INTRODUÇÃO
Tomando por referência o que sugerem Dourado e Oliveira (2009), quanto ao processo histórico da evolução do conceito de qualidade, em certa cronologia portanto, e também as indicações de Botiglieri, Borges e Rothen (2017), que discorrem sobre pesquisa bibliográfica a respeito da relação entre qualidade e melhoria na educação, objetiva-se de modo específico trazer ao debate interpretações e distinções sobre o que se depreende por qualidade em educação superior em processos de avaliação institucional e de avaliação de cursos1. A propósito, como alerta Dias Sobrinho (2008, p. 817),
a qualidade se tornou um tema central na agenda da educação superior. Em que pese ser amplamente utilizado, esse termo não consegue reunir consensos no campo educacional. Porém, para todos os efeitos práticos, a falta de entendimentos quanto ao conceito não chega a ser problema. Mais ainda, o conceito de qualidade nem mesmo é posto em foco de discussão.
Para o nível de Graduação, em relação ao período antecedente ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), estabelecido pela Lei nº10.861/2004, de 14 de abril de 2004, o conceito de qualidade vem sendo debatido no Brasil, pelo que pode observar, desde o conhecido Plano Atcon, no documento “Rumo à Reformulação Estrutural da Universidade Brasileira”, publicado pelo MEC em 1966, no qual, entre os princípios, consta que “a nova estrutura a ser estabelecida pretende melhorar a qualidade do ensino ao mesmo tempo que o amplia quantitativamente.” (ATCON, 1966, p. 15). O Relatório sistematizado por Rudolph Atcon, consultor norte-americano, é enfático desde a apresentação sobre a questão da qualidade:
não deveria existir [...] a menor dúvida de que — afora certas e honrosas exceções
— em termos gerais e para números em contínuo ascenso, a qualidade do ensino tenha decaído a níveis verdadeiramente indefensáveis. Mesmo onde este declínio qualitativo ainda não se mostrou com plena agudeza, já podem ser discernidos suficientes indícios sobre o modo pelo qual o sistema educativo está sendo ameaçado [...] (ATCON, 1966, p. 4).
Mais próximo historicamente, um marco legítimo no que se refere a programas de avaliação no Brasil, em especial a autoavaliação, foi dado pelo Programa de Avaliação das Universidades Brasileiras (PAIUB), criado em 1993. Seus princípios basilares (globalidade; comparabilidade; respeito à identidade institucional; não premiação ou punição; adesão voluntária; legitimidade; continuidade), que aliás foram recuperados no SINAES (2004), tornando-se estruturante em todo o processo referente à autoavaliação institucional no Brasil. De acordo com Zandavalli (2009,p. 421), o PAIUB foi formatado como “uma obra coletiva, aberta, que contempla a pluralidade”. Nos termos constantes do próprio PAIUB, como objetivo geral, registra-se que
a avaliação de desempenho das Universidades é uma forma de rever e aperfeiçoar o projeto acadêmico e sociopolítico da instituição, promovendo a permanente melhoria da qualidade e pertinência das atividades desenvolvidas. A utilização eficiente, ética e relevante dos recursos humanos e materiais da universidade traduzida em compromissos científicos e sociais, assegura a qualidade e a importância dos seus produtos e a sua legitimação junto à sociedade. (BRASIL, 1994, p.13).
Tal concepção é reafirmada em seu primeiro objetivo específico, que exara que a autoavaliação é um processo que visa
impulsionar um processo criativo de autocrítica da instituição, como evidência da vontade política de autoavaliar-se para garantir a qualidade da ação universitária e para prestar contas à sociedade da consonância dessa ação com as demandas científicas e sociais da atualidade. (BRASIL, 1994, p.13)
Contudo, em 1995, por meio da implementação do Exame Nacional de Cursos - ENC (BRASIL, 1995), ou Provão, estabelece-se a possibilidade de classificação das IES em ordem de valores recebidos, isto é, em tabelas de rankings ou de classificação. De todas as críticas realizadas sobre o Provão, o fato é que “a dissociação dos âmbitos da avaliação e a centralidade do Provão também geraram esvaziamento de práticas de autoavaliação que vinham sendo realizadas em algumas IES a partir da adesão ao PAIUB” (ZANDAVALLI, 2009, p. 432). Sumariza Barreyro (2018, p. 9):
No Brasil, [processos de acreditação/avaliação para garantia de qualidade na educação superior] começaram nos anos de 1990 com a criação do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB) que promoveu processos de avaliação institucional em Universidades e seguiu com o Exame Nacional de Cursos (Provão) − que visava controlar a qualidade da expansão do setor privado, e a massificação, próprias do que Rama (2006) chama de segunda reforma da educação superior latino-americana − e que derivou no atual Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).
Desta maneira, desde 2004, a característica de listagem de posições por resultados em escalas classificatórias é consolidada pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes - ENADE, cujos resultados tornam-se indicadores que, supostamente, revelam a qualidade dos cursos de graduação no Brasil. Essa interpretação de qualidade levou a implementação do Conceito Preliminar de Curso - CPC e do Índice Geral de Cursos – IGC (BRASIL, 2007), referenciais de visão reducionista e economicista em modelo de gestão por atingimento e superação de metas. Ademais, o MEC, por intermédio da Portaria Normativa MEC nº12/2008, de 5 de setembro de 2008, institui-se o Índice Geral de Cursos da Instituição de Educação Superior (IGC), estabelecendo em seu artigo 2º:
o IGC será calculado com base nas seguintes informações: I - média ponderada dos Conceitos Preliminares de Cursos (CPC), nos termos da Portaria Normativa no 4, de 2008, sendo a ponderação determinada pelo número de matrículas em cada um dos cursos de graduação correspondentes; II - média ponderada das notas dos programas de pós-graduação, obtidas a partir da conversão dos conceitos fixados pela CAPES, sendo a ponderação baseada no número de matrículas em cada um dos cursos ou programas de pós-graduação stricto sensu correspondentes [sem grifos no original] (BRASIL, 2008)2.
Na realidade, as supostas inovações que vêm sendo implementadas desde 2008 reforçam o gerencialismo, referenciado na Nova Gestão Pública (NGP)3, que reduz a administração pública, inclusive do campo da educação superior, a governança por indicadores e manuais de “boas práticas” (AZEVEDO, 2016). A este respeito, assevera Dias Sobrinho (2008, p. 820), que “as recentes ações do INEP interrompem a construção desse processo participativo e promovem o retorno a posturas, axiomas e enfoques próprios do paradigma técnico-burocrático”.
O ATUAL CONTEXTO NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: NOTAS SOBRE O SINAES E A AVALIAÇÃO DA CAPES
No que se refere à atual estrutura dos instrumentos de avaliação de cursos de graduação e institucional apresenta dimensões e eixos que, vale enfatizar, são reduzidos a um tipo de unidimensionalidade em razão da composição final nos índices de qualidade, quais sejam, o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos (IGC). Observando-se o CPC mais detalhadamente, nota-se que
O Indicador de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado (IDD) é composto pelo comparativo estatístico por meio da Teoria de Resposta ao Item (TRI) entre o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) perfazendo a fração de 35% do total do CPC.;
O Exame Nacional dos Estudantes (ENADE), que perfaz a fração de 20% do CPC;
O Questionário do Estudante, aplicado no mesmo ciclo ENADE, que perfaz 15% do CPC;
Os Insumos Institucionais relacionados ao Censo do Corpo Docente, que perfazem 30% do CPC.
O resultado desta métrica, em possíveis 100%, é ponderado com o resultado da Avaliação Quadrienal CAPES para o Stricto sensu compondo, por fim, o índice Geral dos Cursos. A conversão conceitual deste conjunto de resultados estrutura-se em uma escala de valores absolutos de 1 a 5, que se traduz em apenas duas castas: os que estão aceitos enquanto qualidade (aqueles com conceitos entre 3 e 5) e os não possuidores deste capital acadêmico (os detentores dos conceitos 1 e 2). Incluem-se nesta casta, também, aqueles sem conceitos.
Implicação direta desta hierarquização gerencial a partir do estabelecimento desta cifração matematizada (BOURDIEU, 2009, p.45), no formato de indicadores, traduz-se na objetivação reducionista do processo de avaliação interna em questionários perceptivos frente ao atingimento de metas definidas externamente – ou seja, a avaliação como ação inerente aos métodos gerenciais e de governança próprios da mencionada NGP.
A título histórico, sobre cursos de pós-graduação, vale ressaltar que, apenas em 1965, por intermédio do Parecer 977/1965, de 3 de dezembro de 1965, elaborado pelo Professor Newton Sucupira, é que há a conceituação e a diferenciação de programas de Pós-Graduação em Lato sensu e em Stricto sensu (BRASIL, 1965). Cabral et al. (2020, p.7-8) destacam que apenas em 1970 se teve o movimento de institucionalização oriundo do Parecer nº977/1965, com as ações de concessão de bolsas distribuídas aos Programas em processos institucionais; ações de desenvolvimento de identificação e de incentivo das áreas por meio de planejamento nacional; criação das Pró-Reitorias de Pós-Graduação nas Universidades; ações de combate às assimetrias regionais e nacional de oferta; e, por fim, o esboço de um primeiro processo avaliativo dos Programas em oferta, sendo criados os primeiros comitês de avaliação com a fixação de critérios de qualidade de cursos.
Vale notar que, com o Decreto nº 29.741/1951, de 11 de julho de 1951, fica instituída uma Comissão para promover a Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (BRASIL, 1951), mais conhecida pelo acrônimo CAPES4. Assim, já década de 1970, mais especificamente em 1976, a CAPES introduz uma avaliação por escala em cinco conceitos, de A (o melhor) a E (o menos qualificado) e, em 1998, amplia esta estratificação binária de castas de cinco para sete conceitos, alterando os conceitos de A a E para 1 a 7, sendo 1 o menos qualificado e 7 o mais qualificado. Vale notar que o limite máximo de avaliação para programas de Mestrado é o conceito 5. Somente programas de Doutorado têm possibilidade de obter os conceitos 6 e 7 – atribuídos a programas que, necessariamente, a área de Educação considera como internacionalizados. Ainda, para ambos, Mestrado e Doutorado, o conceito 3 é o mínimo aceitável para a manutenção regular de oferta de vagas.
A plataforma Sucupira da CAPES recebe a inserção de dados pelas coordenações de Cursos de Pós-Graduação acerca dos seguintes quesitos: 1) Proposta do Programa; 2) Corpo Docente; 3) Corpo Discente, Teses e Dissertações; 4) Produção Intelectual; e, 5) Inserção Social. A Portaria CAPES nº 59/2017, de 21 de março de 2017 (BRASIL, 2017), aprova o Regulamento para a Avaliação Quadrienal 2017 para os Programas Acadêmicos e Profissionais com as seguintes orientações para a atribuição de Nota – da métrica avaliativa CAPES em escala atitudinal de 1 a 7 (Quadro 1), sendo: 1) Insuficiente; 2) Fraco; 3) Regular; 4) Bom; 5) Muito Bom; 6) Predomínio do Conceito Muito Bom; 7) Muito Bom em todos os 5 quesitos.
Programa | Quesito | Conceito | Nota máxima | |
---|---|---|---|---|
Doutorado | Mestrado | (1) Proposta do Programa | Insuficiente | 2 |
(1) Proposta do Programa | Fraco | 3 | ||
(3) Corpo Discente, Teses e Dissertações; (4) - Produção Intelectual | O menor valor atribuirá a nota final | |||
Regular | 3 – Padrão mínimo de qualidade | |||
Em três dos cinco quesitos, sendo obrigatoriamente nos quesitos (3) - Corpo Discente, Teses e Dissertações; (4) - Produção Intelectual | Bom | 4 | ||
Em quatro dos cinco quesitos, sendo, obrigatoriamente nos quesitos (3) - Corpo Discente, Teses e Dissertações; (4) - Produção Intelectual + dois quesitos | Muito Bom | 5 | ||
Predomínio nos itens dos cinco quesitos | Muito Bom | 6 | ||
Em todos os itens de todos os cinco quesitos | Muito Bom | 7 |
Fonte: Os Autores.
Quesito avaliativo | O que avalia / item | Critérios comuns para as modalidades acadêmica e profissional5 |
---|---|---|
(1) Proposta do Programa | 1.1 - Proposta Curricular; Projetos em andamento; Pesquisa | |
1.2 - Planejamento | ||
1.3 - Infraestrutura | ||
(2) Corpo Docente | 2.1 – Perfil | |
2.2 - Adequação e dedicação Docente | ||
2.3 - Atribuição de Atividades | ||
(3) Corpo Discente, Teses e Dissertações | 3.1 - Quantitativo de trabalhos defendidos (Teses e Dissertações) | |
3.3 - Qualidade da produção | ||
(4) Produção Intelectual | 4.1 - Publicações qualificadas | |
4.2 - Distribuição de publicações qualificadas | ||
4.3 - Produções consideradas relevantes | ||
4.4 - Produção Artística | ||
(5) Inserção Social | 5.1 - Inserção social |
Autor: Os autores
A indicação dos percentuais em cada ficha de avaliação depreende hierarquizações interpretativas por critérios em seus respectivos quesitos avaliativos. Todavia, como não há o rito da avaliação in loco no Stricto sensu, vindo a ocorrer somente quando há indicação de diligência, a avaliação interpares acaba sendo uma avaliação de plataforma (AZEVEDO, 2022, p.4), isto é, por intermédio da Plataforma Sucupira da CAPES, que é alimentada e informada pelas coordenações de cursos de cursos e programas de pós-graduação.
A MULTIDIMENSIONALIDADE EM FOCO
Como mencionado, a avaliação da pós-graduação é escalonada de 1 a 7 e vem se mantendo, com esta escala de notas, desde 1998, sendo que tal imbricação do conceito de qualidade produzido pela CAPES como componente do cálculo do IGC foi iniciado em 2008. Todavia, recentemente, em março de 2021, a CAPES apresentou ao campo da educação superior um novo modelo, denominado avaliação multidimensional, cuja origem se dá a partir do modelo europeu U-Multirank (UMR). Segundo estudos de Morandin, Silva e Vanz (2020, p.117), o que se tem até o momento em termos de instrumental e de resultados é uma compreensão unidimensional determinada pelo órgão regulador. Estes autores afirmam que os procedimentos de avaliação do UMR “apresentam uma série de indicadores que podem ser organizados de acordo com as preferências de quem realiza a consulta, permitindo comparações entre diversas IES utilizando os filtros presentes em suas plataformas”.
Em ciclos de políticas, como se pode inferir a partir das análises de Stephen Ball (2001), pode ocorrer empréstimos de políticas transnacionais, a exemplo de avaliações multidimensionais, como ocorre com o U-Multirank que, promovido pela Comissão Europeia, vem sendo traduzido e aceito por agências de avaliação sediadas em países não europeus. De acordo com Ball (2001), “a criação das políticas nacionais é, inevitavelmente, um processo de ‘bricolagem’; um constante processo de empréstimo e cópia de fragmentos e partes de ideias de outros contextos [...]” (p. 102).
Dessa maneira, a “Comissão Especial de Acompanhamento do PNPG 2011-2020”, por demanda do Conselho Superior da CAPES, apresentou o relatório denominado “Proposta de Aprimoramento da Avaliação da Pós-Graduação Brasileira para o Quadriênio 2021-2024 – Modelo Multidimensional”. De acordo com Oliveira e Azevedo (2020, p. 610), “não é segredo que o modelo multidimensional proposto pela Comissão 2020 tem por referência o projeto U-Multirank, financiado pela Comissão Europeia”. Como evidência, os autores destacam matéria do portal da CAPES, publicada em 02 out. 2019, declarando que o modelo multidimensional “é inspirado no sistema europeu de avaliação das instituições, o U-Multirank” (CAPES, 02 out 2019, apud OLIVEIRA e AZEVEDO, 2020, p. 610).
Diferentemente dos modelos unidimensionais, em que itens de avaliação são reduzidos a um resultado único, extraídos de um sistema fechado e matematizado, mesmo que possam ser admitidos dados e inferências qualitativas. De um modo resumido, poderia se dizer que a multidimensionalidade apresenta a possibilidade do usuário (coordenação de curso) elaborar narrativas e eleger dimensões que, a seu entender, tem importância maior, realizando inferências com base em dados secundários, ou seja, poderá, a partir das cifrações pré-estabelecidas realizar exercícios comparativos. A CAPES, por intermédio de sua então diretora de Avaliação (DAV), Sônia Bao, em novembro de 2019, no XXXV Encontro Nacional de Pró-Reitorias de Pesquisa e Pós-Graduação – ENPROP, ressalta que
O U-Multirank (UMR) tem por finalidade informar e promover o PRESTÍGIO DAS UNIVERSIDADES EM ESCALA MUNDIAL. Seu diferencial é fazer com que a COMPARAÇÃO DE DESEMPENHO das instituições seja realizada pelos próprios usuários a partir da combinação de diferentes dimensões. A preocupação aqui não é atestar a qualidade dos programas, mas mostrar quais instituições atingem o MELHOR DESEMPENHO PARA AQUELE CONJUNTO DE DADOS [caixa alta no original] (BÁO, 2019a).
No mesmo sentido, em manifestação sobre o novo SINAES: inovação, autonomia, qualidade/Fev 2021 (BRASIL 2021), é destacada a necessidade de rever métodos e indicadores, para que ocorra a flexibilização da gestão do processo avaliativo, pela integração da avaliação externa com a interna, e destas com o ENADE. Para tanto, as autoridades do MEC têm prospectado (BRASIL, 2021):
1) uma forma de ‘cesta’ de indicadores com diferentes dimensões; 2) a previsão expressa de adoção de indicadores educacionais; 3) indicadores especializados para os programas de governo; 4) o fim do CPC/IGC e a adoção de novos indicadores de qualidade e descritores; 5) o fim dos resultados relativos e da escala obrigatória de 5 níveis; e, 6) o fim da régua única. O que vislumbram é: 1) um fluxo contínuo de avaliação e não mais por demanda; 2) a divulgação de novos indicadores (Dashboard) e não mais um conceito agregador limitado; 3) o maior protagonismo da avaliação interna e não mais uma relação limitada; 4) novos instrumentos e novas métricas; 5) a redução do número de visitas; 6) processos avaliativos independentes; 7) um processo regulatório ágil.
Portanto, é razoável inferir que a avaliação tem se adaptado à gestão de plataforma, pois, de acordo com Azevedo (2022, p. 24), “o uso ampliado de benchmarking, plataformas e algoritmos em diversos setores do Estado propicia a governança à distância, extraterritorial e multiescalar” Ou seja, pode-se avançar na questão de um resultado único agregado para composições interpretativas à escolha do usuário, mas fazendo concessões para um modelo gerencialista, baseado em uma razão procedimental por benchmarking.
Ainda, para a Pós-Graduação, a perspectiva multidimensional é apresentada pela CAPES em outubro de 2019, esclarecendo que para o ciclo quadrienal de 2021- 2024 já se pretende implantar esta nova metodologia avaliativa, aproximando-se assim, ainda mais, do modelo europeu, cuja inspiração tem origem no Sistema U-Multirank. Afirma Báo (2019b): “na forma que está se pensando a avaliação multidimensional, ela vai estar atrelada à vocação dos programas. Pelo planejamento institucional, os PPGs vão dizer o caminho que querem seguir e serão cobrados por isso”. Para ilustrar, de acordo com uma interpretação alegórica sobre a perspectiva multidimensional relacionada ao que tem se convencionado chamar de vocação dos programas, pode-se visualizar na Figura 1 o seguinte espectro de dimensões e de indicadores.
Dessa forma, o Mapa Mental (Figura 1), que expressa simbolicamente o fluxo de informações sobre itens e quesitos da proposta de avaliação multidimensional, ressalta suas cinco dimensões: Ensino e Aprendizagem, com 2 (dois) grandes indicadores organizados por Grau e Nível de Ensino; Produção do Conhecimento, com 10 (dez) indicadores; Inovação e Transferência de Conhecimento, com 9 (nove) indicadores; Impacto e Relevância Social, com quatro indicadores, considerando Graus e Níveis de Ensino; e, Internacionalização e Inserção, com 5 (cinco) indicadores, considerando, também, os Graus e os Níveis de Ensino. Ao todo, então, são 30 os indicadores.
Destaca-se que todas as cinco dimensões apresentam suas métricas, sendo as três primeiras (Ensino e Aprendizagem; Produção do Conhecimento e, Inovação e Transferência de Conhecimentos) mais objetivadas em termos matemáticos na razão contábil do atingimento de metas. A subjetividade possível, ao menos a princípio, centra-se nas dimensões de Impacto e Relevância Social e de Internacionalização e Inserção. Todavia, manter-se em atingimento de metas a partir da metodologia e indicadores definidos nos instrumentos de avaliação externa, limita a ação interna de uma instituição de ensino a procedimentos administrativos típicos da aludida NGP.
Considerando o relatório final sobre projetar e testar a viabilidade de um ranking de universidades globais multidimensionais (VUGHT; ZIGELE, 2011), a perspectiva organizada em cinco dimensões, apresenta: Ensino e Aprendizagem, com 2 (dois) grandes temas organizados por Grau e Nível de Ensino direcionados a taxa de Graduação e a Graduação atual; Produção do Conhecimento, com 10 (dez) temas, envolvendo: taxa de citação, publicações de pesquisa em números absolutos e distribuição normal, receita externa para pesquisa, produção relacionada a rate, publicações mais citadas, publicações interdisciplinares, posições de Pós- Doutorado, parcerias estratégicas de pesquisa e publicações profissionais; Inovação e Transferência de Conhecimento, com 9 (nove) temas envolvendo: co-publicação com parcerias industriais, renda de fonte privada, patentes concedidas em números absolutos e em distribuição normal, co-patentes de indústrias, criação de uma nova unidade de negócios, publicações citadas em patentes, taxas de desenvolvimento profissional contínuo e empresas de Graduação; Impacto e Relevância Social, com 4 (quatro) temas, considerando Graus e Níveis de Ensino, envolvendo: graduados trabalhando na região, estudantes em estágios na região, renda de fontes regionais e parcerias de pesquisa estratégica na região; e, Internacionalização e Inserção, com 5 (cinco) temas, considerando, também, os Graus e os Níveis de Ensino, envolvendo: língua estrangeira, mobilidade estudantil, equipe acadêmica internacional, publicações conjuntas internacionais e Doutorado internacional.
Pode-se observar, em um primeiro olhar, três situações que indicam fortemente a razão procedimental com a base em accountability: 1) na dimensão de Ensino e Aprendizagem – a taxa de Graduação; 2) na dimensão Produção do Conhecimento – a taxa de citações; e, na dimensão de Inovação e Transferência de conhecimento – a taxa de desenvolvimento profissional contínuo. Estas taxas aqui relacionadas constituem-se, ao fim e ao cabo, no olhar sobre os resultados.
Pode-se inferir, caso venha a ser adotada a multidimensionalidade na avaliação da educação superior (graduação e pós-graduação), que se trata de uma proposta inovadora (apesar de representar de um empréstimo de política da Europa) que exigirá, por parte das Instituições de Ensino, aprofundamentos horizontais e por nível de ensino e, verticais, pela integralidade entre os níveis e graus de ensino. Operacionalmente, a institucionalização deste modelo de avaliação exigirá a criação de novas planilhas, base de dados e instrumentos de controle, inclusive emissão regular de relatórios, para que se possa, então, compor os agregados por indicadores e, destes, os agregados por dimensões. Portanto, no espírito das construções de narrativas, e este é o espírito da multidimensionalidade, as autoridades terão a liberalidade de interpretar, tanto em termos de indicadores, quanto das dimensões, podendo perder-se a visão sistêmica da educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre a multidimensionalidade, pode-se questionar se se trata da incrementação de novas regras em um jogo que já está em andamento (de atividades que estão em curso nos programas de pós-graduação). Até porque a autoavaliação, uma dimensão avaliativa participativa, processual e integrativa faz parte da rotina de avaliação do quadriênio da CAPES.
Para estimular o debate crítico, não seria ousado dizer que o conceito de qualidade e o método de sua avaliação apresentam vazios e lacunas, com falta de um paradigma substantivamente crítico7. Isto porque a opinião sobre a qualidade e avaliação dominante no campo da educação superior tem sido referenciada na Nova Gestão Pública (NGP), em que a produção de indicadores, tabelas de classificação (rankings) e manuais de “boas práticas” são preponderantes e abundantes, modo de governança que pode ser chamado de “administração por benchmarking” (Azevedo, 2016; Azevedo, 2022). Aliás, conforme percebe Azevedo (2021, p. 37), fazendo uso da metáfora de Bourdieu (1998) sobre as mãos direita e esquerda do Estado,
o NGP, a despeito de combater o ‘burocratismo’, na realidade, fortalece um dado grupo burocrático, robustecendo setores de Estado incumbidos do controle, da coerção, da avaliação e da ‘guarda’ do tesouro fiscal. O NGP é uma resposta conservadora, por intermédio da mão direita do Estado, à Administração Pública Progressista (em inglês, Progressive Public Administration – PPA) que, mais sensível às demandas sociais, provisionava, diretamente pela mão esquerda do Estado, bens públicos, tais como educação, cultura, saúde, habitação, transporte público etc.
Como exemplo de política de governo com base na NGP, a respeito da relação e das implicações entre avaliação e distribuição de recursos para as Instituições Públicas de Educação Superior, em 17 de dezembro de 2021 foi aprovada a Lei Estadual do Paraná nº 20.933/2021, que dispõe sobre os procedimentos de financiamento das universidades públicas estaduais, estabelecendo “critérios para a eficiência da gestão universitária e dá outros provimentos”. Neste caso recente (no Estado do Paraná), a partir de 2022, condiciona-se a distribuição de recursos, dentre outros fatores constituintes da Lei Geral das Universidades, ao CPC, divulgado regularmente pelo MEC, enquanto “Fator de Qualidade do Curso” de Graduação Presencial e de Mestrado e de Doutorado por meio da conversão da escala conceitual de 1 a 5 em índices de cálculo de aluno equivalente (PARANÁ, 2021).
Em suma, a governança com base em benchmarking (Azevedo, 2016), ou seja, por intermédio de indicadores e manuais de “boas práticas”, tem sido ainda mais alentada por ser informada por plataformas digitais (a exemplo da Plataforma Sucupira da CAPES8), as quais são alimentadas, regularmente, pelos próprios usuários que inserem graciosamente dados. Esta é a prova de que, definitivamente, a Nova Gestão Pública (NGP), o paradigma neoliberal assumido pela administração pública, conforme apresentamos no decorrer deste artigo, está plenamente em vigor no campo da educação superior no Brasil – na graduação e na pós-graduação.