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Série-Estudos

versão impressa ISSN 1414-5138versão On-line ISSN 2318-1982

Sér.-Estud. vol.25 no.55 Campo Grande set./dez 2020  Epub 01-Abr-2021

https://doi.org/10.20435/serie-estudos.v0i0.1418 

Artigos

Ser um professor experiente não é sempre uma felicidade: perspectivas de professores sobre o envelhecimento

Being a veteran teacher is not always a happiness: perspectives of teachers on aging

Ser un maestro experimentado no es siempre una felicidad: perspectivas de profesores sobre el envejecimiento

1Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Porto, Portugal.

2Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal.


Resumo:

O envelhecimento populacional - uma realidade do século XXI - atinge diversas esferas, nomeadamente as relações de trabalho. Em muitos países, a extensão da idade da aposentadoria ocasiona uma classe trabalhadora mais envelhecida, como é o caso dos professores. Diante disso, o presente artigo tem como objetivo compreender o que é o envelhecer na docência para professores da Educação Básica. Teoricamente, o estudo é enquadrado por abordagens relativas às transformações ligadas à profissionalidade docente e ao envelhecimento na docência. Empiricamente, o estudo tem como base a análise de um conjunto de dados produzidos por meio de quatro grupos de discussão focalizada envolvendo professores da Pré-Escola ao Ensino Médio e com idades entre os 50 e os 63 anos. Foi realizada uma análise temática de conteúdo. Segundo os resultados, os participantes, em geral, enfatizam o envelhecimento como uma mais-valia, enquanto expressão de mais experiência e amadurecimento; simultaneamente, demonstram preocupação quanto à qualidade do trabalho que podem ou poderão vir a realizar devido a limites físicos e cognitivos que vivenciam, e também ao hiato geracional crescente entre eles e os alunos. As diferenças em função dos níveis de ensino parecem decorrer da profissionalidade específica a esses níveis. O trabalho colaborativo e o uso das TICs permitem gerir os efeitos negativos do envelhecimento e suprir dificuldades vividas.

Palavras-chave: professores; envelhecimento; trabalho docente

Abstract:

Population aging − a 21st century reality − affects several social spheres, namely labor relations. The extension of the retirement age in several countries results in an older working class, as is the case among the teaching class. Thus, this article aims to understand what aging means to Basic Education teachers regarding their professional activity. Approaches concerning transformations related to teaching professionalism and aging in teaching are this study’s theoretical frame. Empirically, the study is based on the analysis of data produced through 4 focus groups composed of preschool, primary, and middle school teachers between 50 and 63 years of age. A content analysis was then conducted. Results found that, in general, beginners regard aging as an asset, as an expression of experience and maturity; at the same time, concerns are raised about the quality of the work that can be produced due to physical and cognitive limitations and to the growing generational gap between them and students. Differences found between teaching levels seem to stem from the specific professionalism to be applied at those levels. Collaborative work and the use of ICTs make it possible to manage the negative effects of aging and to overcome experienced difficulties.

Keywords: teachers; aging; teaching work

Resumen:

El envejecimiento poblacional − una realidad del siglo XXI − afecta diferentes esferas, como las relaciones de trabajo, por ejemplo. La extensión de la edad de jubilación en muchos países ocasiona una clase trabajadora más vieja, como es el caso de los profesores. Consciente de esto, el presente artículo busca comprender qué es el envejecimiento en la docencia para los profesores de la Educación Básica. El estudio se encuadra teóricamente con abordajes relativas a transformaciones conectadas a la profesionalidad docente y al envejecimiento en la docencia. Empíricamente, el estudio se basa en el análisis de un conjunto de datos producidos por 4 grupos de discusión focalizada compuestos por profesores desde el preescolar hasta la enseñanza media con edades entre los 50 y los 63 años. Fue posteriormente realizado un análisis de contenidos temático. Los resultados revelan que los participantes enfatizan, en general, el envejecimiento como un valor añadido, como expresión de experiencia y madurez; al mismo tiempo se preocupan con la calidad del trabajo que podrán realizar debido a limitaciones físicas y cognitivas que puedan experimentar y al creciente hiatus generacional entre ellos y los alumnos. Las diferencias encontradas en los diferentes niveles de enseñanza parecen ocurrir debido a la profesionalidad específica de esos niveles. El trabajo colaborativo y el uso de las TICs hacen posible administrar los efectos negativos del envejecimiento y superar las dificultades encontradas.

Palabras clave: profesores; envejecimiento; trabajo docente

1 INTRODUÇÃO

O fenômeno do envelhecimento populacional é uma realidade do século XXI estudada por muitos pesquisadores (PAÚL, 1996; FONTAINE, 2000; VIEGAS; GOMES, 2007), com a intenção de compreenderem esse processo e suas consequências. Com efeito, o progressivo envelhecimento da população, resultado positivo de novos cuidados de saúde e qualidade de vida, representa um enorme desafio nas mais diversas esferas, com destaque para a organização do trabalho.

Inicialmente observado em países ditos desenvolvidos, o envelhecimento populacional sofreu mudanças e tem ocorrido de forma cada vez mais acentuada em países em desenvolvimento, como o Brasil, onde, de 1960 a 2002, o número de pessoas com 60 anos ou mais passou de 3 milhões a 14 milhões, e espera-se que, em 2020, chegue aos 32 milhões (VERAS; OLIVEIRA, 2018). Em Portugal, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) (2018), a esperança de vida à nascença da população foi aferida em 80,78 anos para o total da população no período de 2015 a 2017.

A relação da população envelhecida com o trabalho e o acompanhamento das transformações subjacentes dão azo a diversos debates, como a Conferência das Nações Unidas sobre o envelhecimento, ocorrida em Lisboa, em 2017, para discutir e definir linhas de atuação para as questões colocadas pelo envelhecimento. Identifica-se por exemplo, que na União Europeia “a faixa etária dos 55-64 anos aumentará cerca de 16,2% (9,9 milhões) entre 2010 e 2030 […]. A consequência será a mão-de-obra (sic) europeia mais envelhecida” (POCINHO et al., 2017, p. 15). No Brasil, o aumento da expectativa de vida para os 76,3 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), e as atuais mudanças propostas para o sistema previdenciário na PEC 6/2019 (BRASIL, 2019) indicam que o trabalhador brasileiro vai continuar no mercado de trabalho mais tempo do que imaginava.

O crescente envelhecimento do quadro dos professores tem trazido desafios que apontam para a necessidade de compreender melhor suas relações de trabalho e a maneira como o trabalho docente se realizará, em longo prazo - consoante à extensão do tempo para a aposentadoria. Se é previsível que exista um impacto do envelhecimento nos professores em geral, é também claro que possam manifestar-se diferenças em função das realidades diversas da docência, nomeadamente as que dizem respeito ao nível de ensino a que os professores pertencem (CAU-BAREILLE, 2014).

Por outro lado, o trabalho docente atravessa uma fase de mudanças profundas, associadas às formas de ensino e aprendizagem na relação com as sociedades do conhecimento, ao uso das novas tecnologias da informação e da comunicação, à velocidade das mudanças e às novas exigências de avaliação e prestação de contas, com excessiva intensificação do trabalho docente, gerando exaustão e desistência (OLIVEIRA et al., 2017; NUNES; OLIVEIRA, 2017; ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009; LOPES, 2007).

Embora o envelhecimento do corpo docente se esteja a fazer sentir de forma vincada e o seu estudo contenha grandes possibilidades heurísticas para a compreensão do trabalho docente, como indicado noutras pesquisas, é ainda reduzido o conhecimento produzido sobre este tema (ALVES, 2016; ALVES; LOPES, 2016). Tendo em conta esta situação e os contributos anteriores, pretendemos, neste artigo, aprofundar a compreensão do que é envelhecer na docência hoje, produzindo dados sobre as perspectivas dos professores dos diferentes níveis de ensino, da Educação Infantil ao Ensino Médio.

Para além da compilação de dados estatísticos, realizou-se uma sistematização de literatura sobre o envelhecimento na docência em geral, considerando os níveis de ensino, e sobre as transformações que se estão a operar no trabalho dos professores. Do ponto de vista empírico, recolheram-se dados por meio da realização de quatro grupos de discussão focalizada com professores com idade igual ou superior a 50 anos, da Pré-Escola ao Ensino Médio.

Para além da introdução e das conclusões, o artigo está organizado em três partes, correspondendo à contextualização teórica, à metodologia e à apresentação e discussão de resultados.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

Os estudos sobre o processo de envelhecimento humano têm ganhado espaço com a intenção de acompanhar as transformações e os impactos produzidos por esse processo, que remete às mudanças e deficiências das relações sociais e familiares, às implicações econômicas (POCINHO et al., 2017) e às repercussões em todos os domínios da vida humana, que “apresenta modificações significativas nas instâncias biológicas, sociais, psicológicas e culturais” (LIMA; SILVA, 2015, p. 432).

2.1 O processo de envelhecimento - desafio e oportunidade, perdas e ganhos

O processo de envelhecimento exige uma contínua adaptação e esforço por parte do indivíduo que envelhece, para conseguir viver sua nova fase da melhor maneira. Percebe-se, por isso, “[…] a necessidade de se criarem condições que permitam uma velhice bem-sucedida” (LOUREIRO; FERNANDES, 2013). Para Odebrecht (2002), é fundamental conhecer o processo do envelhecimento humano para compreender as mudanças nas capacidades e habilidades do trabalhador que envelhece, para assim poder adequar o trabalho a esse novo perfil de trabalhador. Considerando que o envelhecimento demográfico se tornou um problema social, Paúl e Ribeiro (2012, p. 187) defendem, no entanto, que ele pode ser vislumbrado “[…] como um desafio e oportunidade às políticas setoriais, através da experiência, o saber e o saber-fazer, abrindo desafios para o aprofundamento de modelos e práticas de ‘envelhecimento em atividade’, levando a uma sociedade mais justa e mais coesa”.

O envelhecimento pode representar “ganhos ou perdas, em maior ou em menor grau” (LIMA; SILVA, 2015, p. 432), na medida em que os sentimentos e as condições sociais se tornam ainda mais relevantes, pois passam a existir novos medos e receios, outras compreensões e revisões da vida. Surgem mesmo novas experiências relacionadas com a existência evidenciadas pela “[…] sabedoria, pela ressignificação de valores, pela consciência da finitude, pela esperança, serenidade e vontade de atestar a permanência do que se viveu, da obra realizada, do sentido profundo da existência vivida”; em qualquer caso, torna-se necessário prevenir, compreender e ajudar (ibidem). É relevante fazer uma avaliação, no sentido global, em busca de um caminho para se conter a ansiedade, o estresse e os medos.

Variáveis individuais e contextuais interferem no processo de envelhecimento como processo de desenvolvimento humano. Com efeito, “[o] envelhecimento [é] um longo e contínuo processo biopsicossocial, através do qual se produzem transações mútuas entre o organismo biológico, a pessoa e o contexto ambiental […] em íntima relação com aquilo que a pessoa faz e aquilo que a pessoa possui” (MOSQUERA; STOBÄUS, 2012, p. 17). Interferem também as percepções das experiências já vividas e as que são atualmente oferecidas; como afirmam Vieira e Mello-Carpes (2013, p. 706), “[…] as características pessoais, bem como os aspectos psicossocioculturais, interferem na maneira de olhar o envelhecimento”.

Por isso, o tempo da profissão, contado em anos de serviço ou vivido qualitativamente e experienciado pelos professores como «pessoas», deve ser considerado em qualquer análise que relacione o envelhecimento e trabalho docente. Para Tardif e Raymond (2000, p. 234), “[…] o tempo é um fator importante na edificação dos saberes que servem de base ao trabalho docente”. O tempo inclui “experiências […] transformações funcionais e […] mudança da dinâmica relacional, profissional e de determinados comportamentos” (LIMA; SILVA, 2015, p. 432).

Surpreendentemente, embora reagindo, muitas vezes negativamente, às novas condições do estatuto da carreira docente e às novas exigências burocráticas do trabalho, muitos professores mantêm o desejo de continuar exercendo a profissão. Por isso também se acentua o interesse em estudar de forma mais aprofundada essas aparentes contradições do envelhecimento na profissão docente (LIMA; SILVA, 2015, p. 432):

Se o processo de envelhecimento do professor, por um lado, propicia a maturidade, experiência e confiança no trabalho desempenhado, que são elementos centrais e valorizados na prática cotidiana, por outro lado, o corpo físico parece desprender-se do sujeito, abandonando-o gradativamente, repercutindo em sentimentos contraditórios relacionados ao envelhecimento.

2.2 Envelhecimento e profissionalidade docente

No estudo do processo de envelhecimento na relação com o trabalho, existem particularidades relacionadas com as atividades profissionais que as pessoas exercem, as quais devem ser levadas em consideração na busca da compreensão desse processo − profissionalidade é central a este respeito.

A profissionalidade docente diz respeito a saberes e relações, ações e práticas, conhecimentos e valores, individuais e grupais, inerentes aos afazeres do grupo profissional (LOPES, 2007). Ela é marcada também pelo contexto histórico, político e social em que o professor exerce sua atividade e tem em seu núcleo o significado dado pelo(s) professor(es) à ação de ensinar ou ajudar a aprender. É então essencial entender a lógica docente a partir de sentidos e de significados atribuídos à sua identidade e prática profissional (STANO, 2001). Por outro, para além do tempo, das especificidades da docência e de todo o contexto, compreender a docência requer considerar a “pessoa” do professor − “[…] é impossível separar o «eu» profissional do o «eu» pessoal […]” (NÓVOA, 2000, p. 17).

Na verdade, a compreensão do envelhecer na profissão docente requer uma visão global do processo de envelhecimento e do indivíduo que envelhece, mas também a consideração dos traços da profissão, pois o envelhecimento acontece de forma particular em cada indivíduo e também carrega traços da sua profissionalidade. Ora, a docência é uma “profissão altamente complexa e especializada, não só quanto ao seu saber profissional específico e à forma como é avaliada a sua legitimidade, como quanto ao seu processo de formação/socialização inicial” (CARROLO, 1997, p. 30).

O mundo do trabalho muda e as exigências acompanham essas mudanças, de acordo com as necessidades de recursos materiais e intelectuais de que necessitamos para viver. A escola não fica à margem dessas mudanças, pois a docência, assim como as demais profissões, acompanha as mudanças no mundo do trabalho, e o papel do professor é de protagonista nessa história. Idealmente, o trabalho docente é marcado pela busca constante do relevante, do novo.

A dinâmica do mundo atual, com seus estímulos e desafios, é bem retratada no cotidiano de uma sala de aula, em que o professor é pressionado verdadeiramente a acompanhar o ritmo dos seus alunos, em diversos aspectos. São diversas as transformações sofridas pelo trabalho docente, entre elas a democratização da escola, agora “de massas”, e o aumento das responsabilidades atribuídas aos docentes, já que, atualmente, os docentes não ministram apenas aulas, mas assumem, muitas vezes, a função de psicólogo, enfermeiro, pai, mãe, assistente social − enfim, funções que estão além das suas atribuições e a que Nóvoa (2009, p. 14) faz referência aludindo à “deriva transbordante” da escola.

No que se refere às exigências da profissão docente, ainda devem ser apontadas as longas jornadas de trabalho a que muitos docentes são submetidos e que envolvem não apenas esforço físico, mas todas as suas capacidades. Diante dessas exigências impostas, os professores se dispersam ao tentar geri-las e podem experimentar, em doses equilibradas ou não, o sentimento de não saber por onde começar ou como responder adequadamente. É nesse novo contexto que Tardif e Lessard (2011, p. 112) insistem na necessidade de perguntar: “Quais são, hoje, as condições de trabalho docente de um professor, sua carga de trabalho, suas tarefas concretas, suas diferentes durações, sua variedade?”.

A ação mediadora realizada pelo professor no processo de apropriação dos conhecimentos e outras competências pelos alunos não é involuntária, mas sim intencional, consciente e com finalidade específica, a fim de oferecer a esses alunos todas as ferramentas necessárias à sua formação e ao seu desenvolvimento intelectual. Essas ações requerem dos professores mais velhos um esforço extra, a fim de acompanhar o sugerido por Vygotsky (1988, p. 114) − “ O único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”.

As relações intergeracionais que são inerentes à atividade de ensinar e a necessidade de manter-se atualizado, como avançado por Stano (2001), exigem ou despertam no professor a necessidade incansável de aprender e de se atualizar. No entanto, com o envelhecimento progressivo do quadro docente, aumenta a distância geracional entre professores e alunos e, com isso, surgem novos desafios de aprendizagem e relacionamentos.

Como sintetiza Herdeiro (2010, p. 14), “Ser professor sempre foi uma profissão de grande complexidade”, mas as constantes mudanças, comuns na atualidade e no contexto de trabalho dos professores, exigem destes uma resposta rápida - cada vez mais exigente -, em que o professor precisa adaptar-se e recuperar o equilíbrio, mesmo na instabilidade existente para não sucumbir às dificuldades.

2.3 Envelhecimento docente e níveis de ensino

Tendo a docência especificidades em função do nível de ensino, considerá-las é fundamental para analisar o impacto do envelhecimento do professor no trabalho docente; com efeito, pesquisas revelam que, na relação entre docência e envelhecimento, existem particularidades em função do nível de ensino que devem ser consideradas (CAU-BAREILLE, 2014; MOREIRA; VIEIRA, 2014) - por exemplo, a exigência física é diferente se pensarmos num professor da Pré-Escola ou num professor do Ensino Médio e, nesses casos, haverá ainda de se distinguir se é um professor de Matemática ou de Educação Física.

Numa pesquisa realizada por Alves (2016), conclui-se que os professores da Educação Infantil, Pré-Escola e Ensino Fundamental estão mais preocupados com o envelhecimento ligado a perdas de capacidades e ao desgaste com impacto na qualidade do trabalho a realizar. Com efeito, as condições de saúde dos professores, nessa fase, devem ser mais bem avaliadas, pois “o aumento da longevidade não é sinónimo de saúde, e viver mais anos não significa que estes sejam vividos com qualidade” (RODRIGUES, 2018, p. 29). Os professores referem-se também às condições de trabalho, ou seja, ao acúmulo de atividades e aumento de exigências no trabalho na última década, as quais causam também “[...] fenômenos de desgaste […] num contexto em que as margens de manobra são relativamente limitadas” (CAU-BAREILLE, 2014, p. 65).

3 METODOLOGIA

Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de compreender como os professores percebem o seu envelhecimento e respectivo impacto no seu exercício profissional. O estudo foi realizado em Portugal, onde cerca de um terço dos professores, em todos os níveis e graus de ensino, têm idade igual ou superior a 50 anos. Segundo o CNE (2015, p. 140), “[o] aumento da idade da reforma, atualmente nos 66 anos e 5 meses, e o quase inexistente ingresso de novos professores no sistema explicam este envelhecimento acentuado”.

O estudo desenvolveu-se com o objetivo de explorar as percepções de professores sobre o seu envelhecimento na profissão, compreender contradições, identificar convergências e divergências entre os níveis de ensino e gerar novos insights.

Adotou-se uma perspectiva qualitativa e interpretativa, pois se entende que se aborda um tema que enfatiza de forma especial a subjetividade a qual se manifesta “indispensável nas práticas investigativas, [em que] os processos de pesquisa resultam de reflexões e realizações dos sujeitos e suas escolhas” (DAL-FARRA; LOPES, 2013, p. 78).

No estudo, recolheu-se e analisou-se um conjunto de dados relativos à realização de grupos de discussão focalizada − uma técnica de pesquisa que coleta dados por meio das interações grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador (MORGAN, 1996). O seu uso adequa-se também “à dinâmica de pouca estruturação que [se pretende] introduzir nas discussões em grupo” (MACEDO, 2009, p. 167).

Contou-se com a participação de 22 professores (16 professoras e 6 professores), com idades entre os 50 e os 63 anos e com tempo de serviço entre os 28 e os 41 anos. Tendo em conta a interação gerada no interior do grupo como principal característica dessa técnica de recolha de informação (AMADO, 2014), realizaram-se quatro momentos de discussão focalizada, de acordo com a seguinte distribuição3:

Quadro 1 Distribuição dos Grupos Focais 

Grupo de discussão
focalizada
Níveis de ensino Séries
GF01 Pré-escola -
GF02 Ensino Fundamental I (EF-I) 1ª à 4ª
GF03 Ensino Fundamental II (EF-II) 5ª à 6ª
GF04 Ensino Fundamental III (EF-III) e
Ensino Médio (EM)
7ª à 9ª
10ª à 12ª

Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo.

Os professores do Ensino Fundamental III e do Ensino Médio fizeram parte do mesmo grupo de discussão focalizada, pois lecionam nos dois níveis de ensino (correspondentes em Portugal ao 3º Ciclo do Ensino Básico e ao Secundário). As sessões tiveram o apoio de um guião elaborado a partir de estudos anteriores (ALVES, 2016).

A análise e o tratamento dos dados seguiram aos pressupostos da análise temática de conteúdo (L’ÉCUYER, 1990; BARDIN, 2004; CAMPOS, 2004; NEUENDORF, 2019). Com base em Freitas e Janissek (2000), identificaram-se categorias e subcategorias de análise (Quadro n. 2).

Quadro 2 Sistema categorial utilizado nesta análise 

Categorias Subcategorias
Sentimentos atuais em relação ao trabalho docente Trabalho desenvolvido
Expectativas de futuro
Percepções sobre o envelhecer na docência Percepções positivas
Percepções negativas
Desafios do envelhecer na docência Distância/conflito intergeracional
Dificuldade em acompanhar as mudanças
Perdas em saúde e bem estar
Dimensões de resistência ao envelhecer na docência Trabalho Colaborativo e relações interpessoais
Uso das TIC

Fonte: Elaborado pelos autores deste artigo.

3.1 Apresentação e discussão dos resultados

Nesta seção, serão apresentados e discutidos os resultados da pesquisa, distinguindo-se entre as diferentes categorias.

3.1.1 Sentimentos atuais face ao trabalho

Em relação ao trabalho desenvolvido, os participantes demonstram satisfação em “dar aulas”, especificamente gostam do que fazem. O orgulho e a preocupação em realizar o seu trabalho da melhor maneira estão bem presentes em seus discursos.

Eu, se não fosse professora, era professora. Gosto muito do que faço, tenho muito orgulho em ser professora. (Profa. 22-GF04)

Também não me vejo a fazer mais nada, gostava de ser melhor, de estar melhor e de ser mais capaz. (Profa. 18-GF04)

O envolvimento emocional e a interação com as crianças, aparentemente, contribuem para que as professoras da Pré-Escola tenham menor sensação de envelhecer: “A satisfação é o trabalho direto com as crianças […] Nós conseguimos entrar e trazê-los até nós e envolve-nos tanto que eu penso, nessa parte aí, não me envelhece!” (Profa. 02-GF01).

Para os professores do EF-I (GF02) e EF-II (GF03), a satisfação com seu trabalho é atenuada pela desmotivação decorrente das atuais condições físicas, psicológicas e contextuais: “Penso que serei a mais velha, aqui do grupo − tenho 63 anos e há cinco anos sentia um outro tipo de motivação e de vontade de estar na escola” (Profa. 06-GF02).

Os professores do EF-III e EM (GF04) ressaltam a valorização do saber e o respeito por parte dos seus alunos: “Eu acho que no secundário são mais sensíveis, de facto que valorizam mais [o saber], respeitam mais” (Profa. 18-GF04).

Mas todos os professores esboçam uma preocupação com o futuro em relação à qualidade do seu trabalho até à aposentadoria.

As educadoras da Pré-Escola percebem seu limite de idade para trabalhar, nas condições desejadas: “Não me vejo a dar aulas a partir dos 60 anos, é impensável!” (Profa. 03-GF01).

Os professores dos demais níveis de ensino (à exceção dos do ensino médio), esboçam o desejo de chegar até a idade da aposentadoria em boas condições, porém mostram-se incrédulos, com base nas suas condições físicas e psicológicas atuais.

Já os professores dos ensinos fundamental e médio cogitam a possibilidade de trabalhar até aos 65 anos, mas não mais: “Eu tenho 60, já. Pensar em mais 7 anos está totalmente fora de questão, mesmo pensando só no ensino secundário, porque até acho que até aos 65 eu ainda consigo imaginar − pensando no ensino médio” (Profa. 22-GF04).

3.1.2 Percepções sobre o envelhecer na docência

Como previsto a partir da revisão de literatura, para os participantes, as percepções sobre o envelhecimento são simultaneamente de natureza positiva e negativa. Ao refletirem sobre o envelhecer na docência, a maioria dos professores o relaciona à experiência e consequente melhoria da sua prática docente, e enfatiza que a docência lhes tira a atenção ao relógio biológico: “Mantemo-nos mais tempo com um espírito mais jovem, sim” (Profa. 21-GF04).

Para esses professores, o envelhecer é positivo não só para a prática profissional, mas para a vida em geral: “A idade tornou-me melhor, eu acho que me tornou melhor professora porque eu trabalhei muito e continuo a trabalhar muito para saber cada vez mais, mas tornou-me um melhor ser humano” (Profa. 21-GF04).

Como afirma Huberman (1995, p. 41), com o passar do tempo, na prática, as “[…] pessoas situam melhor os limites do que é tolerar e fazem respeitar melhor esses limites, com mais segurança e espontaneidade”. O saber adquirido com o tempo reflete positivamente em sua prática. Tal como previsto por Tardif e Raymond (2000, p. 234), “[...] o tempo é um fator importante na edificação dos saberes que servem de base ao trabalho docente”.

Há um saber adquirido, uma grande bagagem, e nós constantemente vamos recorrer àquilo que vamos fazendo ao longo dos anos e vamos aplicando, reformulando. Vemos o que é que neste momento não está a resultar e conseguimos ir buscar outras experiências. (Profa. 02-GF01).

Os professores relacionam as percepções e vivências negativas à falta de paciência e ao cansaço físico e psicológico: “[…] há uma menor energia para as tarefas pedagógicas do dia-a-dia à medida que se vai envelhecendo. Sinto isso!” (Prof. 09-GF02); “[…] concordo que há mais cansaço, por um lado, há menos paciência em relação a certas coisas” (Profa. 18-GF04).

Com o passar do tempo, os professores sentem também que possuem menos capacidades:

[…] as condições físicas e psicológicas reduzem-se, ao longo da vida, sem dúvida nenhuma […] Há determinadas coisas que nós já não conseguimos, quer física, quer psicologicamente - chegar lá, interagir, participar, colaborar também […] A prática da educação física, de todo, não a farei! Porque não consigo. (Profa. 06-GF02).

[…] eu, com a idade que tenho, apesar de querer saber, já não consigo aprender com tanta facilidade. (Profa. 22-GF04).

Há um consenso entre os participantes sobre a ‘perda de memória’.

Nas canções que canto. Já não me ocorrem com tanta facilidade e noto diferença na minha voz. (Profa. 01-GF01)

Acontecer de pensar - o quê que eu aqui vinha fazer? Dentro da própria sala! (Profa. 07-GF02).

Estou a entrar num processo de esquecimento - quero falar e já não me lembro. (Prof. 12-GF03).

São os professores dos mais pequeninos que menos indicam o lado positivo do envelhecer na docência.

3.1.3 Desafios do envelhecer na docência

Os maiores desafios do envelhecimento provêm da perda de capacidades físicas e da diferença intergeracional. Complicações na voz e na audição, relacionadas ao barulho existente em sala de aula, são relatadas pela maioria dos professores.

Eu acho que noto a nível da voz claramente, claramente a parte das cordas vocais, e acho que é o principal, e com a idade levamos a ver pior no meu caso. (Profa. 21-GF04).

Neste momento não tenho nada diagnosticado, mas parece me que estou a perder um bocado da audição. (Profa. 02-GF01).

Também são comuns as dores no corpo, decorrentes das posições e modo de estar (sentado, em pé, com a cabeça baixa, escrevendo, andando e com os braços levantados - por muito tempo) inerentes ao exercício da profissão.

O próprio facto da movimentação da coluna, do ombro, dos pés. Passa-se muito tempo de pé. Nesta posição e depois ao virar, já não se mexe, não se endireita. Ai que não me mexo! (Profa. 04-GF02).

[…] eu agora corrijo os testes aos bocadinhos, antes eu corrigia uma turma, começava e acabava, agora sou incapaz de fazer isto, porque eu não aguento de dor nos braços. A posição em que nós estamos é insuportável. (Profa. 19-GF04).

As relações intergeracionais são por natureza contraditórias e em uma relação importante como a de professor-aluno no processo de aprendizagem, que depende fundamentalmente da empatia e do respeito, superar e administrar a distância em relação aos alunos é um desafio para todos os participantes. Segundo Cau-Bareille (2014), com o envelhecimento, acresce o sentimento de diferença geracional que desestabiliza a atividade docente: “Eu gosto de ensinar! Não nessas condições, principalmente, porque minha fase vem a se estender e há uma grande distância geracional entre as crianças que recebemos no 1º Ciclo e uma pessoa com 64, 65 anos” (Profa. 06-GF02).

Entretanto, para as educadoras da Pré-Escola, acresce o esforço para diminuir essa distância e serem aceitos, o que é determinante para que possam desenvolver suas atividades de forma satisfatória com os mais pequeninos: “Há que se diminuir a distância e eles acabam por nos ver como um deles. Eu sinto isso um bocado” (Profa. 01-GF01).

As constantes mudanças que se operam no trabalho provocam também cansaço, decorrente de todo o esforço que despedem para as acompanhar, dado o desejo e a necessidade de se manterem atualizados: “Não tenhamos dúvidas que, hoje, acompanhar as turmas é um desafio muito, muito grande […] E nós fomos passando por muitas mudanças, que também nos desgastaram profundamente” (Profa. 08-GF02).

Stano (2001) defende que envelhecer como docente ocasiona um desejo incansável de aprender e de se atualizar. O desejo de atualização é evidenciado sobretudo pelos professores do EF-III e EM.

[…] nós estamos querendo estar sempre atualizados, porque os miúdos… lidar com gente mais nova é um enorme desafio a vários níveis […] nós tivemos que nos adaptar à net, adaptar às novas tecnologias, e isso é um desafio enorme para um professor […] Eu não sabia o que era WhatsApp, tive que saber; eu não sabia o que era um Instagram, eu não sabia tantas coisas!!! (Profa. 21-GF04).

3.1.4 Estratégias para confrontar os efeitos negativos do envelhecimento na docência

Apesar das mudanças e limitações percebidas pelo indivíduo e /ou pela sociedade no processo do envelhecimento, o professor busca estratégias para lidar com seus efeitos. As estratégias ou recursos utilizados pelo professor para amenizar as perdas e facilitar sua adaptação à nova fase são diversos. No entanto, nesta pesquisa, duas estratégias surgem destacadas nas falas dos participantes: o trabalho colaborativo e as relações interpessoais; e o uso das novas tecnologias (TIC) em seu contexto de trabalho.

Os professores empenham-se para que os alunos não se apercebam das suas limitações (sobretudo no Ensino Fundamental) e esforçam-se por as ultrapassar. Este empenho, apesar de individual, não é solitário, mas resultado de um grupo de pessoas que têm objetivos em comum. Como defendem Fullan e Hargreaves (2001, p. 89), “As culturas colaborativas reconhecem e dão voz ao propósito dos docentes”, pois promovem melhores ambientes de trabalho: “O grupo mantém-se unido, trabalha muito bem junto e acho que isso tem nos ajudado muito” (Profa. 06-GF02); “Nos colegas eu tenho muita confiança e nós trabalhamos juntos já há muitos anos” (Profa. 08-GF02).

Quando existe um bom relacionamento entre as pessoas no ambiente escolar, isso reflete diretamente em um lugar ideal para o desenvolvimento de práticas de colaboração, daí a necessidade da construção de uma rede de relações, a fim de propiciar um clima organizacional positivo, que vá além e não se resuma à mera colegialidade artificial: um “conjunto de procedimentos formais e burocráticos específicos, destinados a aumentar a atenção dada à planificação em grupo e à consulta entre colegas, bem como outras formas de trabalho em conjunto” (FULLAN; HARGREAVES, 2001, p. 103).

Esse “ir além” é evidenciado nas práticas colaborativas e de partilha dos participantes desta pesquisa.

Informalmente, a partilha, pelo menos aqui na escola, das diferentes situações vividas por cada um ajuda a melhorar o todo; as conversas informais que se vão tendo […] Eu não estou sozinha, não sou só eu que me sinto cansada. (Profa. 22-GF04).

A colaboração real tem se mostrado relevante em possibilitar melhor relacionamento interpessoal e melhores condições de trabalho até a aposentadoria.

Fazemos uns piqueniques, assim, às quartas-feiras, na hora do almoço. Tentamos minimizar esses efeitos. (Profa. 18-GF04).

Tem nos ajudado […] E é por isso também que elas, com mais de 60 anos, estão a pegar em turmas para nos mantermos juntas. (Profa. 04-GF02).

Entende-se que o uso das tecnologias da informação e da comunicação na educação é, atualmente, uma necessidade. No entanto, os participantes deste estudo ampliam essa perspectiva e partilham da ideia de que o uso das tecnologias no trabalho docente vai além de um apoio ao processo de ensino-aprendizagem. Trata-se, também, de um recurso para minorar os efeitos e impactos do envelhecer na docência. Como afirmam Santos e Lucena (2019), o contexto de transformações sociais e tecnológicas que vêm ocorrendo tem alterado as perspectivas dos sujeitos, estimulando mudanças tanto nos processos de ensino quanto nos de aprendizagem, associadas às tecnologias digitais que ampliam e flexibilizam esses processos, contribuindo para a reinvenção das práticas em sala de aula.

Para as educadoras da Pré-Escola, o uso das tecnologias auxilia na preservação da voz e ajuda no trabalho com as crianças.

A colega falava [dos problemas] na voz e recorre-se muitas vezes à internet, ao YouTube para procurar canções […]; por exemplo, ao invés de cantar, recorre-se aos vídeos […]. Eu fiz formação e usava bastante o quadro interativo, acho que é uma ferramenta que nos ajuda muito no trabalho e as crianças gostam também. (Profa. 02-GF01)

O quadro interativo é a ferramenta que se destaca para os professores: “[…] o quadro interativo é fantástico!” (Profa. 06-GF02); “Os quadros interativos, sim − como ferramenta − é ótimo para a sala de aula, acho que veio facilitar imensamente” (Profa. 08-GF02).

Mas o uso inadequado ou com pouco apoio das TICs faz com que os professores sintam que se poderia fazer melhor e que isso teria mais impacto positivo nos alunos: “[…] embora nós tenhamos um computador na sala de aula, nem sempre ele está a funcionar; e, portanto, não somos tão atrativos como poderíamos ser se as escolas estivessem muito melhores apetrechadas para estes grupos” (Profa. 16-GF03).

Efetivamente, as TICs, apesar de um percurso já longo na educação, continuam a ser um desafio, com a inserção de novas plataformas e discussões acerca de suas vantagens e operacionalidades. Em resposta a esse desafio, muitos programas e projetos de formação para os professores têm sido implementados, com a intenção de inovar suas práticas. A propósito, Santos e Lucena (2019, p. 138) defendem que “a formação no tocante às tecnologias digitais precisa ser situada no contexto em que os professores e alunos estão inseridos, entrelaçando reflexões pensadas ou reconstruídas em um processo contínuo e interativo”.

Num estudo realizado com professores experientes, no âmbito do projeto Rekindle+50, que interliga as questões do envelhecimento docente e o uso das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem, os resultados “evidenciam alguns mitos e crenças nem sempre com fundamento, tais como a proficiência «inata» dos estudantes para as TIC e a completa e irremediável falta de apetência dos professores experientes para as questões tecnológicas” (THOMAS DOTTA; MONTEIRO; MOURAZ, 2019, p. 45). Uns e outros precisam de suporte.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do envelhecimento populacional e suas consequências no mundo do trabalho, não podemos deixar de pensar no trabalhador que também envelhece em sua profissão. Os professores, os quais fazem parte dessa realidade, estão diante de constantes mudanças, exigências e desafios, que vão além do âmbito pessoal. Para esses, o sentido do trabalho está intimamente ligado às suas vidas, o que torna o envelhecer na docência um processo exigente, complexo e com algumas particularidades.

Em geral, em relação ao envelhecimento na docência, os professores têm uma percepção ambígua. Por um lado, falam do lado positivo de sentirem-se produtivos e enfatizam a experiência e o amadurecimento - têm o envelhecimento como uma mais-valia e reconhecem que a docência lhes tira a atenção ao relógio biológico; por outro, queixam-se da redução nas suas capacidades de resistência física e psicológica e têm dificuldades ligadas à cada vez maior distância geracional (cultural) entre eles e os alunos. Para esses, a “paixão pelo trabalho” é o que os faz “aguentar” os aspetos negativos.

Os níveis de ensino influenciam nas diferentes formas de perceber o impacto do envelhecimento no trabalho docente - o Ensino Pré-Escolar apresenta maior preocupação acerca das condições físicas necessárias para o atendimento das necessidades das próprias crianças e da distância geracional; nos professores do Ensino Fundamental (I e II), há preocupação em nível da gestão do acesso aos saberes no exercício profissional e do esgotamento físico; os professores dos EF-III e Ensino Médio debatem-se com desvantagens e vantagens ligadas à ênfase nos saberes disciplinares (a matéria). A relação da vivência do envelhecimento com a profissionalidade, específica a cada nível de ensino, fica assim evidente.

A preocupação que os professores demonstram quanto ao tempo que ainda terão de exercer a profissão está diretamente ligada ao desejo de poder fazer bem o seu trabalho em longo prazo - cerca de 10 anos ou mais, consoante o prolongamento do tempo para a aposentadoria. Sob essa ótica, foi unânime a indignação dos professores com o excesso de trabalho burocrático. Apesar das muitas dificuldades, os dados revelam que os professores continuam a desempenhar o seu trabalho de maneira a não projetar as suas dificuldades nos seus alunos, de modo a exercer suas atividades da melhor maneira possível.

Alguns participantes revelaram o uso de estratégias ou recursos para lidarem melhor com os efeitos do envelhecimento na docência, entre os quais se destaca o trabalho colaborativo, apontado por muitos como possibilidade de partilhar tanto os momentos bons quanto os momentos ruins. Também, o uso das tecnologias aparece nos resultados como uma mais-valia, como um renovo.

Apesar do empenho dos participantes deste estudo em realocarem seus recursos internos e externos, por meio de estratégias, a fim de minimizarem as perdas ao longo do tempo, é clara a necessidade de se encontrarem condições contextuais específicas que apoiem os professores na última fase da carreira, para que possam desenvolver o seu trabalho, como desejado, e viver com qualidade.

3Utilizamos essa distribuição, tendo em conta as séries lecionadas pelos participantes, para fazer correlação com os níveis de ensino vigentes em Portugal, local de realização da pesquisa. Tais correlações são: Pré-Escola → Pré-Escola; EF-I → 1º Ciclo da Educação Básica; EF-II → 2º Ciclo da Educação Básica; EF-III e Ensino Médio → 3º Ciclo da Educação Básica e Secundário.

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Recebido: 31 de Janeiro de 2020; Aceito: 28 de Julho de 2020

Kelly Alves: Doutoranda em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Mestre em Ciências da Educação (FPCEUP). Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Graduada em Licenciatura em Matemática pela UFPA. Membro da comunidade de prática de investigação IDEAFor − Identidade, Democracia, Escola, Administração e Formação (IDEAFor/CIIE-FPCEUP). E-mail:alveskelly31@yahoo.com.br, Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6124-9908

Amélia Lopes: Doutorado e Agregação em Ciências da Educação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). Professora catedrática na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. Vice-diretora do Centro de Investigação e Intervenção Educativas, onde é coordenadora da comunidade prática de investigação IDEAFor − Identidade, Democracia, Escola, Administração e Formação. (IDEAFor/CIIE-FPCEUP). E-mail: amelia@fpce.up.pt, Orcid: http://orcid.org/0000-0002-5589-5265

Fernando Pereira: Doutorado em Ciências Sociais - Sociologia. Professor adjunto no Instituto Politécnico de Bragança. Investigador colaborador do Centro de Investigação de Montanha (Cimo), da Escola Superior Agrária de Bragança. Coordenador do Núcleo de Investigação e Intervenção do Idoso da ESSa/IPB. Membro-fundador e investigador do Grupo de Investigação Análise Social do Trabalho Técnico Intelectual (Aspti). E-mail: fpereira@ipb.pt, Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3294-3084

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