Introdução
O foco fundamental de uma parte dos membros do grupo de pesquisa, nos últimos oito anos, tem sido o estudo da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental, suas diferentes tendências (da Atividade, da Personalidade e da Subjetividade) e os diversos sistemas concebidos e implementados, especificamente no interior da Aprendizagem Desenvolvimental da Atividade – sistema zankoviano, Galperin-Talízina e, especialmente, o sistema Elkonin-Davidov-Repkin (PUENTES; LONGAREZI, 2013; PUENTES, 2015, 2017, 2019a,b,c; PUENTES; AMORIM; CARDOSO, 2017, 2019; PUENTES; LONGAREZI, 2017a,b; LONGAREZI; PUENTES, 2017).
As bases psicológicas, filosóficas e didáticas do sistema Elkonin-Davidov-Repkin constituíram-se a partir das teses fundamentais desenvolvidas por três de seus principais representantes, em colaboração com um grupo numeroso de cientistas e professores das cidades de Moscou, Kharkov, Kiev, Dushanbé, Tula, Ufá, Volgogrado, Tomsk, Togliatti, Taganrog, Riga e Médnoe (região de Kalinin), entre outras, tendo como base pesquisas teórico-experimentais desenvolvidas ao longo de mais de 50 anos de trabalho ininterrupto (PUENTES, 2017, 2019b).
O propósito do presente artigo não está na sistematização global do processo de gênese e consolidação da Teoria da Atividade de Estudo e nem mesmo discutir a tradução de certos conceitos russos, como, por exemplo, учебная деятельность (atividade de estudo), até porque isso já foi objeto de trabalhos anteriores (PUENTES, 2017, 2018, 2019a,b). O objetivo é estabelecer uma nova periodização com base em aspectos específicos da teoria relacionados com as transformações experimentadas, ao longo de meio século, por três de seus indicadores ou aspectos principais: conceito, conteúdo e estrutura.
Sobre a base da evolução experimentada por esses aspectos, da revisão e análise de um volume relativamente amplo de fontes originais e inéditas (cubanas, lituanas, russas e ucranianas) traduzidas por especialistas de diversas nacionalidades1 e do diálogo com a obra dos principais representantes da teoria da subjetividade (González Rey; Mitjáns Martínez, 2017), foi possível estabelecer, como principal aporte do presente artigo, três etapas no desenvolvimento da TAE (operacional, motivacional e emocional) a partir do grau de implicação dos representantes da teoria no desenvolvimento de uma concepção didática com foco, principalmente, na constituição subjetiva das crianças.
Sistematização das pesquisas sobre a Teoria da Atividade de Estudo: periodização (1959-2018)
Ao longo dessas seis décadas é possível distinguir um volume impressionante de pesquisas e trabalhos sobre a temática (até o momento foram localizados 125 trabalhos), especialmente nas décadas de 1960 e 1970, onde quase 60% do total foram publicados. Todo o trabalho realizado deu lugar ao surgimento da Atividade de Estudo como teoria central do sistema, bem como de um conjunto de teorias auxiliares (Davidov, 1995).
Com base na organização, sistematização e análise dessa extensa produção, foi possível estabelecer, ainda que de maneira provisória, uma periodização do desenvolvimento da Teoria da Atividade de Estudo. A seguir, se passa à análise de cada uma delas por separado.
As pesquisas sobre o estudo como atividade principal das crianças menores de nível fundamental (crianças entre 6 e 10/11 anos de idade), estão estreitamente relacionadas com as origens do sistema Elkonin-Davidov-Repkin, no início do curso escolar 1959/60 (PUENTES, 2017). Os trabalhos iniciais desenvolvidos por membros do Laboratório de Psicologia da Escola Primária do Instituto de Psicologia da República Soviética Russa, sob a responsabilidade de D. B. Elkonin e V. V. Davidov, tiveram nos fundamentos psicológicos não apenas uma direção, mas também seu objeto.
Os resultados mostraram que a organização radical da metodologia de aprendizagem provocava, como consequência, o aumento da eficácia e do volume do material que pode ser assimilado. A partir disso, foi possível definir, pela primeira vez, o conceito, objetivo e conteúdo da Atividade de Estudo, bem como representar a sua estrutura geral. O estudo ficou definido como aquele tipo de atividade humana na qual se garante a realização da tarefa de estudo. Como objetivo e resultado da tarefa foi estabelecida a própria modificação do sujeito da ação e como conteúdo o domínio de determinados modos de ação.
Por fim, a consideração mais detalhada desse tipo de atividade demonstrou que sua estrutura estava composta pelos seguintes componentes interligados entre si: 1) a tarefa de estudo, que pelo seu conteúdo consiste nos modos de ação a assimilar; 2) as ações de estudo, cujo resultado é a formação do modo de ação a assimilar e a execução primária do modelo didático; 3) a ação de controle, que consiste na comparação da ação executada com o modelo e; 4) a ação de avaliação do grau de cognição das alterações que aconteceram no próprio sujeito (Elkonin, 2019).
Nessa etapa inicial, é possível perceber dois aspectos importantes com relação ao desenvolvimento da Teoria da Atividade de Estudo. Em primeiro lugar, que o conteúdo da tarefa de estudo ainda estava incompleto. Em segundo, que ele ainda recebia uma forte influência das pesquisas prévias de D. B. Elkonin sobre o desenvolvimento de habilidades de leitura, nas quais o foco estava na formação dos modos de ação. Em terceiro lugar, que se destinava um papel importante à teoria de P. Ya. Galperin, mais concretamente, à parte relacionada com a formação das ações psíquicas, sobretudo, com a base orientadora da ação subsequente (a formação dos conceitos não tinha sido tomada ainda como objeto de estudo) (Davidov; Márkova, 2019).
Observa-se que a concretização do objetivo da Atividade de Estudo, que é a formação da personalidade dos alunos, e seus aspectos particulares pela via de sua autotransformação (Elkonin, 2019), limitava-se à realização da tarefa, ao domínio de determinados modos de ação e à separação independente da base orientadora da ação subsequente. Sendo assim, o desenvolvimento psíquico e da personalidade das crianças eram definidos pela capacidade delas de se implicar em uma atividade e dominar determinados modos de ação. Ao final, nenhuma variação no sujeito seria possível, de acordo com Elkonin (2019), sem as ações objetais que ele mesmo realiza.
Chama atenção, por um lado, que o foco das pesquisas realizadas sobre a temática, no interior do sistema, estava no aspecto operacional da formação da personalidade e; por outro, a escassa importância que foi concedida a trabalhos prévios (Leontiev, 1944, 1947; Rubinstein, 1946; Bozhovich; Morosova; Slavina, 1951) sobre o papel das necessidades e dos motivos na Atividade de Estudo.
Os primeiros resultados das pesquisas experimentais realizadas pelo sistema (Elkonin; Davidov, 1962) estão voltados para a análise do desenvolvimento de aspectos operacionais. As pesquisas apresentadas, nessa fase inicial de desenvolvimento da teoria, destacam, unilateralmente, o papel dos fatores externos (conteúdos escolares) no desenvolvimento das crianças. De acordo com a posição da teoria da Atividade de Estudo, o processo de interiorização das ações externas era o mecanismo fundamental de desenvolvimento psíquico e da personalidade dos estudantes no período escolar inicial, do mesmo modo como pensava P. Ya. Galperin. Rubinstein (2017) foi um dos primeiros psicólogos soviéticos a perceber esse problema e confrontar essa concepção psicológica e pedagógica.
De acordo com Rubinstein (2017), os representantes da teoria da interiorização, da qual fazem parte os idealizadores da teoria da Atividade de Estudo, sublinham unilateralmente a determinação do interno pelo externo, sem levar em consideração o condicionamento interno dessa determinação externa. Além disso, reduzem a atividade psíquica ao funcionamento de certas operações (modos de ação) incluídas em qualidades previamente dadas e o conhecimento a uma simples atividade orientadora.
E, por fim, Rubinstein (2017) toca em outro aspecto ainda mais importante: as premissas internas das operações ou dos modos de ações mentais. Segundo o autor, as faculdades matemáticas, linguísticas, etc., são apresentadas apenas como resultados da assimilação de certas operações por meio da aprendizagem, com o que se ignora a dependência inicial da aprendizagem com respeito às possibilidades de aprender, com respeito às premissas que há no sujeito da aprendizagem. Entretanto, Rubinstein, ao explicitar essas premissas internas que condicionam o processo de assimilação, apenas faz referência a uma: determinado nível de desenvolvimento psíquico, isso é, de desenvolvimento das faculdades mentais. Nada é dito em relação às necessidades, motivos e emoções como premissas da atividade de assimilação e, portanto, ao aspecto subjetivo da formação.
Anos depois, Davidov e Márkova (2019), ao analisarem os fundamentos teóricos e as etapas de desenvolvimento do conceito de Atividade de Estudo, admitem algumas das críticas que foram realizadas sobre a teoria na sua fase inicial. De acordo com os autores, os estudos prévios sobre a temática se concentravam na análise das ações de estudos (aquilo que A. N. Leontiev chamava de transição objeto-processo da atividade) e deixavam de fora a esfera motivacional do processo de aprendizagem.
De acordo com Davidov e Márkova (2019), os dados de pesquisa obtidos na etapa anterior permitiram formular novas hipóteses de trabalho para essa segunda etapa. A abordagem se voltou para a influência da elaboração e o aperfeiçoamento da Atividade de Estudo sobre o desenvolvimento não apenas intelectual, mas também moral (caráter voluntário das ações, motivação, etc.) das crianças.
O texto de referência para o início da segunda etapa na história do desenvolvimento da Teoria da Atividade de Estudo foi o artigo de Elkonin (2017) sobre a periodização do desenvolvimento psíquico na infância. Nesse trabalho, o autor alerta sobre a importância da solução da questão das forças propulsoras do desenvolvimento da criança. Citando pesquisas previas de A. N. Leontiev, A. V. Zaporozhets, A. A. Smirnov, P. I. Zinchenko e S. L. Rubinstein, Elkonin procura demonstrar a dependência entre o nível de funcionamento dos processos psíquicos e o caráter de sua inclusão em uma ou outra atividade.
Elkonin (2017) alerta também para a insuficiência essencial existente no exame do desenvolvimento psíquico da criança associado, especialmente, à carência de vínculos entre os processos de desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento da personalidade. Reconhece que o desenvolvimento da personalidade tinha sido reduzido, sem que existissem argumentos suficientes para isso, ao desenvolvimento da esfera do afetivo e das necessidades ou a motivacional e das necessidades. Afirma que, ainda quando Vigotski já tinha assinalado a necessidade de examinar o desenvolvimento dos afetos e do intelecto em unidade dinâmica, ainda no final da década de 1960 a esfera afetiva e das necessidades eram examinadas como processos com linhas independentes, que não se interceptavam mutuamente.
Sendo assim, sem conseguir resolver a questão que se formula sobre a unidade dinâmica do afetivo e do cognitivo em sua periodização,2 Elkonin abre uma janela de possibilidades importantes para a pesquisa futura das forças propulsoras do desenvolvimento psíquico das crianças na Atividade de Estudo. Lamentavelmente, ela não foi adequadamente aproveitada nem por ele e nem pelos demais representantes da teoria, e a periodização não foi jamais reformulada sobre a base de novos pressupostos psicológicos.
Pouco depois, na cidade de Kharkov, o grupo liderado por V. V. Repkin fez uma descoberta significativa para o desenvolvimento futuro da teoria. Repkin (1973, em coautoria com V. T. Dorokhina), ao perceber a dificuldade de lidar com a estrutura da Atividade de Estudo proposta por Elkonin (1961, 2019) e, em especial, com a tarefa de estudo (Elkonin; Davidov, 1966), abordou o processo de aceitação da tarefa de estudo e comprovou experimentalmente que na esmagadora maioria das vezes os objetivos estabelecidos pelos professores eram redefinidos pelos alunos. Surgiu, assim, o problema do estabelecimento de objetivos entre os alunos, ou seja, o desenvolvimento da capacidade de definir tarefas de estudo de maneira autônoma.
De acordo com Repkin e Dorokhina (Repkin; Repkina, 2007), tratando o conteúdo da tarefa de estudo de maneira nova, D. B. Elkonin e V. V. Davidov tinham aderido às visões tradicionais sobre a fonte da tarefa. Com base em A. N. Leontiev, ambos os autores acreditavam que o professor define a tarefa para o aluno, enquanto o papel dele se reduzia a aceitar de forma independente ou com a ajuda do professor a tarefa a ele atribuída. Portanto, existia o problema de elaborar as tarefas de estudo, como uma das condições mais importantes para o sucesso do sistema de aprendizagem desenvolvimental. Foram necessários anos de trabalho experimental de muitos professores que testaram diferentes versões de tarefas para crianças, a fim de entender que elas não podiam ser colocadas de fora, mas que eram resultado da própria atividade do aluno.
Em uma fase mais avançada se chegou à conclusão que o problema da absorção de um modo fundamentalmente novo de ação, na forma da pergunta como fazer, dependia do nível de conhecimentos, por parte do aluno, de uma situação-problema criada pelo professor, mas também das necessidades e motivos que estão na base do processo de elaboração interna da tarefa de estudo. Dessa maneira, Repkin e Dorokhina (1973) formulavam, assim, o novo conceito para a Atividade de Estudo: aquele tipo específico de atividade humana na qual se garante não apenas a resolução da tarefa de estudo, mas também sua determinação ou enunciado. A determinação e o enunciado da tarefa de estudo, por parte dos alunos, levavam indispensavelmente para a questão das forças propulsoras dos modos de ação: as necessidades e os motivos.
Um ano antes, Davidov (1982) tinha definido o novo conteúdo da Atividade de Estudo: a formação do pensamento, mais especificamente, de um tipo particular de pensamento – o científico-teórico contemporâneo. Os dois aspectos dos conhecimentos científicos que integravam o conteúdo da Atividade de Estudo a ser desenvolvida pelas crianças (os modos generalizados de ação e os conceitos científicos) passariam a ser identificados com o termo pensamento científico-teórico.
Aos aportes sobre conceito e conteúdo, atribuídos a V. V. Davidov e V. V. Repkin, respectivamente, somou-se a nova estrutura da Atividade de Estudo proposta por D. B. Elkonin (2019). Ela ficou integrada pelos seguintes componentes: 1) os motivos cognitivos de estudo; 2) a tarefa de estudo e as operações de estudo que compõem essa tarefa; 3) o controle; e 4) a avaliação. O componente principal da estrutura de Atividade de Estudo continuou a ser a tarefa de Estudo e seu conteúdo operacional. Os outros componentes foram definidos como complementares (Elkonin, 2019, p. 250). O teor desse texto marca um momento relevante na evolução das pesquisas sobre Teoria da Atividade de Estudo porque expressa, pela primeira vez, o aspecto mais característico dessa segunda etapa: o foco nas necessidades e motivos como premissas do desenvolvimento da criança.
Ficaria assim definido que o desenvolvimento psíquico da criança seria um processo motivado. Então, o foco do sistema didático passou da formação dos modos generalizados de ação, ou das operações mentais, para a formação dos motivos que levam a criança à formação desses modos ou operações. Tal e como reconhecem Davidov e Márkova (2019), a preocupação, em relação à formação da Atividade de Estudo nas crianças, foi transferida da análise do processo de transição objeto-processo da atividade para o processo de transição atividade-produto subjetivo da atividade.
Outros dois aspectos importantes da estrutura da Atividade de Estudo elaborada por Elkonin foram, por um lado, o modo como o novo componente estabelecido passou a aproximar, ainda mais, a estrutura da Atividade de Estudo da estrutura geral da atividade psicológica formulada por A. N. Leontiev (1947; 1985): necessidade, motivo, ações, operações, condições, meios e resultados (Leontiev, 1985). Pelo outro, a maneira como a nova estrutura da Atividade de Estudo influenciou as pesquisas futuras sobre a temática.
Repkin (1976a, 1976b), em pesquisas sobre o conceito e a estrutura da Atividade de Estudo, além de analisar, de forma profunda e didática, a função social desse tipo específico de atividade humana, as suas diferenças com a atividade produtiva (trabalho) e com a cognitiva (teórica, pesquisa), abordou a sua estrutura psicológica interna (alguns dos componentes) a partir dos pressupostos teóricos estabelecidos por A. N. Leontiev sobre a estrutura geral da atividade psicológica (Leontiev, 1972a, 1972b).
Na primeira pesquisa, Repkin (1976a) discutiu: 1) o caráter objetivo da Atividade de Estudo (qualquer atividade responde a uma determinada necessidade do sujeito); 2) seu objeto (as formas socialmente elaboradas de realização das ações práticas e teóricas, isso é, os conhecimentos científicos, como o produto substancial ou ideal, em prol do qual a atividade é realizada e que incentiva o sujeito à atividade); 3) o motivo, que representa a forma como o objeto é posto ao homem (esse objeto é submetido à realização como um objetivo que deve ser atingido).
No segundo artigo, Repkin (1976b), inspirado na proposta anterior formulada por Elkonin (2019), propõe mais uma nova estrutura da Atividade de Estudo integrada pelos seguintes elementos funcionais: 1) A atualização do interesse cognitivo-teórico presente; 2) A definição do motivo-meta de estudo final; 3) A definição preliminar do sistema de metas intermediárias e das formas de seu alcance; 4) A execução do sistema de ações de estudo próprias, cujo lugar central é ocupado pela transformação específica do objeto e a construção de seu modelo; 5) As ações de controle; 6) As ações de avaliação. Repkin mantém todos os componentes propostos por Elkonin e introduz mais dois: o primeiro, prévio ao motivo; o outro, ao dividir o motivo em motivo-meta final de estudo e em sistema de metas intermediárias. Dessa maneira, estabelece certa distinção, por um lado, entre o interesse cognitivo e o motivo; pelo outro, entre as metas globais (motivo-meta final de estudo) e as metas intermediárias.
Em razão dessa virada teórica das operações mentais para os motivos, iniciou-se um processo de revisão e crítica da teoria de Galperin sobre a formação por etapas das ações mentais e dos conceitos, cujo foco fundamental estava na formação das operações mentais. O primeiro a iniciar esse movimento foi o próprio A. N. Leontiev (1974, 1980). Depois de reconhecer o nível de detalhamento das pesquisas de Galperin sobre o processo de interiorização e, simultaneamente, de uma concepção sobre a base de orientação das ações, sobre suas peculiaridades e tipos de aprendizagem que corresponde a base orientadora, adverte que o problema ao qual se têm dedicado essas pesquisas estava relacionado com a formação não espontânea, com um objetivo fixo, de processos mentais segundo matrizes colocados desde fora. Com isso, os trabalhos se focaram na realização de ações e não no estudo da origem dessas ações, no processo de transformação e motivação da atividade.
De acordo com Leontiev (1980), a consciência, como forma de reflexo psíquico, não podia ser reduzida ao funcionamento de significações aprendidas desde fora, que, uma vez generalizadas, conduzem a atividade externa e interna do sujeito.
Na década de 1980, as críticas a Galperin diminuíram. Os anos que seguem, até o final dessa segunda etapa, foram dominados, predominantemente, pelos trabalhos sobre Atividade de Estudo escritos por V.V. Davidov, sozinho ou em parceria com colaboradores do Grupo de Moscou. Metade, praticamente, de todas as publicações localizadas nesse período (13 de 30) é de sua autoria (1980, 1981, 1982, 1987, 1986, 1988, 1991, 1991, 1996, 1996). Sobressai também o número de reformulações que sofreram, a partir das pesquisas realizadas por Davidov e seus colaboradores, tanto o conteúdo como a estrutura dessa atividade.
A formulação do conteúdo da Atividade de Estudo chegou, nessa etapa, a seu nível mais elevado de elaboração e especificação teórica. Inicialmente, tinha sido definido como a assimilação apenas dos modos de ação; depois, dos modos generalizados de ação e dos conceitos científicos (o pensamento teórico); por fim, a “assimilação dos modos generalizados de ação na esfera dos conceitos científicos e as mudanças qualitativas no desenvolvimento psíquico da criança que acontecem sobre essa base.” (Davidov; Márkova, 2019, p. 324). Dessa maneira, o produto final da Atividade de Estudo, isso é, a transformação do aluno, passava a integrar também o conteúdo dessa atividade. Entretanto, nada se diz a respeito do desenvolvimento da personalidade.
O texto de Davidov e Márkova (2019) também retoma a estrutura da Atividade de Estudo ao discutir seus componentes integrantes de acordo com o entendimento dos autores (a saber: a tarefa de estudo; as ações de estudo; as ações de controle; as ações de avaliação). Contudo, a maior reformulação experimentada pela estrutura da Atividade de Estudo foi proposta por Davidov (1988). O aspecto relevante a ser ressaltado tem relação com a especificidade dos componentes estruturais da Atividade de Estudo, que propõe: 1) as necessidades; 2) os motivos; 3) as tarefas; 4) as ações; 5) as operações, bem como com a definição que faz de alguns deles.
De acordo com Davidov (1988), as necessidades, como premissas para o estudo, originam-se já nas crianças maiores da pré-escola durante o processo de desenvolvimento da atividade da brincadeira, junto com a formação da imaginação e a função simbólica. A brincadeira estimula a formação dos interesses cognitivos. A entrada na escola favorece a criança passar ao cumprimento da Atividade de Estudo, a qual oferece um rico material para satisfazer seus interesses cognoscitivos. Esses interesses agem como premissas psicológicas para que na criança surja a necessidade de assimilar conhecimentos teóricos. Contudo, essa necessidade emerge no próprio processo real de assimilação dos conhecimentos.
Esse texto de Davidov também é importante porque, pela primeira vez, explicita, no interior da Teoria da Atividade de Estudo, tanto a especificidade das necessidades quanto dos motivos, a partir da concepção defendida por Leontiev (Cf. 1975) sobre atividade psicológica. Enquanto as necessidades se correspondem com determinada atividade, os motivos se correspondem com as ações. Os motivos, por sua vez, impulsionam as crianças para assimilar os modos de ação de reprodução dos conhecimentos teóricos (necessidade). Assim, a necessidade da Atividade de Estudo estimula a assimilação dos conhecimentos teóricos; enquanto que os motivos estimulam a assimilação dos modos de ação que reproduzem esses conhecimentos por intermédio das ações de estudo encaminhadas a resolver a tarefa de estudo.
Contudo, há cinco aspectos que precisam ser destacados com relação ao tratamento concedido às necessidades e aos motivos como premissas do desenvolvimento da criança. Em primeiro lugar, os motivos do desenvolvimento psíquico foram reduzidos a interesses cognitivos, portanto, à relação direta, linear, mediata e determinista entre criança-objeto (conteúdo de estudo) e o propósito era descobrir o que havia por trás da inclinação da criança com respeito a um objeto determinado. Em segundo lugar, ignorou-se tudo demais que de igual modo incita a atividade da criança (a adoção de uma resolução, o sentido do dever e da necessidade, etc.) (Bozhovich, 1971). Em terceiro lugar, importou estudar a influência do motivo, como tal, sobre a atividade das crianças ou sobre o curso de seus processos psíquicos, mas se ignorou, como objeto da pesquisa, o próprio motivo, seu nascimento e seu desenvolvimento, suas modificações e sua ampliação por idades (Bozhovich, 1971). Em quarto lugar, permaneceram sem explicação as transições de necessidades e motivos da atividade a outros (Elkonin, 2017). Por fim, em quinto lugar, o motivo foi tratado como se fosse uma função específica a mais, e não como uma qualidade intrínseca à subjetividade (González Rey; Mitjáns Martínez, 2017a). A esse respeito González Rey e Mitjáns Martínez (2017a, p. 11) afirmam que “a motivação é parte essencial e definitiva do subjetivo; é a característica principal do sistema subjetivo que é sempre um sistema motivado. Partindo desse princípio, o processo de desenvolvimento sempre tem caráter motivado.”
Aliás, os próprios representantes da Teoria da Atividade de Estudos tiveram noção de algumas dessas limitações. Mais uma vez, Davidov (2019), ao fazer referência ao processo de formação da Atividade de Estudo, advertiu para a urgência de examinar mais profundamente a singularidade do sujeito. Reconheceu que o sujeito da Atividade de Estudo tem necessidades e motivos para a execução de ações de estudo, mas, “infelizmente, as necessidades e a esfera motivacional do sujeito dessa atividade foram pouco estudadas [...] Para revelar leis internas dessa esfera, é necessário usar os meios próprios de pesquisa experimental e do experimento formativo.” (Davidov, 1996, p. 227).
Lamentavelmente, essas e outras questões relacionadas com a teoria ficaram em aberto e só encontrariam tratamento, ainda que de maneira enunciativa, na próxima etapa. Outro exemplo específico foi a abordagem recebida, nessa segunda etapa, pelos conceitos de sujeito e personalidade, e o lugar que na constituição dessa última foi atribuído ao conceito de criatividade.
3- Teoria da Atividade de Estudo: etapa emocional (1997-2018)
Davidov tinha sido o último a abordar a questão sobre a escassez de estudos que revelassem as leis internas das necessidades e da esfera motivacional da Atividade de Estudo do sujeito. Agora, era o primeiro a procurar explicar teoricamente as fontes ou forças propulsoras do nascimento e desenvolvimento dessas necessidades e motivos. Davidov (1998) encontrou nas emoções a saída para esse obstáculo, pois até então não havia consciência do lugar que as emoções ocupavam na formação das premissas dessa atividade (necessidades e motivos), muito menos na Atividade de Estudo, bem como sua relação com os processos simbólicos (pensamento teórico, imaginação e memória).
Ao mencionar o problema da falta de unidade entre os processos cognitivos e emocionais na teoria da atividade em geral, Davidov (1998) contribuiu com mais um aspecto: a elaboração de uma nova abordagem para o entendimento da estrutura e conteúdo dessa atividade. Quando adotou a estrutura psicológica da atividade geral proposta por Leontiev (1975) – as necessidades, motivos, tarefas, ações e operações –, questiona-se o fato de Leontiev ignorar os desejos como um elemento a mais dessa estrutura. Segundo Davidov (1998), uma abordagem interdisciplinar da estrutura da atividade, o que era metodologicamente indispensável, levaria a considerar o desejo como um componente essencial dela. Ao final de contas, segundo Davidov, o desejo era o núcleo básico da necessidade. A questão estava em descobrir como o desejo se transforma em uma necessidade natural da pessoa (Davidov, 1988, p. 9).
Por fim, Davidov (1998) estabeleceu uma nova estrutura psicológica da atividade e seus componentes principais: desejos, necessidades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações, meios usados para executar ações, planos da cognição (percepção, memória, pensamento, imaginação e criatividade) e vontade (a atenção como controle). Além disso, definiu o núcleo central dessa estrutura ao afirmar que seu componente mais importante não era nem o reflexo, nem o pensamento e nem a própria tarefa (considerada a unidade de análise da atividade), mas a esfera das necessidades e das emoções.
Do ponto de vista do objeto que nos ocupa no presente texto, a relevância fundamental desse artigo de Davidov (1997) está, de acordo com González Rey (2011), no fato de ter elevado essa temática para um patamar científico nunca antes atingido no interior da teoria da atividade. Com isso, superou as teses fundamentais de Leontiev ao introduzir o estudo das emoções e da unidade do cognitivo-emocional sem recorrer a nenhum dos recursos teóricos empregados por ele.
O texto de Davidov (1998) foi, de fato, uma resposta à crítica que a teoria da atividade e o sistema de aprendizagem desenvolvimental recebiam pelo intelectualismo cognitivo que os caracterizava. A afirmação de que “as emoções são mais importantes do que o pensamento” (Davidov, 1998, p. 12) pode soar estranha vinda de um autor que considerava, até muito pouco tempo atrás, que a escola deveria ser o lugar onde os estudantes deviam aprender a pensar; mas, na verdade, constitui uma prova de que, na época, Davidov prestava grande atenção, além da formação do pensamento teórico, à intuição, bem como às emoções e aos sentimentos (Zinchenko, 2011).
Com a introdução do estudo das emoções e da unidade do cognitivo-emocional, Davidov (1998) não só superou as teses fundamentais de Leontiev, mas resgatou também esse aspecto importante da última fase da obra de Vigotski totalmente ignorado pelos representantes da teoria da atividade. Contudo, Davidov, como Vigotski, mesmo declarando a unidade do cognitivo e o afetivo, não conseguiu desenvolvê-la nessa fase final de sua vida. Nem sequer chegou a atingir o nível que Vigotski atingiu sobre a compreensão mais sistêmica da psique e que chegou depois a seu patamar mais alto com a Teoria da Subjetividade (González Rey; Mitjáns Martínez, 2017b).
A inclusão, por parte de Davidov, da categoria desejo não passou de um recurso comum na psicologia comportamental-descritiva que era o de usar uma categoria concreta para tentar dar conta da gênese de um fenômeno, sem por isso considerar o sistema no interior do qual esse fenômeno se gera (González Rey, 2011). Esse sistema da subjetividade humana considera o caráter gerador do sujeito na unidade do simbólico-emocional.
Davidov, usando a mesma fórmula empregada por Elkonin para explicar a origem das operações, apelando para as necessidades e motivos, tentou justificar a gênese dessas necessidades e motivos, recorrendo para os desejos e emoções. Contudo, não conseguiu explicar a fonte dos próprios desejos e emoções. Não teria conseguido a partir do sistema no interior do qual procurou explicar esses fenômenos, a não ser apelando para novas categorias concretas. Por essa via só teria conseguido uma coisa: gerar um ciclo interminável e infinito de explicações comportamentais e descritivas a partir de novas categorias objetivas.
Agora, pior do que Davidov não ter conseguido superar esse sistema teórico, foi o fato da teoria Atividade de Estudo não ter se beneficiado das importantes contribuições desse autor com relação à estrutura geral da atividade psicológica e nem ter procurado superar as limitações de seu principal representante. Com outras palavras, por mais que as pesquisas teóricas tenham progredido nessa etapa, no que diz respeito à estrutura da Atividade de Estudo, o fizeram do ponto de vista meramente cognitivo, isso é, puramente processual, ignorando-se com isso novamente o tema da emoção, para retornar aos patamares da primeira etapa. A queda e desintegração da antiga União Soviética, unida à morte repentina de Davidov (1998), podem ter ajudado a se estabelecer um ambiente no qual o sistema Elkonin-Davidov-Repkin, a Aprendizagem Desenvolvimental e a própria teoria da Atividade de Estudo passassem a ser paulatinamente abandonados. Eles, se não se encerraram de maneira definitiva com a morte de Davidov, entraram em estado de convalescência do qual só sairiam apenas de maneira relativa e tímida, com os trabalhos do único grande representante em atividade: V. V. Repkin (em colaboração com a sua filha Natalya V. Repkina). Assim, chama a atenção o silêncio que se estabeleceu no interior do sistema em relação ao texto clássico de Davidov (1998).
Algumas considerações finais
A Teoria da Atividade de Estudo pode ser considerada, sem lugar a dúvidas, a maior contribuição psicológica, pedagógica, didática e metodológica efetuada no interior da concepção de Aprendizagem Desenvolvimental concebida e implementada como parte do enfoque cultural-histórico da psicologia, a partir da segunda metade da década de 1950, na ex-União Soviética. Esse é também o maior aporte teórico e metodológico do sistema Elkonin-Davidov-Repkin para a educação escolar nos níveis iniciais da educação fundamental;
O foco fundamental da Teoria da Atividade de Estudo sempre esteve, em maior ou menor proporção, na análise do papel da tarefa de estudo e dos conteúdos curriculares no processo de autotransformação das crianças pela via do desenvolvimento do pensamento teórico (modos generalizados de ação e conceitos científicos);
Com base nesse objetivo, a Teoria da Atividade de Estudo atravessou um longo processo de desenvolvimento no qual se fazem visíveis, pelo menos, três etapas ou fases: operacional, motivacional e emocional. Essas etapas estão estreitamente relacionadas à evolução experimentada pelo conceito, conteúdo e estrutura da própria Atividade de Estudo ao longo de quase cinco décadas de constituição teórica e metodológica;
Na etapa operacional, o papel e lugar fundamental, no processo de autotransformação das crianças, foram colocados única e exclusivamente no domínio de operações psíquicas, a partir de ações externas com objetos que deviam ser interiorizados (a passagem da ação externa para a ação interna), e no desenvolvimento da base orientadora da ação subsequente. O foco estava na chamada transição objeto-processo da atividade. O processo de autotransformação da criança apenas previa o desenvolvimento psíquico do sujeito, ainda quando de algum modo se fazia enorme referência também à personalidade;
Na etapa motivacional, o papel e lugar fundamental no processo de autotransformação foram transferidos das operações psíquicas para suas forças motrizes: necessidades e motivos. Durante essa fase, à escola de nível fundamental foi destinada a função de formação da esfera motivacional da Atividade de Estudo. Mas não se pesquisaram as próprias necessidades e motivos, o processo de sua gênese e desenvolvimento. O foco passou a estar na chamada transição atividade-produto subjetivo da atividade;
Na etapa emocional, por fim, o papel e lugar do processo de autotransformação foram colocados nos desejos e emoções sobre a base dos quais se estabelece a esfera motivacional da atividade. Observa-se uma enorme preocupação quando se tenta explicar, do ponto de vista teórico, a unidade entre cognição e afeto. Mas a morte de Davidov (1998) fez com que a Teoria da Atividade de Estudo retrocedesse ao nível de desenvolvimento característico da primeira etapa, na qual as pesquisas sobre o conteúdo e estrutura dessa atividade tinham uma abordagem meramente cognitiva, isso é, puramente processual. O foco continuou a estar na chamada transição atividade-produto subjetivo da atividade, mas, agora, procurando entender o subjetivo como unidade do cognitivo e do emocional;
Não obstante a Teoria da Atividade de Estudo se constituir a mais importante contribuição didática da Aprendizagem Desenvolvimental, e seu foco, a partir da segunda etapa, estar no desenvolvimento subjetivo da criança como fruto da atividade com objetos, essa subjetividade foi entendida como um processo de interiorização. Com isso, ficou evidente que se desconsiderou a impossibilidade de que a subjetividade seja assimilada. As emoções foram consideradas uma função, tal e como o pensamento, a memória, a linguagem, etc. Enfim, não se contemplou o sistema no interior do qual esse fenômeno se forma: o sistema da subjetividade humana (González Rey, 2011).