Introdução
O Estado da Questão (EQ) possibilita ao pesquisador encontrar-se com o seu objeto de estudo no atual estado de compreensão da ciência, ou seja, permite conhecer as pesquisas acerca do tema de interesse do investigador na literatura científica. Isso auxilia no processo de definição do objeto de pesquisa, o que delineia melhor a problemática de estudo, bem como delimita os seus objetivos (LOPES; NÓBREGA-THERRIEN; ALMEIDA, 2018; THERRIEN; NÓBREGA-THERRIEN, 2011; SILVEIRA; NÓBREGA-THERRIEN, 2011).
É interessante destacar que o EQ se diferencia do Estado da Arte e da Revisão da Literatura, particularmente no que tange aos objetivos e aos resultados. O Estado da Arte visa conhecer e discutir a produção de um determinado campo científico, resultando numa descrição acerca da temática estudada. A Revisão da Literatura consiste no desenvolvimento de um alicerce teórico que sustente a realização do estudo, resultando na identificação do referencial teórico de análise dos dados. Já o Estado da Questão delimita e caracteriza o objeto de pesquisa, além de reconhecer e definir as categorias teórico-metodológicas, resultando na percepção sobre a contribuição original da investigação na área científica, quer dizer, de que modo o estudo pode colaborar para o aprimoramento daquela área do saber, no caso com foco no estudo que se está propondo (THERRIEN; NÓBREGA-THERRIEN, 2011).
Sob essa perspectiva, o Estado da Questão possibilita uma imersão profunda na literatura, evitando posturas unívocas, abrindo-se para o que o outro tem a dizer, o que acarreta um olhar plural no processo de produção do conhecimento, isto é, a valorização de vários aspectos acerca de uma mesma temática, o que conduz à observação de aspectos antes não identificáveis (THERRIEN; NÓBREGA-THERRIEN, 2011).
Ao se reportar para a Enfermagem, por ela estar atrelada ao cuidado, na sua gênese, tido como ação que qualquer um poderia realizar, sem necessitar de um saber específico, foi considerada inferior, rendendo-lhe inclusive certa invisibilidade ou minimização da sua relevância dentre as outras profissões da saúde, o que se materializa inclusive na remuneração financeira. Esse, talvez, seja um dos motivos que leve à subordinação dessa profissão a outras áreas e o distanciamento em relação ao cuidado. Por essa razão, segundo Waldow (2010), provavelmente, o cuidado venha se reduzindo a procedimentos técnicos, atos mecânicos; restringindo, pois, como consequência, o sujeito que procura o serviço de saúde a uma patologia, a uma situação clínica, a um conjunto de sinais e sintomas a ser tratado.
Nota-se inclusive, na prática profissional, o discurso de muitas enfermeiras que, visando serem valorizadas econômica, cultural e socialmente no exercício da profissão, vêm procurando enveredar por algum caminho que não seja o de prestar o cuidado direto ao sujeito na instituição de saúde. Para tanto, têm apostado em assumir cargos na área da gestão ou enveredado pelo mundo da docência e da pesquisa, nos quais acreditam poder usufruir de maior prestígio social e/ou serão mais bem remuneradas, assim como acreditam que terão condições menos extenuantes e precárias de trabalho. Em alguns casos, as enfermeiras ingressam nesses campos de atuação da docência, da gestão e da pesquisa, sequer sem ter afinidade teórica e prática com eles, tampouco se preocupando em se capacitar para exercê-los, no entanto procuram reconhecimento e status.
Faz-se importante destacar que o enfermeiro é formado, não apenas para a assistência, mas para a gestão, a educação em saúde e a dimensão investigativa. Todas essas dimensões articuladamente devem permear o ser enfermeiro. Entretanto, observa-se que, infelizmente, há uma dicotomia; por vezes, concebe-se que o enfermeiro que exerce a profissão docente ou ocupa algum cargo de gestão nos serviços de saúde, não enfoca também os outros aspectos que perpassaram a sua formação e, por conseguinte, fazem parte da sua atuação.
Esse panorama instigou e desacomodou as autoras as direcionando a pensar no grande paradoxo a que se está presenciando: o cuidado de Enfermagem, entendido aqui, inicialmente, como o atendimento realizado sob o viés da integralidade, a partir do estabelecimento de vínculos entre profissional e sujeito que procura o serviço de saúde, núcleo caracterizador da Enfermagem, vem sendo colocado em segundo plano, como algo secundário no trabalho da enfermeira.
Nesse contexto, identifica-se a necessidade de se reportar para o processo formativo da enfermeira. Isso porque se entende que a formação orienta, norteia, subsidia os fundamentos teórico-práticos para o exercício da profissão. Como diz Freire (2005), caso se almeje transformar o contexto em que se está inserido, deve-se começar essa mudança pelo processo de formação, fazendo dele um espaço para que os sujeitos exercitem aquilo que se deseja vivenciar quando estiver formado, nos cenários de atuação.
O cuidado de Enfermagem trabalhado no processo de formação, para Vieira e Silveira (2011), enfoca apenas a dimensão técnica, concebida como, em última análise, uma intervenção, isto é, o procedimento enquanto um fim do trabalho da enfermeira, e não um meio/um instrumento para a materialização desse cuidado. Desse modo, ainda prevalece na educação em Enfermagem, o modelo biomédico1, que prepara o sujeito apenas para realizar procedimentos, quando, na realidade, o docente, como mediador desse processo ensino-aprendizagem, poderia desempenhar um papel importante na construção dessa concepção acerca de cuidado e do modo como o sujeito vem aprendendo a cuidar em Enfermagem.
Sendo assim, este estudo objetiva debater sobre o processo de formação da enfermeira para o cuidado.
Método
Trata-se de estudo do tipo reflexivo, que se utiliza das premissas teórico-metodológicas do EQ, para tratar sobre o processo de formação da enfermeira para o cuidado, mais especificamente no Estágio/Internato de Enfermagem. Sendo assim, inicialmente, estabeleceu-se, a partir da temática da pesquisa, as palavras/os termos que seriam utilizados para realizar as buscas. Foram eles: formação, cuidado, enfermeira/Enfermagem; e conceito de cuidado, Enfermagem/enfermeira.
Enquanto fontes para levantamento do Estado da Questão, definiram-se as seguintes: a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); o Banco de Dissertações e Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); e a Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn). Enfoca-se a seguir cada um dessas fontes.
A BVS foi incluída como fonte de pesquisa, porque se constitui num dos portais eletrônicos mais significativos para a produção científica em saúde, congregando as seguintes bases de dados: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); MEDLINE e Biblioteca COCHRONE, disponibilizando materiais de naturezas diversas: artigos científicos, dissertações, teses e trabalhos publicados em anais de eventos científicos.
O banco de dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) foi criado em 2002 e contém referências e resumos de dissertações e teses defendidas em Programas de Pós-Graduação no Brasil. Objetiva promover o acesso às produções científicas; disseminando, assim, os conhecimentos construídos. A inserção dessas dissertações e teses no banco é realizada pelos próprios Programas de Pós-graduação anualmente, e os trabalhos incluem os anos de 1987 até o ano de 2018. A pesquisa nessa base pode ser feita de diferentes formas: pelo título do trabalho, autor, instituição, programa, resumo e palavras-chave.
A Revista Brasileira de Enfermagem (REBEn) trata-se do periódico mais antigo e um dos mais respeitados da Enfermagem brasileira. Foi criada no ano de 1932, pela Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn). É publicado nas versões impressa e eletrônica, tendo periodicidade bimestral.
Dessa forma, as publicações coletadas nessas distintas bases de dados foram articuladas no sentido de constatar o que vem sendo pesquisado acerca da temática desta investigação.
Resultados e Discussões
Para organizar sistematicamente os dados oriundos dos trabalhos selecionados sobre a formação da enfermeira para o cuidado, foram elaboradas três seções intituladas de: “Conhecendo do que trata a BVS sobre formação, cuidado e Enfermagem”, no qual se enfocam os artigos identificados na BVS; “As reflexões das dissertações e teses sobre a formação da enfermeira para o cuidado” abordam as dissertações e teses que tratam sobre o tema em estudo e, por fim, “O cuidado na formação da enfermeira: perspectivas da REBEn”, em que é enfocada como a temática está sendo abordada na Revista Brasileira de Enfermagem. A seguir, será tratada cada uma delas.
Conhecendo do que Trata a BVS Sobre Formação, Cuidado e Enfermagem
A primeira fonte de consulta sobre a qual se debruçou foi a Biblioteca Virtual em Saúde. De início, teve-se que adequar os termos/palavras de busca. Isso porque a produção científica em saúde conta com os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), que são solicitados pelos periódicos quando os autores submetem os artigos a eles. Sendo assim, surgiram os seguintes DeCS correspondentes aos termos que previamente havíamos elaborado: “Educação em Enfermagem”; “Cuidados em Enfermagem”; “Bacharelado em Enfermagem”. Serão descritos, agora, os achados obtidos.
Inicialmente, digitou-se o seguinte termo na BVS: educação em enfermagem, sendo obtidas 111.199 publicações; foram associados outro termo: cuidados de Enfermagem, ficando 39.887 publicações. Mesmo assim, ainda se tinha um grande volume de artigos, então se associou à busca a palavra Bacharelado em Enfermagem, sendo obtidos 1.971 artigos. A partir daí, procedeu-se ao refinamento deste último, já que essa base dispõe de filtros para refinar/especificar a pesquisa; utilizamos o país Brasil, ficando com nove artigos, os quais os resumos foram lidos e sete artigos foram selecionados, por serem relacionados ao tema. Dois foram descartados por se relacionarem a outros processos de trabalho do enfermeiro: gerenciar e educar. Ressalta-se que esse critério de refinamento por país foi utilizado, a fim de selecionar artigos que tratassem da realidade brasileira.
Depois, foi utilizada a expressão: formação da enfermeira para o cuidado, obtendo 122 publicações e se refinou a partir da região Brasil, permanecendo 13 artigos, cuja leitura dos resumos identificou três artigos relacionados à temática estudada. Os demais foram rechaçados por tratarem da formação no âmbito da pós-graduação (seis) e da residência (quatro).
Continou-se a pesquisa combinando, agora, os Descritores em Ciências da Saúde: instituições de saúde e estudantes de enfermagem, encontrando 59 artigos. Ao refinar a busca pelo assunto: Bacharelado em Enfermagem e país Brasil, não foi identificado nenhum artigo. Em seguida, foram combinados os descritores práticos, instituições de saúde e bacharelado em enfermagem, sendo encontrados 21 artigos; após o refinamento pelo país Brasil, restaram dois artigos, os quais, depois da leitura do resumo, não se enquadraram à temática desta pesquisa, pois também se reportavam a formação em nível de residência e pós-graduação.
Ao associar os termos: conceito de cuidado and enfermeira, foram identificados doze artigos, os quais, após leitura do resumo, três foram relativos à temática do estudo; os outros foram desconsiderados por tratarem do uso de tecnologias na Enfermagem (cinco) ou da realização de procedimentos em uma área específica (quatro), e não de uma concepção de cuidado.
Posteriormente, foram combinadas as expressões: conceito de cuidado and Enfermagem, sendo identificados 107 artigos, dos quais cinco foram selecionados; os outros versavam sobre a realização de cuidados a patologias específicas (47); procedimentos hospitalares (23); a prática gerencial da enfermeira (21) ou ainda sobre o campo da investigação científica na Enfermagem (11).
Após realizar essas buscas na BVS, foram selecionados, ao todo, 18 artigos para integrar o Estado da Questão, estando distribuídos desta forma:
TEMÁTICA DOS ARTIGOS | NÚMERO DE ARTIGOS |
---|---|
Formação para o Cuidado | 10 |
Conceito de Cuidado | 8 |
NÚMERO TOTAL | 18 |
Fonte: Elaboração das autoras (2018).
O quadro 2 apresenta, de forma sistemática, todos os artigos encontrados:
ANO PUB. | AUTORES | TÍTULO DO ARTIGO | REVISTA | OBJETIVO |
---|---|---|---|---|
1998 | SOUSA; BARROS | O ensino do exame físico em escolas de graduação em Enfermagem do município de São Paulo | Revista Latino- Americana de Enfermagem | Obter a opinião dos docentes das disciplinas consideradas responsáveis por ensinar o exame físico. |
2004 | SANTOS | Significado dos emblemas e rituais na formação da identidade da enfermeira brasileira: uma reflexão após oitenta anos | Revista da Escola de Enfermagem Anna Nery | Discorrer sobre o significado dos emblemas e dos rituais na formação da identidade da enfermeira brasileira. |
2005 | FERREIRA; VALE | Ser-com-o-outro no mundo do cuidado em Enfermagem | Revista da Escola de Enfermagem da UERJ | Compreender o modo de ser na Enfermagem, a partir da Fenomenologia e Hermenêutica. |
2005 | SILVA et al. | O cuidado na perspectiva de Leonardo Boff, uma personalidade a ser (re)descoberta na enfermagem | Revista Brasileira de Enfermagem - REBEn | Compreender o cuidado de Enfermagem a partir das relações entre as pessoas partindo das ideias de Leonardo Boff. |
2007 | OLIVEIRA et al. | Desafios da formação em enfermagem no Brasil: proposta curricular da EEUSP para o bacharelado em enfermagem | Revista da Escola de Enfermagem da USP | Problematizar o novo currículo da Escola de Enfermagem da USP. |
2007 | SOUSA et al. | Pedagogia problematizadora: o relacionamento interpessoal dos internos de enfermagem no contexto hospitalar | Revista da Escola de Enfermagem da UERJ | Estudar a formação do enfermeiro a partir do relacionamento dos internos de enfermagem com os pacientes, os professores e a equipe multidisciplinar |
2011 | MOSTARDEIRO; PEDRO | O cuidado de enfermagem em situações de alteração da imagem facial | Revista Gaúcha de Enfermagem | Analisar a percepção das pacientes, das acadêmicas de enfermagem e dos docentes acerca do cuidado prestado a pessoas com alterações na imagem facial. |
2011 | OLIVEIRA et al. | Construção de um paradigma de cuidado de enfermagem pautado nas necessidades humanas e de saúde | Revista da Escola de Enfermagem Anna Nery | Abordar a produção do cuidado de Enfermagem a partir das necessidades básicas e de saúde dos sujeitos. |
2012 | AYRES et al. | As estratégias de luta simbólica para a formação da enfermeira visitadora no início do século XX | Revista História, Ciências, Saúde - Manguinhos | Analisar as estratégias de luta simbólica da formação das enfermeiras visitadoras da Cruz Vermelha, sob uma perspectiva documental. |
2013 | SILVEIRA et al. | Cuidado clínico em enfermagem: desenvolvimento de um conceito na perspectiva de reconstrução da prática profissional | Revista da Escola de Enfermagem Anna Nery | Refletir sobre a base epistemológica do cuidado, superando a perspectiva biomédica e cartesiana. |
2015 | QUEIRÓS | Cuidar: da condição de existência humana ao cuidar integral profissionalizado | Revista de Enfermagem Referência | Entender o cuidado de Enfermagem a partir de filósofos, como: Platão, Sófocles, Higino, Boff e Heidegger. |
2016 | BACKES et al. | Interatividade sistêmica entre os conceitos interdependentes de cuidado de enfermagem | Revista Chia | Enfocar o cuidado de Enfermagem a partir do referencial teórico- filosófico da complexidade. |
2016 | MONTEIRO; CURADO | Por uma nova epistemologia da Enfermagem: um cuidar post-humano? | Revista de Enfermagem Referência | Analisar como as inovações tecnológicas influenciam o cuidado de Enfermagem. |
Fonte: elaboração das autoras (2018).
Dos 18 artigos selecionados para compor este Estado da Questão, a maior parte, isto é, 10 trabalhos, trata sobre a formação da enfermeira para o Cuidado, sob diferentes perspectivas: relação entre profissional usuário, conhecimentos abordados nesse processo formativo, o papel do professor, dentre outros.
Carvalho (2009) começa a tratar dessa temática expondo que a Enfermagem não deve nortear-se somente por princípios teóricos e científicos, porém deve se preocupar com a concepção acerca da realidade e das situações que intervém. Esse processo deve começar pelo cuidado de Enfermagem para que não tenha uma concepção meramente técnica, mas valorize a subjetividade, levando o sujeito a sentir-se integrante desse cuidado que produz. E constituir sujeitos do conhecimento, capazes de transformar a realidade, perpassa pelo processo formativo.
Santos (2004), por sua vez, ao enfocar a formação da enfermeira brasileira numa perspectiva histórica, afirma que os ritos e as insígnias são utilizados para simbolizar a transformação de mulheres em enfermeiras e que esse modelo de formação, implantado no Brasil, na década de 1920, teve influência norte-americana. Ayres (2012), ainda nessa perspectiva histórica, trata da formação da enfermeira no início do século XX, conhecida como “visitadora”, destacando as diferentes concepções que perpassam o significado dessa profissão, particularmente a da enfermeira subordinada ao médico ou, pelo contrário, daquela profissional que deveria construir sua autonomia.
Barros et al. (2009), abordando o ensino no Curso de Enfermagem, destaca a inserção dos estudantes no campo de prática como uma das estratégias mais significativas para a produção desse cuidado em Enfermagem e o docente, nesse ínterim, configura-se como mediador desse processo. Outros estudos igualmente demonstram (CARVALHO et al., 1999; MOSTARDEIRO; PEDRO, 2011; RODRIGUES; CULAU; NUNES, 2007) que, para o aluno aprender a cuidar, cabe ao professor o papel importante de mediar essa sua inserção nas instituições de saúde e a produção desse conhecimento.
Interessante que, nesse mesmo sentido, investigação realizada com concluintes de Enfermagem demonstrou que o processo formativo tem como foco o cuidado, compreendido para além do procedimento técnico, e sim como o propósito de cuidar de outro sujeito, de forma planejada e embasada cientificamente, a partir do vínculo estabelecido (FERREIRA; VALLE, 2005).
Falar da formação para o cuidado remete à discussão do currículo, o qual, ao longo do tempo, vem passando por várias modificações, para se adequar às transformações sociais, propostas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelas Diretrizes Curriculares em Enfermagem, além dos aspectos legais oriundos dos órgãos deliberadores. Essas mudanças levam a um aprimoramento da formação, o que é indispensável, pois só será possível transformar a realidade dos serviços de saúde, produzindo um cuidado integral, se essas transformações se iniciarem no processo formativo (OLIVEIRA et al., 2007; PARANHOS; MENDES, 2010; SOUSA; BARROS, 1998).
No que tange ao conceito de cuidado, foi possível perceber que sete estudos, os quais serão comentados a seguir, apontam a necessidade de repensar a base epistemológico-filosófica, a qual sustenta a Enfermagem desde o início do século XX, referenciando-se na objetividade, na lógica, na neutralidade, que já não consegue contemplar a atual realidade complexa. Para realizar tal intento, esses estudos propõem diferentes ações.
Silveira et al. (2013) afirmam que, quando a Enfermagem se relaciona com a clínica, sofre influências do modelo biomédico e da perspectiva cartesiana. Dessa tensão, acreditam ser possível a produção de um cuidado clínico que tenha o sujeito como foco da produção desse atendimento. Monteiro e Curado (2016), por sua vez, argumentam a importância de pensar como as inovações tecnológicas devem traduzir-se em novas perspectivas para o cuidar. Particularmente, a formação acadêmica que não deve se preocupar apenas em ensinar técnicas, visando ações práticas, contudo em refletir como as tecnologias modernas podem ser inseridas no campo da saúde. Backes et al. (2016) propõem a discussão do cuidado de Enfermagem sob o viés da Complexidade, pensando-o como uma concepção ampliada, complementar, antagônica e dinâmica na ação dos enfermeiros. Já Oliveira et al. (2011) expõem que as necessidades humanas básicas e de saúde devem orientar a produção do cuidado em Enfermagem, as quais são captadas a partir da inserção no contexto social, tanto individual quanto coletivamente.
Observa-se, ainda, na análise desses artigos, que há teóricos que se reportam especificamente para determinados filósofos. Schaurich e Crossetti (2008) recomendam pensar o cuidado a partir do elemento dialógico das ideias de Martin Bubber, ressaltando que a dialogicidade compõe e intermedeia as relações entre os sujeitos. Ao trazer essa premissa para a Enfermagem, o diálogo surge como estratégia para aquele que vai cuidar. Queirós (2015), a partir de Platão, Sófocles, Higino, Boff e Heidegger, compreende que o cuidado é inerente ao ser humano, constituindo-o, logo é preciso entender quais os sentidos do cuidar presentes no trabalho da enfermeira.
Por fim, Silva et al. (2005) tencionam que o cuidado de Enfermagem se oriente a partir do pensamento de Leonardo Boff, que compreende o cuidado numa perspectiva filosófica, social, espiritual, tecido nas relações entre as pessoas, o que possibilitaria a implementação de estratégias na Enfermagem que permitissem uma ressignificação do modo de ser humano no mundo.
Desse modo, os artigos analisados nesta seção apontam para uma diversidade nas concepções sobre o cuidado, apontando diferentes núcleos de fundamentação: relação entre profissional e usuário, conhecimentos que devem permear o processo formativo e a função do professor no processo de ensinar e aprender, o que mostra como há uma complexidade envolvida no que se pensa e no que se faz em relação ao cuidado de Enfermagem.
As Reflexões das Dissertações e Teses Sobre a Formação da Enfermeira Para o Cuidado
No banco de dissertações e teses da CAPES, a busca foi iniciada com a expressão: “formação da enfermeira para o cuidado”, logo apareceram 67 resultados, entretanto, após a leitura criteriosa dos resumos, permamceram cinco trabalhos (quatro dissertações e uma tese). Os outros foram descartados, pois tratavam da formação em nível de pós-graduação (18), para o processo de gerenciar (14), de pesquisar (nove) ou do trabalho educativo do enfermeiro (21).
Utilizou-se outra expressão: “cuidado na graduação em Enfermagem”, para busca de trabalhos no Banco de Dissertações e Teses da CAPES. Foram encontrados 16 resultados, porém, depois da análise do resumo, dois trabalhos se relacionavam com a temática aqui estudada, sendo os mesmos já identificados em busca anterior. Os demais trabalhos foram excluídos por abordar a formação no âmbito das residências em saúde (sete), para o processo de gerenciar (quatro) ou do pesquisar (três).
Posteriormente, foi digitada a expressão: “conceito de cuidado em Enfermagem” e encontrados 900.831 registros. Refinamos a busca, optando por aqueles que tivessem relacionados à área de concentração na Enfermagem, ficando 248 registros, mas após a leitura do resumo foram selecionados três trabalhos, sendo duas dissertações e uma tese. Os outros foram excluídos por se referirem ao cuidado realizado nos serviços de saúde (74), a técnicas realizadas em determinadas áreas ou para patologias específicas (61) ou ainda relacionados ao processo de gerenciar (66) ou à execução de atividades de educação em saúde (44).
Após realizar essas buscas no Banco de Dissertações e Teses da CAPES, foram selecionados, ao todo, oito trabalhos para integrar o Estado da Questão, distribuídos da seguinte forma: cinco trabalhos que tratam sobre a formação da enfermeira para o cuidado, sendo quatro dissertações e uma tese, assim como três trabalhos relativos ao conceito de cuidado, sendo duas dissertações e uma tese. As principais informações acerca destes estudos: ano de publicação, nome do autor, título, natureza do trabalho, programa de Pós-Graduação/Universidade e objetivo estão dispostas, no quadro a seguir:
ANO PUB | NOME DO AUTOR | TÍTULO | NATUREZA DO TRABALHO | PROG. DE PÓS- GRADUAÇÃO/ UNIVERSIDADE | OBJETIVO |
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2011 | COSSA | O ensino do processo de enfermagem em uma universidade pública e hospital universitário do Sul do Brasil na perspectiva de seus docentes e enfermeiro | DISSERTAÇÃO | Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Conhecer o desenvolvimento do processo de Enfermagem num hospital universitário público |
2011 | OLIVEIRA | Interdições ao corpo no cuidado de Enfermagem: percepções e superação de estudantes de Enfermagem | TESE | Pós-Graduação e Enfermagem Da Universodade Federal do Rio de Janeiro | Estudar o comportamento dos alunos frente ao contato com o corpo do paciente no momento que realizam um cuidado de Enfermagem |
2011 | RANGEL | Cuidado integral em saúde: percepção de docentes e discentes de Enfermagem | DISSERTAÇÃO | Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade do Rio Grande do Sul | Compreender o significado do cuidado integral para os docentes e discentes do Cruso de Enfermagem e se é abrodado na formação do enfermeiro |
2012 | CARBOGIM | Integralidade do cuidado na formação do enfermeiro: um enfoque histórico-cultural | DISSERTAÇÃO | Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Juiz de Fora | Compreender os sen tidos da integralidade ma formação do enfermeiro a partir das opiniões dos discentes e docentes |
2012 | GUERREIRO | Formação do enfermeiro na perspectiva da atenção intefral: os múltiplos olhares de aluno e docentes | DISSERTAÇÃO | Pós-Graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde da Universidade Estadual do Ceará | Compreender a formação do enfermeiro para a assistência, tomando como referêncai as diretrizes curriculares nacionais |
2013 | VENTURE | Cuidados paliativos: o significado para uma equipe de enfermagem de uma unidade oncológica | DISSERTAÇÃO | Programa de Pós Graduação em Enfermagem da Universidade Fedral de Alfenas | Entender a concepção acerca de cuidados de Enfermagem na oncologia |
2015 | RIBEIRO | O cuidado no espaço de intermedicalidade em uma aldeia indígena | TESE | Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade de São Paulo | Descrever a realidade do cuidado produzido em uma tribo indígena |
2015 | TÔRRES | Acolhimento na produção do cuidado por enfermeiras da emergência de uma unidade hospitalar pública | DISSERTAÇÃO | Programa de Pós- Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana | Analisar a produção do cuidado a partir do acolhimento realizado por enfermeiras numa instituição hospital. |
Fonte: elaboração das autoras (2018).
Dos oito trabalhos selecionados (seis dissertações e duas teses) para compor este Estado da Questão, cinco abordam a formação da enfermeira para o cuidado e os outros três enfocam a concepção de cuidado de Enfermagem. Os trabalhos que tratam sobre a formação para o cuidado enfocam-no a partir da proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais da Enfermagem; a integralidade e a humanização no atendimento ao sujeito que procura a instituição de saúde; o processo de trabalho do enfermeiro e o comportamento do aluno ao ter contato com o corpo do paciente. Interessante ressaltar que todos esses cinco estudos (CARBOGIM, 2012; COSSA, 2011; GUERREIRO, 2012; OLIVEIRA, 2011; RANGEL, 2011) convergem para a defesa de que a realidade das instituições de saúde pode ser modificada, dentre outras estratégias, através de transformações no processo formativo do enfermeiro. A seguir, são enfocadas detalhadamente ideias significativas de cada trabalho.
Carbogim (2012), ao realizar investigação com acadêmicos de Enfermagem, constatou que os alunos compreendem o cuidado como o núcleo fundante da Enfermagem, indo além da dimensão biológica, significando um processo de estabelecimento de relações com o outro. É interessante que noutra investigação similar, realizada por Rangel (2011), estudantes também afirmaram conceber o cuidado integral como aquele no qual se vislumbra o sujeito que procura a instituição de saúde considerando suas múltiplas dimensões: biológica, social, cultural e histórica.
No mesmo sentido, Cossa (2011) argumenta que, por meio da sistematização da assistência de Enfermagem, há a possibilidade de se produzir um cuidado individualizado, voltado para as necessidades do paciente. Assim, é papel do docente mediar os saberes necessários para a construção desse cuidado, os quais perpassam, dentre outros, os conhecimentos relativos à anamnese e ao exame físico. Para Oliveira (2011), outro assunto a ser abordado na formação diz respeito ao cuidado com o corpo do paciente de forma natural. Isso porque, quando o acadêmico realiza um cuidado de Enfermagem, lida com as interdições socioculturais atribuídas ao corpo. Como muitas vezes não se aborda essa temática na formação, os estudantes se sentem incomodados em cuidar do corpo outro.
Em relação aos trabalhos que versam sobre o “conceito de cuidado”, assinalam que ele é o alicerce da Enfermagem, o qual vai além da dimensão técnica, produzindo-se na relação entre os sujeitos. É pertinente destacar, então, as ideias de cada estudo. Iniciemos por Venture (2013), o qual, visando entender os significados do cuidado destinados pela equipe de Enfermagem a pessoas com câncer, verificou que esse cuidado é permeado pelo fazer e pelo sentir. O fazer em decorrência da burocracia e da assistência parcelada que existe no serviço de saúde e o sentir refere-se à questão da finitude da vida e, portanto, a sensibilidade em relação a esse momento.
Em seguida, Tôrres (2015), ao investigar a concepção de cuidado presente no acolhimento por classificação de risco realizado por enfermeiras, constatou o cuidado restrito à identificação dos sinais e sintomas que os sujeitos apresentam, para, então, classificar a gravidade do caso. Há, portanto, ainda um atendimento voltado apenas para a dimensão biológica, mais restrito a procedimentos.
Já Ribeiro (2015), objetivando compreender como se dava o cuidado intercultural produzido numa aldeia indígena, do povo Terena, no Mato Grosso do Sul, realizou estudo utilizando um referencial antropológico e etnográfico, o que lhe permitiu refletir que o cuidado em saúde pode ser interdisciplinar, o que se demonstra pela junção do sistema tradicional, incluindo o uso de plantas medicinais, ritos e espiritualidade e o oficial, aquele ofertado pelos serviços de saúde, procurado pelos índios quando não conseguem resolver seus problemas de saúde.
Nesse sentido, uma das particularidades que se observa ao analisar as dissertações e teses nesta seção é que, ao se reportarem para a formação em Enfermagem para o Cuidado, procuram partir das DCN da Enfermagem, dos princípios do SUS, dos processos de trabalho do enfermeiro, assim como a proposta da humanização e da integralidade da assistência em saúde.
O Cuidado na Formação da Enfermeira: Perspectivas da REBEn
Na Revista Brasileira de Enfermagem, a primeira busca combinou as seguintes palavras: formação and enfermeira and cuidado, não sendo identificado nenhum resultado. Então, foi reformulada essa combinação, ao invés de usar enfermeira foi utilizada Enfermagem do seguinte modo: formação and Enfermagem “and” cuidado, obtendo 45 resultados, sendo quatro relativos à temática estudada; os outros versavam sobre a formação para a pesquisa (17) ou a gerência (14), ou a articulação ensino-serviço (10).
Ao serem associados os termos “conceito de cuidado and enfermeira”, bem como “conceito de cuidado and Enfermagem” não foi obtido nenhum resultado. Em seguida, foram combinadas as expressões: “cuidado and Enfermagem”, sendo identificados 2.226 artigos. Para refinar a busca, o critério foi de que essas palavras estivessem presentes no resumo, assim ficaram disponíveis 386 registros, dos quais, após a leitura criteriosa dos resumos sete foram considerados pertinentes à temática; no entanto, três já tinham sido identificados anteriormente ao serem realizadas buscadas na BVS, portanto foram agregados quatro novos trabalhos. Os outros foram descartados, pois versavam sobre a realização de procedimentos hospitalares (94), assistência a patologias específicas (87), técnicas/metodologias a serem utilizadas no processo ensinar-aprender (77), a concepção de cuidado para os pacientes ou acompanhantes (49), a realização de atividades educativas em saúde (38) e a dimensão gerencial do cuidado de Enfermagem (34).
Posteriormente, foram combinados os termos: “cuidado and enfermeira”, identificando 1451 registros. Ao refinar a busca, a fim de que essas palavras estivessem presentes no resumo, foram selecionados 216 artigos. Depois de proceder à leitura dos resumos, seis artigos relacionavam-se com a temática em estudo, sendo que três já tinham sido identificados em busca anterior, então, mais três artigos foram acrescidos ao EQ. Os outros artigos tratavam da assistência a patologias específicas (63); da realização de técnicas de Enfermagem (54); do gerenciamento em Enfermagem (47) e das atividades de educação em saúde (46).
Depois de realizar essas buscas na REBEn, foram selecionados, ao todo, onze artigos para integrar o nosso Estado da Questão, sendo que sete reportam-se para a concepção do cuidado e quatro abordam a formação para o cuidado. No Quadro 4, dispõem-se as principais informações destes artigos identificados:
ANO PUB | AUTORES | TÍTULO DO ARTIGO | OBJETIVO |
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2001 | SILVA; DAMASCENO; MOREIRA | Contribuição dos estudos fenomenológicos para o Cuidado de enfermagem | Contribuir com as reflexões acerca do cuidado de Enfermagem por meio dos estudos fenomenológicos. |
2006 | FERREIRA | A comunicação no cuidado: uma questão fundamental na enfermagem | Discutir o cuidado como estratégia indispensável para o cuidado de Enfermagem. |
2006 | SILVA; SENA | A formação do enfermeiro: construindo a integralidade do cuidado | Compreender a formação do enfermeiro voltada para a integralidade do cuidado em Enfermagem. |
2007 | SOUZA et al. | Formação do enfermeiro para o cuidado: reflexões da prática profissional | Realizar discussões acerca da formação do enfermeiro para o cuidado na perspectiva de mudança da prática profissional. |
2007 | TANAKA; LEITE | O cuidar no processo de trabalho do enfermeiro: visão dos professores | Entender como o cuidar, enquanto processo de trabalho, é enfocado na formação em Enfermagem. |
2008 | SOUZA et al. | Ensino do cuidado humanizado: evolução e tendências da produção científica | Investigar a produção científica no Brasil sobre o ensino do cuidado de Enfermagem no período de 1990-2008. |
2009 | WALDOW | Momento de cuidar: momento de reflexão na ação | Analisar a reflexão-na-ação do enfermeiro no momento em que cuida. |
2011 | LANDIM; SILVA; BATISTA | A vivência clínica na formação do enfermeiro | Identificar a produção científica de dissertações e teses relacionada à formação clínica do enfermeiro. |
2011 | OLIVEIRA; CARRARO | Cuidado em Heidegger: uma possibilidade ontológica para a Enfermagem | Refletir sobre o cuidado de Enfermagem numa perspectiva ontológica, a partir das ideias do filósofo Martin Heidegger. |
2011 | VALE; PAGLIUCA | Construção de um conceito de cuidado de Enfermagem: contribuição para o ensino de Graduação | Construir um conceito de cuidado em Enfermagem, a partir da concepção de enfermeiros e alunos do curso de Graduação. |
2013 | PIRES | Transformações necessárias para o avanço da Enfermagem como ciência do cuidar | Refletir sobre os desafios vivenciados para fortalecer o cuidado de Enfermagem. |
Fonte: Elaboração das autoras (2018).
Dos 11 artigos relativos à temática estudada, cinco tratam da formação da enfermeira para o cuidado, sob diferentes vieses: a vivência clínica, a perspectiva da integralidade, o entendimento de como o cuidado trabalhado e as dificuldades para enfocá-lo. Desse modo, segundo Vale e Pagliuca (2011), a formação em Enfermagem precisa pensar sobre a sua concepção de cuidado, haja vista que essa compreensão orienta todo o processo de ensinar e aprender. Sendo assim, Silva e Sena (2006) identificaram que o cuidado de Enfermagem que vem sendo trabalhado na formação visa superar o modelo biomédico, a fim de vislumbrar o sujeito em todas as suas dimensões e a realidade em que se insere. Nesse sentido, para Tanaka e Leite (2007), ao empreender estudo com os graduandos de Enfermagem, tentaram compreender como se dava o aprendizado acerca do cuidar. Os alunos trouxeram diversas concepções, ressaltando a necessidade dos docentes abordarem com mais ênfase o cuidado em relação aos procedimentos a serem executados pela enfermeira.
Souza et al. (2008), por sua vez, a partir de estudo bibliográfico, identificaram que o cuidado num aspecto humanizado vem sendo mais discutido, particularmente no processo formativo. As Diretrizes surgem como estratégia que incentiva o ensino desse cuidado humanizado, para tanto a formação tem essa responsabilidade, em nível inicial bem como permanente. Já para Souza et al. (2007), ao longo do tempo, a formação do enfermeiro para o cuidado foi evoluindo de um aspecto meramente procedimental a um saber-fazer, fundamentado em conhecimentos técnico-científicos.
Entretanto, apesar da reformulação das Diretrizes para a Formação em Enfermagem, ainda há um déficit no que tange à dimensão político-social, a qual engloba o papel do enfermeiro na sociedade e, por conseguinte, acaba colocando-no como agente transformador dos contextos (SILVA; SENA, 2006). Essa situação ocorre pelos limites da própria formação (influências do modelo biomédico, vínculos frágeis com o serviço e a própria formação dos docentes que mediam esse processo) e o contexto das instituições de saúde que não propiciam a vivência de um cuidado integral. Para superar essas dificuldades, Landim, Silva e Batista (2011) relatam que as vivências nos serviços de saúde no SUS demonstram-se como algo essencial para a formação do enfermeiro, haja vista que possibilitaria articular teoria e prática, indispensável para a realização do cuidado de Enfermagem.
Em relação ao “conceito de cuidado de Enfermagem”, Pires (2013) argumenta que a Enfermagem precisa repensar o cuidado que vem sendo produzido para os sujeitos, o qual deve ser orientado tanto pelas necessidades de saúde destes, bem como pela reivindicação por condições adequadas para realizar o atendimento, ou seja, tanto num plano filosófico bem como material. Para Waldow (2009), o cuidado deveria ser pautado na reflexão em ação. Para tanto, é importante estimular essa análise ainda na formação.
Repensando a concepção de cuidado, Ferreira (2006) aponta a necessidade de se conceber o cuidado a partir da comunicação: a verbal e a não verbal, as quais propiciam um estabelecimento de relação entre profissional e usuário, essencial para a produção do cuidado. Já Oliveira e Carraro (2011) propõem pensar o cuidado de Enfermagem a partir do filósofo Martin Heidegger, o que suscita a reflexão de que as ações entre profissional e paciente pressupõem uma convivência, um modo de ser no mundo com o outro. Para Silva, Damasceno e Moreira (2001), a Fenomenologia pode contribuir para o cuidado de Enfermagem ao suscitar a compreensão da doença a partir dos comportamentos e das atitudes do sujeito, que traduzem um pouco do que ele está vivenciando; superando, assim, uma visão meramente biológica e possibilitando um atendimento mais ampliado.
Os artigos extraídos da REBEn, cuja análise foram foco desta seção, demonstram que também há uma multiplicidade de concepções sobre cuidado, mas que sempre tencionam para colocar o cuidado como núcleo fundante da Enfermagem. Logo, no processo formativo, os estudos apontam sobre a necessidade de se pensar como esse cuidado é trabalhado, na inserção dos alunos nos serviços de saúde, a integralidade e as dificuldades para experienciá-lo na formação.
Considerações Finais
Neste estudo, por meio das premissas teórico-metodológicas do Estado da Questão - EQ, foi debatido o processo de formação da enfermeira para o cuidado, em particular no momento do Estágio/Internato de Enfermagem. A partir de três fontes de investigação a BVS; o Banco de Dissertações e Teses da CAPES e da Revista Brasileira de Enfermagem.
Ante a análise dos trabalhos selecionados constatamos que formação para o cuidado na Enfermagem tem sido pesquisada sob diversas perspectivas: a partir do processo de trabalho do enfermeiro; o comportamento do aluno no contato com o corpo do outro que procura a instituição de saúde; da relação estabelecida entre o profissional e o usuário; como estratégia para materializar a integralidade e a humanização no atendimento ao sujeito que procura a instituição de saúde; enquanto uma reflexão acerca do papel do professor para mediar essa formação para o cuidado; e os conhecimentos que são abordados nesse processo formativo.
Em relação ao conceito de cuidado de Enfermagem, as pesquisas averiguadas estão gravitando em torno das seguintes temáticas: assinalam que o cuidado é o alicerce da Enfermagem, o qual vai além da dimensão técnica, produzindo-se na relação entre os sujeitos, sendo permeado pelo fazer e pelo sentir e propõem repensar o cuidado que vem sendo produzido para os sujeitos, no que tange à sua base epistemológico-filosófica. Sendo também um achado desta pesquisa que os principais filósofos mencionados foram Martin Heidegger, Martin Buber e Leonardo Boff, provocando o exercício de que pensar sob essas concepções pode contribuir para a compreensão sobre o cuidado em Enfermagem.
Há um déficit no que tange à produção dessa temática na realidade nordestina e, especificamente, na cearense, contexto em que se inserem as autoras deste estudo. Portanto, os trabalhos, em sua maioria, reportam-se para o âmbito do eixo sul-sudeste. Assim, foram identificados dois estudos, uma dissertação referente à formação da enfermeira sob o prisma da integralidade e um artigo tratando sobre o conceito de cuidado para os docentes e os discentes, os quais, embora relevantes, não conseguem contemplar a formação da enfermeira para o cuidado com as múltiplas especificidades inerentes a esse tema.
Esses achados afirmam a relevância das investigações no processo de formação da enfermeira para o cuidado, pois existem lacunas nas produções inventariadas numa perspectiva histórica, isto é, acerca da trajetória da formação da enfermeira para o cuidado. De modo particular, constata-se a escassez de trabalhos que tratem sobre a forma como as enfermeiras-professoras mediam o processo de ensino e aprendizagem para o cuidado, o que se torna indispensável para a ressignificação do processo formativo em Enfermagem.