Introdução
Pierre Bourdieu é um sociólogo preponderante nas ciências sociais. Na base Web of Science Bourdieu recebeu, entre 1999 e 2007, mais citações do que outros três renomados sociólogos contemporâneos: Anthony Giddens, Erving Goffman e Jürgen Habermas ( SANTORO, 2008 ). De acordo com Sapiro e Bustamante (2009 , p. 11), sobre os livros de Bourdieu, Sur la télevision, de 1996 , foi traduzido para 25 idiomas em 27 países e La Domination masculine, de 1998 , para 20 idiomas em 21 países. Na influente Sociologia dos Estados Unidos, Sallaz e Zavisca (2007) comprovaram que nos quatro periódicos essenciais da disciplina, American Journal of Sociology, American Sociological Review, Social Forces e Social Problems , essa influência foi significativa entre 1980 e 2004: “Today over 10% of all articles published in the four leading sociology journals cite Bourdieu” ( SALLAZ; ZAVISCA, 2007 , p. 36). Manipulando uma base de dados bem mais ampla, Korom (2020) mostrou que se Talcott Parsons ocupou, nos anos 1970, o topo da escala de prestígio da Sociologia de língua inglesa, Bourdieu tomou essa posição nos anos 2010 ( KOROM, 2020 , p. 137-138). A circulação das suas ideias na Europa, por meio de periódicos científicos, é cada vez maior e o principal veículo para isso tem sido o British Journal of Sociology of Education ( SANTORO; GALLELLI, 2016 , p. 162). No Brasil, Bourdieu é o clássico contemporâneo mais citado nas Ciências Humanas ( CAMPOS; SZWKO, 2020 , p. 7) e sua recepção por aqui foi pioneira graças à ação de uma série de corretores acadêmicos ( BORTOLUCI; JACKSON; PINHEIRO FILHO, 2015 ).
Bourdieu é um autor importante também para a área de educação e em especial para a sociologia da educação. Duas obras foram fundamentais para isso: Les héritiers, les étudiants et la culture e La reproduction. Éléments d’une théorie du système d’enseignement (ambos escritos com J.-C. Passeron em 1964 e em 1970, respectivamente). Seu impacto principal foi “teórico”, ao conectar questões de classe social e sistema educacional ( SULLIVAN, 2002 ), mas bem menor em estudos empíricos específicos sobre a política educacional ( LINGARD; TAYLOR, RAWOLLE, 2005 ), ainda que Bourdieu possa ter influenciado indiretamente as representações coletivas e as dinâmicas da política educacional na França ( ZANTEN, 2005 ). Desenvolvimentos da sua teoria social têm sido feitos para se compreender o “campo da política educacional global” ( RAWOLLW; LINGARD, 2008 ). Na década passada, o @BSABourdieu (B ritish Sociological Association Bourdieu Study Group ) assumiu um importante papel nas discussões sobre a aplicabilidade de Bourdieu para a área da Educação ( STAHL, 2016 ).
Do ponto de vista bibliométrico, o interesse em Bourdieu para o campo educacional pode ser estimado concretamente. Na seção de publicações sobre Educação na base Scopus investigamos quantos trabalhos utilizaram “Pierre Bourdieu” nas referências bibliográficas e quantos mencionaram especificamente a sociologia de Bourdieu junto com os termos “ state ”, “ public * polic *” e “ educat *”2 . No primeiro caso, obtivemos 18.340 documentos de um total de 140.298 que citam Bourdieu em toda base, estimando quanto da produção acadêmica da área de Educação deve ao autor. Na segunda pesquisa, isolando certos termos mais próximos de “Estado” e de “política pública para a educação”, apareceram 1.941 resultados entre os anos de 1973 e 2021, sendo a grande maioria artigos de pesquisa (1.751) e 123 revisões. Nesse caso, existe uma evolução constante e crescente a partir de 1993, rompendo a marca de 100 produções anuais a partir de 20133 .
Mas qual é a relação de Pierre Bourdieu com a ciência política? Ou mais exatamente, qual foi a recepção, pela ciência política, dos ensaios teóricos, das monografias sociológicas e dos seus conceitos políticos? Houve uma tentativa de absorver a Sociologia de Bourdieu em pesquisas de Relações Internacionais. Bigo e Madsen (2011) organizaram uma edição especial da International Political Sociology a respeito de como seus conceitos centrais poderiam contribuir com os estudos da área. Um levantamento feito pela biblioteca da SciencesPo de Paris, em 2009, tanto de textos de Bourdieu, como de trabalhos consagrados à sua obra indicaram que essa produção estava concentrada em “Sociologia da cultura, da educação e de mídias” (37 documentos), seguida de “Sociologia Geral” (18 documentos), mas não em “política”, isto é, não em assuntos conexos à política institucional (2009).
A ligação de Bourdieu com o político, como domínio de estudos, e com a política, como campo de práticas, não é tão pacífica de se apreender como é, possivelmente, com a teoria social ou com a sociologia da cultura e da educação ( SWARTZ, 2006 ). Há algumas dimensões nessa matéria que seria útil separar analiticamente.
Há, grosso modo, três intersecções do trabalho do filósofo francês com a política: i) seus escritos de sociologia do político ( BOURDIEU, 1977 , 1981 , 1984 , 1989 , 1993 , 2001b , 2012 ; BOURDIEU; FRITSCH, 2000 ); ii) seus escritos políticos de sociologia “militante” ( BOURDIEU, 1998a , 1998b , 2001a , 2002 ); iii ) a natureza eminentemente política da sua sociologia como análise e crítica das formas de dominação que constituem o espaço social. Swartz (1997) e Wacquant (2004) conectaram as segunda e a terceira dimensões dessa obra – a política do sociólogo e a política da sociologia – para enfatizar o papel dos intelectuais públicos defendido e desempenhado por Bourdieu na última fase da sua carreira universitária. Conforme Wacquant (2004) , a “implicação prática da sociologia da política de Bourdieu era o de formular o papel dos intelectuais nas lutas contemporâneas” e não reclamar a sociologia somente como conhecimento científico ( WACQUANT, 2004 , p. 9; SWARTZ, 2006 , tradução nossa). Tanto é assim que “nos anos 1990 ele procurou colocar as competências das ciências sociais à disposição de uma rede descentralizada de lutas democráticas” ( WACQUANT, 2004 , p. 5, tradução nossa) como as que travou contra a globalização, o neoliberalismo e suas consequências destrutivas.
A fortuna crítica sobre cada um desses tópicos – a sociologia do político e a política dessa sociologia – é muito extensa. As explicações sobre a noção de “campo político”, por exemplo, são constantemente renovadas ( DULONG, 2020 ), seja para aumentar sua precisão, seja para garantir sua divulgação e manter ativa a sociologia bourdieusiana do mundo da política. A edição dos seus três cursos no Collège de France entre 1989 e 1991, Sobre o Estado ( BOURDIEU, 2012 ) reposicionou as diligências do sociólogo, cujo foco teria sido, conforme uma visão mais superficial, apenas na cultura, na arte e no gosto. Um comentador desses cursos sustenta que as pesquisas empíricas de Bourdieu nos anos 1960, 1970 e 1980 foram exatamente sobre o Estado, tanto na Cabília (Argélia) como no Béarn (França), passando pela política de habitação popular até chegar à publicação da monografia sobre as grandes écoles ( LENOIR, 2012 , p. 124). Contudo, vale acrescentar que Bourdieu passou ao largo do imenso debate entre marxistas franceses, economistas alemães e politólogos americanos sobre a Teoria do Estado capitalista durante essas três décadas.
A variedade de trabalhos empíricos que formaram uma abundante Sociologia da Política bourdieusiana – derivados da sua obra e inspirados seja em sua compreensão da coordenação entre o campo político e os demais campos sociais, seja em seus conceitos teóricos (poder, capital simbólico, violência simbólica, jogo político, capital de função etc.), seja, ainda, em suas intuições sintéticas (“A opinião pública não existe”, “se pode viver da política com a condição de se viver para a política”) –, são uma confirmação eloquente do lugar central do político e do poder nesse sistema de ideias4 .
Por outro lado, conforme a opinião de Loïc Wacquant (2004) , exceto na Alemanha e na América Latina, no mundo anglo-saxão Bourdieu “raramente foi lido como um sociólogo político” ( WACQUANT, 2004 , p. 3 tradução nossa) e talvez a razão para isso seja que, embora sua sociologia seja política “desde o início”, a centralidade do conceito de violência simbólica não teria permitido nem construir uma teoria autônoma do Estado, nem pensar o universo político e o campo do poder apenas no domínio das práticas institucionais ( ADDI, 2002 ).
Essa constatação é muito tangível. Se olharmos para o mainstream da ciência política mundial, tomando como indicador da estrutura e do estado da disciplina a produção nos cinco periódicos mais importantes da área ( American Journal of Political Science, American Political Science Review, International Organization, Political Analysis, British Journal of Political Science )5 , há apenas 44 artigos publicados – de um total de 14.218 papers – que mencionam os livros de Bourdieu na lista de referências (0,3%)6 . Medindo o impacto dos autores nas diferentes disciplinas por outra base de dados (o Google Scholar), Nandini e Vinay (2019 , p. 661-662) revelaram que, na ciência política, Ronald Inglehart recebeu o número mais alto de citações (98.655), enquanto que na sociologia o campeão continua sendo Pierre Bourdieu (644.532 citações).
Isso dado – a irrelevância de Bourdieu para a ciência política de língua inglesa – o objetivo deste artigo é investigar a presença de Pierre Bourdieu para além do mainstream da disciplina. Nosso interesse é saber qual Bourdieu é lido e como ele é empregado em artigos de periódicos.
Por meio de uma pesquisa que liga quinze conceitos de Bourdieu que orbitam a noção de “política” (tais como: Estado, campo político, campo do poder, poder simbólico etc.), e explora sua aplicação em textos nas áreas de “ciência política e relações internacionais” e de “sociologia e ciência política” na base Scopus da Elsevier, analisamos 355 documentos publicados entre 1985 e 2021 que possuíam ao menos uma menção ao autor nas referências bibliográficas.
O artigo está dividido em três partes. Em “Materiais e métodos” detalhamos a forma de seleção dos textos na base Scopus para tentar encontrar apenas ciência política e o perfil desse banco de dados. Em “Resultados e discussão”, analisamos o padrão de citações de Bourdieu (volume, tipo, tema e contexto). Nas “Conclusões”, destacamos as contribuições e limitações desta pesquisa e apontamos, com base nos achados, a necessidade de mais dados para apoiar as nossas interpretações.
Materiais e métodos
Fontes dos dados, método de coleta e descrição dos documentos
Uma busca pelo termo “Bourdieu” nos campos TITLE-ABS-KEY na base Scopus , tal como no procedimento feito por Santoro e Gallelli (2016) , retornou 9.430 resultados7 . Contudo, dados produzidos por esse tipo de pesquisa genérica são muito abrangentes e imprecisos para a nossa finalidade – expor e explicar como a ciência política não mainstream lê e emprega as noções de Pierre Bourdieu. Eles mostram que há na “subject area” Social Sciences 7.737 textos que mencionam o autor em algum campo (em títulos, resumos ou palavras-chave), sem especificar se os artigos são de sociologia ou antropologia, de ciência política ou de História, de Comunicação, de Estudos de Gênero, de Estudos Urbanos etc.
Para controlar as menções a Bourdieu por disciplinas, filtramos na Scopus todos os documentos que citam Bourdieu usando o código REFAUTH combinado com outro filtro, SUBJMAIN. Ele retorna textos apenas das áreas especificadas. REFAUTH permite buscar o autor mencionado unicamente na relação de referências bibliográficas. As áreas escolhidas foram: General Social Sciences, Social Sciences – miscellaneous, Education, Law, Sociology and Political Science, Anthropology, Communication, Cultural Studies, Gender Studies, Political Science and International Relations e Public Administration . Essa busca resultou em 29.282 documentos8 .
O Gráfico 1 mostra as frequências por área. É marcante a divisão quantitativa entre tradições disciplinares, Bourdieu estando mais conectado a estudos “comportamentais” ou “culturais” do que a “institucionais”.
Era esperado que ciências sociais em geral fosse a área com maior ocorrência (mais de 28 mil registros). Em segundo lugar, apareceu sociologia e ciência política, principalmente porque em periódicos de sociologia Bourdieu é muito frequente (quase 26 mil documentos). Em terceiro lugar apareceu educação, o que confirma achados anteriores sobre sua influência nesse campo. A partir daí, à medida em que os periódicos vão se tornando mais disciplinares, sua autoridade vai progressivamente diminuindo. Há um bloco de papers que citam o autor em áreas relacionadas à cultura, antropologia e comunicação (quarto, quinto e sexto lugares) e um segundo bloco, bem menor, das áreas mais próximas a abordagens e temas institucionais, como ciência política e relações internacionais (em oitavo lugar), direito (em nono) e administração pública (em décimo primeiro).
Para garantir que a nossa análise capturasse um corpus efetivamente conectado à ciência política e apenas a ela, delimitamos a busca na Scopus a conceitos de Pierre Bourdieu relacionados ao “campo do poder”. Para isso, utilizamos alguns códigos de busca avançada e seleção discricionária cujo passo a passo é descrito a seguir.
Procedemos em cinco etapas. Limitamos a pesquisa a conceitos da sociologia política do autor presentes nas palavras-chave, nos títulos ou nos resumos conectados necessariamente à ocorrência simultânea do termo ‘política’ ou ‘político’. Os conceitos eleitos foram: autonomia do campo, legítimo (e suas variações como legitimidade, legitimação, etc.), luta, homologia dos campos, Estado, dominação, campo político, campo do poder, capital simbólico, espaço social, poder simbólico, Estado penal, neoliberalismo, trajetória.
Em seguida, restringimos a busca apenas a documentos que, além de mencionar esses conceitos mais “políticos”, referissem explicitamente alguma obra de Pierre Bourdieu na bibliografia dos artigos analisados (usando o campo REFAUTH).
Na terceira etapa selecionamos apenas algumas áreas específicas utilizando o código SUBJMAIN 3312 e 3320 para filtrar os periódicos de sociologia e ciência política e ciência política e relações internacionais, uma vez que não há um código exclusivo para periódicos de ciência política na Scopus. Para resolver esse problema, excluímos, dentro do código, as palavras sociology e international relations com o intuito de descartar falsos positivos. Na quarta etapa eliminamos manualmente periódicos que ainda permaneceram no corpus , mas cujo foco era nas áreas de antropologia, sociologia, geografia, estudos urbanos, internacionais etc. Na quinta etapa três avaliadores leram todos os títulos e resumos dos artigos da quarta etapa e foram descartados aqueles papers que até citavam Bourdieu, mas não tratavam de algum problema/objeto político.
N | etapas de busca | string de busca | documentos |
---|---|---|---|
1 | Delimitação por conceitos em títulos, resumos e palavras-chave e busca pelo nome do autor em qualquer campo | (TITLE-ABS-KEY (“field autonomy” OR legit* OR struggle OR “homology of the fields” OR state OR “political field” OR “field of power” OR “symbolic capital” OR domination OR “social space” OR “symbolic power” OR violence OR “penal state” OR neoliberalism OR trajectory) AND (politic*) ) AND (bourdieu) | 27.331 |
2 | Delimitação por conceitos e pelo autor nas referências bibliográficas | TITLE-ABS-KEY (“field autonomy” OR legit* OR struggle OR “homology of the fields” OR state OR “political field” OR “field of power” OR “symbolic capital” OR domination OR “social space” OR “symbolic power” OR violence OR “penal state” OR neoliberalism OR trajectory) AND ( politic*) AND REFAUTH(bourdieu) | 25.475 |
3 | Delimitação por conceitos, pelo autor nas referências bibliográficas, por área específica e tipo de documento | ( TITLE-ABS-KEY ( “field autonomy” OR legit* OR struggle OR “homology of the fields” OR state OR “political field” OR “field of power” OR “symbolic capital” OR domination OR “social space” OR legit* OR “symbolic power” OR violence OR “penal state” OR neoliberalism OR trajectory ) AND (politic*) AND REFAUTH (bourdieu) AND NOT (sociology OR “international relations”)) AND (SUBJMAIN (3312) OR SUBJMAIN (3320)) AND (EXCLUDE (DOCTYPE , “no”) OR EXCLUDE ( DOCTYPE, “ed” ) OR EXCLUDE (DOCTYPE, “sh”) OR EXCLUDE (DOCTYPE , “Undefined”)) | 1.652 |
4 | Mesmo procedimento da etapa 3 com eliminação manual de periódicos fora da ciência política strictu sensu e limitação a documentos em inglês, francês, espanhol, português, e italiano | (((TITLE-ABS-KEY (“field autonomy” OR legit* OR struggle OR “homology of the fields” OR state OR “political field” OR “field of power” OR “symbolic capital” OR domination OR “social space” OR legit* OR “symbolic power” OR violence OR “penal state” OR neoliberalism OR trajectory)) AND (politic*) AND REFAUTH (bourdieu) AND NOT (sociology OR “international relations”)) AND (SUBJMAIN (331) OR SUBJMAIN (332))) AND (EXCLUDE (DOCTYPE, “ed”) OR EXCLUDE (DOCTYPE , “no”) OR EXCLUDE (DOCTYPE , “Undefined”) OR EXCLUDE (DOCTYPE, “re”) OR EXCLUDE (DOCTYPE , “sh”)) AND (EXCLUDE (EXACTSRCTITLE, “Journal Of Urban History”) OR EXCLUDE (EXACTSRCTITLE, “Sociological Review”) OR EXCLUDE (EXACTSRCTITLE, “Social Psychology”) OR EXCLUDE (EXACTSRCTITLE, “Multidisciplinary Journal Of Educational Research”) OR EXCLUDE (EXACTSRCTITLE, “Social Anthropology *”)) AND (LIMIT-TO (LANGUAGE, “English”) OR LIMIT-TO (LANGUAGE, “French”) OR LIMIT-TO (LANGUAGE, “Spanish”) OR LIMIT-TO (LANGUAGE, “Portuguese”) OR LIMIT-TO (LANGUAGE, “Italian”))* | 457 |
5 | Leitura e análise dos títulos e resumos dos 457 documentos da fase 4 | 355 |
Fonte: Elaboração nossa (coleta em 20 julho 2021).
*Os periódicos listados nessa string são apenas exemplificativos dos periódicos retirados na etapa 4
A Tabela 1 descreve o perfil dos 355 documentos do corpus final do estudo. A janela temporal das publicações vai de 1985 a 2021 e 98% dos papers são artigos em periódicos distribuídos por 158 títulos diferentes.
Time and sources | |
---|---|
timespan | 1985-2021 |
frequency distribution of sources | 158 |
Document Types | N |
article | 347 |
book chapter | 2 |
conference paper | 6 |
total number of manuscripts | 355 |
Document Contents | N |
frequency distribution of keywords associated by SCOPUS | 427 |
frequency distribution of authors’ keywords | 995 |
cited references | 19.809 |
Authors | N |
Authors’ frequency distribution | 472 |
Number of author appearances | 492 |
Authors of single-authored documents | 250 |
Authors of multi-authored documents | 222 |
Authors Collaboration | |
Single-authored documents | 261 |
Co-Authors per Documents | 1,39 |
Fonte: Elaboração nossa a partir de dados da Scopus (coleta em 20 julho 2021).
Embora essa investigação seja um mapa limitado, com um corpus reduzido de dados e voltada essencialmente a artigos científicos, há nos 355 documentos 502 menções aos trabalhos de Bourdieu em mais de 150 periódicos indexados como de ciência política. Mas o que essas citações dizem tanto sobre os citantes, como sobre o citado?
Resultados e discussão
Obras principais de Bourdieu citadas
Há 13.174 autores diferentes citados nas 19.809 referências bibliográficas dos 355 documentos selecionados. Bourdieu aparece 502 vezes. A Tabela 4 compila quais são os seus trabalhos mais frequentes. Padronizamos as diferentes versões e grafias e indicamos o título em inglês e o correspondente em francês do livro.
Os três títulos mais importantes são Language and Symbolic Power ( Ce que parler veut dire: L’économie des échanges linguistiques ), Distinction ( La distinction: critique sociale du jugement ) e The logic of practice ( Le sens pratique ).
Rank | Cited references | Citations |
---|---|---|
1 | Language and Symbolic Power (1991; Ce que parler veut dire (1982) | 56 |
2 | Distinction (1984; La distinction 1979) | 53 |
3 | Logic of Practice (1990; Le sens pratique 1980) | 45 |
4 | Outline of a Theory of Practice (1977; Esquisse d’une théorie de la pratique 1972) | 32 |
5 | The State Nobility (1996; La noblesse d’État 1989) | 21 |
6 | Practical Reason (1998; Raisons pratiques 1994) | 20 |
7 | Masculine Domination (2001; Domination masculine 1998) | 15 |
8 | Pascalian Meditations (2000; Méditations pascaliennes 1997) | 13 |
9 | “A representação política”. In: O poder simbólico (1998; “La représentation politique” 1981) | 12 |
10 | The Rules of Art (1996; Les Règles de l’art 1992) | 11 |
Fonte: Elaboração nossa a partir de dados da Scopus (coleta em 20 julho 2021).
OBS.: Entre parêntesis, as datas de publicação dos livros em inglês e títulos e datas de publicação em francês, conforme Gorski (2013 , pp. 367; 368 Appendix 1; 2). Para o item 9, a data de publicação em português e em francês.
A título de comparação, na pesquisa sobre a presença de Bourdieu nas ciências sociais brasileiras entre 1999 e 2018, Campos e Szwako (2020 , p. 9) constataram a seguinte ordem de preferências: A distinção, O poder simbólico (coletânea de ensaios em português que contém o artigo A representação política) e Razões práticas.
Apesar da busca de citações de Bourdieu em periódicos de ciência política (ou que foram formalmente indexados pela base Scopus na área de ciência política), ficaram de fora, dentre os cinco títulos mais citados, os ensaios de reflexão sobre representação política e/ou o conceito de campo político. Na realidade, à exceção das monografias empíricas como La distinction (segundo título mais citado) e La noblesse d’État (quinta), há nessa lista dois trabalhos de teoria social “pura” ( Le sens pratique e Esquisse d’une théorie de la pratique ) e a referência mais popular, em primeiro lugar, é o livro sobre o poder simbólico da linguagem: Ce que parler veut dire . É preciso então investigar, através de uma pequena parcela dos 355 textos, quem cita, onde cita, os temas dos artigos citantes e se aqui os trabalhos de Bourdieu mais referidos são os teóricos, os sociológicos ou os militantes.
O perfil dos artigos citantes
No Quadro 2 listamos os vinte documentos mais citados no corpus ordenados por citação normalizada. Citação normalizada é um parâmetro bibliométrico cujo cálculo leva em conta o número de citações do documento dividido pelo número médio de citações de todos os documentos publicados no mesmo ano. Ela é uma medida de influência mais exata do que o total de citações, que é fortemente influenciada pelo tempo decorrido desde a publicação do documento (isto é, documentos mais antigos tendem a ser os mais citados).
Os vinte artigos foram revisados para estimar se eram trabalhos quais empregavam a sociologia de Bourdieu em suas análises (isto é, “bourdieusianos”), quais textos de Bourdieu eram citados, em qual volume e quais os mais centrais. Em 19 deles há apenas uma única referência de Pierre Bourdieu no artigo. Os trabalhos mais relevantes são Outline of a theory of practice , de 1977, e Language and symbolic Power de 1991. O único texto que cita duas referências de Bourdieu é o de Hirt, Sellar e Young (2013) . É um estudo sobre o impacto do neoliberalismo nos países pós-soviéticos e eles referem o Bourdieu da fase mais militante (“contra a tirania do mercado”) do que sociológica (os citados são Acts of resistance , de 1999, e Firing back , de 2003).
O artigo mais mencionado neste top 20 é o de Peck e Theodore (2019) , “Still Neoliberalism?”, e também está na linha mais política do que analítica ou sociológica. O texto de Pierre Bourdieu referenciado é “The Essence of Neoliberalism” do quotidiano Le monde diplomatique (de 1998). O ensaio conecta a crise da política neoliberal e o colapso de 2008 com a ascensão dos autoritarismos “de Trump à Turquia, do desastre do Brexit ao golpe brasileiro” (sic) de 2016.
Todos os periódicos dessa lista são publicações de ciência política ou estão em uma área de fronteira, como é o caso de Media, Culture & Society , o periódico mais importante com três entradas. Essa presença sugere o alto valor dos estudos de Bourdieu para a área de comunicação e mídia. Com exceção de três periódicos de grande prestígio (SJR acima de 2), todas as demais revistas científicas possuem fator de impacto baixo (menor que 1).
Dessa relação ( Quadro 2 ), apenas um artigo, publicado justamente em Media, Culture & Society , pode ser considerado “bourdieusiano”. Tang & Yang (2011) , no estudo “Symbolic Power and the Internet”, discutem se a Internet pode ser um espaço que potencializa de fato as vozes das pessoas comuns no debate público. Os autores, baseados no conceito de “poder simbólico” (de Language and symbolic power ) e a partir de um exemplo da China, rejeitam essa ideia. Language and symbolic power também é citada nos estudos de Howard (2010) , “ Language, signs, and the performance of power ”, e de Stevenson, Condor e Abell (2007) , “ The minority-majority conundrum in Northern Ireland ”. O primeiro é uma pesquisa sobre mudanças no discurso político boliviano com a subida de Evo Morales ao poder; e o segundo é uma visão do conflito da Irlanda do Norte como uma luta pelo “poder simbólico” de definir quem é maioria e quem é minoria a partir da análise de discursos políticos de dirigentes religiosos.
Os artigos do Quadro 2 englobam temáticas bem mais amplas do que as circunscritas à política institucional, confirmando a vocação para um tipo de “sociologia do poder e de todas as formas de dominação” do que propriamente uma ciência do jogo da representação político-institucional. Stehlin (2014) , por exemplo, discute os aspectos contraditórios implicados no desenvolvimento de uma “cultura da bicicleta” nas cidades contemporâneas dos Estados Unidos e Krook e Sanín (2016) pesquisam como estão conectadas, na América Latina, as diferentes formas de violência contra as mulheres: política, física, psicológica, econômica e também simbólica.
Rank | Author, year | Title abrev. | Source title | norm. TC | TC | SJR 2020 | Bourdieu’s references |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | ( Peck and Theodore, 2019 ) | Still Neoliberalism? | South Atlantic Quarterly | 10,00 | 30 | 0,719 | ‘The Essence of Neoliberalism’. Le Monde Diplomatique , 1998. |
2 | ( Massoc, 2020 ) | Banks, Power, and Political Institutions | Business and Politics | 7,14 | 6 | 0,668 | The State Nobility . Cambridge: Polity Press,1996. |
3 | ( Jensen and Hapal, 2018 ) | Police Violence and Corruption in The Philippines | Journal of Current Southeast Asian Affairs | 6,62 | 14 | 0,454 | Outline of a Theory of Practice , Cambridge: Cambridge University Press, 1977. |
4 | ( Lester and Hutchins, 2012 ) | The Power of The Unseen | Media, Culture & Society | 6,12 | 50 | 1,673 | The political field, the social science field, and the journalistic field . Cambridge: Polity Press, 2005. |
5 | ( Tang and Yang, 2011) | Symbolic Power and The Internet | Media, Culture & Society | 5,74 | 60 | 1,673 | Language and Symbolic Powe r. Cambridge: Polity Press, 1991. |
6 | ( Htun, 2004) | From “Racial Democracy” To Affirmative Action | Latin American Research Review | 5,65 | 199 | 0,489 | ‘ On the Cunning of Imperialist Reason’, Theory, Culture, and Society , 1999 (com L. Wacquant). |
7 | ( Dryzek, 2001) | Legitimacy And Economy in Deliberative Democracy | Political Theory | 4,98 | 272 | 0,478 | The Field of Cultural Production . Cambridge: Polity Press, 1991. |
8 | ( Lord, 2013) | The Democratic Legitimacy of Codecision | Journal of European Public Policy | 4,92 | 27 | 2,557 | ‘Rethinking the state: genesis and structure of the bureaucratic field’, Sociological Theory , 1994. |
9 | ( Splichal, 2006) | In Search of a Strong European Public Sphere | Media, Culture & Society | 4,85 | 53 | 1,673 | ‘ Public Opinion Does Not Exist’ in A. Mattelart and S. Siegelaub (eds.) Communication and Class Struggle , 1979. |
10 | ( Schwartz, 2020) | Covering The Private Parts | West European Politics | 4,76 | 4 | 2,242 | The Social Structures of the Economy. London: Polity, 2005. |
11 | ( Jabko and Sheingate, 2018) | Practices of Dynamic Order | Perspective on Politics | 2,50 | 10 | 2,898 | Outline of a Theory of Practice . New York: Cambridge University Press, 1977. |
12 | ( Krook and Sanín, 2016) | Gender and political violence in Latin America | Politica y Gobierno | 3,33 | 20 | 0,322 | Distinction: A Social Critique of the Judgment of Taste . Cambridge: Harvard University Press, 1984. |
13 | ( Howard, 2010) | Language, Signs, and the Performance of Power | Latin American Perspectives | 2,42 | 29 | 0,651 | Language and Symbolic Power . Cambridge: Polity Press, 1991. |
14 | ( Hirt, Sellar and Young, 2013 ) | Neoliberal Doctrine Meets the Eastern Bloc | Europe-Asia Studies | 2,78 | 25 | 0,670 | Acts of Resistance: Against the Tyranny of Market New York : The New Press, 1999. Firing Back : Against the Tyranny of Market 2. New York: New Press, 2003. |
15 | ( Crompton, 2019) | Inside co-production | Social Policy & Administration | 4,33 | 13 | 0,972 | Outline of a theory of practice . Cambridge: Cambridge University Press, 1977. |
16 | ( Tockman and Cameron, 2014) | Indigenous Autonomy and the Contradictions of Plurinationalism in Bolivia | Latin American Politics & Society | 5,00 | 40 | 0,555 | ‘Social Space and Symbolic Power’. Sociological Theory , 1989. |
17 | ( Cahill, 2013) | Ideas-Centred Explanations of the Rise of Neoliberalism | Australian Journal Politic Science | 2,56 | 23 | 0,367 | ‘Neoliberalism, the Utopia (Becoming a Reality) of Unlimited Exploitation’. In: Acts of Resistance : Against the Tyranny of the Market. New York: New Press, 1999. |
18 | ( Bergh and Erlingsson, 2009) | Liberalization without Retrenchment | Scandinavian Political Studies | 4,31 | 56 | 0,650 | Backfire : Against the Tyranny of the Market. New York: The New Press, 2003. |
19 | ( Stehlin, 2014) | Regulating Inclusion | Mobilities | 4,50 | 36 | 1,055 | Distinction : A Social Critique of the Judgment of Taste. Cambridge: Harvard University Press, 1984. |
20 | ( Stevenson, Condor and Abell, 2007 ) | The Minority-Majority Conundrum in Northern Ireland | Political Psychology | 2,67 | 40 | 2,419 | Language and symbolic power. Cambridge: Polity Press, 1991. |
Fonte: Elaboração nossa a partir de dados da Scopus (coleta em 20 julho 2021).
TC = Total Citations; SJR = Scimago Journal Rank
Os sentimentos nas citações de Bourdieu: polaridade, função e influência
Por fim, o Quadro 3 indica as noções específicas do léxico bourdieusiano empregadas pelos vinte artigos descritos no Quadro 2 . Fizemos uma análise do contexto das citações para determinar seu sentido.
RanK | Author, Year | Concept/Term/Idea | Citation Function | Citation Polarity | Influence |
---|---|---|---|---|---|
1 | ( Peck and Theodore, 2019 ) | neoliberalismo | reconhecimento | positiva | superficial |
2 | ( Massoc, 2020 ) | autonomização da burocracia | apoio | positiva | superficial |
3 | ( Jensen and Hapal, 2018 ) | relações de troca | reconhecimento | positiva | superficial |
4 | ( Lester and Hutchins, 2012 ) | campo jornalístico | apoio | positiva | superficial |
5 | ( Tang and Yang, 2011 ) | poder simbólico | corroboração | positiva | significativamente positiva |
6 | ( Htun, 2004 ) | intrusão etnocêntrica | apoio | positiva | superficial |
7 | ( Dryzek, 2001 ) | campo discursivo | crítica | neutra | superficial |
8 | ( Lord, 2013 ) | legitimidade | reconhecimento | positiva | superficial |
9 | ( Splichal, 2006 ) | “ A opinião pública não existe” | reconhecimento | positiva | superficial |
10 | ( Schwartz, 2020 ) | ação do Estado | reconhecimento | positiva | superficial |
11 | ( Jabko and Sheingate, 2018 ) | habitus | corroboração | positiva | significativamente positiva |
12 | ( Krook and Sanín, 2016 ) | violência simbólica | corroboração | positiva | significativamente positiva |
13 | ( Howard, 2010 ) | poder simbólico da linguagem | reconhecimento | positiva | superficial |
14 | ( Hirt, Sellar and Young, 2013 ) | neoliberalismo | reconhecimento | positiva | superficial |
15 | ( Crompton, 2019 ) | “ação social” | reconhecimento | positiva | superficial |
16 | ( Tockman and Cameron, 2014 ) | capital simbólico | apoio | positiva | superficial |
17 | ( Cahill, 2013 ) | neoliberalismo | reconhecimento | positiva | superficial |
18 | ( Bergh and Erlingsson, 2009 ) | neoliberalismo | reconhecimento | positiva | superficial |
19 | ( Stehlin, 2014 ) | fração dominada da classe dominante | reconhecimento | positiva | superficial |
20 | ( Stevenson, Condor and Abell, 2007 ) | trabalho de representação | reconhecimento | neutra | superficial |
Fonte: Elaboração nossa a partir de dados da Scopus (coleta em 20 julho 2021).
Simplificamos a categorização de Hernández-Alvarez et al . (2017) baseada na combinação entre a polaridade da citação (positiva, negativa, neutra), a função da citação, conforme teufel, siddharthan e tidhar (2006), e a sua influência (que é uma combinação entre polaridade e função).
Polaridade negativa é definida como menção desfavorável ou crítica à obra citada; polaridade neutra é uma citação sem menção ao seu valor (quando é puramente descritiva); e polaridade positiva é uma referência à obra citada tomada como ponto de partida, como similaridade de ideias ou como compatibilidade/reforço de conteúdo entre o citante e o citado.
As funções das citações podem ser as seguintes: apoio (argumento baseado em), comparação (contraste entre resultados da pesquisa dos citantes e do citado), crítica (destaca a debilidade ou defeito da fonte citada), reconhecimento (da influência, mas superficialmente ou de forma protocolar), corroboração (reconhecimento da influência e concordância efetiva com a referência citada).
As categorias em termos de influência do autor/obra resultantes da combinatória de função e polaridade são as seguintes: superficial (quando a citação é trivial ou está relacionada de forma apenas marginal ao citado), significativamente positiva (quando a citação é relevante e positiva) e significativamente negativa (quando a citação relevante, mas crítica) ( HERNÁNDEZ-ALVAREZ et al ., 2017 , p. 6, p. 10-11).
Como se vê nessa pequena amostra, a grande maioria das referências a Bourdieu é apenas de reconhecimento (12 casos em 20), são positivas em 90% das vezes e indicam uma influência apenas superficial sobre esses trabalhos (17 em 20). Em apenas três estudos (destacados em negrito no Quadro 3 ) a influência é significativamente positiva.
Essa questão do valor das citações permite um debate mais amplo sobre práticas científicas.
Grossman (2021) avalia que pesquisadores(as) da área de ciência política têm se aplicado para serem extremamente rigorosos quando o assunto são fontes primárias de dados, mas isso não ocorre com fontes secundárias. A finalidade de se recorrer a autore(as) é “extrair insights das evidências e expressá-las de forma narrativa” ( GROSSMAN, 2021 , p. 2, tradução nossa). Todavia, quando referenciamos uma obra completa sem indicação de página ou um autor sem precisar onde está exatamente sua ideia, noção ou conceito, isso torna a pesquisa menos transparente.
Modelos quantitativos de pesquisas já aplicam de maneira quase padronizada uma “auditoria da pesquisa” ( KING, 1995 ) com a descrição do passo a passo para preservar a replicabilidade do estudo. A garantia da “replicabilidade” de uma ideia seria a especificação da citação. Para Moravcsik (2010) , esse tipo de citação identificada ou ativa democratizaria o campo dos fenômenos políticos, pois “permitiria a avaliação imediata das evidências, por potenciais críticos, em suas alegações empíricas e em suas relações com o projeto de pesquisa, a teoria ou o método empregado” ( MORAVCSIK, 2010 , p. 32, tradução nossa).
Doze manuscritos referenciaram alguma obra de Bourdieu genericamente, sem documentar seu ponto de vista a partir do autor, nem revelar o motivo exato da citação. Apenas Lijun Tang e Peidong Yang (2011) e Jabko e Sheingate (2018) preocuparam-se em localizar precisamente os conceitos de poder simbólico e habitus. Krook and Sanín (2016) são mais genéricas ao empregar a ideia de violência simbólica. Nosso achado reforça o argumento de Grossman (2021) de que há um problema de uso excessivo de citações gerais em ciência política.
Isso, por sua vez, parece estar ligado ao que Merton (1968) chamou de Matthew effect ou, conforme Rosen (1981) , efeito superstar: cientistas mais proeminentes em uma dada área de pesquisa tendem a obter a maior parte do reconhecimento pelos pares graças às suas contribuições particulares. Isso justificaria a visibilidade desproporcional dada a trabalhos de autores muito conhecidos. Nesse sentido, a questão aqui parece ser mais de sociologia da ciência do que de metodologia.
Conclusões e limitações do estudo
Pierre Bourdieu tornou-se altamente popular na Sociologia nas duas últimas décadas do século XX e nas duas primeiras do XXI, mas é altamente impopular na ciência política mainstream de língua inglesa. Este estudo, por sua vez, buscou revelar se, e como, Pierre Bourdieu seria empregado na ciência política não mainstream.
É possível que a própria pergunta esteja mal formulada em termos bourdieusianos, já que nessa tradição não se pensa nem a política (como esfera de práticas), nem a dominação política (como fenômeno sociológico) sem a sua ancoragem no mundo social. A locução “Ciência (da) Política”, por outro lado, supõe i) a autonomia do campo de conhecimento (em relação à própria Sociologia, por exemplo); ii) a autonomia da política como um universo fechado em si próprio e iii) a autonomia baseada em uma série de divisões institucionais (departamentos, associações, grupos de pesquisa), que faz mais sentido nos Estados Unidos do que na França.
Para além da pergunta deste artigo, tentamos compreender os temas de pesquisa mais associados à sua Sociologia da Política, qual das personalidades de Bourdieu era citada nessa amostra de artigos – se o teórico social, se o sociólogo da política, se o sociólogo do gosto, da cultura, da educação, da ciência, etc. – e qual o valor corrente dessas citações. Focamos nas citações e indicamos que o grande número de referências que um “clássico” recebe tem um aspecto problemático.
Os nossos achados confirmam e ilustram duas situações quanto ao emprego do autor na ciência política disciplinar. Primeiro, que Bourdieu é totalmente ignorado pelo mainstream da disciplina (isto é, pelos periódicos de maior impacto, anglófonos e centrados em problemas de política institucional). Segundo achado: quando usado nessa ciência política que tentamos descobrir, revelar e explorar pode-se determinar que:
os temas tratados são sortidos e implicam no estudo amplo de variados fenômenos sociais onde haja quaisquer tipos de relações de dominação (raciais ou de gênero, políticas, econômicas, simbólicas, etc.);
na análise contextual das citações, ao menos nesses vinte artigos do total de 355, as referências a Bourdieu são apenas confirmatórias das ideias ou dos pontos de vista dos autores citantes e a influência desse sociólogo é na grande maioria das vezes superficial e protocolar.
Mas há limites claros nas conclusões que podemos retirar a partir do nosso estudo. Em primeiro lugar, sobre a própria abordagem bibliométrica e sua adequação para responder de forma eficiente à questão central do artigo. Em segundo lugar, porque só estudamos, em 355 documentos, uma amostra de vinte deles para distinguir de valor da citação, isto é, sua função, sua polaridade e, em especial, a intensidade em que os escritos de Bourdieu governam aqueles discursos. Mas ainda é preciso expor e explicar os contextos de citação do autor nos demais papers desse corpus. Sem dúvida, será necessário o uso de softwares que mensurem com maior rapidez esses contextos e favoreçam suas respectivas análises de conteúdo.
Aliadas a essas dificuldades de representatividade, há o problema da documentação. Bases de dados tais como Web of Science, Scopus, Dimensions , etc., possuem muitas restrições. É inegável que elas congregam um número significativo de trabalhos, mas também que indexam periódicos variados com temáticas e com qualidade muito heterogênea. Um outro obstáculo que compromete esse corpus é a baixa cobertura de outros idiomas e o predomínio do inglês. Se ampliássemos a nossa seleção ou mesmo se incluíssemos somente os escritos em francês, o resultado poderia ser diferente. Por fim, um último inconveniente diz respeito à saliência de artigos nessas bases. Isso pode ser significativo para o nosso caso, na medida em que muitas das discussões filiadas à sociologia da política de Bourdieu podem estar em capítulos ou em livros, que são os formatos preferidos por outras tradições, diferentemente das hegemônicas na área de ciência política. Soma-se, ainda, a essa questão da representatividade dos meios de publicação disponíveis, uma grande necessidade de entendermos melhor esse fenômeno das descrições qualitativas.