1 INTRODUÇÃO
Inúmeras famílias polonesas que viviam em péssimas condições, devido ao domínio russo, austríaco e prussiano em terras polonesas, a partir de 1772, à precarização da vida camponesa, ao aumento demográfico, ao desemprego provocado pela industrialização e a perseguições políticas, imigraram para o Brasil no final do século XIX e no início do século XX, em busca de uma vida melhor. Do outro lado do Atlântico, o governo brasileiro “[...] visava à ocupação geográfica e à expansão econômica em outras bases, diferentes das que haviam alimentado a escravidão africana durante séculos” (Freder; Sielski, 2015, p. 24).
Assim, de acordo com Turbanski (1978), foi no ano de 1878 que muitos desses poloneses chegaram à Colônia Murici, um distrito do município de São José dos Pinhais, no Paraná. A maioria provinha da Prússia Ocidental e da Província da Galícia (Turbanski, 1978). É nessa Colônia que, em 6 de janeiro de 1907, com o nome de Escola Particular da Sagrada Família, foi fundado o Colégio Estadual da Colônia Murici, locus deste estudo. Esse Colégio tinha como finalidade atender a comunidade polonesa no que se referia à educação, cultura e religião. No início, a escola era particular, no entanto, em 1956, optou-se por um convênio com a Secretaria de Educação e Cultura (Paraná, 2013), passando, então, a ser uma instituição estadual, dirigida pelas religiosas da Sagrada Família de Maria.
A oportunidade de realizar a pesquisa surgiu quando se realizou uma visita ao arquivo do Colégio, para pesquisar a história do estabelecimento, e constatou-se a existência de seis Livros de Termo da instituição contendo o registro de cento e dezessete atas de exames. De acordo com Miguel (2015, p. 260), “[...] um grande número de estudiosos investiga documentos, relatórios, ofícios, dentre as fontes oficiais, e outras fontes não oficiais, guardadas nos arquivos escolares ou de propriedade de ex-professores e ex-alunos”. E, ainda, “[...] tais fontes também testemunham os acontecimentos que compuseram e moldaram a educação” (Miguel, 2015, p. 260). Acrescente-se que a escola é, também, uma instância de práticas e representações que ampliam, projetam e recriam a cultura escolar (Certeau, 1994).
Diante desses documentos, surgiu a pergunta para esta pesquisa: como a análise das atas de exames escolares pode contribuir na composição de parte da história educacional do Colégio Estadual da Colônia Murici? Outras indagações tornaram-se pertinentes, como: qual o conteúdo presente nas atas de exames? Quem as escreveu? Qual era o contexto educacional brasileiro e paranaense no período da realização dos exames escolares relatados? Como eram realizados os exames? Todos os alunos matriculados estavam presentes? Que contribuição poderiam trazer para compor a história do Colégio? A fim de responder a essas questões e outras que poderiam surgir no decorrer da pesquisa, formularam-se os seguintes objetivos específicos: situar a fundação do Colégio no contexto histórico da Colônia Murici; descrever o panorama histórico-educacional no qual os exames escolares foram realizados; analisar as atas de exames escolares da instituição entre 1937 e 1977. O recorte temporal, 1937-1977, compreende o período a respeito do qual foram localizados documentos indicando a presença de exames escolares no colégio.
Com caráter bibliográfico e documental, a pesquisa apoiou-se nos pressupostos da história cultural, particularmente no que se refere à cultura escolar, com suas práticas e normas (Julia, 2001), bem como na consulta a atas de exame escolar da instituição, constituições, códigos, leis e decretos relativos ao período estudado. Miguel (2015) afirma que “[...] ao manipular as fontes, entramos em contato com registros que testemunham o passado, falam pelo Estado, pelos professores ou pela população” (Miguel, 2015, p. 260). As fontes documentais assumem relevância, porque “[...] o documento é coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe o seu significado aparente” (Le Goff , 1992, p. 548). Para compreender o contexto europeu e, em especial, o polonês, que provocou a imigração para o Brasil a partir do final do século XIX, foram vitais os estudos de Jadwiszcak (2009), Marochi (2006) e Freder e Sielski (2015). A obra de Turbanski (1978) permitiu compreender a história da Colônia Murici e do Colégio em estudo, enquanto Fausto (1995), Miguel (1997), Wachowicz (1984) e Wachowicz (1999) fundamentaram as especificidades históricas e educacionais do período estudado.
Para analisar o conteúdo dos documentos selecionados, seguiram-se os requisitos propostos por Bardin (2016), que apontam a três polos cronológicos necessários para se fazer uma análise correta. O primeiro polo é o da pré-análise, fase “[...] que possui três dimensões: a escolha dos documentos a serem submetidos à análise, a formulação de hipóteses e dos objetivos e a elaboração de indicadores que fundamentam a interpretação final” (Bardin, 2016, p. 126). O segundo polo trata da exploração do material e o terceiro refere-se à análise, à interpretação e à síntese dos dados obtidos e das novas descobertas que respondam aos objetivos propostos (Bardin, 2016). No que se refere à categorização, foram considerados os procedimentos indicados por Bardin (2016): primeiramente, fez-se um inventário do material e, em seguida, os documentos foram classificados como pertinentes ou excluídos, de acordo com os objetivos da pesquisa. Os documentos considerados pertinentes foram repartidos em categorias, conforme o conteúdo, a data e o local.
Ao pesquisador, cabe fazer questionamentos “[...] a partir das significações que a mensagem fornece” (Bardin, 2016, p. 167). Dessa forma, fidelidade, objetividade e categorização foram elementos que nortearam a análise do conteúdo das atas de exames escolares.
O artigo foi organizado em três partes. Na primeira, buscou-se contextualizar o processo imigratório polonês para o Brasil e o Paraná, com a fundação da Colônia Murici em 1878 e da Escola Particular da Sagrada Família, atual Colégio Estadual da Colônia Murici, em 1907. Na segunda, fez-se uma síntese histórico-educacional do Brasil e do Paraná, observando-se o recorte temporal estabelecido. Na terceira, analisou-se o conteúdo das atas de exames escolares, de acordo com os pressupostos teóricos e legais vigentes à época.
2 DA POLÔNIA À COLÔNIA MURICI: O COLÉGIO ESTADUAL DA COLÔNIA MURICI
Para melhor compreender a formação da Colônia Murici e do Colégio Estadual da Colônia Murici, é preciso voltar à história da Europa e da Polônia do século XIX, e dela perceber os fatores que levaram milhares de pessoas a emigrarem para a América.
As transformações pelas quais o continente europeu passava eram muitas. Segundo Marochi (2006, p. 19),
Fatores como o forte crescimento demográfico, a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, a concorrência desleal dos produtos agrícolas no mercado interno, o endividamento dos pequenos proprietários rurais, o aumento exagerado dos impostos, as perseguições políticas em alguns países, a mecanização da agricultura, o avanço tecnológico das indústrias e o grande desemprego provocado principalmente pelos dois últimos fatores foram, sem dúvida, as principais razões que levaram as pessoas a partirem para a América.
Diante disso, os problemas sociais e econômicos foram inevitáveis. Por volta de 1870, muitos europeus perderam suas terras devido ao endividamento e aos altos impostos que não conseguiram pagar. A consequência foi abandonar as terras e migrar para as cidades próximas, juntando-se ao número de desempregados urbanos já existentes em função da nova maquinaria utilizada nas fábricas (Marochi, 2006).
Além desses fatores, os poloneses enfrentavam outros problemas, como más colheitas, epidemias, crise agrária, guerras nas fronteiras do Estado Prussiano2, salários atrasados e execuções judiciais (Jadwiszczak, 2009). Esse conjunto de fatores criou uma atmosfera pró-emigratória, favorável à vinda para o Brasil, em especial, como consequência das propagandas realizadas pelo governo brasileiro na Polônia.
O Brasil era uma região atrativa para os imigrantes, no século XIX: nele, não havia resquícios de guerra civil; não enfrentava conflitos bélicos naquele momento; e possuía terras a serem povoadas, principalmente na região sul do país. Além disso, o país intencionava substituir a mão de obra escrava por colonos europeus ou trabalhadores assalariados. Foi nesse contexto que os imigrantes poloneses chegaram ao Paraná (Jadwiszczak, 2009). De acordo com Wachowicz (1999),
[...] a partir de 1875 o então presidente da Província do Paraná Lamenha Lins, implantou um sistema de colonização com imigrantes europeus objetivando fixá-los ao redor de Curitiba, formando o chamado ‘cinturão verde’, a fim de abastecer a capital com produtos hortifrutigranjeiros (Wachowicz, 1999, p. 12).
Sintetizando, de acordo com Kula (1997), foram três os motivos que atraíram os imigrantes poloneses para o Brasil: a oportunidade de posse de terras; a possibilidade de liberdade social, sem as restrições impostas pelos países ocupantes do território polonês em relação à língua e à religião; e as representações de democratismo, fazendo crer que, no Brasil, o emigrante poderia viver com mais dignidade, sem ser subjugado.
Em 1878, já existiam várias colônias agrícolas nos arredores de Curitiba e São José dos Pinhais, uma vez que, entre 1870 e 1914, haviam emigrado para essas duas localidades cerca de 40 mil imigrantes poloneses (Freder; Sielski, 2015).
Marochi (2006) comenta que, em 1878, foram criadas quatro colônias oficiais no Município de São José dos Pinhais, e, entre elas, a Colônia Murici (Marochi, 2006). Turbanski (1978) explica que a Colônia Murici recebeu esse nome em homenagem ao conhecido e conceituado médico filantrópico Dr. Murici, o qual, durante toda a sua vida, trabalhou como médico no Exército e na cidade de Curitiba, assim como nas regiões afetadas por epidemias. É provável, no entanto, que o médico nunca tenha conhecido a Colônia, pois, quando esta foi fundada, ele já estava idoso e o acesso a ela era muito difícil (Turbanski, 1978). A Colônia Murici surgiu na terceira etapa da colonização polonesa no Paraná. A maioria dos imigrantes poloneses provinha da Prússia Ocidental, da região de Starogard, atual município de Gdansk, e outra parte vinha da província da Galícia (Turbanski, 1978).
Após o estabelecimento na colônia, os imigrantes passaram a cultivar produtos que já conheciam na Europa e que pudessem atender às necessidades do mercado de Curitiba, como também a trabalhar com a criação de animais. A situação era difícil, pois não possuíam recursos financeiros e, além disso, comprar ou vender produtos sem dominar o Português tornava tudo mais complicado (Marochi, 2006).
Renk observa que, “nas colônias étnicas, logo após a sua instalação, os imigrantes construíam uma igreja, uma escola (ou outro espaço que tivesse a função de ensinar) e um cemitério. Raras eram as colônias onde não havia uma escola étnica” (Renk, 2009, p. 13). Segundo os estudos de Turbanski (1978), a educação na Colônia Murici, entre os anos de 1878 e 1899, ficou a cargo dos colonos. O primeiro educador foi o colono Jan Przepióra e, logo em 1880, Jósef Cetnarski assumiu o cargo. Já a partir de 1900, Pe. Karol Dworaczek, pertencente à Congregação do Verbo Divino, chegou à Colônia Murici, na qual assumiu a função de professor, empenhando-se na construção de uma escola que abrigasse maior número de estudantes. As Irmãs Franciscanas da Sagrada Família de Maria chegaram à Colônia Murici em 1907, com o intuito de trabalhar na área da educação, da cultura e da religião (Turbanski, 1978). A Escola Particular da Sagrada Família, então, passou a denominar-se Escola Isolada São José e Educandário São José, tendo como objetivo atender filhos de poloneses da localidade e servir de internato para jovens de lugares distantes que queriam estudar. Em 1970, alterou-se a denominação para Escola São José – Ensino de 1º Grau; em 1973, para Casa Escolar São José – Ensino de 1º Grau; e, em 1982, para Escola Estadual da Colônia Murici – Ensino de 1º Grau.
A partir de 2000, a denominação foi alterada para Colégio Estadual da Colônia Murici – Ensino Fundamental e Médio (Paraná, 2013). De acordo com documentos oficiais, o Colégio atende alunos da Colônia Murici e das localidades vizinhas: “Malhada, Avencal, Gamelas, Capão Grosso, Antinha, Cupim, Rio Pequeno, Costeia, Mergulhão, Papanduva da Serra, Catas Altas, Curralinho, Campestre, Cruz do Galo, Miringuava, Aciole” (Paraná, 2013, p. 17), além de alguns alunos residentes em Barro Preto, Quississana, Jardim São Francisco e São José dos Pinhais.
Como outras colônias brasileiras, a Colônia Murici também passou pela política de nacionalização intensificada pelas autoridades de ensino no país, “nas décadas de 1920 e 30, com medidas de caráter simbólico e coercitivo, até culminar com a nacionalização compulsória, em 1938”, no período denominado Estado Novo (Renk, 2009, p. 14). Essa nacionalização, instituída pelo Decreto-Lei n. 383, de 18 de abril de 1938 (Brasil, 1938), proibia aos estrangeiros qualquer atividade política, tornando obrigatório o ensino em Língua Portuguesa e a denominação das escolas com nomes brasileiros. Era consenso que as escolas étnicas desnacionalizavam a infância, dado o desconhecimento da língua e da cultura nacional pelos imigrantes.
A partir de 1939, proibiu-se falar em público o idioma estrangeiro. Essas medidas voltadas à nacionalização afetaram os imigrantes de todas as nacionalidades. Em 1942, com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, as medidas a favor da nacionalização tornaram-se ainda mais acirradas, limitando a liberdade individual dos imigrantes. Isso acabou por destruir parte da memória da imigração no que se refere a fotos, cartas e objetos pessoais (Freder; Sielski, 2015). Essa proibição, como era de esperar, traria reflexos nas práticas escolares do colégio.
3 A EDUCAÇÃO NO BRASIL E NO PARANÁ ENTRE 1937 E 1977: UMA SÍNTESE HISTÓRICA
Para se compreender os acontecimentos educacionais entre 1937 e 1977 no Brasil, no Paraná e no Colégio Estadual da Colônia Murici, é preciso fazer algumas considerações histórico-educacionais.
Quanto ao processo imigratório, Fausto (1995) afirma que “cerca de 3,8 milhões de estrangeiros entraram no Brasil entre 1887 e 1930. [...] Essa concentração se explica, entre outros fatores, pela forte demanda de força de trabalho para a lavoura de café naqueles anos” (Fausto, 1995, p. 275). Diante da escassez de oferta de escolas públicas, os imigrantes poloneses, italianos, alemães e outros instalavam suas próprias escolas nas colônias que organizavam em terras cedidas pelo governo. Essa iniciativa, segundo Wachowicz (1984), era apoiada pelo governo do Paraná:
O governo apoiava as iniciativas particulares para a manutenção da instrução. Nos núcleos de imigrantes europeus, surgem escolas subvencionadas: são instituições particulares abertas por iniciativa da comunidade, geralmente onde não há escola pública, impondo o governo a condição de que se fale e escreva a língua portuguesa nas aulas, para conceder a subvenção (Wachowicz, 1984, p. 67-68).
Na busca por informações a respeito dos exames escolares que eram realizados nas escolas, objeto desta reflexão, verificou-se que, no Estado do Paraná, os exames escolares aparecem mencionados, inicialmente, no Código de Ensino aprovado pelo Decreto n. 17, de 9 de janeiro de 1917, assinado por Enéas Marques dos Santos (titular da Secretaria do Interior e Justiça). O código refere-se às determinações do ensino no Estado do Paraná e estabelece, no seu Art. 20, que “Para cada distrito Judiciário será nomeado por portaria do Secretário do Interior, Justiça e Instrução Publica, um Inspetor Escolar” (Paraná, 1917, p. 10). No Art. 24, estão descritas as atribuições do inspetor escolar, como visitar as escolas e relatar ao secretário do Interior o que observar em relação ao trabalho do professor e ao mapa escolar: alunos matriculados, alunos que estavam frequentando a escola, quantos foram aprovados ou reprovados e o mobiliário de que a escola necessitava (Paraná, 1917).
No tocante aos exames escolares, de acordo com o Art. 93, eles deveriam ser realizados entre 16 e 30 de novembro de cada ano; os inspetores marcavam a data dos exames e nomeavam as comissões que iriam executá-los. Segundo o mesmo artigo, os alunos de todas as séries participariam dos exames. O exame era composto por “[...] provas graphicas, copias, ditados, composições, desenhos” e, ainda, “[...] prova oral, a respeito de cada materia do programma” (Paraná, 1917, p. 29). Ao término da prova oral eram “feitos alguns exercicios de gymnastica e cantado o Hymno Nacional” (Paraná, 1917, p. 29). No dia do exame, os trabalhos que haviam sido realizados durante o ano letivo eram expostos para, em seguida, serem julgados. Para as escolas simples, ao final do exame, cada professor lavrava uma ata de próprio punho, no Livro de Termo da escola, contendo a relação dos alunos aprovados ou reprovados, seguida pelas assinaturas do presidente, dos examinadores e do professor (Paraná, 1917).
Vale destacar que, na primeira metade do século XX, a escola vivenciava uma pedagogia tradicional, a qual não valorizava o pensamento reflexivo ou as diferenças individuais de cada aluno, mas via a aprendizagem como um fim em si mesmo. Mizukami (1986) destaca que a reprodução dos conteúdos de forma automática era considerada indício de aprendizagem bem-sucedida e, para tanto, a verificação da aprendizagem era feita, preferencialmente, por meio de provas escritas e orais, bem como de exames finais.
O ensino obrigatório estava explícito no Art. 41: “A matricula e a frequencia assidua das meninas de 7 a 12 annos e dos meninos de 7 a 14, em escola publica do ensino primario, são obrigatorias” (Paraná, 1917, p. 15). A organização geral do ensino primário constava do Art. 55, mencionando que “[...] em quatro series graduaes [seria dividido] o ensino primario completo, cujo programma será organizado de accordo com as conclusões mais adiantadas da Pedagogia e com as necessidades do meio paranaense” (Paraná, 1917, p. 19).
De acordo com Miguel (1997),
A educação escolar na década de 20 foi marcada por reformas educacionais em diversos Estados brasileiros, inseridas no movimento de modernização. A primeira realizou-se no Estado de São Paulo, por Sampaio Dória, em 1920, seguindo-se a do Paraná, a partir desse mesmo ano por Prieto Martínez (Miguel, 1997, p. 15).
Segundo Miguel (1997), “[...] esse contexto provocou a ênfase na proposta de educação escolar pública e gratuita” (Miguel, 1997, p. 17). Contudo, no que se refere à avaliação, as propostas das reformas educacionais não se concretizaram em todas as escolas do estado.
Após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas tomou posse do governo brasileiro até 1945. Fausto (1995) afirma que, “subindo ao poder em 1930, Getúlio Vargas nele permaneceu por quinze anos, sucessivamente, como chefe de um governo provisório, presidente eleito pelo voto indireto e ditador” (Fausto, 1995, p. 331). É a chamada Era Vargas.
Segundo Fausto (1995), um marco importante foi a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública em 1930. A educação ficou a cargo de jovens políticos, como Francisco Campos, ministro da Educação entre novembro de 1930 e setembro de 1932, e Gustavo Capanema, que o substituiu, com uma longa permanência no ministério, de 1934 a 1945 (Fausto, 1995).
A divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova ocorreu em 1932. O seu principal redator foi Fernando de Azevedo, com participação de 26 intelectuais, entre eles, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Cecília Meireles. Esse documento tornou-se o marco de um projeto de renovação educacional no Brasil. Além de analisar a desorganização do sistema educacional brasileiro, propunha um plano geral de educação, no qual se instituiria uma escola pública, laica, obrigatória e gratuita, com integração de todos os grupos sociais (Fausto, 1995).
Em 1934, uma nova Constituição Brasileira entrou em vigor. No Capítulo II, Art. 150 da Constituição, ficou estabelecido que a União deveria “fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o território do País” (Brasil, 1934).
A Era Vargas chegou ao fim em 1945, e, em 1946, foi outorgada a quinta Constituição do Brasil, que, em seu artigo 168, afirmava que: “I – o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional; II – o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos; [...]” (Brasil, 1946).
De 1948 a 1961, ocorreram intensos debates relativos aos rumos da educação no Brasil, os quais culminaram, em 20 de dezembro de 1961, com a aprovação da Lei n. 4.024, que fixou as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. De acordo com o Art. 26 da lei, “O ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro séries anuais”. E, ainda, no Art. 27, “[...] o ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na língua nacional” (Brasil, 1961).
No período da ditadura civil-militar, alterou-se o contido na Lei n. 4.024/1961, pela Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que reestruturou o ensino, conforme está explícito no seu Art. 18: “O ensino de 1º grau terá a duração de oito anos letivos” (Brasil, 1971).
Em breve relato, essas foram as alterações legais pelas quais passou o Colégio Estadual da Colônia Murici, durante o período estudado. Os exames escolares, no intervalo de tempo analisado, observaram as mudanças ocorridas, as quais estão refletidas nas atas de exames arquivadas no estabelecimento.
4 ATAS DE EXAMES ESCOLARES DO COLÉGIO ESTADUAL DA COLÔNIA MURICI (1937-1977)
Nesta pesquisa, de caráter documental, foram consultados os arquivos existentes no Colégio Estadual da Colônia Murici, localizado no Município de São José dos Pinhais/Colônia Murici. Primeiramente, fez-se uma busca por Livros de Termo cujo conteúdo fossem atas de exames escolares. Foram selecionados seis Livros de Termo da instituição, entre os anos de 1937 e 1977. O estabelecimento não possui documentos que indiquem a presença de exames escolares anteriores a 1937 e nem após 1977. A título de confirmação, foi realizada uma busca no arquivo dos livros de chamada e comprovou-se que estes passaram a ser adotados neste estabelecimento de ensino a partir de 1978.
Todos os Livros de Termo estão identificados na capa com a denominação “Colégio Estadual da Colônia Murici”. Entretanto, as datas são diferentes: 1937 a 1958; 1939 a 1953; 1944 a 1962; 1952 a 1966; 1960 a 1962; e 1967 a 1977. Não há atas correspondentes aos anos de 1946, 1947, 1948 e 1949. A quantidade de atas dentro do recorte temporal estudado está explícita no Quadro 1, e o número de alunos matriculados, bem como o resultado final, está explícito no Quadro 2. Nele, é possível perceber o significativo número de alunos reprovados ao longo do período estudado.
Ano escolar | 1º ano | 2º ano | 3º ano | 4º ano | 5º ano |
---|---|---|---|---|---|
Quantidade de atas | 30 | 28 | 32 | 21 | 6 |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
Número de alunos matriculados | Número de alunos aprovados | Número de alunos reprovados | Número de alunos que não compareceram ao exame ou desistiram |
---|---|---|---|
2594 | 2117 | 325 | 152 |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
Nos exames finais, em que as notas obtidas correspondiam a níveis de aquisição do patrimônio cultural para a obtenção de um diploma tido como um “[...] um instrumento de hierarquização dos indivíduos num contexto social, [...] com papel mediador entre formação cultural e o exercício de funções sociais determinadas” (Mizukami, 1986, p. 10), percebe-se a realização de um ritual importante, mais do que avaliativo das aprendizagens dos estudantes e do próprio fazer docente.
Nos Quadros 1 e 2, correspondentes aos anos de 1937 a 1977, observa-se a quantidade de alunos reprovados, 325, superior a 12% dos alunos matriculados. É significativo, também, o número de alunos que não compareceram ao exame ou que desistiram de realizá-lo e que, portanto, encontravam-se reprovados. Esses registros dos exames finais trazem à tona o jogo de representações entre os examinadores, detentores do conhecimento e os estudantes que não conseguiram atingir o nível desejado de aprendizagem naquela etapa.
Das atas de exames realizados entre 1937 e 1972, consta a presença de um inspetor de ensino ou um inspetor auxiliar durante a realização do exame, o que marcava essa ritualização na prática escolar. Havia as examinadoras que aplicavam os exames aos alunos. As professoras também estavam presentes, eram elas que redigiam as atas com os resultados dos exames. Miguel (2015, p. 26) explica que “[...] as relações entre os professores e os inspetores estão presentes na maioria dos documentos”. No Arquivo Público do Paraná (entre 1932 e 1939), consta, num relatório, que o interventor do Paraná Manuel Ribas enviou ao então presidente da República, Getúlio Vargas, o seguinte fragmento: “A inspeção técnica escolar que é incontestavelmente a alma do ensino foi feita regularmente por intermédio de 5 delegados do ensino, 5 Inspetores Auxiliares e 43 Inspetores municipais” (Arquivo Público do Paraná, [entre 1932 e 1939], p. 178).
Valendo-se das contribuições da história cultural, mais especificamente dos estudos de Roger Chartier (1990), constata-se que a cultura escolar no período estudado trazia as “práticas” e as “representações” produzidas nos dois polos -presença de inspetores e registros em atas, de um lado; e estudantes e exames, de outro. As práticas culturais eram realizadas por inspetores e alunos, em relação uns com os outros, em sua relação com o mundo. As representações traduziam um jogo de poder significativo, que se concretizava nos registros dos exames finais e integrava a cultura escolar. Os sujeitos produtores e receptores dessa cultura escolar circulavam entre esses dois polos, correspondendo, respectivamente, aos “modos de fazer” e aos “modos de ver” (Chartier, 1990).
Entre 1973 e 1975, não há registros de inspetores de ensino e examinadoras. São as próprias professoras que aplicam os exames e redigem as atas. Em 1976 e 1977, os exames que antes aconteciam no final do ano foram substituídos pela chamada recuperação terapêutica, que consistia em uma prova realizada no final do ano para os alunos que não conseguiam alcançar a média 5,0. Só realizavam a prova da disciplina os alunos que estavam com notas abaixo da média. Não há registros de recuperação terapêutica para os alunos do 1º ano. Aos poucos, os exames finais vão perdendo força, tanto em função da legislação educacional quanto das concepções educacionais que permeavam a cultura escolar à época.
Nas atas de exames entre 1937 e 1966, estão escritos, primeiramente, a data, o nome da instituição, o local, o nome da professora regente e as autoridades presentes. Em seguida, constam o número de alunos matriculados e o resultado do exame: relação dos alunos aprovados, reprovados e ausentes. Em algumas atas, estão escritos, primeiro, os nomes dos meninos e, depois, das meninas, ou há duas colunas: a da esquerda, para os nomes dos meninos, e a da direita, para as meninas. As atas eram finalizadas com as assinaturas do inspetor, da examinadora e da professora. Nesse período, não há registro de quais pré-requisitos eram necessários para que o aluno fosse promovido ao próximo ano escolar.
A partir de 1967 até 1973, a forma de redigir as atas mudou. Inicialmente, estão descritas informações como data, instituição, local, nome da professora regente, nome das autoridades presentes, o ano escolar da turma que estava sendo examinada, o resultado geral do exame e as assinaturas das autoridades presentes. Em seguida, há um parecer descritivo dos alunos, com os dados constantes dos Quadros 3 e 4.
Nome do aluno | Idade | Resultado do exame | Média da prova escrita | Média de Português | Média de Aritmética | Média final |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
Nome do aluno | Prova oral | Prova escrita | Prova de Aritmética | Prova de estudos sociais | Média do exame | Média anual | Média geral |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
Após o parecer descritivo, consta uma observação na qual estão escritos os nomes dos alunos que não entraram em exame, por terem médias consideradas insuficientes. Na coluna “resultado do exame”, quando o aluno tinha resultado de reprovado, este estava escrito em vermelho, bem como suas médias.
A partir dos dados relativos ao período de 1967 a 1977, foi possível compreender quais disciplinas eram trabalhadas durante o ano escolar e cobradas no exame final, conforme está disposto nos Quadros 5, 6 e 7: Português, Aritmética e Estudos Sociais, de 1967 a 1975; e Comunicação e Expressão, Iniciação às Ciências e Integração Social, de 1976 a 1977.
1º ano | Prova oral | Português | Matemática | Estudos Sociais |
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2º, 3º, 4º e 5º anos | Não havia prova oral | Português | Aritmética | Estudos Sociais |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
1º ano | Prova oral | Português | Matemática | Estudos sociais |
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2º, 3º e 4º anos | Não havia prova oral | Português | Aritmética | Estudos Sociais |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
1º ano | Português | Matemática | Estudos sociais |
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2º, 3º e 4º anos | Comunicação e Expressão | Iniciação às Ciências | Integração Social |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977. 2017 (2021).
A conjuntura dos exames mudou entre 1973 e 1975: os alunos que possuíam média entre 5,0 e 7,0 faziam o exame, e aqueles que conseguiam médias acima de oito, em todas as disciplinas, estavam dispensados. Há registros de alunos com médias abaixo de 5,0 que não compareceram aos exames finais e foram reprovados. Também é neste período que os exames passam a ser realizados em três datas: um dia para cada disciplina. Antes de 1973, os exames eram realizados em um único dia para todos os alunos.
Nas atas de exames, o atual Colégio Estadual da Colônia Murici recebe denominações diferentes, como consta no Quadro 8.
DATA | DENOMINAÇÕES |
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1937 a 1938 | Colégio Colônia Murici |
1939 a 1955 | Escola de Colônia Murici |
1956 a 1963 | Escola Isolada de Colônia Murici |
1964 | Escola São José |
1965 a 1977 | Casa Escolar São José |
Fonte: Dados organizados pelas autoras, com base nos Livros de Termo do Colégio Estadual da Colônia Murici: Colégio Estadual da Colônia Murici – Atas de Exames – entre 1937 e 1977 (2021).
Entre os anos de 1938 e 1943, não há registros de turmas de 1º ano, somente a partir de 1944. De 1937 a 1955, além da aplicação dos exames, eram verificados os cadernos de Português, Aritmética e Cartografia, e os trabalhos manuais que foram realizados durante o ano escolar deveriam estar expostos neste dia, para avaliação. Há períodos em que terminar o curso primário significava completar o 4º ano (1937 a 1967 e 1973 a 1977) e, em outros períodos, era preciso estudar até o 5º ano (1968 a 1972). A partir de 1964, o número de professoras atuando na instituição passou para quatro: uma professora para cada classe.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão motivadora desta análise, sobre como as atas de exames escolares podem contribuir na composição de parte da história educacional do Colégio Estadual da Colônia Murici, em São José dos Pinhais, no Paraná, possibilitou acompanhar as práticas escolares, com suas representações e mudanças, ao longo do período compreendido entre 1937 e 1977.
A partir dos objetivos específicos, inicialmente se procurou situar a fundação do Colégio no contexto histórico da Colônia Murici, destacando-se a chegada de imigrantes poloneses, desde o final do século XIX, em busca da posse de terras, da possibilidade de terem suas manifestações religiosas e sua língua respeitadas, em um lugar no qual pudessem viver com dignidade, respeito e liberdade. Desta forma, os poloneses chegaram à Colônia Murici em um contexto político-econômico que remetia a questões tanto europeias quanto brasileiras. No entanto, foi apenas vinte e nove anos após a chegada à Colônia, em 1907, que os colonos poloneses conseguiram fundar a instituição. Tudo o que acontecia na política, na economia e na sociedade repercutía na educação. Percebeu-se, então, que, para eles, a preservação de seus valores, de sua cultura, de sua língua e de sua religião era vital. A perspectiva da história cultural possibilitou compreender as práticas e representações (Chartier, 1990) na escola, manifestadas na realização dos exames.
A análise das atas de exames escolares da instituição, entre 1937 e 1977, trouxe à tona a questão da cultura escolar, das práticas e representações vivenciadas na Colônia. Os exames constituíam um ritual importante, mais do que avaliativo das aprendizagens dos estudantes e do próprio fazer docente. Faziam parte de uma cultura fundada na educação tradicional, na qual a transmissão e a reprodução de conhecimentos eram privilegiadas. Além disso, aqueles que detinham esses conhecimentos colocavam-se na posição de avaliar os que estavam em busca de obter sua certificação, de acordo com o que se exigia socialmente.
Dos dados levantados, em cotejo com as exigências do Estado à época, verifica-se que os exames escolares realizados na instituição estavam condizentes com o que lhes era exigido. Os inspetores escolares e os examinadores exerciam o seu papel de acordo com o que lhes era atribuído legalmente. Nesse exercício, porém, estava implícito um jogo de poder na cultura escolar, do qual faziam parte os inspetores, os exames e os estudantes.
Os professores que atuaram nessa instituição, no período estudado, tinham responsabilidade de ensinar os conteúdos previstos no programa, preparar os alunos para a prova oral e ensiná-los a cantar o Hino Nacional Brasileiro em um contexto no qual o idioma dominado pelos alunos era o polonês, o que, evidentemente, dificultava tanto o trabalho dos professores quanto o aprendizado dos alunos. Constata-se, então, que as práticas desenvolvidas buscavam se adequar ao que estava definido pela legislação, mas também às possibilidades e expectativas dos alunos e dos professores da instituição. Essas práticas evidenciavam os modos como os exames escolares eram preparados, assumidos e realizados na escola estudada.
Em suma, os exames escolares no Colégio eram um ato oficial, registrado em ata lavrada do próprio punho pelo professor regente e acompanhado pelos inspetores escolares municipais ou inspetores auxiliares e examinadores. Os documentos que embasaram esta pesquisa refletem parte da história educacional do Colégio Estadual da Colônia Murici, possibilitando apresentar um panorama do conteúdo presente nas atas de exame e relacioná-lo ao contexto histórico e educacional da época. As autoras buscaram, desta forma, ler além do que consta nos documentos, o que constitui a tarefa do historiador.
É de se registrar, por último, que, considerando-se a documentação arquivada na instituição pesquisada, como livros de chamada e atas de reunião de pais, outras pesquisas poderão ser realizadas, complementando a história educacional do colégio estudado.