato de informar e cientificar. Professorado, por sua vez, designa a categoria profissional de quem ocupa o cargo ou função de professor. Em outras palavras, em comunicação direta com o magistério, o periódico atuava como órgão de apoio e incentivo às políticas públicas para a educação.
Sobre esses profissionais, sabe-se que, ao final da década de 1920, o magistério local era composto por 878 professores, dos quais 304 eram normalistas e 574, professores de concurso, admitidos em regime de emergência (Vivacqua, 1929), que paulatinamente seriam substituídos por docentes diplomados. Tendo em vista a lentidão observada no processo de implantação local dos grupos escolares, iniciada em 1908, esses professores trabalhavam quase exclusivamente em escolas isoladas que predominavam no Espírito Santo (Locatelli, 2012; Alencar, 2016; Novaes, 2020). Segundo relatos de inspetores de ensino, essas instituições funcionavam em espaços físicos inadequados, razão pela qual diversos municípios solicitavam a execução de reparos ou a construção de novos prédios para abrigar escolas públicas. A essas reivindicações, Vivacqua (1930b, p. 24) respondia: “[...] o governo espirito-santense vem prestando a melhor attenção”.
Via de regra, observa-se que os conteúdos dos relatórios apresentados pela Secretaria de Instrução Pública, recheados de elogios aos feitos do governo e de planos para o futuro, destoavam das avaliações dos inspetores. Em geral, as impressões dos inspetores escolares sobre as docentes que atuavam nas escolas isoladas soavam desanimadoras: “[...] não tem a minima consciencia dos seus deveres [ou têm] [...] preparo menos que mediocre” (Ribeiro, 1929, s/p); “Não está em condições de exercer o magisterio” (Malisek, 1929, s/p); “[...] é absolutamente leiga, não podendo ensinar [...]” (Gonçalves, 1929, s/p); ou, ainda, “A professora mal conhece as quatro operações; é semialphabetizada, apenas” (Costa, 1929, s/p).
Em face desse discurso de desqualificação do trabalho docente, ao abordar a reforma escolanovista, um relatório da Secretaria da Instrucção publicado no Resumo Escolar indicava a necessidade de “[…] fazer a escola activa brasileira com as modalidades peculiares a cada estado, determinadas condições econômicas e sociaes das zonas urbanas e ruraes” (Applicação…, 1929, p. 1). Em defesa da “aplicação” da pedagogia ativa no Espírito Santo, não obstante as condições precárias das escolas em geral, Attilio Vivacqua argumentava:
Com as mesmas escolas fechadas, reduzidas, pobres, podem-se fazer exercicios que respondam aos fins da educação nova, observam Mallart e Cutó (La Educación activa - pg. 104). ‘Ainda que se não disponha de logares espaçosos e apropriados ás diversas actividades da escola activa, pode-se muito bem - acrescentaram - desterrar o ensino verbalista e livresco e substituil-o pela acção vivificadora’ (Applicação… 1929, p. 2).
Na impossibilidade de negar as condições adversas da escolarização no estado, o relatório projetava a marcha gloriosa da reforma educacional em curso, ao que tudo indica, operada pela mera aplicação dos novos métodos de ensino. Nessa linha, nada parecia capaz de conter o seu otimismo:
É verdade que as escolas actuaes offerecem poucos recursos para fazerem com que as creanças encontrem moveis de actividade, objectos de interesse que as incitem a trabalhar. É, porém, relativamente fácil dotal-as de alguns elementos que suppram algumas faltas e realizar com eles uma transformação radical nos methodos em formação. Ha que introduzir-se na escola mais vida, vida do mundo exterior e vida interna das proprias creanças. Ha que conduzir os alumnos dos muros da escola para pol-os em contacto com as cousas, não com o exclusivo objecto de contemplal-as estaticos, como quando leem num livro, ou miram uma collecção de gravuras, mas para que respondam a seus desejos e aspiração e para que os movam a pensar e agir (Applicação… 1929, p. 2).
Ainda sob essa perspectiva otimista, o secretário define como tarefa principal uma renovação ideológica da escola: “Animar a organisação escolar existente do espirito novo, depois, transformal-a gradativamente segundo as conveniencias e recursos de cada caso, para finalmente, integral-a no systema de educação activa - eis a obra que estamos chamados a realizar” (Applicação… 1929, p. 2). Observa-se, por outro lado, que a minimização da precariedade existente, repetidamente apontada pelos inspetores escolares em seus relatórios, tendia a colocar um peso extra nos ombros de professores que, mesmo pedagogicamente despreparados e em condições adversas de trabalho, responderiam pela execução da reforma planejada. Nas palavras do secretário, a concretização da escola ativa “[...] não depende apenas do governo, mas do professorado, dos paes e de todos os amigos da escola” (Applicação…, 1929, p. 2). Todavia, quanto à qualificação do professorado, avaliava-se que a “Escola Normal será de certo, mais tarde, a preparadora dos elementos realizadores da Escola Nova” (Applicação…, 1929, p. 2).
Nessa equação, esperava-se que o Resumo Escolar funcionasse como um instrumento pedagógico de sustentação, disseminação e, em última análise, de “adaptação” bem-sucedida da escola ativa aos mais improváveis ambientes escolares no Espírito Santo.
Considerações finais
Ao analisar alguns Manuais de Pedagogia em circulação no Brasil, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, Carvalho (2006) destaca dois modelos de configuração material do impresso destinado ao uso de professores: a caixa de utensílios e o tratado de pedagogia. No Resumo Escolar, esses dois elementos atravessam-se mutuamente, na medida em que orientações teóricas escolanovistas ancoram adaptações práticas do método ativo que, antes de ser aplicado em sala de aula, precisava ser minimamente apresentado a um grupo heterogêneo e predominantemente leigo de professores e professoras. Isso ocorre porque, segundo a autora, compreender o impresso como caixa de utensílios significa pensar que sua organização é feita com vistas a
[...] fornecer ao professor ‘coisas para usar’ na sala de aula, compondo um programa curricular: uma poesia aqui, um canto ali, uma estorinha lá. Nessa lógica, o manual é composto como impresso cujos usos supõem regras que não necessitam de explicitação, sendo dadas como regras culturalmente compartilhadas (Carvalho, 2006, s/p).
Portanto, a lógica que orienta a produção desse tipo de material relaciona-se com o campo normativo das concepções pedagógicas que circulavam em cada momento da história, segundo as quais a “boa arte de ensinar” se pautava na “boa cópia de modelos” (Carvalho, 2006). Do mesmo modo, os códigos de leitura desse material lhes seriam externos: estariam ligados à crença no impacto renovador das novas propostas pedagógicas.
No contexto da reforma educacional produzida no Espírito Santo ao final da década de 1920, tanto o projeto editorial como os usos estratégicos do Resumo Escolar pela Secretaria da Instrução remetem-nos, inicialmente, à ideia de caixa de utensílios a ser disponibilizada aos professores, notadamente àqueles que atuavam em escolas de difícil acesso físico. As “coisas para usar”, como vimos até aqui, seriam os métodos da escola ativa, prevendo-se a sua “adaptação” às salas de aula. Nesse processo, pela diligência na aplicação do modelo prescrito, caberia ao professorado, embora frequentemente despreparado e atuando em condições precárias, pavimentar o êxito da reforma escolanovista. Em última análise, esperava-se que essa reforma promovesse a “integração cultural”, traduzida na construção de uma sociedade movida pelo progresso e pela renovação pedagógica voltada para a formação do “homem novo”.
Carvalho (1998, p. 5) afirma também que os impressos pedagógicos são capazes de revelar muito sobre as escolas e sobre os seus modos de atuação com as crianças, mas dizem “[...] muito pouco sobre os usos escolares que são feitos deles”, o que abre um hiato entre as prescrições que são dadas a ler e os usos nos ambientes escolares. Por outro lado, se utensílios, por definição, significam ferramentas com as quais se executa um ofício, acredita-se que a compreensão do Resumo Escolar como caixa de utensílios possibilita interrogar, nos espaços em branco (Ginzburg, 2002) de cada texto, dimensões do trabalho de professores e professoras capixabas no período investigado.