1 Introdução
O ingresso de mulheres em escolas de formação de professores no Brasil se potencializa com a criação das Escolas Normais nos fins do século XIX e início do XX, quando exercer a docência no ensino primário deixa de ser atrativo para os homens. É fato que, além das escolas de instrução básica para as meninas, conforme previa a Primeira Lei de Instrução Pública de 1827, era necessário também haver uma saída para a profissionalização das mulheres, com “[...] um trabalho que não atentasse contra as representações acerca de sua domesticidade e maternidade. O magistério inseria-se perfeitamente bem nessa categoria, pelo menos era assim que rezava o discurso oficial da época” (Almeida, 1998, p. 55). Desse modo, as Escolas Normais no Brasil tornaram-se “[...] uma das poucas oportunidades, senão a única, de as mulheres prosseguirem seus estudos além do primário” (Demartini; Antunes, 1993, p. 6).
A entrada das mulheres nas escolas normais permitiu o recrutamento feminino para o magistério primário e apresentou-se como uma solução para o problema da mão de obra no ensino elementar, além de ter possibilitado a inserção delas em uma profissão socialmente aceita para o universo feminino, pois o magistério, como também afirma Louro (1989, p. 35): “[...] é mais adequado para a mulher, por exigir o cuidado de criança; ser professora é, de certa forma, uma extensão do papel de mãe. Além disso, o magistério passa a ser visto também como um bom preparo para a futura mãe de família”. A entrada das mulheres nas Escolas Normais também desencadeou, a partir do final do século XIX, o processo de feminização do magistério, que serviu para dar contornos mais definidos à profissão docente, uma vez que esse ingresso representou um caminho para as mulheres que precisavam trabalhar, como também para aquelas que desejavam estudar um pouco mais (Louro, 1989, 2000; Sousa, 2000).
Mesmo com a inserção das mulheres nas Escolas Normais e no mercado de trabalho, que acabou por atender a interesses, conforme tratado anteriormente, isto não implicou mudanças na condição de igualdade entre homens e mulheres. Ainda que as mulheres tivessem conquistado o direito de estudar nas Escolas Normais e de ensinar, as professoras lecionariam para meninas e homens ensinariam para os meninos. A separação chegava às diferenças salariais, pois os homens ganhavam/ganham bem mais, têm objetivos de formação diferenciados e avaliam também de formas distintas (Louro, 2003).
A criação e consolidação das Escolas Normais, embora tenham ocorrido mediante um processo lento, foi na República que elas se tornaram centros de formação, sobretudo de professoras, mulheres que viam nessa profissão possibilidades de ampliação de inserção social por meio desse tipo de profissão, quando as Escolas Normais são ampliadas. Nesse processo, as Escolas Normais, mesmo tendo tido destaque nas Leis Orgânicas do Ensino Normal de 1946, bem como distinção na Lei nº 4.024/1961, não corresponderam em termos de formação do professorado às necessidades do Brasil de então (Fusari; Cortese, 1989). Para esses autores, foram “[...] muitos os tropeços e dificuldades”. Acrescentam ainda que os Cursos Normais, sob a égide das leis orgânicas, foram marcados pela dualidade na formação, ao instituir a formação de professores para a elite para as camadas populares, o primeiro ciclo destinado à formação de professores regentes com caráter terminal, para atuação na zona rural, e o segundo ciclo com características diversificadas, que dava condições de continuidade de estudos e condições de atuação na zona urbana.
Tanto sob as leis orgânicas quanto sob a Lei nº 4.024/1961, os cursos de formação de professores, até os anos de 1970, já se faziam marcados pela presença feminina, característica que gradativamente se intensifica desde os meados da Primeira República. Na década de 1990, esse processo culmina com a constatação de maioria absoluta de mulheres no magistério, que, de acordo com Vianna (2013, p. 165), relacionava-se, “[...] ainda que indiretamente, com a dinâmica do mercado de trabalho e, nela a divisão sexual do trabalho e a configuração das chamadas profissões femininas”.
Diante de tais apontamentos, uma problemática surgiu e norteou o desenvolvimento deste artigo: como se deu a presença das mulheres nos cursos de formação de professores, em especial em dois cursos de magistério, um situado em Belém, no estado do Pará, na região Norte do país, e outro localizado em Dourados, no interior do estado de Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste, no período de 1974 a 1991? Essa problemática se desdobrou em outras indagações: será que houve a feminização do magistério no âmbito desses dois cursos de formação docente? Caso tenha ocorrido a feminização, por que as mulheres eram a maioria? Haveria aspectos comuns no processo de formação de professores desses dois cursos de magistério situados em regiões e estados brasileiros diferentes que possibilitariam tecer aproximações entre ambos? Quais seriam esses aspectos em comum? Para responder à problemática norteadora da pesquisa, realizou-se um estudo com o objetivo de analisar a formação de professores nos cursos de magistério do Instituto de Educação do Pará em Belém, no estado do Pará, e da Escola Franciscana Imaculada Conceição de Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul, com o intuito de compreender a participação das mulheres nesses dois cursos, no período de 1974 a 1991.
O recorte temporal inicial no ano de 1974 marca a implantação da habilitação específica para o magistério nos estados pela Lei nº 5.692/1971 e o ano de 1991 corresponde ao fechamento de um dos cursos de magistério pesquisado, no caso, do curso que funcionou na Escola Franciscana Imaculada Conceição, no município de Dourados, no atual estado de Mato Grosso do Sul.
Nessa perspectiva, este artigo insere-se nas pesquisas em História da Educação, em especial, na História da Formação Docente no Brasil, focalizando cursos de magistério, em dois estados brasileiros pertencentes a duas regiões diferentes. Assim, este estudo pode contribuir para a ampliação da compreensão da história da formação de professores no Brasil, principalmente no que se refere à presença de mulheres em processo de formação docente em cursos de magistério, no período de 1974 a 1991.
Este é um trabalho de história da educação, que trata de mulheres em cursos de magistério, como veremos a seguir, instituídos por meio da Lei nº 5.692/1971.
Utilizamos fontes bibliográficas, documentais, legais e outros materiais. Entre elas, um convite de formatura contendo listas de formandas do curso de magistério do Instituto de Educação do Pará, Belém, do ano de 1977, com registro de 18 turmas de alunas formandas naquele ano, bem como convites de formatura das turmas do curso de magistério de Dourados dos anos de 1979 e 1984, Livros de Registros de Diplomas (1974-1991), Ata de Resultados Finais da Escola Franciscana Imaculada Conceição (1974-1991), entre outros. Esses documentos foram analisados e interpretados com base em referências ligadas à história, história da educação, história da formação de professores, entre outras.
2 A habilitação específica para o magistério na história da formação de professores no Brasil
No Brasil, a história da formação de professores passou por três períodos importantes, segundo Saviani (2005). O primeiro ocorreu com a reforma da Escola Normal do Estado de São Paulo, em 1890, inspirada pelo modelo republicano, que se propagou por todo o Brasil. O segundo período se deu com as reformas do ensino com inspiração escolanovista, realizadas no Distrito Federal, em 1932, sob a direção de Anísio Teixeira. No estado de São Paulo, em 1933, tinha-se Fernando de Azevedo à frente dessas ações. O terceiro período foi consequência da Reforma Educacional, inscrita na Lei nº 5.692/1971, com a criação da habilitação específica para o magistério (Saviani, 2005).
A primeira Escola Normal brasileira foi instituída na província do Rio de Janeiro, em 1835. Nos anos seguintes à criação dessa primeira Escola Normal, especificamente entre os anos de 1835 e 1846, foram instaladas instituições semelhantes em outras províncias, como em Minas Gerais, criada em 1835, mas instalada em 1840; na Bahia, criada em 1836, porém instalada em 1841; e em São Paulo, criada e instalada em 1846 (Tanuri, 2000). Mas, em 1849, no decorrer do governo imperial, o Curso Normal foi fechado nas Escolas Normais existentes, substituído pelo regime de professores adjuntos, ou seja, auxiliares de professores em exercício. No entanto, no ano de 1859, as Escolas Normais voltaram a ser criadas, uma em Niterói e mais quatro delas na década de 1860: uma em Pernambuco e uma no Piauí, em 1864 (ambas instaladas em 1865); outra em Alagoas, em 1864 (instalada em 1869); e ainda outra em São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1869 (Saviani, 2005; Tanuri, 2000).
Porém, a instabilidade na criação de Escolas Normais permaneceu durante o governo imperial até o ano de 1870. Assim, a partir de 1870, as outras províncias brasileiras que ainda não haviam recebido uma Escola Normal tiveram suas instituições criadas e instaladas, sendo as províncias de Goiás e da Paraíba as últimas a terem suas Escolas Normais, respectivamente em 1884 e em 1885. Depois no período republicano, esse processo de criação e instalação de Escolas Normais veio a se consolidar (Tanuri, 2000). Assim, as Escolas Normais se expandiram e se mantiveram em funcionamento até a reforma da Lei nº 5.692/1971.
Importa esclarecer que a Lei nº 5.692/1971, que reformou o ensino de primeiro e segundo graus, fazia parte do I Plano Setorial de Educação e Cultura (PSEC) lançado pelo governo do presidente Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Assim, essa lei modificou os ensinos primário e secundário, introduzindo a denominação de “primeiro e segundo graus”. No lugar do curso primário até então desenvolvido em quatro séries, seguido do ensino secundário, dividido em curso ginasial de quatro séries e curso colegial de três, foi organizado o ensino de primeiro grau de oito anos e o ensino de segundo grau com três a quatro anos, incluindo o ensino profissionalizante. Nessa nova estrutura, no que diz respeito à formação de professores, desapareceram as Escolas Normais, sendo instituída a habilitação específica de segundo grau para o exercício do magistério de primeiro grau (Brasil, 1971). Sobre o assunto, Ayache (2020, p. 23) aponta que, “[...] dentre as mudanças contidas nas diretrizes que orientavam a formação de professores, estava a substituição gradativa das Escolas Normais pela Habilitação Específica para o Magistério”.
Com a reforma educacional, outorgada pela Lei nº 5.692/1971, a Escola Normal perdeu o seu status, pois o magistério foi instituído por essa lei, como habilitação1, sem necessariamente se referir a um curso, como era o curso normal, como consta no capítulo V, artigo 30, que trata sobre os professores e especialistas. As exigências de formação mínima para o exercício de magistério estão assim discriminadas, nesse artigo na letra a: “[...] no ensino de primeiro grau, da 1ª a 4ª séries, habilitação específica de 2º grau”2 (Brasil, 1971).
Os professores cuja formação correspondesse ao especificado nessa letra, ou seja, a letra A, poderiam lecionar de quinta à oitava séries do primeiro grau se a habilitação obtida tivesse a duração de quatro séries anuais e, quando em três anos, mediante a realização de estudos adicionais, que correspondiam a cursos que poderiam ser feitos em etapa posterior, em “[...] faculdades, centros, escolas, institutos ou outros tipos de estabelecimentos criados para essa finalidade” (Brasil, 1971, parágrafo único, art. 31). O Parecer nº 349/19723, emitido pelo Conselho Federal de Educação, especifica que os “[...] estudos adicionais corresponderiam a um ano letivo, podendo incluir formação pedagógica” (Brasil, 1973, p. 85).
Assim, essa lei introduz a ideia de habilitação para o magistério e, ao mesmo tempo, suprime os cursos normais realizados nas Escolas Normais, bem como não se refere à instituição de formação (Fusari; Cortese, 1989).
A transformação da Escola Normal em Habilitação ao Magistério tem como pano de fundo a própria descaracterização do ensino de segundo grau. Para as elites, continua sendo reservado o ensino propedêutico (em escolas públicas e particulares) ou mesmo profissionalizante (principalmente nas 20 escolas técnicas federais industriais localizadas nas capitais dos estados) de bom nível; para as camadas majoritárias da população (principalmente a classe trabalhadora que frequenta o segundo grau noturno), passou a ser oferecido um ensino de baixa qualidade, que não profissionaliza competentemente, nem prepara para o vestibular, muito menos para uma prática social transformadora.
Foram várias as justificativas oficiais para a mudança, as quais podem ser resumidas segundo o Parecer nº 349/1972, em que os cursos normais não profissionalizavam, o que dificultava a inserção dos formandos no mercado de trabalho em razão do caráter acadêmico desses cursos, permitindo somente o ingresso em universidades, pela cultura geral que propiciavam, aspectos esses negativos que seriam corrigidos pela Lei nº 5.692/1971.
Sob o argumento de que a educação é uma arte de ensinar e que, para tanto, seria preciso vivenciar, praticar e, portanto, desenvolver conhecimentos especializados e técnicos, se faziam necessários, esta formação deveria se sobrepor à formação geral. É nessa direção dos cursos de magistério que o presente texto focalizará na próxima seção, os dois cursos pesquisados.
3 Os cursos de magistério em Belém, no Pará, e em Dourados, no Mato Grosso do Sul
3.1 Mulheres no curso de magistério no Instituto de Educação do Pará, em Belém, no Pará - 1977
O Instituto de Educação do Pará (IEP) resulta de um longo processo histórico de criação e recriação da Escola Normal e curso normal, em Belém, instituídos no período imperial, com a criação do primeiro curso em 1871, extinto no ano seguinte e voltando a funcionar em 1875, mas sofrendo reformulações em 1877 e posteriormente em 1880, o que se deu num cenário de idas e vindas de anexação ao Liceu Paraense. Findo o império, muitas eram as críticas à escola normal e à formação daí decorrente. Foi somente no início do período republicano que a Escola Normal, acompanhando as ideias de renovação pedagógica, teve mudanças curriculares, sofrendo críticas pelo caráter enciclopédico. Entretanto, nos fins dos anos de 1920, ela já tinha prédio próprio e tinha adquirido reconhecimento social e prestígio. A formação de professores primários na Escola Normal sofreu mudanças em decorrência das Leis Orgânicas do Ensino Normal de 1946. “O curso normal foi dividido em dois ciclos: o curso de regente primário com duração de quatro anos e o curso de formação de professores primários com duração de três anos” (Rego, 1972 apudLobato, 2022, p. 470). Nesse ano, a Escola Normal foi denominada de Instituto Paraense de Educação e, no ano seguinte, de IEP, tendo tido novo regulamento para a formação de professores. Com as mudanças advindas da Lei nº 4.024/1961, a formação de professores no IEP passou por três propostas de alteração curriculares4, a última delas indicada adiante.
Assim, neste item, trataremos do curso de magistério que foi desenvolvido em Belém, no Pará, nos anos de 1970, com dados de turmas concluintes no ano de 1977, o que pode apontar para o fato de que ele seguiu as prescrições contidas na Lei nº 5.692/1971. Entretanto, o estudo de Lobato (2022) indica que não foi assim. Corroboramos essa ideia considerando dois aspectos. O primeiro, de que o curso adotado pelo Instituto, a partir de 1970, e de cujas turmas trazemos dados a seguir, correspondia:
[...] a terceira proposta adotada por essa instituição no bojo da terceira fase da vigência da Lei 4.024, cujas disciplinas eram: Português, Matemática, História do Pará, Geografia do Pará, Ciências Física e Biológicas, Educação Moral e Cívica, Didática, Psicologia Educacional, Biologia Educacional, Sociologia Educacional, Desenho Pedagógico, O.S.P.B., Administração Escolar, Educação Física Recreação e Jogos, História e Filosofia da Educação, Educação Física, Recursos Audiovisuais (Lobato, 2022, p. 473).
O que nos permite inferir que, pelo número de 19 disciplinas, o curso deveria corresponder a três anos de duração. Nesse sentido, ele poderia atender à carga horária indicada nas prescrições do Parecer nº 349/1971, contudo o componente Literatura Brasileira não constava da composição de educação geral, também não constava nas indicações para os cursos de magistério.
O segundo aspecto reside no fato de que a adequação a Lei nº 5.692/1971 foi realizada somente ano de 1976, consequência de dificuldades de implantação do modelo, que podem ser resumidas, a partir de Lobato (2022), na falta de infraestrutura e de pessoal qualificado. Assim, a estrutura curricular que passou a ser desenvolvida segundo as orientações da Lei nº 5.692/71 constou de:
Língua Portuguesa, Literatura Brasileira e Portuguesa, Matemática, Ciências Físicas e Biológicas, Geografia Geral, História Geral, Desenho Básico, Educação Moral e Cívica, Educação Artística, Língua Estrangeira, O.S.P.B., Programa Orientação Ocupacional, Educação Física, Biologia Educacional, Psicologia Educacional, Sociologia Educacional, Estrutura e Form. do Ens. de 1º Grau, Didática Geral, Prática de Ensino, Programa de Saúde, História e Filosofia da Educação (Lobato, 2022, p. 476).
Considerando novamente o que consta no Parecer 349/1971, essa organização curricular parece estar mais próxima daquilo que o parecer indica nas tipologias curriculares para a habilitação ao magistério com carga horária acima 2.205 horas, com mais de três anos de duração, tendo avançado em aspectos que merecem ser indicados, tais como a Língua Estrangeira, Língua e Literatura Portuguesa.
O IEP, depois da promulgação da Lei nº 5.692/1971, considerando o currículo de formação de professoras ter sido o da terceira proposta adotada por essa instituição no bojo da terceira fase da vigência da Lei nº 4.024/61, então as turmas formadas no ano de 1977 não foram formadas sob as prescrições dessa legislação, considerando aquilo a que nos referimos anteriormente sobre o fato de a adequação àquela lei ter sido feita somente no ano de 1976, portanto um ano antes da conclusão de curso das turmas indicadas a seguir. Isso nos permite refletir, a partir de Certeau (1996), sobre o que as pessoas fazem com os objetos que lhes são impostos. Embora houvesse um tempo para a adequação curricular, tudo indica que, neste caso, ela não foi feita. Entre 1971 e 1977, essa instituição de formação de professores formou outras turmas fora dos auspícios da Lei de 1971.
Com efeito, o convite de formatura das turmas de professoras do ano de 1977 é uma brochura com 16,5 centímetros de largura por 22 centímetros de altura, contendo, além da capa, 31 páginas. Um documento relativamente longo, tendo em conta a sua natureza. A abertura é feita de um texto de quatro linhas, onde está descrito o convite aos familiares dos formandos. Contém programação, patrono, paraninfo, oradora, juramento, homenagens oficiais, grandes homenagens, homenagens especiais, homenagens administrativas, homenagens póstumas, gratidão, saudades, juramento, nome da turma e 18 listas contendo os nomes de alunas/os, que quantitativamente trazemos no Quadro 1, a seguir.
Nº da turma | Discriminação no original |
Quantidade | Sexo feminino | Sexo masculino |
---|---|---|---|---|
301 | F | 42 | 42 | - |
302 | 37 | 37 | - | |
303 | F | 42 | 42 | - |
304 | F | 40 | 40 | - |
305 | F | 42 | 42 | - |
306 | F | 44 | 44 | - |
307 | F | 45 | 45 | - |
308 | F | 42 | 42 | - |
309 | 41 | 41 | - | |
310 | F | 41 | 41 | - |
311 | F | 40 | 40 | - |
312 | F | 56 | 56 | - |
313 | F | 52 | 51 | 1 |
314 | F | 50 | 50 | - |
315 | F | 50 | 50 | - |
316 | F | 48 | 48 | - |
317 | F | 47 | 47 | - |
318 | F | 48 | 48 | - |
Total | 807 | 806 | 1 |
Fonte: Convite de formatura (1977).
Consta no Quadro 1 que as 18 turmas, quase a totalidade, são compostas por mulheres. Apenas na de número 313 consta um nome masculino, o que corrobora o trazido por Lobato (2022) de o IEP ter reproduzido o fenômeno nacional, com a intensa presença de mulheres na formação em magistério. Segundo ela, “[...] o percentual era de quase 100% de professoradas nos anos de 1970 a 1979, e de mais de 95% na década de 1980” (Lobato, 2022, p. 475). Observa-se o número mínimo de alunas na turma de número 302, com 37 mulheres, e o máximo de 56 alunas, na turma de número 312.
Isso se deve ao fato de o estado do Pará ter expandido o número de vagas, o que fez com que essa instituição ampliasse consequentemente o número de salas de aula, construindo um anexo, cuja arquitetura se diferencia da original, inclusive. A ampliação de vagas, nos cursos de formação no magistério nos anos de 1970, esteve estritamente vinculada à denominada democratização do acesso à escola de primeiro grau, antiga escola primária, correspondentemente às exigências da intensificação do processo de urbanização e industrialização.
Tudo indica que a feminização do magistério já se observava no início da República. Lobato (2022, p. 465), com base em Rego (1972), refere que:
[...] com o passar dos anos, o ensino normal no Pará ficou quase reduzido ao sexo feminino, tanto que, já no ano de 1900, dos 211 alunos matriculados, somente 18 eram do sexo masculino e 193 eram do sexo feminino. Tal tendência confirmou-se, pois, no ano de 1929, dos 435 alunos matriculados, 2 eram do sexo masculino e 433 eram do sexo feminino.
Mas as mulheres também são patronesses, paraninfas, oradoras e quem fizeram o juramento. Elas são maioria na composição do corpo docente. Entre os 63 docentes que ministraram aulas no curso, 39 eram mulheres. No corpo gestor do instituto, todas as homenagens feitas naquele ano de formatura foram para mulheres. Entre as 12 homenagens administrativas, 11 foram para mulheres.
Importa referir que a formação dessas mulheres professoras ocorreu no bojo do regime militar, instaurado no Brasil no ano de 1964. O trecho do juramento traz o seguinte: “Confiando em Deus, prometo cumprir fielmente as Leis Brasileiras, consagrando-me à formação de cidadãos úteis à FAMILIA [sic], à PATRIA [sic] e à HUMANIDADE [sic], e defensores da ORDEM e do REGIME CONSTITUCIONAL VIGENTE” (Convite de Formatura, 1977, p. 12). Tudo indica que a instituição, embora não tenha abraçado de imediato indicações curriculares promulgadas pela Lei nº 5.692/1971, na formação para o magistério fez valer o discurso instituído pelo Estado Militar de então.
3.2 A presença de mulheres no curso de magistério da Escola Imaculada Conceição de Dourados em Mato Grosso do Sul
A Escola Franciscana Imaculada Conceição, criada no município de Dourados, na década de 1950, foi instalada pelas irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã5, uma das congregações religiosas femininas pertencentes à Ordem Franciscana. Essas irmãs chegaram a Dourados vindas de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, com o objetivo de trabalhar na catequese e na escola primária, conforme o relato encontrado nas Crônicas 5 da Escola Franciscana Imaculada Conceição, datado de 9 de fevereiro de 1955 (Amaro, 2018). Gradativamente, as irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã evidenciaram suas funções na área da educação, demonstrando suas possibilidades, dificuldades internas e externas à sociedade douradense.
Com o aumento no atendimento às crianças em idade escolar, a falta de professores se tornou um problema para as irmãs. Buscando solucioná-lo, em 1959, implantaram os Cursos do Normal Regional e Normal Colegial para o ensino feminino e para a formação de professoras, visando atingir a juventude feminina da região. Assim, o Curso Normal funcionou na Escola Franciscana Imaculada Conceição de Dourados até a implantação da Lei nº 5.692/1971, que reformulou o ensino de primeiro e segundo graus, conforme abordado anteriormente.
Cumpre lembrar aqui que, nesse período, o estado de Mato Grosso ainda não era dividido, isso somente ocorreu no final dos anos de 1970, quando o presidente Ernesto Geisel assinou a Lei Complementar nº 31/1977, dividindo Mato Grosso e criando o estado de Mato Grosso do Sul (Queiroz, 2006). No território mato-grossense, a habilitação específica para o magistério seguiu o mesmo percurso de outros estados brasileiros, sendo instalado no início da década de 1970, decorrente da Lei nº 5.692/1971, que extinguiu as Escolas Normais e, em seu lugar, implantou a habilitação específica e segundo grau para o exercício do magistério de primeiro grau.
No caso da Escola Franciscana Imaculada Conceição de Dourados, como em outras instituições de ensino brasileiras, a Lei nº 5.692/1971 foi implantada a partir de 1974. Foi nesse período que, nessa escola franciscana, o ensino foi reestruturado e o Curso Normal em funcionamento na instituição, desde o final da década de 1950, foi extinto, cedendo lugar à habilitação específica para o magistério. Isso se confirma pelo registro do diploma de uma ex-aluna da Escola Imaculada Conceição de 1975, conforme mostra a Figura 1.
No Livro de Registro de Diploma, é possível entrever que a aluna foi habilitada pela Escola Franciscana Imaculada Conceição de Dourados para lecionar como professora de primeira a quarta série, do ensino de primeiro grau, obedecendo, assim, às prescrições da Lei nº 5.692/1971.
Na Escola Franciscana Imaculada Conceição, a habilitação específica para o magistério funcionava de forma reservada com relação aos outros cursos existentes na instituição, em salas que ficavam situadas no prédio escolar, no piso superior. Como era um curso constituído por mulheres, as irmãs distanciavam as jovens moças dos rapazes.
Entre os anos de 1974 e 1991, o curso de magistério da Escola Franciscana Imaculada Conceição formou 17 turmas. Na Tabela 1, apresentamos o quantitativo de formandas/os, segundo o seu sexo.
Anos | Sexo feminino | Sexo masculino |
---|---|---|
1974 a 1979 | 77 | 0 |
1980 a 1984 | 92 | 0 |
1985 a 1989 | 103 | 0 |
1990 a 1991 | 23 | 0 |
Total | 295 | 0 |
Fonte: Elaboração por Pizatto (2022) de acordo com as da Ata de Resultados anuais da Escola Franciscana Imaculada Conceição (Pizatto, 2022).
Os dados acima apresentados nos permitem compreender que o curso de magistério da Escola Franciscana Imaculada Conceição formava apenas mulheres como professoras. A esse respeito, autoras da área nos ajudam a refletir que a mulher conseguiu se profissionalizar por meio do magistério porque havia o entendimento da sociedade de que a educação escolar era uma extensão da educação recebida pelas crianças em suas casas. Assim, “[...] a função de mãe na família era estendida à escola pela pessoa da professora. [...] As mulheres, mães e educadoras por natureza, passavam agora a estender sua função para as escolas na profissão de professoras” (Schaffrath, 2000, p. 10-11).
Outros dados, que reforçam o fato de o curso de magistério da Escola Franciscana Imaculada Conceição de Dourados ter se tornado um curso de formação de mulheres professoras, foram encontrados nos arquivos pessoais de ex-alunas do curso. É certo que os arquivos pessoais, conforme registram Cunha e Almeida (2021, p. 1):
[...] guardam materiais e documentos em variados suportes que comportam traços sobre a história do indivíduo e, ao mesmo tempo, das redes em que se inscreve, ou seja, permitem identificar outros atores sociais e as inter-relações estabelecidas no fazer-se desses sujeitos.
Nesse sentido, os arquivos pessoais de algumas ex-alunas do curso de magistério foram importantes para a localização de materiais e documentos variados, entre eles, os convites de formaturas do magistério das turmas de 1979 e 1984.
Como os convites de formatura representam o fechamento de uma etapa do processo de escolarização, esses convites trazem informações sobre o nome da instituição de ensino, das autoridades que tiveram presentes na solenidade, dos/as patronos/as, paraninfos/as, oradores/as do curso de formação e da relação de formandos/as, assim tornam-se fontes históricas importantes para a história da educação. Sendo assim, pode-se dizer que esses convites dos anos de 1979 e 1984 do curso de magistério da Escola Franciscana Imaculada Conceição permitem compreender e reforçar que, nessa instituição de ensino confessional católica de Dourados, formavam-se apenas mulheres professoras, uma vez que, no ano de 1979, foram formadas 11 professoras e, no ano de 1984, 25 professoras, o que representava mais que o dobro de professoras mulheres formadas com relação ao ano de 1979.
Assim, constata-se que as duas instituições apresentam o aspecto em comum de que, embora em quantidade diferente, formaram mulheres professoras. A primeira totalizando, no ano de 1977, 806 professoras e a segunda 295, entre os anos de 1974 e 1991, com o diferencial de números menores de alunas por turmas em relação à primeira, como se pode observar, respectivamente, no Quadro 1 e na Tabela 1.
4 Considerações finais
Considerando a pergunta que norteou este estudo, qual seja: como se deu a presença das mulheres nos cursos de formação de professores, em especial em dois cursos de magistério, um situado em Belém, no estado do Pará, na região Norte do país, e outro localizado em Dourados, no interior do estado de Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste, no período de 1974 a 1991? Os resultados apontam que, embora as fontes de estudo tragam dados de particularidades dos cursos de magistério das duas instituições, no que pese à aproximação que intentamos realizar, entendemos que respondemos à indagação, já que em ambas há presença majoritária de mulheres nos cursos de magistério. Este é um aspecto comum e, ao mesmo tempo, de aproximação entre os dois cursos pesquisados.
Desse modo, tudo indica que as mulheres eram maioria, não se podendo mais falar de tendência, mas de consolidação da feminização do magistério, que se inicia já nos anos de 1920. No Pará, já ocorre no começo da República. Contudo, o que chama a atenção é o número significativo de formandas no IEP, beirando 100%, o que aponta para a massificação da formação feminina no magistério naquele local e tempo, assim como no Mato Grosso do Sul. No caso do sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul), embora as Escolas Normais tenham sido instaladas tardiamente, uma vez que a primeira instituição de ensino desta natureza e segunda de todo o estado Mato Grosso tenha sido instalada em Campo Grande, em 1930, já no final da primeira República, a feminização do magistério já ocorria desde o início da instalação dessa primeira Escola Normal em Campo Grande e se intensificou a partir do final da década de 1940, com a expansão das Escolas Normais desencadeada no estado de Mato Grosso, entre os anos de 1948 e 1970. Porém, o que também chama a atenção é o número significativo de formandas do sexo feminino no curso de magistério da Escola Francisca Imaculada Conceição de Dourados, chegando a um percentual de 100% entre os anos de 1974 e 1991.
Apesar dos limites deste artigo, um trabalho desta natureza permite refletir e compreender sobre a presença de mulheres em cursos de formação de docente, como também abre caminhos para novas pesquisas sobre a presença delas em cursos de formação de professores.