1 INTRODUÇÃO
Partilhamos neste artigo os contributos do Projecto Empowering Eportfolio Project (EEP), um projecto Erasmus+ KA2 implementado em parceria por cinco instituições de Ensino Superior europeias2, desenvolvido com a finalidade de promover estratégias de educação centradas no estudante - “student-centred education” - e desenvolver práticas de avaliação com recurso a abordagens inovadoras, dinâmicas e recorrendo a portefólios digitais - designados por ePortfolios (KUNNARI; LAURIKAINEN, 2017). No contexto do projecto EEP, considera-se que ePortfolios são:
espaços de trabalho e aprendizagem digitais, da autoria e propriedade dos estudantes, que servem para recolher, criar, compartilhar, colaborar, refletir aprendizagens e competências, bem como para a avaliação. São promotores da implicação em processos de desenvolvimento pessoal e profissional, de interação activa com comunidades de aprendizagem e com diferentes interessados no processo de aprendizagem. (KUNNARI; LAURIKAINEN, 2017, p. 7).
O Projecto EEP decorreu entre 1 de Setembro de 2016 e 30 de Novembro de 2018 e teve como objetivos desenvolver estratégias para promover o sucesso académico dos estudantes, reforçando a sua motivação e participação. Entre outras finalidades, também procura estabelecer pontes para a sua futura vida profissional, numa perspectiva de educação ao longo da vida, “promovendo a empregabilidade, cidadania activa e participação social no mundo digital” (KUNNARI; LAURIKAINEN, 2017, p. 6).
No ensino superior, as potencialidades do uso de portefólios têm vindo a ser estudadas e amplamente discutidas. Uma vez que se pretendem desenvolver atividades de autoria e de reflexão, os portefólios podem constituir-se como estratégias construtivistas de aprendizagem, promovendo a responsabilidade dos estudantes e colocando-os no centro do processo de aprendizagem (SÁ-CHAVES, 2005; VEIGA SIMÃO, 2005; MORGADO; PINTO; MONTES; VIEIRA, 2009; RODRIGUES, PIRES; PESSOA, 2017). A inclusão do digital na utilização de portefólios tem evidenciado vantagens diversas: têm um acesso ubíquo, podem incluir elementos multimédia e facilitam o desenvolvimento pessoal (BECKERS; DOLMANS; VAN MERRIENBOER, 2016). Para além disso, os portefólios digitais também podem motivar mais os estudantes do que os construídos em suporte papel (DRIESSEN; MUITJENS; VAN TARTWIJK; VAN DER VLEUTEN, 2007), particularmente quando se desenvolvem em contextos colaborativos e que apelam à interação entre pares por parte dos estudantes (RODRIGUES; PIRES; PESSOA, 2017). Quando os portefólios digitais são construídos em plataformas online promotoras de colaboração, existem também processos relacionados com a aprendizagem entre pares que devem ser facilitados pelo professor (CORNO; MANDINACH, 2009; BARBERA, 2009; WANG, 2009; RODRIGUES; PIRES; PESSOA, 2017).
Tem sido evidenciado que a utilização de portefólios digitais coloca desafios aos professores, exigindo-lhes um investimento em dois domínios: ao nível da atitude e da preparação para o seu uso (COUTINHO, 2011). Neste sentido, tem sido igualmente destacado que as estratégias de partilha e colaboração entre pares, entre professores, constituem-se como estratégias de desenvolvimento profissional adequadas, contrastando com as tradicionais acções de formação contínua, pontuais e avulsas, que contribuem muito pouco para a mudança das práticas profissionais dos docentes. Sabendo-se que a mudança das práticas está articulada com a mudança dos contextos pedagógicos e organizacionais, as práticas de formação que têm como referência a dimensão colectiva contribuem para a emancipação profissional e para a consolidação da profissão docente, tal como afirma Nóvoa (1992, 2002, 2017). Para este autor, a formação dos professores exige experimentação e inovação, sendo que a construção de novas estratégias pedagógicas se faz pela reflexão crítica sobre a acção, através de dispositivos de investigação-acção e de investigação-formação.
2 OBJECTIVOS DO ESTUDO
O projecto EEP é um projecto de investigação e desenvolvimento que teve como eixos estruturantes a realização de estudos-piloto nas cinco instituições europeias parceiras do estudo. No contexto Português, os estudos-piloto focaram-se nos seguintes objectivos: a. Identificar as percepções dos estudantes e dos professores sobre o uso de portfólios digitais no ensino superior.
b. Implementar estratégias de aprendizagem e de avaliação baseadas em portefólios digitais no ensino superior.
O estudo foi desenvolvido com vista a promover a utilização de portefólios digitais numa instituição Portuguesa de ensino superior público, procurando implicar activamente os estudantes e os docentes da instituição, entendidos como parceiros do estudo, bem como contribuir para a melhoria das estratégias pedagógicas em curso. Com base nestes objectivos, as autoras estabeleceram relações colaborativas com estudantes e colegas, assumindo o papel de “amigo crítico” (CARR; KEMMIS, 1986), procurando apoiar os envolvidos no processo, de forma a contribuir para a melhoria das suas práticas, entendimentos e situações de trabalho.
3 METODOLOGIA
O estudo realizado, de natureza qualitativa (AMADO; FERREIRA, 2014), enquadra-se na abordagem da investigação-acção, legitimando o papel do “professor como investigador” (CARR; KEMMIS, 1986) e a investigação educativa não como uma investigação sobre ou acerca da educação mas como uma investigação em e para a educação. Segundo os autores:
Action research is simply a form of self-reflective enquiry undertaken by participants in social situations in order to improve the rationality and justice of their own practices, their understanding of these practices, and the situations in which the practices are carried out. (CARR; KEMMIS, 1986, p. 162).
Segundo Kurt Lewin (apud CARR; KEMMIS, 1986):
Action research consists of analysis, fact-finding and conceptualization about problems; planning of action programs, executing them, and then more fact-finding or evaluation; and then a repetition of this whole circle of activities; indeed, a spiral of such circles (p. 164).
É através destas espirais que se criam as condições para a existência de comunidades de aprendizagem, suportadas em estratégias de identificação, compreensão e resolução de problemas, através de uma intervenção ou acção estratégica. Uma das suas características é a sua natureza colaborativa. Os participantes são envolvidos nas atividades, que são implementadas com vista à melhoria das práticas educativas, nomeadamente através da resolução de problemas:
There are two essential aims of all action research: to improve and to involve. Action research aims at improvement in three areas: firstly, the improvement of a practice; secondly, the improvement of the understanding of the practice by its practitioners; and thirdly, the improvement of the situation in which the practice takes place. The aim of involvement stands shoulder to shoulder with the aim of improvement. (CARR; KEMMIS, 1986, p. 165).
Partindo deste enquadramento, a equipa responsável pelo estudo procurou conhecer quais são as estratégias de aprendizagem e de avaliação baseadas em portefólios digitais, no âmbito dos cursos ministrados na instituição, e encontrar estratégias adequadas para a melhorar/promover a sua utilização. Nesse sentido, considerou fundamental identificar as experiências prévias de docentes e estudantes com portefólios digitais, compreender as suas perspectivas, obstáculos e dificuldades, de forma a poder contribuir para a melhoria das práticas.
3.1 Fase de compreensão do problema: perspectivas de professores e estudantes sobre portefólios digitais
Em conformidade com os princípios orientadores da investigação-acção, na fase exploratória de análise e compreensão do problema considerou-se fundamental identificar as práticas pedagógicas usadas pelos professores com recurso a portefólios, digitais e não digitais. Construiu-se um inquérito por questionário que foi lançado aos professores, num total de 102 sujeitos, tendo-se obtido 40 respostas. A partir dos respondentes ao inquérito, selecionou-se posteriormente um sub-grupo de professores que já tinha utilizado portfólios como estratégia de ensino e/ou avaliação, com o qual se realizou uma entrevista com a finalidade de compreender de forma mais fina quais as suas motivações, obstáculos e dificuldades. As entrevistas, presenciais e por telefone, foram realizadas a um total de 13 docentes.
Ainda numa fase exploratória do estudo, procurou-se identificar as perspectivas dos estudantes relativamente à sua experiência anterior com portefólios digitais, através da realização de entrevistas. O procedimento utilizado para a recolha foram as entrevistas em grupo (AMADO; FERREIRA, 2014) por se considerar que melhor se adequavam à natureza da informação a recolher e também de forma a respeitar os recursos e os constrangimentos temporais existentes. A análise da informação recolhida recorreu à análise de conteúdo, temática e transversal (BARDIN, 2004) e as categorias de análise foram construídas a posteriori, com base nos depoimentos dos estudantes. Foram constituídos três grupos de estudantes, num total de treze, a partir dos seguintes critérios: terem estado em contacto com estratégias de aprendizagem/avaliação com recurso a suportes digitais, no ano lectivo anterior; estarem matriculados em diferentes cursos, de forma a garantir a diversidade de perfis, tanto no que diz respeito a cursos e níveis de ensino.
3.2 Fase de intervenção: a utilização de portefólios digitais como estratégia de aprendizagem e de avaliação
O eixo da intervenção do estudo - a fase da “acção” - consistiu na implementação de um dispositivo pedagógico baseado no uso de portefólios digitais como estratégia de aprendizagem e avaliação. Este dispositivo foi implementado numa fase experimental durante o ano lectivo de 2016/17 e continuado em 2017/18, no âmbito de um programa de estudos com características inovadoras destinado a estudantes internacionais - o Semestre Internacional -, cuja primeira edição ocorreu no ano lectivo de 2016/17. Entre as Unidades Curriculares (UC) que fazem parte do plano de estudos encontra-se Digital Storytelling, que tem como objetivo desenvolver competências digitais e o pensamento crítico como fatores promotores de construção de histórias digitais, utilizando os portfólios digitais como estratégia de aprendizagem e de avaliação. Nesta UC, os estudantes elaboram individualmente um portefólio digital, que é partilhado com as outras UC do Semestre Internacional. Com o objetivo de acompanhar e avaliar a experiência, a informação foi recolhida no primeiro ano de implementação (ano lectivo de 2016/17) através de observação participante e de inquéritos por questionário aos estudantes (8) e ao docente, no final do semestre. No segundo ano de implementação (ano lectivo de 2017/18), a recolha de informação foi feita a partir de observação-participante das sessões e de um balanço escrito do trabalho realizado ao longo do semestre pelos estudantes (10) e pelo docente da UC.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
No que diz respeito às percepções dos professores, a análise do questionário permitiu compreender que, apesar de grande parte possuir uma longa experiência no uso de portefólios (não digitais) e da sua maioria recorrer a meios e suportes digitais para apoio de estratégias de ensino-aprendizagem e de avaliação, o recurso aos portefólios digitais ainda é uma prática pouco explorada, sendo utilizada de forma pontual.
Dos respondentes, verificámos que trinta e oito professores (95%) afirmam utilizar instrumentos digitais para promover a aprendizagem dos estudantes, como o Moodle, email, WeTransfer, Facebook, aplicações do Office, recursos da internet (videos, páginas, livros digitais, bases de dados, applets), blogues e formulários. Os dois docentes que não utilizam suportes digitais nas suas estratégias pedagógicas (5%) indicam como principal razão que “não se adequam às finalidades da UC” e “pela dificuldade de utilização”. Quando inquiridos sobre o tipo de instrumentos de avaliação que utilizam, os professores indicam como os mais significativos são apresentações (36), relatórios (31), projetos (29), exames (26), testes (25), portefólios (16) e outros (16). O uso de portfólios em suporte digital é referido por 12 docentes, sendo que 2 referem utilizar suportes mistos e 2 em suporte de papel.
As razões pelas quais os professores (30 respostas) utilizam instrumentos/produtos digitais com finalidades de avaliação, são as seguintes:
Aspectos práticos/ organizativos | Facilidade de uso, facilidade no acesso e disponibilização de informação, rapidez, acessibilidade em plataformas, eficiência, registo de informação e organização, versatilidade, praticalidade, comodidade, acessibilidade em qualquer local |
Aspectos pedagógicos | Adequação aos objectivos e conteúdos das UC, feed-back, desperta mais interesse nos estudantes, facilitação da aprendizagem e da avaliação, facilidade na correcção, facilita a comunicação e a partilha, desenvolvimento de conhecimentos e de múltiplas literacias, monitorização contínua dos processos de criação e investigação, partilha entre professores das mesmas UC, partilha e criação de comunidades de aprendizagem |
Fonte: Construído pelas autoras.
As razões pelas quais os professores não utilizam estratégias de avaliação digitais (10 respostas) são as seguintes:
Aspectos pedagógicos | A natureza/conteúdos das UC Não se adequam ao modelo de avaliação |
Aspectos práticos | Necessidade de guardar os trabalhos durante mais tempo (do que nas plataformas), os trabalhos impressos têm outra qualidade (ex: fotografias), gostar de escrever/corrigir com caneta |
Deficit de competências | Dificuldade de utilização dos instrumentos digitais disponíveis |
Resistência pessoal | Não sentir necessidade, comodidade (dificuldade de estar muito tempo no computador), resistência/fidelidade a práticas em uso, falta de empenho e vontade |
Fonte: Construído pelas autoras.
No final do inquérito, os professores foram convidados a responder à seguinte questão: “Caso ainda não utilize suportes digitais nas suas práticas pedagógicas, gostaria de os vir usar num futuro próximo?”, à qual se obtiveram 6 respostas afirmativas. As razões apontadas para este interesse residem em: “Porque são úteis e facilitam o acesso a determinadas temáticas”, “Parece-me que é altura de as utilizar. As estudantes utilizam também nos seus telemóveis”, “Porque considero que é importante no século XXI fazermos uso dos suportes digitais enquanto estratégias pedagógicas” e “Utilizo, mas há margem para usar mais recorrentemente” e “gostaria de aprofundar os meus conhecimentos neste domínio, particularmente sobre o uso dos portefólios digitais”.
Nas entrevistas realizadas aos professores que referem no inquérito a utilização de portefólios como estratégia de avaliação, constatámos que a maioria que afirma utilizar portefólios digitais o faz como se de um dossier de aprendizagem se tratasse, isto é, como uma coleção/somatório de produtos que vão sendo realizados pelos estudantes. Estes portefólios, individuais, são geralmente constituídos por textos, em formato digital, e sem feed-back intermédio. Ainda assim, identificaram-se experiências de docentes que valorizam uma perspectiva contínua, colaborativa e evolutiva da aprendizagem, atribuindo destaque ao feed-back e à interação entre pares.
A maioria dos professores utiliza os portefólios nas UC que leciona individualmente, referindo que não é uma prática da equipa/grupo. Os docentes que apenas utilizam portefólios em suporte de papel referem barreiras à sua utilização em suporte digital, devido a diversos factores, tais como: falta de competências digitais, falta de formação pedagógica, resistência à mudança, inércia, hábito ou acomodação às práticas tradicionais, falta de uma cultura digital comum no seio da equipa pedagógica, falta de condições para promover portefólios reflexivos (constrangimentos temporais e recursos existentes). Assim, constatamos que a falta de um projecto organizacional que dê suporte e visibilidade a estas práticas, a ausência de formação, a falta de recursos como o tempo, ou ainda resistências de natureza pessoal à mudança, são aspectos que contribuem para a não utilização dos portefólios digitais e que urge reverter.
A análise global das perspectivas dos estudantes a partir das entrevistas realizadas evidenciou o contributo dos portefólios digitais para o desenvolvimento de competências digitais e um leque alargado de competências transversais, como a reflexividade e o pensamento crítico, criatividade, autonomia, sentido de autoria e espírito de cooperação. Por outro lado, os estudantes identificam como benefícios a acessibilidade, transparência, portabilidade e sustentabilidade. Reconhecem que os portefólios digitais são instrumentos relevantes para a sua aprendizagem e que contribuem para a sua avaliação no Ensino Superior, conferindo-lhe uma maior transparência, tanto ao nível dos processos como dos resultados. Os estudantes também têm consciência dos benefícios dos portefólios na sua vida professional futura, em termos de acesso e partilha alargada com futuros empregadores, contribuindo para o desenvolvimento pessoal ao longo da vida.
No que diz respeito à avaliação da intervenção realizada com os estudantes - utilização do portefólio digital na UC Digital Storytelling do Semestre Internacional - a análise das respostas do inquérito por questionário e dos balanços escritos que fizeram no final do semestre, evidencia que os estudantes possuem perspectivas globalmente positivas. Sistematizamos essa informação nos quadros que se seguem, a partir de um conjunto de eixos que organizaram as questões do inquérito, relacionadas com: motivações, benefícios, desafios, competências (necessárias e desenvolvidas com o processo), adequação à aprendizagem e avaliação:
O que motiva os estudantes | Benefícios | Desafios |
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O processo utilizado e o conteúdo tornam a construção do conhecimento mais fácil e a avaliação do conhecimento é contínua. O trabalho em grupo, a liberdade de escolher as situações e os recursos, fazer coisas novas, aprender novas ferramentas e desenvolver competências. Orgulho no trabalho desenvolvido. |
Portabilidade e acessibilidade, sustentabilidade, fácil de partilhar com os colegas, actualização permanente e contributos para a aprendizagem significativa, transferibilidade para a vida profissional. Organização e visibilidade das aprendizagens. |
Dependendo da confiança que o estudante sente nas suas capacidades - alguns não sentiram dificuldades, outros enfrentaram problemas com o uso de TIC: necessidade de mais tempo para aprender, para se organizarem, para se adaptarem às novas ferramentas. Dificuldade em se adaptarem a um contexto de aprendizagem diferente do anterior (diferentes nacionalidades, culturas escolares e académicas). |
Fonte: Construído pelas autoras
Competências necessárias ao processo | Competências desenvolvidas com o processo |
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A maioria dos estudantes considerou que necessitam de competências básicas em TIC. No entanto, também foram assinaladas a criatividade, inspiração e a implicação pessoal. |
Todos os estudantes consideraram que desenvolveu competências digitais, tornando-se mais seguros dos seus recursos e confiantes. Alguns estudantes identificaram competências linguísticas e narrativas, criatividade, responsabilidade, autonomia, e crescimento pessoal (empowerment). |
Fonte: Construído pelas autoras.
O uso do portefólio digital como estratégia de aprendizagem foi fortemente valorizado pelos estudantes: na sua opinião, torna os processos mais fáceis, mais abertos, esclarecedores, envolventes e divertidos, embora mais exigentes e trabalhosos. Por outro lado, o facto de saber que o trabalho será compartilhado traz mais responsabilidade. Os estudantes consideram que o portefólio se constrói através de uma aprendizagem colaborativa e pode ser desenvolvido de forma formativa e contínua. O processo torna-se mais transparente para os alunos através da partilha e discussão, e contribui para a aprendizagem pessoal relevante, criando e reforçando identidades, descobrindo o conhecimento tácito.
Estratégia de aprendizagem | Estratégia de avaliação |
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Muito valorizado como uma estratégia de aprendizagem: torna os processos mais fáceis, mais abertos, esclarecedores, envolventes e divertidos, embora mais exigentes e trabalhosos. Saber que isso será compartilhado traz mais responsabilidade. Com base na aprendizagem colaborativa pode ser desenvolvido de forma formativa e contínua. O processo torna-se mais transparente através da partilha e discussão. Contribui para aprendizagens pessoais relevantes, criando e reforçando identidades, descobrindo o conhecimento tácito. |
Também é aceite positivamente como uma estratégia de avaliação - avaliação por professores e avaliação por pares. Reconhecem que exigem um feedback permanente dos professores e estão cientes de que se trata de um trabalho contínuo. |
Fonte: Construído pelas autoras.
No que diz respeito ao relacionamento interpessoal, os estudantes evidenciaram que o processo proporcionou um relacionamento positivo com os colegas e com o professor, baseado na colaboração, na partilha de informação e de recursos, e no estabelecimento de uma comunicação aberta. Em termos de sugestões, os estudantes recomendam o trabalho com portefólios digitais, devido à maior transparência do processo e dos resultados. Reforçaram a importância e o papel do professor: encorajador, apoiante, motivador. Em termos de dificuldades, alguns estudantes não se sentiram confortáveis com a partilha pública do seu trabalho, tendo indicado que gostariam de manter os seus trabalhos num grupo restrito.
Dos desafios identificados, destacamos o tempo necessário à construção de produtos de natureza reflexiva, considerando que o enfoque é posto no desenvolvimento da autonomia e do pensamento crítico dos estudantes, o que exige tempo e um maior empenhamento pessoal; por outro lado, os estudantes referem que a disponibilização pública do portefólio deve ser negociada, pois nem todos os estudantes concordam com a sua partilha pública.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo realizado fornece pistas para equacionar a pertinência do uso dos portefólios digitais no ensino superior, não apenas como uma estratégia pontual e dispersa, a partir da inciativa individual dos docentes, mas desejavelmente como uma prática incorporada ao nível da organização. A partir da análise das percepções dos envolvidos neste estudo - estudantes e docentes - constatámos que a grande maioria dos estudantes se sente confortável com a sua utilização, identificando as suas potencialidades, enquanto processo de aprendizagem e como instrumento de avaliação. Numa perspectiva global, consideramos que as principais dificuldades identificadas situam-se ao nível da utilização de portefólios digitais por parte dos professores. Como se constatou, apenas um grupo restrito de docentes da instituição os utiliza, sendo por isso desejável que se promova a partilha e a disseminação destas práticas ao nível organizacional, de uma forma mais abrangente e alargada. Por um lado, torna-se necessário envolver as estruturas responsáveis pelas estratégias de formação de professores da instituição. Por outro lado, considera-se fundamental mobilizar estratégias de formação que partam dos problemas identificados pelos professores a partir das suas práticas e que reforcem a sua autonomia e reflexividade, dando possibilidade aos professores de serem investigadores das suas práticas, assim como dos seus pares.
Estando consciente de que seria importante desenvolver uma estratégia global e integrada, no sentido da criação de uma comunidade de práticas ou uma comunidade de aprendizagem (SENGE, 1990; DUFOUR, 2004), a equipa de investigação equacionou um conjunto de intervenções - um novo ciclo de acções, de acordo com a lógica da investigação-acção - de forma a contribuir para a atenuação dos problemas e dificuldades identificadas. Este novo ciclo, passaria, num primeiro nível, por repensar colectivamente a pedagogia praticada na instituição de Ensino Superior, de forma a alargar as perspectivas vigentes e explorar novos caminhos, de uma forma colaborativa e partilhada. De acordo com Senge (1990), uma comunidade de aprendizagem é um grupo de indivíduos que estão unidos pela interação com o mundo envolvente, partilhando três características principais: pensamento criativo, aprendizagem para a vida e a aprendizagem cooperativa. Para desenvolver uma comunidade de aprendizagem, os professores têm que sentir a necessidade de aprender no quadro de uma cultura de colaboração (DUFOUR, 2004). Uma das pré-condições consiste em ultrapassar barreiras ou obstáculos que limitam a sua acção colectiva, e que frequentemente são de natureza organizacional.
Como Nóvoa (2017) defende, “a formação de professores deve criar as condições para uma renovação, recomposição, do trabalho pedagógico, nos planos individual e colectivo” (NÓVOA, 2017, p. 1128), partindo de estudos de análise da realidade educativa e do trabalho docente, valorizando os estudos feitos “dentro” da profissão e a forma como os profissionais incorporam as suas dinâmicas de investigação. Nóvoa, ao destacar a relevância “do sentido de uma reflexão profissional própria, feita da análise sistemática do trabalho, realizada em colaboração com os colegas da escola”, coloca em destaque a “dimensão colectiva, de construção interna”, e também de “projecção externa” que dão forma à formação de professores.
Neste sentido, e no âmbito de uma estratégica institucional mais vasta - enquadrada no plano de formação anual dos docentes da instituição -, a equipa do projecto propôs e colocou em prática um conjunto de acções de formação, nos anos académicos de 2017/18 e de 2018/19. Esta formação abrangeu um total de trinta e oito docentes das cinco escolas do IPS, um laboratório de formação para apoiar docentes que pretendiam alterar as suas práticas pedagógicas (no qual participaram vinte docentes) e diversas sessões de divulgação interna do Projecto EEP, com a finalidade de partilhar as boas práticas e sensibilizar os professores para a utilização dos portefólios digitais. Estas iniciativas começaram a evidenciar resultados no ano lectivo de 2018/19, ano em que aumentou o número de docentes que começou a utilizar o portefólio digital como estratégia de aprendizagem e avaliação, em diversas Unidades Curriculares de cursos de licenciatura e de mestrado.
É nesta linha que a equipa do projecto pretende continuar a realizar o seu trabalho, desenvolvendo redes colaborativas de professores, baseadas em processos dinâmicos e interativos, tal como defendido por Nóvoa (2002, 2009). Nestas redes, cada docente será chamado para desenvolver, simultaneamente, um papel de professor e de aprendente, criando assim condições para que os professores possam ser produtores de seu próprio conhecimento e da sua profissão, e dessa forma contribuir para a mudança dos contextos pedagógicos e organizacionais onde se inserem.