1 INTRODUÇÃO
Para a formação do perfil do egresso da Educação Básica e do Ensino Superior, são definidas condições que devem ser implicadas na oferta de cada uma das etapas, das modalidades e dos componentes curriculares. Especificamente em relação à Educação Básica, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998) exerceram um papel determinante nessa definição. Tal papel passou a ser redimensionado pela aprovação da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) (BRASIL, 2017), e, apesar das especificidades, ambos os documentos valorizam a interação dos estudantes.
Para que se dinamize, no contexto escolar, a interação depende de alternativas inclusivas e que atendam a diferentes estilos de aprendizagem, necessidades eventuais e especificidades dos estudantes com deficiência. Entre esses estudantes, situam-se os que apresentam Transtornos do Espectro Autista (TEA), identificados, especialmente, por características que podem diferenciá-los em razão do comprometimento na interação social e nos padrões de comunicação (TONELLI, 2011).
Considerando as implicações de tais especificidades no ensino de língua estrangeira e o vínculo desta pesquisa com o Programa de Mestrado Profissional em Educação Básica da Universidade Alto Vale do Rio do Peixe (UNIARP), este estudo teve como objetivo apresentar como produto educacional estratégias para inclusão de estudantes com TEA no contexto escolar, classificando-as de acordo com o potencial que oferecem para o desenvolvimento de habilidades relacionadas à oralidade no uso da língua inglesa, previstas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o 6° ano do Ensino Fundamental. Para a realização do estudo, optou-se pelas pesquisas documental, bibliográfica e comparativa e pela abordagem qualitativa, em decorrência das possibilidades que ofereceram para a coleta de dados compatível com o objetivo proposto.
Em seu desenvolvimento, a pesquisa articulou orientações governamentais, contribuições de pesquisas precedentes e seu confronto para subsidiar possibilidades que podem ser exploradas no contexto educacional. Espera-se que os resultados possam colaborar para a inclusão de estudantes com TEA em diferentes escolas, especialmente neste momento de implantação de novas orientações educacionais no país.
2 DA SEGREGAÇÃO E DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO: CONCEITOS E REGULAMENTAÇÕES
A realidade educacional das pessoas com deficiência no contexto nacional e internacional tem sido marcada por práticas segregadoras e de integração. Ambas iniciativas deixam à deriva possibilidades de inclusão.
Enquanto a segregação persiste no isolamento das pessoas com deficiência em espaços específicos, Arnaiz Sánchez (1996) lembra que integração remete ao ato de integrar alguém a algum contexto. Por isso, não caracteriza a inclusão, que, em contrapartida, implica que cada estudante tenha acesso a uma educação de acordo com suas necessidades e em uma escola de sua comunidade, próxima às pessoas com as quais convive diariamente, ou seja, em seu contexto social. Dessa forma, a inclusão pressupõe uma escola em que, segundo a autora, todos sejam acolhidos, independentemente de suas características pessoais, psicológicas ou sociais e, por isso, as preocupações e intervenções residem na construção de um sistema estruturado para atender às necessidades de cada estudante.
No contexto brasileiro, especificamente, as oportunidades para a inclusão são recentes, já que a proposta inicial segregava os estudantes com deficiência. Apesar de representarem as primeiras alternativas para a educação formal dessas pessoas, a ideia de construir escolas para perfis homogêneos as afastava do convívio escolar “regular”. Como exemplos, destacam-se a criação do Instituto de Meninos Cegos, em 1854, do Instituto de Surdos-Mudos, em 1857, do Hospital Juliano Moreira, em 1874, para assistência médica aos indivíduos com deficiência intelectual (MENDES, 2010), bem como da Escola México, em 1887, para o atendimento de pessoas com deficiências físicas e intelectuais (MAZZOTTA, 2005).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) de n. 4.024/1961, contudo, definiu que as pessoas com deficiência deveriam enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-las na comunidade (BRASIL, 1961). Observa-se uma ênfase na integração, com o objetivo de destinar aos estudantes a tarefa de se adaptar ao meio.
Essa perspectiva foi alterada com a aprovação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quando a educação ficou compreendida como um direito de todos. Nesse contexto, indicou-se que deveria ser prezado o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, além da igualdade de condições de acesso e da permanência na escola (BRASIL, 1988). Esse novo enfoque, priorizado também em movimentos internacionais, entre os quais a Conferência de Salamanca (Espanha), realizada em 1994, bem como as discussões que passaram a ocorrer no contexto brasileiro, possibilitou avanços conceituais e nas práticas pedagógicas, estimulando a transposição da integração para a inclusão.
Esse processo foi subsidiado por políticas, decretos, portarias, resoluções e notas técnicas que reconheceram as pessoas com deficiência por meio de diferentes nomenclaturas e atribuíram a elas diferentes atendimentos. Na LDBEN de 1961, por exemplo, as pessoas com deficiência foram definidas como “excepcionais” (BRASIL, 1961), enquanto na LDBEN de n. 5.692/1971, foram conceituadas como “alunos com deficiências físicas ou mentais” (BRASIL, 1971). Já, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi utilizada a terminologia “portadores de deficiência” (BRASIL, 1988), e, na LDBEN de n. 9.394/1996, “portadores de necessidades especiais” (BRASIL, 1996).
Em 2004, o documento “O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns na Rede Regular” (BRASIL, 2004a) utilizou a terminologia “pessoa com deficiência”, retornando para “pessoas portadoras de deficiência” no Decreto n. 5.296/2004 (BRASIL, 2004b).
Com a realização da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2006, que resultou na elaboração do documento intitulado “Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo”, foi adotada a expressão “pessoa com deficiência” ou “pessoas com deficiência”. Nesse documento, foram consideradas pessoas com deficiência as “[…] que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (ONU, 2006, p. 5).
A nomenclatura representa o enfoque das políticas, comprovando sua ênfase segregadora, integradora ou inclusiva. A Figura 1 constitui a linha histórica das nomenclaturas utilizadas nos documentos, caracterizando esse processo.
1961 | LDBEN n. 4.024 |
Excepcionais | |
1971 | LDBEN n. 5.692 |
Alunos com deficiências físicas ou mentais | |
1988 | Constituição da República Federativa do Brasil |
Portadores de deficiência | |
1996 | LDBEN n. 9.394 |
Educandos portadores de necessidades especiais | |
2006 | Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Protocolo Facultativo |
Pessoas com deficiência |
Fonte: Adaptado de Brasil (1961; 1971; 1988; 1996) e ONU (2006).
Observa-se, portanto, a existência de uma variação na forma de se referir às pessoas que apresentam especificidades em relação a um referencial convencionado como padrão. Essa variação tem relação com o avanço teórico e reflete na forma de acolhimento e inserção social e educacional.
3 DO CONCEITO À CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DA PESSOA COM TEA
As pessoas com TEA apresentam um conjunto de especificidades humanas que integram os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD). Os TGD, por sua vez, incorporam, além dos TEA, o Transtorno Desintegrativo da Infância e as Síndromes de Asperger e Rett (ARAUJO; LOTUFO NETO, 2014).
Entre as especificidades, as pessoas com TEA tendem a apresentar comprometimento na interação social e na comunicação, além de restrições em relação a atividades e interesses (BELISÁRIO FILHO; CUNHA, 2010). Elas não se caracterizam “[…] primordialmente pelo déficit intelectual, mas justamente por um déficit relacional […]” (RIOS, 2017, p. 216). Por isso, “[…] é fundamental que se quebrem os paradigmas do TEA como doença, dando-se a compreensão da especificidade como um transtorno que se manifesta na infância e prossegue na vida adulta” (PEREIRA et al., 2015, p. 194).
Além de diferenciar-se em relação à faixa etária, a severidade pode variar de uma pessoa a outra. Em decorrência, as pessoas com TEA “[…] apresentam diversas formas de ser e agir, com respostas diferentes entre si” (PEREIRA et al., 2015, p. 193).
Existe, portanto, uma heterogeneidade entre as pessoas com TEA. Nesse sentido, Rios (2017) comenta que a edição mais recente do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-V) - as agrupa nos dois eixos de sintomas mencionados pela Associação Americana de Psiquiatria (APA). Além disso, a autora reforça a indicação pelo DSM-V de níveis que possibilitam a mensuração da severidade, conforme destacado na Figura 2.
Rios (2017, p. 2014) ainda destaca que “[…] embora o manual descreva detalhadamente os diferentes tipos de déficits e dificuldades inerentes a esses transtornos, não há qualquer discussão sobre o que seria esse suporte e que tipo de benefício ele ofereceria à pessoa autista”. Além disso, a ausência de uma explicação mais efetiva sobre os fatores responsáveis pelas ocorrências tem gerado sofrimento para os pais e dificuldades para profissionais da saúde (FADDA; CURY, 2016), resultando também em fragilidades no atendimento das pessoas com TEA no contexto escolar, derivadas da falta de formação e de informações sobre o fenômeno e suas manifestações (PIMENTEL, 2013).
Entre as possibilidades para a inclusão de estudantes com TEA, Giaconi e Rodrigues (2014) destacam o trabalho de equipes multidisciplinares. Para elas, em razão da existência de vários fatores que podem contribuir para desencadear os TEA e do fato de as formas de manifestação serem múltiplas, o acompanhamento, após o diagnóstico, precisa ser realizado com o apoio de profissionais de diferentes áreas, considerando, minimamente, três eixos: psicoterápico, reeducativo e educativo.
As autoras também afirmam que a intervenção precisa contar com cinco dimensões: a família; a escola; os centros especializados (reabilitativos, sociais, comunidades); os locais de trabalho; e os locais de lazer. Para elas, é esse conjunto que pode, entre outros aspectos, prevenir ou atenuar crises, compreender as principais dinâmicas físicas e relacionais expressas no ambiente e evitar ou atenuar estados de sofrimento.
4 METODOLOGIA DA PESQUISA
Para atender o objetivo deste estudo, foi utilizada a abordagem qualitativa e as pesquisas documental, bibliográfica e comparativa. Enquanto a documental “[...] caracteriza-se pela coleta de dados em documentos [...]” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 106), como é o caso da BNCC, a bibliográfica “[…] tem como fonte o resultado de estudos precedentes […]” (ZWIEREWICZ, 2014, p. 34), e a comparativa possibilita o confronto dos dados. Em função dessas opções, a pesquisa foi realizada em três etapas: a) na primeira, foram sistematizadas as competências, as unidades temáticas, os objetos de conhecimento e as habilidades do 6° ano do Ensino Fundamental, previstos na BNCC para o componente curricular língua inglesa; b) na segunda, foram compiladas estratégias em estudos precedentes voltadas à inclusão escolar de estudantes com TEA; c) na terceira, as estratégias compiladas em estudos precedentes foram confrontadas com os objetos de conhecimento e as habilidades do 6° ano do Ensino Fundamental, previstos na BNCC para o eixo da oralidade do componente curricular língua inglesa na BNCC.
Além da BNCC (BRASIL, 2017), foram utilizados como fontes de pesquisa artigos científicos que fazem referência à intervenção, interação e/ou comunicação, disponíveis na Scientific Eletronic Library Online (Scielo). Na consulta, observou-se inicialmente a disponibilidade de artigos científicos vinculados a duas chamadas: a) Transtorno do Espectro Autista; d) Transtorno do Espectro do Autismo. Destes, foram selecionados os que atenderam aos seguintes critérios: a) foram publicados a partir de 1998, ano que corresponde à aprovação dos PCN; b) possuem título com alguma referência à intervenção, já que o propósito é elencar estratégias que auxiliem na inclusão; c) possuem título com alguma referência à interação e/ou comunicação, pois são conceitos de muita influência nos TEA; d) foram publicados em português, independentemente de serem publicados também em outra língua; e e) estão totalmente acessíveis em formato digital.
Ainda foram selecionados artigos científicos destacados por Teixeira et al. (2010), no estudo intitulado “Literatura científica brasileira sobre transtornos do espectro autista”. Esse estudo teve como objetivo realizar uma análise da produção científica de autores brasileiros sobre TEA no período de 2002 a 2009, tendo situado, além de 140 teses e dissertações, 93 artigos publicados, especialmente, por autores da região Sudeste e de universidades públicas.
A intervenção foi a categoria utilizada para a primeira etapa de seleção dos artigos, o que resultou no acesso a 25 estudos. A partir de então, foram utilizados os mesmos critérios adotados na seleção dos artigos do Scielo, o que resultou na redução do número de publicações exploradas neste estudo.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Considerando a sequência das etapas da pesquisa, são apresentadas especificidades relacionadas à oralidade, previstas pela BNCC para o 6° ano do Ensino Fundamental, seguidas de estratégias que estimulem a inclusão escolar de estudantes com TEA. Na terceira parte, são apresentadas estratégias para o desenvolvimento de habilidades vinculadas à oralidade, como resultado do confronto dos dados coletados nas duas primeiras etapas.
- Competências, unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades da língua inglesa
A BNCC prevê, além das seis competências para o componente curricular língua inglesa, unidades temáticas, objetos de conhecimento e habilidades específicas para os anos finais do Ensino Fundamental, que são vinculados aos cinco eixos: oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural. De acordo com o documento, o eixo oralidade, sistematizado no Quadro 1, corresponde a “Práticas de compreensão e produção oral de língua inglesa, em diferentes contextos discursivos presenciais ou simulados, com repertório de falas diversas, incluída a fala do professor” (BRASIL, 2017, p. 246-7).
Unidades temáticas | Objetos de conhecimento | Habilidades |
---|---|---|
Interação discursiva | Construção de laços afetivos e convívio social. | Interagir em situações de intercâmbio oral, demonstrando iniciativa para utilizar a língua inglesa. Coletar informações do grupo, perguntando e respondendo sobre a família, os amigos, a escola e a comunidade. |
Funções e usos da língua inglesa em sala de aula (Classroom language). | Solicitar esclarecimentos em língua inglesa sobre o que não entendeu e o significado de palavras ou expressões desconhecidas. | |
Compre-ensão oral | Estratégias de compreensão de textos orais: palavras cognatas e pistas do contexto discursivo. | Reconhecer, com o apoio de palavras cognatas e pistas do contexto discursivo, o assunto e as informações principais em textos orais sobre temas familiares. |
Produção oral | Produção de textos orais, com a mediação do professor. | Aplicar os conhecimentos da língua inglesa para falar de si e de outras pessoas, explicitando informações pessoais e características relacionadas a gostos, preferências e rotinas. Planejar apresentação sobre a família, a comunidade e a escola, compartilhando-a oralmente com o grupo. |
Fonte: Brasil (2017).
Ao estimular a produção, compreensão e interação, os objetos de conhecimento e as respectivas habilidades mantêm uma sintonia com as competências para a língua inglesa e com as competências gerais para a Educação Básica previstas na BNCC. Essa sintonia pode ser observada, por exemplo, na quarta competência geral, quando faz referência ao uso de diferentes linguagens (verbal, corporal, visual, sonora e digital) para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos, e produzir sentido ou levar ao entendimento mútuo (BRASIL, 2017).
- Estratégias para a inclusão escolar de estudantes com TEA
Para apresentar estratégias que estimulem a inclusão escolar de estudantes com TEA, foram selecionados no Scielo os dois primeiros artigos do Quadro 2 e, no estudo de Teixeira et al. (2010), as quatro últimas publicações do referido quadro. Os artigos atenderam aos critérios de seleção propostos nesta pesquisa.
Título | Autor(es) | Ano | Periódico |
---|---|---|---|
As contribuições do uso da comunicação alternativa no processo de inclusão escolar de um aluno com Transtorno do Espectro do Autismo | Cláudia Miharu Togashi e Cátia Crivelenti de Figueiredo Walter | 2016 | Revista Brasileira de Educação Especial |
Modelagem em vídeo para o ensino de habilidades de comunicação a indivíduos com autismo: revisão de estudos | Viviane Rodrigues e Maria Amélia Almeida | 2017 | Revista Brasileira de Educação Especial |
Reflexões psicanalíticas-construtivistas sobre uma experiência teórico-prática, clínico-escolar, com crianças-adolescentes, psicóticosautistas | Marly Terra Verdi | 2005 | Revista SPAGESP |
Interação social no autismo em ambientes digitais de aprendizagem | Liliana Maria Passerino e Lucila Costi M. Santarosa | 2007 | Revista Psicologia: Reflexão e Crítica |
Fonoaudiologia e autismo: resultado de três diferentes modelos de terapia de linguagem | Fernanda Dreux M. Fernandes et al. | 2008 | Revista Pró-Fono |
Uso de habilidades comunicativas verbais para aumento da extensão de enunciados no autismo de alto funcionamento e na Síndrome de Asperger | Simone Aparecida Lopes-Herrera e Maria Amélia Almeida | 2008 | Revista Pró-Fono |
Fonte: Adaptado de Rodrigues e Almeida (2017), Togashi e Walter (2016), Verdi (2005), Passerino e Santarosa (2007), Fernandes et al. (2008) e Lopes-Herrera e Almeida (2008).
A análise dos artigos apresentados no Quadro 2 possibilitou que se identificassem as estratégias de inclusão sistematizadas no Quadro 3.
Título | Autor(es) | Estratégia didática |
---|---|---|
Reflexões psicanalíticas-construtivistas sobre uma experiência teórico-prática, clínico-escolar, com crianças-adolescentes, psicóticosautistas | Verdi (2005) | Ateliê de História |
Interação social no autismo em ambientes digitais de aprendizagem | Passerino e Santarosa (2007) | Interação Social Mediada em Ambientes Digitais |
Fonoaudiologia e autismo: resultado de três diferentes modelos de terapia de linguagem | Fernandes et al. (2008) | Oficina de Linguagem |
Uso de habilidades comunicativas verbais para aumento da extensão de enunciados no autismo de alto funcionamento e na Síndrome de Asperger | Lopes-Herrera e Almeida (2008) | Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV) |
As contribuições do uso da comunicação alternativa no processo de inclusão escolar de um aluno com Transtorno do Espectro do Autismo | Togashi e Walter (2016) | Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) |
Modelagem em vídeo para o ensino de habilidades de comunicação a indivíduos com autismo: revisão de estudos | Rodrigues e Almeida (2017) | Modelagem de Vídeo (VD) |
Fonte: Adaptado de Verdi (2005), Passerino e Santarosa (2007), Fernandes et al. (2008), Lopes- Herrera e Almeida (2008), Togashi e Walter (2016), Rodrigues e Almeida (2017).
Com o intuito de ampliar a compressão sobre possibilidades de utilização das estratégias de inclusão de estudantes com TEA na escola, as estratégias apresentadas no Quadro 3 são contextualizadas na sequência.
- Ateliê de História: os ateliês são alternativas disponibilizadas em uma instituição pública municipal (clínica-escola) de São José do Rio Preto, São Paulo, que atende 40 crianças e adolescentes de idades que variam de três a 34 anos, com algum tipo de comprometimento no desenvolvimento. Essa instituição prioriza um trabalho voltado para a inserção dos seus estudantes nas escolas da comunidade (VERDI, 2005).
A autora registra que o Ateliê de História busca incluir as histórias de vida das crianças e dos adolescentes que o frequentam na dinâmica da história de fadas. Como exemplo da relevância do ateliê, descreve situações de crianças com TEA que se manifestaram durante a contação de histórias por relacionar um fato à sua história de vida.
- Interação social mediada em ambientes digitais: o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) para a interação social de pessoas com TEA constituiu o objeto de um estudo realizado por Passerino e Santarosa (2007). Entre os Ambientes Digitais de Aprendizagem (ADA), as autoras selecionaram os que oferecessem mais possibilidades para a interação social das pessoas com TEA, observando o desenvolvimento desse processo.
Os ambientes deveriam oportunizar uma postura ativa, no sentido de o estudante com TEA “[…] poder construir seus próprios modelos mentais e crenças com relação ao objeto em estudo […]”, superando um ensino que prioriza o conhecimento fragmentado por um contexto colaborativo e que propicie “[…] o diálogo, a troca de experiências, o trabalho em grupo pela colaboração, a argumentação, o consenso e a discussão” (PASSERINO; SANTAROSA, 2007, p. 57).
Para as autoras, os resultados indicaram possibilidades no uso da tecnologia como tratamento terapêutico, embora o principal objetivo consistisse na identificação de padrões de interação social quando mediados por tecnologia. Com base nos referidos padrões, as autoras defendem que seria possível estabelecer alternativas de uso e aplicação de ambientes digitais como forma de promover a interação social em pessoas com TEA.
- Oficina de Linguagem: a alternativa fez parte do estudo de Fernandes et al. (2008) e estimulou a comunicação de estudantes com TEA por meio de procedimentos que os envolviam individualmente em determinados momentos, mas também, em outros, com os responsáveis ou em dupla com seus pares. A oficina proporcionou, portanto, o atendimento em três diferentes situações terapêuticas.
Além de concluirem que, em situações de comunicação com pares, se proporciona uma simetria que não é atingida na situação com o adulto, as autoras afirmam que essa simetria gera exigências de desempenho em que o sujeito afetivamente aplica suas habilidades comunicativas. Por terem atingido médias mais próximas no número de atos comunicativos expressados por minuto na terceira e última gravação, as autoras também concluíram que “[…] a experiência sugere que cada indivíduo passa por períodos de desenvolvimento e equilíbrio - e alguns inclusive por períodos de regressão - que são absolutamente particulares e dificilmente podem ser antecipados.” (FERNANDES et al., 2008, p. 270).
- Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV): para estimular as HCV, podem ser utilizadas atividades que envolvem conversa espontânea, dificuldades específicas de linguagem, jogos de regras, solicitações de relatos de histórias ou acontecimentos e atividades metalinguísticas. Essas alternativas foram utilizadas em um estudo de Lopes-Herrera e Almeida (2008), com o objetivo de promover o aumento da Extensão Média dos Enunciados (EME), ampliando possibilidades para sua compreensão por sujeitos com Autismo de Alto Funcionamento (AAF) e Síndrome de Asperger (SA). Na organização da intervenção, as autoras destacam que as sessões foram divididas em blocos que priorizaram, entre outras ações, a conversa espontânea ampliada com o uso de determinadas HCV, a exploração de jogos e outras atividades que envolveram dificuldades específicas de linguagem, relato de histórias ou acontecimentos de forma direta ou a partir figuras ou desenhos, adivinhações, comentários, solicitações de informação, respostas diretas e relato de histórias ou acontecimentos.
- Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA): também conhecido por Picture Exchange Communication System (PECS), o sistema funciona a partir da troca de figuras, ou seja, cartões de comunicação, que ficam em poder do usuário, e este os troca pelo item desejado, o qual pode ser tanto um objeto como a solicitação de alguma ação ou a demonstração de algum sentimento ou sensação (TOGASHI; WALTER, 2016).
Ao defender que a comunicação é uma das condições fundamentais para que a inclusão escolar de estudantes com TEA ocorra de forma mais efetiva, as autoras indicam a utilização da CAA para contribuir com o seu estabelecimento, inclusive para aqueles que apresentam ausência de fala ou dificuldades nesta. Para tanto, tem como base pesquisas que comprovam significativa melhora no desenvolvimento tanto da comunicação como da linguagem.
- Modelagem em Vídeo (VD): é definida por Nikopoulos e Keenam (2003) como imitação de comportamentos ou de habilidades demonstradas por meio de vídeos. A alternativa implica o envolvimento de um adulto ou outra pessoa com idade que pode se aproximar à do estudante com TEA, e é considerada por Mason et al. (2012) uma estratégia indicada, pois oferece pistas visuais, as quais são mais compatíveis com suas necessidades formativas.
Baseando-se em estudos publicados por Shukla-Mehta, Miller e Callahan, publicados em 2010, Rodrigues e Almeida (2017) destacam que no uso da VD deve ser considerada a seguinte sequência de procedimentos: a) uma pessoa é convidada a assistir ao vídeo; b) a habilidade a ser desenvolvida é modelada por um adulto ou por pares em um contexto de atividade; c) o mediador fornece estímulos e reforço para a pessoa atender a estímulos relevantes; e d) a pessoa imita o comportamento do modelo com a oportunidade de desempenhar as habilidades exibidas no vídeo.
As alternativas compiladas nos artigos selecionados são possibilidades que podem ser exploradas por escolas e docentes que atendem estudantes com TEA. Nesse sentido, destaca-se que, apesar da complexidade que permeia a realidade de cada estudante com TEA, é indispensável que estratégias de inclusão sejam proporcionadas, evitando o isolamento contínuo, conforme defendem Camargo e Bosa (2009).
- Estratégias didáticas de estímulo à oralidade de estudantes com TEA na língua inglesa
Considerando que o objetivo do estudo tem como foco a oralidade na língua inglesa, foram elencadas, a partir das estratégias de inclusão apresentadas na seção anterior, alternativas que envolvem a interação discursiva e a compreensão e produção oral. Registradas no Quadro 4, cada uma das estratégias foi selecionada por se aproximar dos objetos de conhecimento e das respectivas habilidades, previstos na BNCC para o eixo oralidade no 6º ano do Ensino Fundamental.
Unidades temáticas | Objetos de conhecimento | Habilidades | Estratégias didáticas |
---|---|---|---|
Interação discursiva | Construção de laços afetivos e convívio social | Interagir em situações de intercâmbio oral, demonstrando iniciativa para utilizar a língua inglesa. | Interação Social Mediada em Ambientes Digitais |
Funções e usos da língua inglesa em sala de aula | Coletar informações do grupo, perguntando e respondendo sobre a família, os amigos, a escola e a comunidade. | Ateliê de História | |
Compreensão oral | Estratégias de compreensão de textos orais: palavras cognatas e pistas do contexto discursivo | Reconhecer, com o apoio de palavras cognatas e pistas do contexto discursivo, o assunto e as informações principais em textos orais sobre temas familiares. | Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) |
Produção oral | Produção de textos orais, com a mediação do professor | Aplicar os conhecimentos da língua inglesa para falar de si e de outras pessoas, explicitando informações pessoais e características relacionadas a gostos, preferências e rotinas. | Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV) |
Planejar apresentação sobre a família, a comunidade e a escola, compartilhando-a oralmente com o grupo. | Modelagem de Vídeo (VD) |
Fonte: Elaborado pelas autoras.
Considerando que a unidade temática Interação discursiva é formada por dois objetos de conhecimento e por duas habilidades, foram selecionadas duas estratégias, conforme pode ser observado no Quadro 4. Justifica-se a seleção pelos seguintes motivos:
- Objeto de conhecimento “Construção de laços afetivos e convívio social”: a seleção da estratégia “Interação Social Mediada em Ambientes Digitais” se deve ao potencial que oferece para promover a interação, especialmente os ambientes que, de acordo com Passerino e Santarosa (2007), oferecem mais possibilidades para que os estudantes com TEA possam construir seus próprios modelos mentais, a partir de possíveis diálogos e da cooperação. Além disso, os ambientes também servem para observar padrões de comportamento e para a tomada de decisão sobre ações que podem ser priorizadas em função do que se observa em cada estudante.
Como a habilidade a ser estimulada neste objeto de conhecimento é “Interagir em situações de intercâmbio oral, demonstrando iniciativa para utilizar a língua inglesa”, as alternativas que os ambientes oferecem são múltiplas e podem ser adaptadas às necessidades de cada estudante com TEA.
- Objeto de conhecimento “Funções e usos da língua inglesa em sala de aula”: optou-se pela estratégia “Ateliê de História”, porque envolve histórias de vida, utilizando como subsídios os contos de fadas, conforme indica Verdi (2005). Nesse caso, uma das possibilidades é que os estudantes com TEA tenham acesso aos contos, identifiquem informações que se aproximam das suas histórias de vida e alcancem materiais adequados que envolvem expressões na língua inglesa, já que a habilidade vinculada a esse objeto consiste em “Coletar informações do grupo, perguntando e respondendo sobre a família, os amigos, a escola e a comunidade”.
Na unidade temática “Compreensão oral”, que prevê como objeto de conhecimento a compreensão de textos orais, sugeriu-se a estratégia “Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA)”. A seleção da opção apresentada por Togashi e Walter (2016) se deve à utilização de cartões de comunicação que são trocados pelos itens desejados e que podem contribuir para reconhecer, com o apoio de palavras cognatas e pistas do contexto discursivo, o assunto e as informações principais em textos orais sobre temas familiares, conforme previsto na habilidade correspondente ao objeto de conhecimento elencado na BNCC.
A última unidade temática é formada por um objeto de conhecimento, mas por duas habilidades. Nesse caso, cada estratégia selecionada para uma delas foi definida pelos motivos sistematizados na sequência:
- Objeto de conhecimento “Produção de textos orais, com a mediação do professor” e habilidade “Aplicar os conhecimentos da língua inglesa para falar de si e de outras pessoas, explicitando informações pessoais e características relacionadas a gostos, preferências e rotinas”: a escolha da estratégia “Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV)” se deve ao fato de prever o envolvimento de várias alternativas, como conversa espontânea, solicitações de relatos de histórias ou acontecimentos e atividades metalinguísticas. Quando foram utilizadas no estudo de Lopes-Herrera e Almeida (2008), estimularam o aumento da Extensão Média dos Enunciados (EME), ampliando possibilidades para a compreensão deles, condição implicada na produção de textos orais.
- Objeto de conhecimento “Produção de textos orais, com a mediação do professor” e habilidade “Planejar apresentação sobre a família, a comunidade e a escola, compartilhando-a oralmente com o grupo”: a seleção da estratégia “Modelagem de Vídeo (VD)” é justificada por oferecer pistas visuais, que podem contribuir, inclusive, para imitar comportamentos de pessoas que servem de referência. Nesse caso, os modelos poderiam ser os familiares, e os diálogos poderiam favorecer a análise dos comportamentos que são mais próximos aos estudantes com TEA.
Além do levantamento das estratégias, considera-se relevante a inclusão de algumas informações adicionais que convergem com especificidades em relação aos estudantes: a) deve ser considerada a variedade diagnóstica de cada estudante com TEA para que a intervenção seja mais adequada (RODRIGUES; ALMEIDA, 2017); b) apesar de uma abordagem ser mais efetiva para determinadas variedades de TEA, não existe uma que sirva da mesma forma para todos estudantes com TEA (FERNANDES et al., 2008); c) as intervenções devem ser individualizadas para que envolvam o nível de desenvolvimento atual de cada estudante com TEA (FERNANDES et al., 2008); d) apesar dos estímulos, alguns estudantes com TEA podem permanecer não verbais por toda a vida ou funcionalmente não verbais, por usar a fala somente para expressar pedidos ou repetir frases preferidas (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 2001).
Essas reflexões não devem impedir que diferentes estratégias para promover a inclusão e, especificamente, estimular a oralidade na língua inglesa sejam utilizadas por docentes nas escolas que acolhem estudantes com TEA. Elas são alternativas para compreender a complexidade que envolve o universo de cada criança, jovem ou adulto que apresente a especificidade e estimular seu desenvolvimento.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enquanto as legislações educacionais avançam no sentido de promover a inclusão escolar, surgem novos desafios que impactam escolas e docentes em função das necessidades que geram na formação, no currículo, na infraestrurura e em outras especificidades implicadas no contexto escolar e para além dele. Desenvolvida em meio a demandas como essas, esta pesquisa se propôs a transitar por avanços legais, aspectos conceituais, mudanças na nomenclatura e orientações governamentais para, subsequentemente, propor estratégias que visem à inclusão escolar de estudantes com TEA e estimulem sua oralidade.
Em relação à BNCC, observou-se que o eixo oralidade, previsto para o 6° ano do Ensino Fundamental, bem como os objetos de conhecimento e as habilidades decorrentes, mantêm uma sintonia com as competências destacadas para a língua inglesa e com as competências gerais previstas para a Educação Básica na BNCC. Portanto a interação discursiva, a compreensão oral e a produção oral permeiam diferentes indicações do documento.
Na compilação de estratégias que possam contribuir com a inclusão de estudantes com TEA, foram identificadas as seguintes possibilidades: Ateliê de Histórias, Interação Social Mediada em Ambientes Digitais, Oficina de Linguagem, Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV), Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) e Modelagem em Vídeo (VD). Apesar de parte dos artigos pesquisados destacar estratégias que, no decorrer dos estudos, foram exploradas fora do contexto escolar, sua utilização no planejamento das aulas é viável mediante a sua adaptação, especialmente, em função do universo individual de cada estudante com TEA.
Finalmente, a compilação de estratégias voltadas para o estímulo à oralidade de estudantes com TEA no componente curricular língua inglesa envolveu a retomada das estratégias de inclusão compiladas no decorrer da pesquisa e sua aproximação com unidades temáticas definidas na BNCC - interação discursiva, compreensão oral e produção oral. A aproximação subsequente com os objetos de conhecimento previstos na BNCC e as habilidades decorrentes possibilitou a ênfase em cinco estratégias: Interação Social Mediada em Ambientes Digitais, Ateliê de História, Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA), Programa de Habilidades Comunicativas Verbais (HCV) e Modelagem de Vídeo (VD).
Apesar da indicação de uma estratégia por habilidade do eixo oralidade, indicado na BNCC, existe a possibilidade de alternar, em função das alternativas que cada estratégia oferece para atender demandas envolvidas nos objetos de conhecimento e até mesmo nas respectivas habilidades. Também se considera oportuno destacar que existem outras estratégias que podem ser pesquisadas em publicações nacionais e internacionais e nas próprias práticas efetivadas nas escolas. Contudo, neste estudo, priorizaram-se pesquisas selecionadas a partir de critérios predeterminados. Nesse mesmo sentido, destaca-se mais uma vez que precisam ser consideradas as especificidades de cada estudante com TEA. As condições são muito particulares e uma estratégia pode beneficiar um estudante determinado, mas não suscitar contribuições para outro.
Em relação às limitações do estudo, aponta-se a falta de artigos que tratam especificamente de estratégias para a oralidade de estudantes com TEA e sua aproximação com as indicações da BNCC. Além disso, a complexidade que envolve o universo TEA dificulta a definição de estratégias que podem ser utilizadas pelas escolas e pelos docentes em todos os casos.
Com base nessa preocupação, novos estudos são necessários, especialmente os que envolvem pesquisas de intervenção desenvolvidas com o apoio das estratégias apresentadas, tendo em vista os objetivos aqui traçados. Portanto existe um vasto campo a ser investigado quando se trata da inclusão escolar e do estímulo à oralidade de estudantes com TEA.