1 Introdução
O início da trajetória da Política de Assistência Estudantil (PAE) nas universidades públicas brasileiras remonta à criação das primeiras instituições de Ensino Superior no país. Dentre os objetivos da Assistência Estudantil, pode-se citar a democratização do acesso e a permanência e conclusão do curso pelos/as estudantes no Ensino Superior, visto que os/as mais vulneráveis socioeconomicamente e/ou historicamente marginalizados/as possuem menos condições de permanecerem matriculados/as e, portanto, de concluírem o curso (KOWALSKI, 2012; NASCIMENTO; BEGGIATO, 2020).
Nesse sentido, de acordo com Kowalski (2012), foi a partir da criação do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Comunitários e Estudantis (Fonaprace), em 1987, que as universidades avançaram no desenvolvimento de políticas que contemplassem os principais condicionantes e demandas relacionados à permanência estudantil nesses estabelecimentos, a exemplo dos serviços relativos à alimentação, meios de transporte, saúde e moradia, etc.
Por conseguinte, a partir dos anos 2000, ganhou consistência o debate acerca da elaboração de programas de assistência estudantil no Ensino Superior público no Brasil, fortalecido, principalmente, pela criação do Programa e Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), instituído pelo Decreto nº 6.096, de 2007, e pelo lançamento do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), instituído pelo Decreto nº 7.234, de 2010, cujo objetivo consistia em orientar o modo como as instituições federais poderiam definir os programas de assistência aos/às estudantes socioeconomicamente vulneráveis (KOWALSKI, 2012).
Tal movimento de apoio à permanência estudantil, conforme aponta Paiva (2015), inclui o Plano Nacional de Educação 2014-2024, responsável por estabelecer os rumos para uma Educação Superior democrática que atendesse à crescente demanda da garantia ao acesso e à permanência estudantil no cenário brasileiro.
Em pesquisa nacional publicada pelo Fonaprace, no ano de 2019, em parceria com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), constatou-se que a principal razão apontada pelos/as estudantes beneficiários/as acerca da ideação de abandono de curso anterior ao apoio pela Assistência Estudantil foi a dificuldade financeira, atingindo 27,40% do público investigado. Além do mais, os/as beneficiários/as, em comparação com aqueles/as que não possuem cobertura pela assistência, trancam menos seus cursos quando os motivos se referem à insatisfação com o curso ou à falta de conciliação com o trabalho (SILVA, 2021).
Em relação aos cursos de formação de professores/as, a exemplo da área de licenciatura em Educação Física, foco deste artigo, as extensas jornadas de trabalho para o complemento da renda familiar, no caso de estudantes vulneráveis, somadas à falta de perspectiva futura e ao desprestígio social da carreira de professor/a, engendram os motivos para a não permanência de estudantes nos cursos de formação inicial, materializando, com isso, o discurso de que é impossível conciliar os estudos com as atividades laborais (ASSIS et al., 2013; FERREIRA; BARROS, 2018).
Portanto, durante seu processo de formação, esses/as estudantes, inseridos/as em um contexto marcado pela acentuada desigualdade social no Ensino Superior, convivem com um duplo empecilho: do mesmo modo que são limitadas suas condições de permanência no curso devido à condição da vulnerabilidade socioeconômica, a modalidade de curso a que estão vinculados/as e que os/as tornará futuros/as professores/as, ou seja, a licenciatura, impõe desafios que alertam e inquietam os/as estudantes ainda durante a graduação.
Nesse sentido, esta pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), assumiu como problemáticas centrais os seguintes questionamentos: o que as teses e dissertações defendidas em Programas de Pós-Graduação em Educação Física, Educação1 e Serviço Social, no contexto brasileiro, revelam sobre a PAE no processo de formação de professores/as de Educação Física? Qual a inserção regional dos/as pesquisadores/grupos de pesquisas que se debruçam nos estudos acerca do tema? O que os trabalhos de conclusão de curso na modalidade stricto sensu revelam acerca dos processos de evasão e/ou permanência de estudantes beneficiários/as da PAE, licenciandos/as em Educação Física?
Tais questionamentos são oportunos, sobretudo quando se pensa nos processos de formação de professores/as em Educação Física. Assim como nas demais licenciaturas, conforme Andrade e Lopes (2017), a ação da PAE nesses cursos deve desenvolver ações e serviços de cunho educativo e dialógico com vistas a complementar o processo de formação dos/as estudantes e a promover a futura inserção profissional desses sujeitos.
Nesse ínterim, assumiu-se como objetivo desta investigação analisar o estado do conhecimento das PAE brasileiras durante o processo de formação de professores/as de Educação Física sob a perspectiva da produção em Programas de Pós-Graduação stricto sensu.
2 Metodologia
Esta investigação é do tipo estado do conhecimento e, de acordo com Romanowski e Ens (2006), caracteriza-se por abordar apenas um setor das publicações sobre o tema estudado, a exemplo de teses e dissertações.
Nessa perspectiva, mediante pesquisa na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), foram selecionadas teses e dissertações, em língua portuguesa, defendidas em Programas de Pós-Graduação stricto sensu no Brasil vinculados às áreas de Educação, Educação Física e Serviço Social, publicadas no período de 2011 a 2021.
Nas buscas avançadas, utilizaram-se os seguintes descritores: “Política”, “Assistência Estudantil”, “Educação Física”, “Formação de Professores” e “Permanência Estudantil”. Tais descritores foram cruzados por meio do operador booliano “AND”: “Política” AND “Assistência Estudantil” AND “Formação de Professores”; “Assistência Estudantil” AND “Educação Física”; “Política” AND “Assistência Estudantil”; e “Política” AND “Permanência Estudantil”.
Vale ressaltar que o recorte temporal estabelecido (2011-2021) para a coleta de dados abrange as produções da área na última década, período em que houve um aprofundamento das Políticas Sociais - sobretudo a partir da expansão das universidades públicas -, acrescido de seu desmonte por meio da reforma trabalhista, materializada na Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. A escolha da BDTD se deu em função de disponibilizar, mediante o acesso aberto, todas as teses e dissertações defendidas no país, aspecto que se coaduna com as possibilidades de mapear o tema.
Por meio da leitura flutuante dos resumos, as produções que atenderam aos propósitos da investigação foram lidas na íntegra, ou seja, aquelas que tinham como foco a PAE no curso de formação de professores/as da área de Educação Física. Em seguida, foram problematizadas à luz das principais categorias presentes no materialismo histórico-dialético (MHD), quais sejam: a totalidade, a contradição e a mediação (PAULO NETTO, 2011; SILVA, 2019). Vale apontar que tais categorias não são fixas, haja vista que todo objeto investigado revela suas especificidades. Conforme Paulo Netto (2011, p. 53), “[...] o método implica, pois, [...], uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações”.
Na sequência, o Quadro 1 compila as obras inicialmente selecionadas.
Descritores | Total de teses e dissertações encontradas | Dissertações selecionadas | Teses selecionadas |
---|---|---|---|
“Política” AND “Assistência Estudantil” AND “Formação de Professores” | 7 | 3 | 1 |
“Política” AND “Assistência Estudantil” | 276 | 1 | 2 |
“Política” AND “Permanência Estudantil” | 35 | 1 | 4 |
“Assistência Estudantil” AND “Educação Física” | - | - | - |
Total com duplicações | 318 | 5 | 7 |
Fonte: Pesquisa na BDTD (2022).
A partir das buscas avançadas na BDTD, foram encontradas 318 obras. Desse quantitativo foram selecionadas 16 teses e dissertações, que, no entanto, apresentavam quatro duplicações. Portanto, analisaram-se 12 produções, o equivalente a cinco dissertações e sete teses, uma vez que se enquadravam nos critérios de seleção da pesquisa. Outros dois trabalhos, inicialmente, não pertenciam aos Programas de Pós-Graduação exigidos como um dos critérios de inclusão neste estudo (Educação, Educação Física e Serviço Social), todavia foram inseridos por compactuarem com os objetivos da pesquisa: uma dissertação defendida na área de Gestão de Políticas Públicas, na Universidade Federal de Tocantins (MAURICIO, 2019), e outra na área de Gestão Pública, na Universidade Federal de Pernambuco (PENHA, 2015).
Das sete teses selecionadas, seis delas estão vinculadas à área da Educação e uma à área do Serviço Social:
a) Região Sul: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC): uma;
b) Região Sudeste: Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio): uma; Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp): duas; e Universidade de São Paulo (USP): uma;
c) Região Centro-Oeste: Universidade de Brasília (UnB): uma;
d) Região Nordeste: Universidade Federal de Sergipe (UFS): uma.
Já as cinco dissertações selecionadas foram defendidas nas seguintes universidades do país, todas elas na área da Educação:
a) Região Sul: Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste): uma;
b) Região Sudeste: Unesp: uma;
c) Região Centro-Oeste: UnB: uma;
d) Região Norte: Universidade Federal do Pará (UFPA): uma;
e) Região Nordeste: Universidade Federal do Maranhão (UFMA): uma.
Na sequência, apresenta-se o Quadro 2 a fim de ilustrar por ordem cronológica de defesa as teses e dissertações selecionadas que subsidiaram a fundamentação e a análise dos dados desta investigação.
Título / Autores/as | Tese / Dissertação / Área do conhecimento | Vinculação institucional | Ano de defesa |
---|---|---|---|
1 - Evasão escolar no ensino superior: um estudo nos cursos de licenciatura da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste - Campus Cascavel / CASTRO, Luciana Paula Vieira de | Dissertação / Educação | Unioeste | 2013 |
2 - A Política de Assistência Estudantil da UFF em duas faces: a institucionalidade dos processos e as perspectivas da demanda estudantil / PINTO, Giselle | Tese / Educação | PUC-Rio | 2015 |
3 - Avaliação do Programa Nacional de Assistência Estudantil - Pnaes na UTFPR Câmpus Medianeira Marília/ BETZEK, Simone Beatris Farinon | Dissertação / Educação | Unesp | 2015 |
4 - A expansão da Educação Superior na UFMA (2010-2014) no contexto do Reuni / CARVALHO, Evandicleia Ferreira de | Dissertação / Educação | UFMA | 2016 |
5 - O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) e a formação de professores de Ciências Naturais: possibilidade para a práxis na formação inicial? / GIMENES, Camila Itikawa | Tese / Educação | USP | 2016 |
6 - A Assistência Estudantil na UFPA e as repercussões para os discentes do curso de Pedagogia: da permanência à conclusão / SILVEIRA, Antonia Vanessa Freitas | Dissertação / Educação | UFPA | 2017 |
7 - Um estudo sobre a evasão em um curso de licenciatura em Física: discursos de ex-alunos e professores / KUSSUDA, Sérgio Rykio | Tese / Educação | Unesp | 2017 |
8 - Formação de professores das camadas populares na universidade: a importância do papel social da educação para romper com o ciclo de exclusão de crianças na Educação Básica / MARTINS, Luana Chaves | Dissertação / Educação | UnB | 2018 |
9 - Efeitos do Pibid nos cursos de licenciatura do campus Professor Alberto Carvalho/UFS: estudo comparativo entre egressos participantes e não participantes do programa durante e depois da formação inicial / JESUS, Jairton Mendonça de | Tese / Educação | UFS | 2018 |
10 - Políticas de permanência estudantil na educação superior contemporânea: a experiência da UTFPR - Campus Medianeira / GÓMEZ, Magela Reny Fonticiella | Tese / Educação | Unesp | 2019 |
11 - Gênero e formação docente: análise da formação das mulheres do campo do curso de licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará / GONÇALVES, Micheli Suellen Neves | Tese / Educação | UnB | 2019 |
12 - Cartografias do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de Geografia no Brasil: o desenho da política pública e seus saberes / COSTA, Glauber Barros Alves | Tese / Educação | UFSC | 2019 |
Fonte: Pesquisa na BDTD (2022).
3 A PAE e o fenômeno da evasão escolar
Inicialmente, é importante ilustrar a inserção regional das pesquisas selecionadas a fim de identificar em quais regiões brasileiras as teses e dissertações que fizeram parte do escopo desta pesquisa foram defendidas, bem como em quais universidades do país, apresentadas a seguir no Gráfico 1.
De acordo com os dados, embora a região Sudeste tenha a maior concentração de investigações, esta pesquisa confirma um aspecto importante: a expansão da Pós-Graduação stricto sensu nas distintas regiões do Brasil, aspecto que contribui para que a produção de conhecimentos acerca da temática em questão contemple a heterogeneidade do território nacional. Todavia, não se pode perder de vista que há uma distorção em relação às áreas que pesquisam as PAE no Ensino Superior.
No que tange às produções que tratam da PAE no processo de formação de professores/as de Educação Física - um dos critérios de seleção -, evidenciou-se que nenhuma tese e/ou dissertação foi defendida nos Programas de Pós-Graduação strictu sensu. Tal dimensão, consoante Francisco (2013), é reflexo dos contornos identitários da área, materializados nas linhas de pesquisa dos Programas. Aliás, também são escassos aqueles que contemplam linhas ligadas às dimensões histórico-social e didático-pedagógica em Educação Física.
A Educação Física, ainda em seus primórdios, concebeu de forma dicotomizada a concepção epistemológica da referida área de conhecimento ao incorporar conceitos de áreas cientificamente mais reconhecidas, como a médica e militar, o que acarretou no domínio da ciência positivista (bacharelado) em detrimento das discussões de viés humanístico, filosófico e pedagógico (licenciatura). Neste contexto, as desigualdades sociais passaram a ser justificadas, exclusivamente, pela perspectiva biológica do ser humano, sem que se levasse em consideração os determinantes históricos e sociais que permeiam a sociedade (FRANCISCO, 2013; TAFFAREL; SANTANA; LUZ, 2021).
Portanto, a desvalorização dos cursos de formação de professores/as em Educação Física possui uma raiz histórica, pois, ao longo de sua trajetória, os conceitos ligados ao positivismo se destacam de forma acentuada, pautados nos preceitos eugênicos, na concepção higienista, no controle dos corpos e na dicotomização do indivíduo, em consonância com os interesses do sistema capitalista de produção (SOARES, 2021; TAFFAREL; SANTANA; LUZ, 2021).
Entretanto, mesmo diante da inexistência de produções que problematizam, especificamente, a relação entre a PAE e os/as estudantes da licenciatura em Educação Física, pode-se estabelecer uma estreita relação entre a PAE e o fenômeno da evasão escolar no contexto do Ensino Superior.
Dentre os motivos que levam os/as estudantes da formação inicial de professores/as a se evadirem do Ensino Superior, o principal deles é a inserção no mercado de trabalho para o complemento da renda familiar, motivada pelas condições socioeconômicas das famílias desses estudantes (BETZEK, 2015; CASTRO, 2013; KUSSUDA, 2017; PINTO, 2015; SILVEIRA, 2017).
Somados à falta de conciliação entre a vida laboral e acadêmica, destacam-se outros aspectos que motivam a evasão, a exemplo do pouco tempo para se dedicarem aos estudos e da insuficiência da PAE no atendimento aos/às alunos/as oriundos/as de classes economicamente desfavorecidas, fatores que consumam situações de frustração e problemas de ordem psicológica (CASTRO, 2013; CARVALHO, 2016), bem como o desinteresse e o desestímulo à profissão de professor/a, tal como observado por Kussuda (2017) em sua tese de doutorado.
Em função disso, Penha (2015), na amostragem de sua tese de doutorado, conclui que os cursos de licenciatura são aqueles que abrangem o maior número de beneficiários/as da PAE, pois 70% desses/as estudantes apresentavam renda familiar inferior a um salário mínimo. Corroborando o exposto, Betzek (2015), ao analisar a procedência dos/as beneficiários/as do PNAES na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Medianeira, constatou que 90% dos/as alunos/as dos cursos de licenciatura atendidos/as pelos PAE são oriundos/as de escolas públicas. A Assistência Estudantil, portanto, assume um protagonismo essencial no apoio à permanência e à conclusão de curso de estudantes socioeconomicamente vulneráveis. De modo análogo, Mauricio (2019) confirma que os cursos com menor percentual de evasão são aqueles que contemplam o maior número de solicitações de estudantes em condição de vulnerabilidade social e econômica.
Esse cenário, como bem esclareceram Marx (2017), Puello-Socarrás (2021) e Tonelo (2021), deriva das condições materiais de existência da vida humana dependentes do processo global de produção capitalista. Nesse contexto, a desigualdade social figura como elemento central e vital para a perpetuação da estrutura capitalista, uma vez que busca, por meio da conservação de um sistema quase estamental, fortalecer suas relações de poder e domínio na tentativa de driblar as crises do capital que surgem ao longo do tempo.
Nesse viés, as Políticas Sociais, ao fim e ao cabo, são diluídas no sistema de produção capitalista - a exemplo da PAE -, embora sejam compreendidas como um mecanismo de suporte à redução da desigualdade social. Sobre sua implementação, Chaves e Gehlen (2019) salientam que seu objetivo é mitigar os efeitos negativos oriundos do próprio capitalismo, incidindo diretamente sobre a garantia dos direitos sociais, como a educação, visão essa corroborada por Carvalho (2016), Gimenes (2016) e Pinto (2015). Em outras palavras, trata-se de um processo que apresenta um movimento constante: o sistema de produção capitalista busca a lucratividade a todo custo, ao mesmo tempo que promove mecanismos, dentre eles as Políticas Sociais, a fim de mascarar a exploração inerente à sua estrutura. Contudo, muitas vezes essas políticas são insuficientes e não contemplam, portanto, todos/as que delas necessitam.
Outra discussão relevante a ser travada nas produções gira em torno da efetividade da Assistência Estudantil na redução da evasão escolar no âmbito focado pela PAE, majoritariamente, os aspectos financeiro e material como os principais mecanismos de manutenção da permanência dos/as estudantes que dela se beneficiam, consolidando-se como a base da Assistência Estudantil nas universidades. Dentre esses serviços, destacam-se a oferta de bolsas acadêmicas, o fornecimento de auxílio alimentação, auxílio transporte e auxílio moradia e o pagamento para os gastos com serviços acadêmicos, a exemplo de fotocópias (BETZEK, 2015; CARVALHO, 2016; MAURICIO, 2019; PENHA, 2015; SILVEIRA, 2017).
Em contraposição, Gonçalves (2019) discute a associação da vulnerabilidade para além do aspecto econômico, sobretudo porque, segundo a autora, há elementos sociais e culturais que historicamente negam e/ou dificultam a presença de alunos/as da classe trabalhadora no Ensino Superior. Distanciando-se da oferta exclusiva de serviços materiais na PAE, a autora defende condições simbólicas que favoreçam a permanência de estudantes em distintas licenciaturas, tais como os diálogos entre os/as docentes e os/as estudantes; o investimento na formação continuada dos/as professores/as, com enfoque nos aspectos didático-pedagógicos; uma maior integração dos/as estudantes à vida acadêmica; e o incentivo à valorização da profissão docente pelas universidades.
Mauricio (2019, p. 90) corrobora este argumento e procede a uma rigorosa análise acerca dessa dimensão no contexto da Universidade Federal do Tocantins:
É necessário ressaltar que, além da vulnerabilidade socioeconômica, muitos fatores podem afetar o desempenho acadêmico, como, por exemplo, fatores acadêmicos, pessoais, institucionais, por isso o PNAES preconiza, também, o apoio psicopedagógico. Além disso, é importante destacar as peculiaridades de cada curso, as diferenças entre os cursos das áreas de exatas e humanas, o turno do curso, entre outros.
Ou seja, o fenômeno em questão demanda análises e investigações a partir da síntese das múltiplas determinações que o compõem.
3.1 PAE nos cursos de formação de professores/as: da implementação à futura prática pedagógica de estudantes da licenciatura
Outra dimensão importante a se considerar é o gerenciamento das instituições no que tange à PAE, já que são elas as responsáveis pela criação e/ou a implementação dessas políticas na universidade, e teriam, portanto, uma fração da responsabilidade na promoção efetiva da Política Pública na sociedade.
Carvalho (2016), Jesus (2018), Mauricio (2019), Penha (2015) e Pinto (2015) destacam os critérios de seleção excludentes, a exemplo da burocratização existente nos documentos de inscrição para concorrer aos auxílios e da estratificação na seleção de candidatos/as em virtude das etapas de seleção, bem como a falta de monitoramento das PAE e a carência de transparência institucional na avaliação da Assistência Estudantil, fatores que, juntos, constituem um empecilho à efetividade da PAE.
Com o intuito de reconfigurar esse cenário de estratificação, Gómez (2019) enfatiza a defesa da participação coletiva na elaboração das políticas para os/as estudantes, com o entrosamento dos/as gestores/as entre docentes, equipe pedagógica e acadêmicos/as, para que de fato a PAE possa satisfazer a demanda dos/as alunos/as que dela necessitam.
Esse compromisso pode ser assumido por meio da formação de redes de informação, tais como as pró-reitorias, departamentos e colegiados; da criação de políticas atreladas às especificidades da licenciatura; da criação de critérios para a seleção de candidatos/as que não sejam excludentes; da promoção do fácil acesso à informatização de dados para o monitoramento e avaliação, bem como de procedimentos de inscrição não burocráticos. Em tese, a consolidação dessas estratégias não colocaria em risco a participação de todos/as aqueles/as que necessitam, visto que, a despeito da inclusão de todos/as os/as postulantes dessas políticas em determinado perfil, nem sempre conseguem fazer frente às exigências de renda (COSTA, 2019; GÓMEZ, 2019; JESUS, 2018; PENHA, 2015; PINTO, 2015).
Merecem destaque as pesquisas que analisam as influências da PAE na prática pedagógica do/a futuro/a professor/a. Sinalizam-se nesta subseção as mudanças de perspectivas quanto ao futuro, tanto na vida acadêmica, profissional e comunitária quanto nas possibilidades da vida social dos/as estudantes quando beneficiados/as por bolsas ligadas à docência e destinadas para as licenciaturas, a exemplo do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) (COSTA, 2019; GIMENES, 2016; GÓMEZ, 2019; GONÇALVES, 2019; JESUS, 2018; MARTINS, 2018; PINTO, 2015).
Vale ressaltar que o Pibid é uma política criada pelo governo federal em 2007, com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a finalidade de valorizar o magistério e apoiar estudantes de licenciatura plena das Instituições da Educação Superior, por meio da inserção de licenciandos/as em escolas da educação básica para desenvolverem atividades didático-pedagógicas. Como forma de apoio à formação inicial de professores/as, são concedidas bolsas aos/às alunos/as dos cursos da formação de professores/as, aos/às professores/as da escola e aos/às professores/as do Ensino Superior participantes de projetos de iniciação à docência (GIMENES, 2016).
Em relação aos aspectos contributivos do Pibid, as produções revelam o programa como importante contribuinte à permanência de licenciandos/as ligados/as ao Pibid, rompedor dos muros entre a universidade e a escola, possibilitador das relações de coletividade e da construção de redes de apoio entre as instituições (universidade e escola), incentivador da prática docente, além de responder por uma parcela importante na redução do ciclo excludente de alunos/as socioeconomicamente vulneráveis quando estes/as futuros/as profissionais se tornarem professores/as (CASTRO, 2013; COSTA, 2019; GIMENES, 2016; GÓMEZ, 2019; JESUS, 2018; MARTINS, 2018; PINTO, 2015). Trata-se, portanto, de um programa que contribui para a permanência dos/as estudantes no ensino superior, embora não se caracterize como PAE.
Nesse sentido, válidas são as contribuições de Gimenes (2016, p. 137), ao ponderar que não basta somente promover políticas visando beneficiar as licenciaturas caso não se altere a lógica historicamente instituída acerca da desvalorização da formação de professores/as:
[...] as lutas pela educação pública das últimas décadas apontam para uma única e mesma necessidade de uma política global de formação e de valorização dos professores, que contemple de forma articulada a formação inicial e continuada, condições de trabalho, salário e carreira. Para tanto, essa política só pode ser efetivada com financiamento adequado à educação pública e estatal, que, como sabemos, só será realizada com mobilização social e luta.
Enfim, as Políticas Sociais, a exemplo da PAE, deverão ser entendidas como um meio para que a classe trabalhadora consiga ocupar espaços dominados e tidos como exclusivos da burguesia tão somente se houver a pretensão de promover uma transformação social. Lembrando que esta é apenas uma das múltiplas determinações ou facetas que deverão ser entendidas como bandeiras de lutas do proletariado.
4 Considerações finais
Os dados obtidos nesta investigação, mediante o objetivo de analisar, em âmbito nacional, o estado do conhecimento das PAE no processo de formação de professores/as de Educação Física a partir da produção em Programas de Pós-Graduação stricto sensu, escancaram a necessidade de fomentar outros estudos acerca da referida temática - sobretudo de natureza empírica -, uma vez que não foram encontradas teses e/ou dissertações na área da Educação Física, tampouco uma produção que abrangesse a relação da PAE no processo de formação dos/as estudantes da referida área do conhecimento.
Os resultados apontaram a relevância da criação de mecanismos de monitoramento e avaliação da PAE para a manutenção dos benefícios de assistência oferecidos, visto que o sistema capitalista se remodela de tempos em tempos e a desigualdade se intensifica e atinge, cada vez mais, um número maior de pessoas. A esse respeito, reforça Marx (2017, p. 881), o capitalismo: “[...] é tanto um processo de produção das condições materiais de existência da vida humana, como um processo que, operando condições histórico-econômicas de produções específicas, produz e reproduz essas mesmas relações de produção”.
As literaturas revelam que as políticas devem ser formuladas considerando a totalidade das dimensões que envolvem a permanência estudantil, sobretudo com a prerrogativa de envolver todos os personagens na sua criação, tais como os/as estudantes, a comunidade e a rede de gestão da instituição, não se restringindo à criação a um grupo seleto de pessoas.
Através da análise das produções, destaca-se também a Assistência Estudantil como um mecanismo garantidor não apenas da permanência de estudantes menos favorecidos/as nas universidades, mas também - no caso dos cursos da formação de professores/as, como a licenciatura em Educação Física - como um fator elementar na valorização da profissão docente, sobretudo pelo fato de que a licenciatura tem sido historicamente marginalizada.
Destarte, analisar as discussões acerca da PAE na formação inicial de professores/as assume relevância ao trazer à tona discussões relacionadas à superação da desigualdade social, à luta pela democratização da educação e à inserção das classes menos abastadas nas universidades públicas, bem como sobre as relações que diversos aspectos, especialmente os históricos e sociais, exercem na busca pela equidade estudantil no Ensino Superior.