Introdução
A escola é um contexto fundamental para o desenvolvimento e bem-estar psicológico das crianças e adolescentes. É neste contexto, onde passam a maior parte do seu tempo, que crianças e jovens confrontam múltiplos desafios a nível cognitivo, emocional, comportamental e social (SAMDAL; DÜR; FREEMAN, 2004). Se algumas crianças e adolescentes conseguem lidar adequadamente com estes vários desafios e exigências, muitas delas não o conseguem, com impacto na sua saúde mental, podendo surgir vários problemas emocionais (ou problemas de internalização) e comportamentais (SPRINTHALL; COLLINS, 2003).
A prevalência dos problemas de internalização (PI) tem aumentado nas crianças e adolescentes (APA, 2014; WHO, 2012). Segundo a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2012), anualmente, cerca de 20% dos adolescentes apresentam problemas de saúde mental, mais frequentemente depressão ou ansiedade.
O estudo sobre a relação entre os PI, como depressão e ansiedade, e a realização acadêmica (RA) baixa é recorrente na literatura, sugerindo que, por um lado, a presença de PI pode ter impacto na RA e, por outro, que as crianças e adolescentes com RA baixa podem experienciar PI, como a depressão e ansiedade, como consequência do nível de RA (e.g. DELL’AGLIO; HUTZ, 2004; SOWISLO; ORTH, 2013; VERBOOM et al., 2014; WEIDMAN et al., 2015). No entanto, os estudos sobre a relação entre os PI e a RA elevada são reduzidos. Apesar de várias investigações referirem que a RA elevada é um fator protetor de psicopatologia, o fato de os alunos com RA elevada quererem atingir níveis cada vez mais elevados de desempenho e corresponder às expectativas externas, pode originar medo de fracassar, ou insatisfação com o próprio desempenho, o que por sua vez pode causar baixa autoestima, com impacto nos PI (SHIM; RUBENSTEIN; DRAPEAU, 2016).
Ryff (1989) construiu um modelo de bem-estar psicológico (BEP) que engloba aspectos percetivo-cognitivos e afetivo-emocionais e considera diversas dimensões do funcionamento psicológico positivo: (i) autoaceitação; (ii) relações positivas com os outros; (iii) autonomia; (iv) capacidade de gerir e responder de forma eficaz às exigências externas; (v) criação de metas e objetivos que darão sentido e importância à vida; e (vi) crescimento pessoal, ou seja, o sentimento de desenvolvimento contínuo enquanto pessoa (DECI; RYAN, 2008; RYFF, 1989; RYFF; KEYES, 1995). Este constructo pode ser estudado em todas as faixas etárias, e quando nos referimos ao BEP de crianças e adolescentes, a vivência escolar não pode ser negligenciada (SAMDAL; DÜR; FREEMAN, 2004). São vários os autores que mencionam a existência de uma relação entre o BEP e a vivência escolar. Por um lado, existem investigações que enfatizam que os alunos mais satisfeitos com a escola e com a vida escolar se sentem melhor com eles próprios e por isso apresentam níveis de BEP superiores (FERNANDES et al., 2011; HUEBNER; MCCULLOUGH, 2000; MATOS; CARVALHOSA, 2001). Por outro lado, alguns autores referem que o BEP tem benefícios para o envolvimento escolar (LEWIS et al., 2011), podendo estar associado a uma elevada realização acadêmica (RA) (e.g. DISETH; DANIELSEN; SAMDAL, 2012; SULDO; RILEY; SHAFFER, 2006). O estudo longitudinal realizado na Finlândia por Salmela-Aro e Tynkkynen (2010) ao longo de três anos, com alunos do 9º ao 11º ano de escolaridade, corrobora esta ideia, uma vez que os resultados concluíram que a elevada RA se associa a uma trajetória de bem-estar geral.
Investigações mais recentes de Ng, Huebner e Hills (2015), demonstraram que a RA e a satisfação com a vida podem reforçar-se mutuamente, sendo que altos níveis de satisfação com a vida podem exercer uma influência positiva sobre os resultados acadêmicos, que por sua vez aumentam a satisfação com a vida futura. Esta relação pode ser explicada, uma vez que a satisfação com a vida pode atenuar o estresse face a desafios e adversidades, que consequentemente pode levar a que estes alunos melhorem o seu comportamento na sala de aula, sejam mais produtivos, levando a um aumento da RA. Além disso, os alunos mais satisfeitos com a escola e com a vida escolar apresentam reduzidos problemas de internalização (e.g. ansiedade, depressão, isolamento social e queixas somáticas) e externalização (por exemplo, comportamentos geradores de conflito e impulsividade) (LYONS et al., 2014). Contrariamente, os baixos níveis de satisfação com a vida podem ser um fator de risco para a RA e para o surgimento de problemas emocionais (PI) e comportamentais (PE) nas crianças e jovens (FERNANDES et al., 2011; NG et al., 2015; SULDO; HUEBNER, 2004).
Analisando especificamente os PI em crianças e adolescentes, a sintomatologia depressiva parece ser influenciada por variáveis biológicas, psicológicas e sociais (COMPAS; EY; GRANT, 1993) e caracteriza-se por humor deprimido, desmotivação e desinteresse, perda de peso, alterações no sono, agitação ou lentificação psicomotoras, perda de energia, sentimentos de desvalorização, diminuição da concentração, isolamento, e ideias e tentativas de suicídio (APA, 2014).
A relação entre depressão em crianças e adolescentes e RA tem sido estudada por vários autores (por exemplo, PÉREZ; URQUIJO, 2001; SIENER; KERNS, 2012; STEVENSON; ROMNEY, 1984; WRIGHT- STRAWDERMAN; WATSON, 1992), que demonstraram que a depressão pode influenciar negativamente diversas áreas de funcionamento do indivíduo, e ter impacto na RA (HERMAN et al., 2004; SIENER; KERNS, 2012). Os resultados de um estudo realizado com adolescentes entre os 12 e os 16 anos de idade, de escolas públicas e privadas de Espanha, com o objetivo de analisar a relação entre a RA e a sintomatologia depressiva, concluíram que os adolescentes com sintomatologia depressiva apresentaram mais dificuldades de atenção e concentração e desinteresse escolar, que por sua vez, afetam a RA (ATIENZA; CUESTA; GALÁN, 2002). Em Taiwan, Lin et al. (2008), num estudo realizado com 9.586 adolescentes, verificaram que a prevalência de depressão nesta fase desenvolvimental é elevada (12,3%), e que entre os diversos fatores de risco para esta sintomatologia se encontram o desinteresse escolar, a baixa RA e a baixa autoestima.
Alguns autores (e.g. DELL’AGLIO; HUTZ, 2004; VERBOOM et al., 2014) referem que, se por um lado, uma baixa RA pode estar relacionada com a presença de sintomas depressivos, baixa autoestima e sentimentos de baixa autoeficácia, por outro, também é possível que as crianças e jovens com baixa RA, apresentem como consequência sintomas depressivos, uma vez que não conseguem lidar com as exigências impostas. Alguns estudos apontam que RA elevada, é um fator protetor do desenvolvimento de problemas depressivos (FRÖJD et al., 2008; LAZARATOU et al., 2010, MOILANEN; SHAW; MAXWELL, 2010). Os resultados do estudo de Tomé e Matos (2006), confirmam que o grupo de alunos com notas médias ou boas apresentou índices menores de sintomatologia depressiva. Assim, apesar de diversos estudos associarem a RA e a depressão, a questão controversa é compreender a direcionalidade desta relação.
No que diz respeito à ansiedade, esta pode ser considerada adaptativa, permitindo às crianças e adolescentes ajustarem-se às diferentes situações; no entanto, quando a sua intensidade e frequência aumentam, pode tornar-se disfuncional (BORGES et al., 2008). Esta sintomatologia pode caracterizar-se por ansiedade e preocupação excessivas; agitação, nervosismo ou tensão interior; cansaço; dificuldade de concentração; irritabilidade; tensão muscular; e alterações no sono (APA, 2014).
O medo relacionado com o insucesso escolar, com as exigências e pressões do contexto escolar e a adaptação e transição a novos ciclos de ensino parecem gerar grandes fontes de ansiedade que, por sua vez, poderão influenciar a RA (ROSÁRIO; SOARES, 2003). Muitas crianças não possuem ainda estratégias de coping eficazes para lidar com este conjunto de desafios e por isso tornam-se mais vulneráveis a sintomas de ansiedade (LAZARUS, 2000). Além disso, de acordo com Eysenck e colaboradores (2007), a ansiedade pode também reduzir a disponibilidade atencional dos alunos em situações de avaliação que, em vez de se concentrarem no teste, vão centrar a sua atenção em estímulos distratores, não conseguindo demonstrar o seu nível de conhecimento sobre os conteúdos escolares, comprometendo assim a sua RA (AKINSOLA; NWAJEI, 2013).
No caso específico dos alunos com elevada RA, os objetivos de desempenho e a procura por corresponder às expectativas externas podem contribuir para um aumento da RA, uma vez que estes alunos, ao estabelecer elevados padrões acadêmicos, podem empenhar-se mais (SHIM; RUBENSTEIN; DRAPEAU, 2016). No entanto, este padrão de perfeccionismo pode conduzir ao medo de fracassar e à insatisfação com o próprio desempenho, potenciando a vulnerabilidade à manifestação de PI (EDDINGTON, 2014; SHAFRAN; MANSELL, 2001; SHIM; RUBENSTEIN; DRAPEAU, 2016). Para além disso, tem sido identificada uma associação entre perfeccionismo e depressão em crianças e adolescentes (por exemplo, CASTRO et al., 2004; HUGGINS et al., 2008), uma vez que algumas características do perfeccionismo correspondem a características encontradas em indivíduos com depressão, como o pensamento dicotômico, a generalização e a personalização, em que existe uma avaliação das situações de forma extrema e negativa (BECK et al., 1979).
Para uma melhor compreensão acerca da relação entre os PI e a RA, incluindo a RA elevada, o presente estudo teve como objetivo geral analisar as diferenças nos PI, avaliados por diferentes informadores, entre alunos do 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico (CEB) e ensino secundário,2 em função do nível de RA.
Método
Este estudo enquadra-se no projeto de investigação relativo à aferição da bateria ASEBA (Achenbach System of Empirically Based Assessment) em Portugal (ACHENBACH et al., 2014).3
Participantes
A amostra, representativa do universo de estudantes dos ensinos básico (2º e 3º Ciclos) e secundário em Portugal, incluiu 1.510 alunos de 45 escolas públicas e 12 escolas privadas, 772 raparigas (51,1%) e 738 rapazes (48,9%), com idades compreendidas entre os 11 e 18 anos (M = 14,34, DP = 2,22). O método de amostragem utilizado foi a amostragem aleatória estratificada, sendo que a seleção aleatória dos alunos foi feita por região, sexo e tipo de ensino, de forma proporcional à distribuição do universo. Para uma caracterização mais detalhada dos participantes do estudo de aferição, consultar Achenbach et al. (2014).
Instrumentos
Neste estudo foram utilizados três instrumentos da bateria ASEBA para o período escolar:
Questionário de Comportamentos da Criança (Child Behavior Checklist for ages 6-18 – CBCL 6-18; ACHENBACH et al., 2014)
O CBCL é um questionário dirigido a pais ou outros informadores que convivem com a criança/adolescente, com idades compreendidas entre os 6-18 anos. Este instrumento é composto por 118 itens que descrevem problemas emocionais e de comportamento (por exemplo, chora muito; cansa-se demasiado), assim como um conjunto de questões de avaliação de competências (social e escolar) da criança/jovem.
Questionário de Comportamentos da Criança para Professores (Teacher’s Report Form for Ages 6-18 – TRF; ACHENBACH et al., 2014)
O TRF é um questionário dirigido aos professores ou outros profissionais educativos que observem o funcionamento da criança/adolescente, com idades compreendidas entre os 6-18 anos. Este instrumento é constituído por 118 itens, 97 itens são partilhados com a CBCL, e os restantes são relativos ao comportamento da criança/jovem na escola (por exemplo, tem dificuldade em seguir instruções). Este instrumento permite ainda obter informações demográficas sobre a criança/adolescente, sobre o papel do informador junto da mesma, o quão bem a conhece, em que contexto a observa, bem como informação relativa ao funcionamento adaptativo da criança/adolescente.
Neste questionário, o desempenho acadêmico da criança/jovem é avaliado numa escala de 1 (muito abaixo do nível da turma) a 5 (muito acima do nível da turma). No presente estudo foi calculada a média das três primeiras disciplinas identificadas neste instrumento como medida de RA.
Questionário de Autoavaliação para Jovens (Youth Self-Report – YSR; ACHENBACH et al., 2014)
A YSR diz respeito a um questionário de auto-relato que permite avaliar a percepção dos jovens, com idades compreendidas entre os 11 e os 18 anos, acerca de problemas emocionais e de comportamento, bem como acerca de um conjunto de competências (atividades e sociais). Este instrumento é constituído por 112 itens (por exemplo, não há muitas coisas de que goste), sendo que a maioria é partilhada com a CBCL e tem ainda questões de resposta aberta que solicitam informação sobre dificuldades e preocupações, assim como sobre competências que o jovem identifique.
O preenchimento da CBCL e da YSR deve ter em conta o comportamento da criança/jovem nos últimos seis meses, enquanto que na TRF os professores devem considerar os últimos dois meses, classificando cada afirmação de acordo com uma escala de Likert de três pontos: 0 quando a afirmação não é verdadeira; 1 quando a informação é algumas vezes verdadeira; e 2 quando é considerada muito verdadeira.
Os resultados destes instrumentos permitem obter, além de um índice global (Total de Problemas), resultados compósitos em dois tipos de escalas: escalas de primeira ordem (escalas de síndromes); e escalas de segunda ordem (problemas de internalização e problemas de externalização). As escalas de síndromes para o período escolar, nos três questionários são: Ansiedade/Depressão, constituída por treze itens na CBCL e na YSR e por dezesseis itens na TRF (por exemplo, sente-se sem valor ou inferior aos outros), Isolamento/Depressão, constituída por oito itens nos três questionários (por exemplo, gosta mais de estar sozinho[a] do que acompanhado[a]), Queixas Somáticas, constituída por onze itens na CBCL, dez itens na YSR e nove na TRF (por exemplo, sente tonturas), Problemas Sociais, constituída por onze itens nos três questionários (por exemplo, não se dá bem com outras crianças), Problemas de Pensamento, constituída por quinze itens na CBCL, doze itens na YSR e onze itens na TRF (por exemplo, não consegue afastar certas ideias do pensamento; obsessões ou cismas), Problemas de Atenção, constituída por dez itens na CBCL, nove itens na YSR e 26 itens na TRF (por exemplo, é desatento[a], distrai-se facilmente), Comportamento Delinquente, constituída por dezessete itens na CBCL, quinze itens na YSR e doze itens na TRF (por exemplo, quebra as regras em casa, na escola ou noutros locais) e Comportamento Agressivo, constituída por dezoito itens na CBCL, dezessete itens na YSR e vinte itens na TRF (por exemplo, agride fisicamente outras pessoas). No presente estudo foram utilizados os resultados das três escalas relativas a Problemas de Internalização: Ansiedade/Depressão, Isolamento/Depressão e Queixas Somáticas.
No estudo de aferição destes instrumentos, a consistência interna foi considerada para análise da fidelidade. Para avaliar a consistência interna das escalas foram calculados os valores de alpha (α) de Cronbach, tendo sido obtidos valores em linha com os resultados obtidos em estudos internacionais: ansiedade/depressão α=0,75 para a CBCL, α=0,78 para a TRF e α=0,74 para a YSR; isolamento/depressão α=0,68 para a CBCL, α=0,69 para a TRF e α=0,61 para a YSR; queixas somáticas α=0,67 para a CBCL, α=0,62 para a TRF e α=0,71 para a YSR.
Ao nível da validade de constructo, foram realizadas análises fatoriais confirmatórias (AFC) e avaliação de diferenças de grupos, tendo os resultados suportado a utilização da estrutura fatorial destes instrumentos em contexto português (ACHENBACH et al., 2014).
Procedimentos de recolha de dados
De acordo os princípios éticos e deontológicos que regulam a investigação, foram estabelecidos protocolos com as diferentes entidades envolvidas e também foram requeridas autorizações da Comissão Nacional de Proteção de Dados (Autorização nº 1735/2010), do Ministério da Educação (Nº 0128800001) assim como das Direções/Conselhos Pedagógicos das escolas. Após estas autorizações, foram entregues aos participantes documentos com todas as informações e objetivos do estudo e ainda foi entregue um documento para o consentimento informado aos alunos, para autorização pelos Pais/Encarregados de Educação (ACHENBACH et al., 2014).
Procedimentos de análise de dados
Para efetuar as análises dos dados, foi utilizado o software IBM SPSS 24 (Statistical Package for the Social Sciences).
De forma a atingir os objetivos do estudo, foram criados três grupos em função da RA dos alunos: RA baixa, média e elevada. A integração no grupo de RA baixa teve como critério a média menos um desvio-padrão (< 2.37); a pertença ao grupo de RA médio correspondia a um valor entre 2.37 e 4.23; finalmente, a integração no grupo de RA elevada teve como critério a média mais um desvio-padrão (>4.23). A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes por nível de RA.
Níveis de RA | N | % válida |
---|---|---|
RA baixa | 213 | 18,0 |
RA média | 767 | 64,9 |
RA elevada | 201 | 17,0 |
Fonte: dados da pesquisa.
A análise dos dados referentes aos objetivos do estudo foi realizada através estatística inferencial por via da realização da Análise de Variância Unifatorial.
Resultados
Diferenças nos níveis de ansiedade/depressão, isolamento/depressão e queixas somáticas entre alunos com realização acadêmica baixa, média e elevada no 2º CEB
Os resultados da análise da variância revelam que existem diferenças significativas ao nível da ansiedade/depressão em função da RA dos alunos do 2º CEB, na perspectiva dos pais, F (2,19) = 5,43, p = .005 e na perspectiva dos professores, F (2,19) = 4,67, p = .010.
Relativamente ao nível de isolamento/depressão, as diferenças são significativas apenas na perspectiva dos professores F (2,19) = 10, p = .000. Ao nível das queixas somáticas, são significativas na perspectiva dos pais F (2,19) = 8,35 p = .000 e na perspectiva dos jovens F (2,16) = 5,85 p = .004 (cf. Tabela 2).
Realização Acadêmica | ||||
---|---|---|---|---|
| ||||
RA Baixa (n) Média (DP) | RA Média (n) Média (DP) | RA Elevada (n) Média (DP) | ||
Ansiedade/Depressão | ||||
YSR | (28) 5,75 (3,48) | (100) 5,22 (3,29) | (33) 4,88 (3,66) | F (2,16) 0,50 |
CBCL | (35) 6,11 (4,00) | (123) 4,07 (3,04) | (35) 3,97 (3,76) | F (2,19) 5,43** |
TRF | (36) 3,97 (3,36) | (122) 2,94 (3,01) | (35) 1,86 (1,88) | F (2,19) 4,67** |
Isolamento/Depressão | ||||
YSR | (28) 3,96 (2,82) | (100) 3,00 (2,15) | (33) 3,15 (2,14) | F (2,16) 1,97 |
CBCL | (35) 2,71 (2,63) | (122) 2,00 (1,80) | (35) 1,71 (1,64) | F (2,19) 2,55 |
TRF | (36) 2,69 (2,56) | (122) 1,39 (1,81) | (35) 0,77 (1,00) | F (2,19) 10,27** |
Queixas Somáticas | ||||
YSR | (28) 4,00 (3,38) | (100) 2,32 (2,22) | (33) 2,15 (2,11) | F (2,16) 5,85** |
CBCL | (35) 3,43 (2,68) | (123) 1,83 (1,99) | (35) 1,66 (2,14) | F (2,19) 8,35** |
TRF | (36) 0,42 (0,73) | (122) 0,39 (1,02) | (35) 0,17 (0,71) | F (2,19) 0,83 |
Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05 **p < .01
O Teste Post-Hoc de Gabriel revelou que na perspectiva dos pais, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis de ansiedade/depressão do que os alunos com RA média e elevada. Já na perspectiva dos professores, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis de ansiedade/depressão, apenas do que os alunos com RA elevada. Ao nível da escala isolamento/depressão, na perspectiva dos professores, os alunos com RA baixa apresentam níveis mais altos nesta escala do que os alunos com RA média e elevada. Relativamente à escala queixas somáticas, na perspectiva dos pais e dos jovens, os alunos com RA baixa apresentam significativamente resultados mais elevados nesta escala do que os alunos com RA média e elevada (cf. Tabela 3).
Realização Acadêmica | |||
---|---|---|---|
| |||
Baixa vs. Média | Baixa vs. Alta | Média vs. Alta | |
Ansiedade/Depressão | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ** | * | ns |
TRF | ns | ** | ns |
Isolamento/Depressão | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ns | ns | ns |
TRF | ** | ** | ns |
Queixas Somáticas | |||
YSR | ** | * | ns |
CBCL | ** | ** | ns |
TRF | ns | ns | ns |
Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05. **p < .01. ns = não significativo
Diferenças nos níveis de ansiedade/depressão, isolamento/depressão e queixas somáticas entre alunos com realização acadêmica baixa, média e elevada no 3º CEB
Há diferenças significativas ao nível da ansiedade/depressão em função da RA dos alunos do 3º CEB, na perspectiva dos pais F (2,49) = 3,23, p=.040 e na perspectiva dos jovens, F (2,50) = 4,66, p = .010. Relativamente ao nível de isolamento/depressão, as diferenças são significativas na perspectiva dos pais F (2,49) = 4,78, p = .009 e na perspectiva dos professores F (2,50) = 12,64, p = .000. Quanto ao nível das queixas somáticas, as diferenças são significativas apenas na perspectiva dos professores F (2,49) = 3,83 p = .022 (cf. Tabela 4).
Realização Acadêmica | ||||
---|---|---|---|---|
| ||||
RA Baixa (n) Média (DP) | RA Média (n) Média (DP) | RA Elevada (n) Média (DP) | ||
Ansiedade/Depressão | ||||
YSR | (107) 5,22 (3,17) | (315) 5,99 (3,79) | (78) 6,87 (3,73) | F (2,50) 4,66** |
CBCL | (102) 4,82 (4,13) | (314) 4,09 (3,24) | (78) 5,00 (3,15) | F (2,49) 3,23* |
TRF | (107) 2,69 (3,09) | (315) 2,41 (3,08) | (78) 2,95 (2,92) | F (2,50) 1,09 |
Isolamento/Depressão | ||||
YSR | (107) 3,79 (2,55) | (315) 3,75 (2,44) | (78) 4,06 (2,28) | F (2,50) 0,52 |
CBCL | (102) 3,35 (2,65) | (314) 2,74 (2,10) | (78) 2,36 (2,14) | F (2,49) 4,78** |
TRF | (107) 2,49 (2,56) | (315) 1,45 (1,95) | (78) 1,06 (1,28) | F (2,50) 12,64** |
Queixas Somáticas | ||||
YSR | (107) 2,69 (2,31) | (314) 3,20 (2,85) | (78) 3,14 (2,23) | F (2,50) 1,48 |
CBCL | (102) 2,58 (2,60) | (314) 2,22 (2,30) | (78) 2,38 (2,12) | F (2,49) 0,94 |
TRF | (107) 0,39 (0,84) | (303) 0,19 (0,66) | (78) 0,18 (0,50) | F (2,49) 3,83* |
Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05 **p < .01
A análise do Teste Post-Hoc de Gabriel permitiu verificar que na perspectiva dos jovens, os alunos com RA elevada apresentam maiores níveis de ansiedade/depressão do que os alunos com RA baixa. Relativamente ao nível da escala isolamento/depressão, na perspectiva dos pais e dos professores, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis nesta escala do que os alunos com RA média e elevada. Quanto à escala queixas somáticas, na perspectiva dos professores, os alunos com RA baixa, apresentam maiores níveis superiores nesta escala do que os alunos com RA média (cf. Tabela 5).
Realização Acadêmica | |||
---|---|---|---|
| |||
Baixa vs. Média | Baixa vs. Alta | Média vs. Alta | |
Ansiedade/Depressão | |||
YSR | ns | ** | ns |
CBCL | ns | ns | ns |
TRF | ns | ns | ns |
Isolamento/Depressão | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | * | ** | ns |
TRF | ** | ** | ns |
Queixas Somáticas | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ns | ns | ns |
TRF | * | ns | ns |
Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05. **p < .01. ns = não significativo
Diferenças nos níveis de ansiedade/depressão, isolamento/depressão e queixas somáticas entre alunos com realização acadêmica baixa, média e elevada no ensino secundário
Não existem diferenças significativas ao nível da ansiedade/depressão e queixas somáticas em função da RA dos alunos do ensino secundário, na perspectiva dos pais, dos professores e dos próprios alunos. Já no que diz respeito ao nível de isolamento/depressão, as diferenças são significativas na perspectiva dos pais F (2,47) = 12,23, p = .000 e na perspectiva dos professores F (2,46) = 10,38, p = .000 (cf. Tabela 6).
Realização Acadêmica | ||||
---|---|---|---|---|
| ||||
RA Baixa (n) Média (DP) | RA Média (n) Média (DP) | RA Elevada (n) Média (DP) | ||
Ansiedade/Depressão | ||||
YSR | (61) 6,21 (3,01) | (317) 5,70 (3,71) | (85) 5,91 (3,90) | F (2,46) 0,55 |
CBCL | (61) 4,57 (3,08) | (320) 3,83 (3,04) | (87) 3,90 (3,72) | F (2,47) 1,40 |
TRF | (60) 3,58 (3,46) | (314) 2,69 (3,13) | (87) 2,74 (3,17) | F (2,46) 2,02 |
Isolamento/Depressão | ||||
YSR | (61) 4,31 (2,36) | (317) 3,78 (2,41) | (85) 3,41 (2,27) | F (2,46) 2,54 |
CBCL | (61) 3,97 (3,16) | (320) 2,65 (2,23) | (87) 2,08 (1,97) | F (2,47) 12,23** |
TRF | (62) 2,92 (2,88) | (313) 1,66 (2,26) | (87) 1,28 (1,76) | F (2,46) 10,38** |
Queixas Somáticas | ||||
YSR | (61) 3,74 (2,82) | (317) 3,31 (2,72) | (85) 2,75 (2,49) | F (2,46) 2,52 |
CBCL | (61) 2,76 (2,70) | (320) 2,49 (2,46) | (87) 2,23 (2,48) | F (2,47) 0,81 |
TRF | (59) 0,47 (0,88) | (307) 0,46 (0,97) | (85) 0,21 (0,83) | F (2,45) 2,54 |
Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05 **p < .01
Foi possível verificar através do Teste Post-Hoc de Gabriel que na perspectiva dos pais e dos professores, os alunos com RA baixa, apresentam maiores níveis de isolamento/depressão do que os alunos com RA média e elevada (cf. Tabela 7).
Realização Acadêmica | |||
---|---|---|---|
| |||
Baixa vs. Média | Baixa vs. Alta | Média vs. Alta | |
Ansiedade/Depressão | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ns | ns | ns |
TRF | ns | ns | ns |
Isolamento/Depressão | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ** | ** | ns |
TRF | ** | ** | ns |
Queixas Somáticas | |||
YSR | ns | ns | ns |
CBCL | ns | ns | ns |
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Fonte: dados da pesquisa.
*p<.05. **p < .01. ns = não significativo
Discussão
De acordo com vários autores, existe uma relação positiva entre o bem-estar psicológico e a realização acadêmica (e.g. DISETH; DANIELSEN; SAMDAL, 2012; SALMELA-ARO; TYNKKYNEN, 2010; SULDO; RILEY; SHAFFER, 2006). Os alunos mais satisfeitos com a vida escolar, tendem a apresentar níveis de bem-estar psicológico superiores (FERNANDES et al., 2011; HUEBNER; MCCULLOUGH, 2000; MATOS; CARVALHOSA, 2001) e, consequentemente, níveis mais reduzidos de problemas de internalização e externalização (LYONS et al., 2014). Especificamente, existem vários estudos que demonstram a relação negativa entre os PI, como a depressão e ansiedade, e a RA (e.g. FERNANDES et al., 2011; NG et al., 2015; SULDO; HUEBNER, 2004; WEIDMAN et al., 2015).
O presente estudo procurou contribuir para a compreensão da relação entre PI e RA, examinando-a com detalhe a partir de uma amostra representativa, por ciclo de escolaridade e considerando, em simultâneo, níveis distintos de RA.
Numa análise por ciclo de escolaridade, verifica-se que, no 2º CEB, os alunos com RA baixa evidenciam maiores níveis de ansiedade/depressão e queixas somáticas, do que os alunos com RA média e elevada (a partir da perspectiva dos pais). Relativamente à perspectiva dos professores, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis de ansiedade/depressão e isolamento/depressão, em relação aos alunos com RA média e/ou elevada. Quanto à perspectiva dos próprios jovens, os alunos com RA baixa apresentam mais queixas somáticas, comparativamente aos alunos com RA média e elevada.
Em geral, no 2º ciclo, os alunos com RA baixa apresentam mais PI do que os colegas com RA média e elevada. Diversos estudos sugerem que a RA elevada é um fator protetor do desenvolvimento de problemas depressivos (FRÖJD et al., 2008; LAZARATOU et al., 2010, MOILANEN; SHAW; MAXWELL, 2010). Mais concretamente, o presente estudo vai ao encontro dos resultados de um outro estudo português (TOMÉ; MATOS, 2006), que concluiu que o grupo de alunos com notas médias ou elevadas apresentou índices menores de sintomatologia depressiva do que o grupo com notas mais baixas. As crianças/jovens que experienciam continuamente RA baixa podem desenvolver baixas percepções de competência, autoeficácia e autoestima e, considerando as dificuldades em lidar com as exigências impostas, tal poderá contribuir para a manifestação de PI como a depressão e ansiedade (e.g. DELL’AGLIO; HUTZ, 2004; SOWISLO; ORTH, 2013; VERBOOM ET AL., 2014; WEIDMAN ET AL., 2015). Estes resultados evidenciados no 2º CEB, podem estar relacionados com a ansiedade provocada pelas transições escolares e a adaptação a um novo ciclo de ensino. Os alunos, nesta fase do percurso escolar, são confrontados com um elevado número de professores e disciplinas, e por uma crescente exigência e complexidade dos conteúdos e das tarefas propostas (ROSÁRIO; SOARES, 2003). Considerando a fase desenvolvimental em que estes alunos se encontram, estes poderão ainda não estar capazes de aplicar estratégias de coping eficazes para lidar com este conjunto de desafios, tornando-se mais vulneráveis a sintomas de ansiedade (LAZARUS, 2000), influenciando negativamente o seu ajustamento psicossocial (HUSSONG; CHASSIN, 2004).
Quanto ao 3º CEB, na perspectiva dos pais, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis de isolamento/depressão, em relação aos alunos com RA média e elevada. Na perspectiva dos professores, os alunos com RA baixa evidenciam maiores níveis de isolamento/depressão e queixas somáticas, comparativamente aos alunos com RA média e elevada. No entanto, na perspectiva dos jovens, os alunos com RA elevada evidenciam maiores níveis de Ansiedade/Depressão do que os alunos com RA baixa. Este resultado poderá estar associado a um padrão de perfeccionismo no desempenho acadêmico. De acordo com Wei et al. (2004), o perfeccionismo não adaptativo encontra-se relacionado com problemas de ansiedade e depressão. A tentativa de atingir padrões acadêmicos elevados, quando excessivamente elevada e irrealista, pode conduzir a uma RA elevada, mas simultaneamente a sintomatologia ansiosa (EDDINGTON, 2014; SHAFRAN; MANSELL, 2001). Neste sentido, apesar de ser esperado que os alunos do 3º CEB apresentem mais estratégias de coping para lidar com os diferentes desafios, o perfeccionismo, o receio de falhar e os sintomas de ansiedade podem bloquear a implementação destas estratégias.
Finalmente, no que diz respeito ao ensino secundário, na perspectiva dos pais e professores, os alunos com RA baixa apresentam maiores níveis de isolamento/depressão, em relação aos alunos com RA média e elevada. Para além disso, de acordo com a perspectiva dos próprios jovens, não existem diferenças significativas nas três escalas de PI. Apesar de o ensino secundário ser uma etapa com várias exigências e pressões do contexto escolar (ROSÁRIO; SOARES, 2003), estes resultados podem ser explicados por uma perspectiva desenvolvimental, que considera que, nesta etapa, os alunos terão mais recursos internos para lidar com estas pressões. Os resultados podem ainda sugerir que nesta fase do desenvolvimento, a RA, quando comparada com outras variáveis, como a necessidade de autonomia e o papel das relações com os pares, não assume especial impacto no bem-estar psicológico (SOARES, 2007).
Conclusões
Este estudo permitiu analisar as diferenças nos PI, avaliados por diferentes informadores, em alunos do 2º CEB, 3º CEB e ensino secundário, em função do nível de RA em Portugal. De uma forma geral, os alunos com RA baixa evidenciam mais PI do que alunos com RA média e/ou elevada. No entanto, é de enfatizar que, no 3º CEB, na perspectiva dos próprios jovens, os alunos com RA elevada apresentam maiores níveis de ansiedade/depressão, comparativamente aos alunos com RA baixa. Estes resultados indicam-nos que, para além dos alunos com RA baixa se encontrarem numa situação de risco e vulnerabilidade para PI, indo ao encontro de várias investigações realizadas anteriormente (e.g. DELL’AGLIO; HUTZ, 2004; SOWISLO; ORTH, 2013; VERBOOM et al., 2014; WEIDMAN et al., 2015), é necessário ter também especial atenção aos alunos com RA elevada, considerando o impacto desta variável no bem-estar psicológico.
Como pontos fortes do presente estudo, destaca-se a dimensão da amostra e o seu caráter representativo da população portuguesa, o fato de recorrer a três informadores para a avaliação dos PI (pais, professores e jovens), bem como a análise por ciclo de escolaridade, associada a tarefas desenvolvimentais e escolares diferenciadas. Em termos de limitações, destaca-se o fato de se tratar de um estudo de natureza transversal, o que impossibilitou a compreensão dos efeitos recíprocos entre PI e RA. Como propostas de investigação futura, sugere-se a realização de estudos longitudinais e a inclusão de outras variáveis relevantes para a compreensão do impacto da RA no bem-estar psicológico dos alunos (e.g. gênero, satisfação com a vida, envolvimento escolar e relação pedagógica).
Este estudo enfatiza a necessidade de promover, junto da comunidade educativa, incluindo pais e professores, a atenção ao bem-estar psicológico dos alunos e às diferentes dimensões que nele interferem. Em primeiro lugar, os resultados reforçam a importância da adoção de uma abordagem integrada para o desenvolvimento e sucesso em contexto escolar. Assim, o caráter intencional da promoção do sucesso acadêmico deverá ser reforçado, não só considerando questões puramente pedagógicas, mas também psicológicas. Por exemplo, a estimulação de competências de autorregulação e coping nos alunos, em particular no ٢º e 3º CEB, poderá contribuir para uma mais adequada gestão dos desafios confrontados pelos alunos em contexto escolar.
Para além disso, a adoção de metodologias como o desenho universal para a aprendizagem e a abordagem multinível (MITCHELL, 2014) parecem contribuir para a promoção da RA. Como os resultados evidenciam, os alunos com RA baixa tendem a apresentar mais sintomatologia de internalização, o que reforça a necessidade de prevenir o insucesso acadêmico.
Por fim, e atendendo aos resultados identificados no 3º CEB, em que os alunos com RA elevada evidenciam mais ansiedade/depressão do que os seus pares com RA baixa, importa também monitorizar as trajetórias destes alunos, no sentido de os apoiar na regulação de padrões de desempenho.