1 Introdução
Considerando o enfoque da literatura no papel da qualidade das interações educador-criança, e do formato das atividades para o envolvimento das crianças, este estudo tem como objetivo caracterizar os contextos pré-escolares inclusivos portugueses relativamente aos formatos de atividade utilizados, analisar as relações entre estes e a qualidade do tom emocional e da estimulação cognitiva e da linguagem, nas interações educador-criança, e analisar as relações entre diferentes formatos de atividade (grande-grupo, jogo-livre) e o envolvimento das crianças com incapacidades, em risco e com desenvolvimento típico. Recorreu-se a um estudo correlacional, de caráter observacional para documentar o envolvimento das crianças em contes pré-escolares inclusivos e a qualidade das interações educador-criança nos diferentes formatos de atividades.
1.1 Contextos pré-escolares inclusivos: organização do grupo, interações e envolvimento
O papel dos contextos de educação pré-escolar (EPE) na promoção do desenvolvimento das crianças e na garantia de uma inclusão de qualidade tem sido destacado, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo (Agência Europeia para as Necessidades Especiais e Educação Inclusiva, 2017; Bartolo et al., 2019). Considerando que particularmente em idades precoces os contextos de EPE podem desempenhar um papel fundamental no sucesso educativo e na inclusão social, é notória a preocupação de legisladores, educadores, famílias e académicos com a melhoria da qualidade destes contextos.
Assim, são universalmente reconhecidos: o direito de todas as crianças a frequentar um contexto de educação de qualidade, os benefícios da inclusão para todos, e a necessidade de garantir os apoios adequados para que todas as crianças possam desenvolver o seu potencial. Em Portugal, com a publicação do Decreto-Lei (DL) n.º 54/2018, que define o âmbito de ação da educação inclusiva nos contextos educativos portugueses, tem crescido o reconhecimento da necessidade de as escolas adotarem uma definição de educação inclusiva que não se restringe à tradicional visão de inclusão associada à necessidade de apoiar as crianças com incapacidades. Este DL representa uma mudança de paradigma, focando a necessidade dos contextos educativos adotarem práticas que promovam a participação de todas as crianças para uma educação efetivamente inclusiva.
Somente contextos inclusivos de elevada qualidade poderão assegurar que as crianças – com e sem incapacidades – se envolvem em interações frequentes, contínuas e positivas, interações estas que promovem o desenvolvimento e a aprendizagem (Burchinal et al., 2010; Gamelas, 2003; Grande & Pinto, 2009; Odom et al., 2011; Pinto et al., 2014). A National Association for the Education of Young Children ([NAEYC], 2009) acrescentam que um aspeto extremamente relevante para a qualidade da inclusão das crianças em contextos educativos em idades precoces prende-se com os indicadores da sua participação nestes contextos. Neste âmbito, reforça a necessidade de que todas as crianças recebam, nos seus contextos naturais, os apoios adequados que potenciem e apoiem a sua participação efetiva. A participação é um conceito multidimensional sendo a sua definição largamente discutida no âmbito da comunidade científica. No entanto, é consensual que este conceito reflete a qualidade das transações e o ajustamento entre os indivíduos e os seus contextos físicos e sociais, sendo uma condição fundamental para a qualidade das experiências inclusivas, para o desenvolvimento e a aprendizagem (Coster & Khetani, 2008; Dunst et al., 2005; Guichard et al., 2022; Granlund, 2013; Imms et al., 2017; Roper & Dunst, 2003; Simeonsson et al., 2001).
De acordo com a definição da DEC e da NAEYC (2009), a participação das crianças reflete-se no seu grau de envolvimento e sentimento de pertença a determinado contexto ou atividade. Também a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) e outros autores (e.g. Coster, & Khetani, 2008; Granlund, 2013; Imms et al., 2017; Roper & Dunst, 2003; Simeonsson et al., 2001) salientam a dimensão envolvimento das crianças nos seus contextos, como indicador da sua participação. O envolvimento tem sido amplamente estudado nacional e internacionalmente, existindo um grande número de estudos que revelam que esta é uma condição fundamental para o desenvolvimento e a aprendizagem de todas as crianças e uma dimensão da sua participação em contextos educativos (e.g. Aydoğan et al., 2015; Coelho et al., 2019; Grande, 2013; McWilliam & Casey, 2008; Zheng et al., 2022).
A literatura destaca também o envolvimento, enquanto processo proximal de acordo com a definição de Bronfenbrenner (1979), como sendo influenciado pela qualidade e pelo ajustamento da interação entre as características dos indivíduos e dos seus contextos físicos e sociais. Deste modo, para além do papel das características individuais das crianças, é destacado o potencial dos ambientes, nomeadamente dos ambientes de EPE de qualidade, na promoção de níveis mais elevados de envolvimento. Por exemplo, vários estudos relatam que crianças com incapacidade ou em risco apresentam níveis mais baixos de envolvimento, quando comparadas com crianças com desenvolvimento típico (e.g. Kruif et al., 2000; Eriksson et al., 2007; Grande & Pinto, 2009; McWilliam & Bailey, 1995; Vitiello et al., 2012; Zheng et al., 2022). Estes resultados salientam a necessidade de alterar características ambientais para um melhor ajustamento e resposta dos contextos face às necessidades especificadas de cada criança, contribuindo assim para a diminuição destas diferenças (e.g. Aydoğan et al., 2015; Zheng et al., 2022).
Particularmente em contextos inclusivos, vários fatores ambientais têm vindo a ser destacados na literatura como potenciadores do envolvimento das crianças. Por exemplo, vários estudos destacam a qualidade das interações educador-criança (e.g. Grande & Pinto, 2009; Mahoney & Wheeden, 1999; Sjöman et al., 2016), e a qualidade das interações sociais (e.g. Grande, 2013; Kemp et al., 2013; McWilliam & Bailey, 1995; Reszka et al., 2012) como variáveis que contribuem para o envolvimento das crianças em contextos de EPE. Também a organização das atividades tem vindo a ser estudada em relação ao envolvimento das crianças (e.g. Booren et al., 2012; Kemp et al., 2013; Tsao et al., 2008). No mesmo sentido a teoria dos sistemas de desenvolvimento sublinha a inter-relação entre os resultados das crianças em idade pré-escolar (e.g. envolvimento, competências socioemocionais) e as interações que ocorrem nos contextos naturais de vida (e.g. Osher et al., 2020); destacando-se a maleabilidade das trajetórias de crianças com diversos perfis em função das suas experiências de interação em contextos de educação (e.g. Cantor et al., 2019). No âmbito da teoria dos sistemas de desenvolvimento, foi dada uma atenção específica às experiências das crianças pequenas e ao papel dos fatores contextuais para facilitar ou inibir resultados positivos (Cantor et al., 2019). Deste modo, aspetos da qualidade das interações adulto-crianças como o clima emocional na sala, a sensibilidade e responsividade do educador, a consideração pela perspetiva das crianças, a forma como a sala está organizada, as estratégias de gestão de comportamento, o feedback às crianças, a promoção e utilização da linguagem, e o desenvolvimento de atividades instigadoras de criatividade, e significativas para as crianças, têm demonstrado ser relevantes para o desenvolvimento das crianças.
1.2 Formatos de atividade: organização do grupo nas atividades em contextos de educação pré-escolar
As recomendações nacionais e internacionais (NAEYC, s.d.; Silva et al., 2016) salientam a importância de as crianças experienciarem interações positivas e diferentes formatos de atividade ao longo do dia, embora não existam indicações sobre a quantidade de tempo mais adequada em cada formato (Fuligni et al., 2012). Alguns estudos (e.g. Early et al., 2005; Early et al., 2010) têm analisado a forma como as crianças passam o tempo no contexto de EPE, focando o papel do adulto na definição de três grandes formatos de atividade: atividades dirigidas, como formatos de grande-grupo e pequeno grupo; atividades escolhidas pelas crianças, como o jogo-livre; e atividades de rotina, como transições e refeições (e.g. Early et al., 2010). A investigação tem demonstrado que, por exemplo, diferentes formatos de atividade parecem ser importantes para o desenvolvimento de diferentes competências em idade pré-escolar. Efetivamente, estudos recentes têm demonstrado que os formatos de atividade podem desempenhar um papel importante nas interações que ocorrem nos contextos educativos (Booren et al., 2012; Carta & Greenwood, 1985; Early et al., 2010; Goble & Pianta, 2017; Kontos & Keyes, 1999; Layzer & Goodson, 2006).
Particularmente em contextos de EPE inclusivos, alguns estudos focam o papel dos formatos de atividade, investigando as relações entre o envolvimento das crianças e os formatos de atividade. Por exemplo, alguns estudos analisaram atividades de grande-grupo – geralmente dirigidas pelos adultos –, e atividades de jogo-livre – escolhidas e lideradas pelas crianças pela sua definição – e reportam relações positivas entre o envolvimento das crianças e o formato de jogo-livre (e.g. Reinhartsen et al., 2002; Reszka et al., 2012; Tsao et al., 2008). Deste modo, a investigação parece apontar para o facto de que as crianças com incapacidades em idade pré-escolar se envolvem mais e de forma mais complexa quando as atividades são iniciadas por si – jogo-livre (Kemp et al., 2013; Kontos et al., 2002; Reszka et al., 2012). Assim, o tempo que as crianças passam em diferentes formatos de atividades em contexto de EPE parece ser um elemento relevante do ambiente de aprendizagem destes contextos, relacionado com o envolvimento das crianças (Fuligni et al., 2012; Kemp et al., 2013; Reszka et al., 2012). Neste sentido, a literatura destaca que é importante que as crianças se envolvam em diferentes formatos de atividades ao longo do dia, apesar de não existir qualquer indicação relativa ao tempo em cada formato (Fuligni et al., 2012).
Os estudos do National Center for Early Development & Learning (NCEDL) reportam que, de um modo geral, as crianças passam cerca de 29% do tempo em jogo-livre e 37% em atividades dirigidas pelos adultos, como o grande-grupo ou o pequeno grupo. Ademais, estes estudos encontraram associações negativas entre o tempo passado em atividades de grande-grupo e a qualidade processual do ambiente educativo (Chien et al., 2010; Early et al., 2010). No entanto, parece não existir consistência nos resultados da investigação relativamente à forma como os formatos de atividades se relacionam com a qualidade do ambiente educativo experienciado pelas crianças. Por exemplo, Fuligni et al. (2012) não encontraram diferenças entre a qualidade de processo em atividades com diferentes formatos em contextos de EPE que serviam comunidades com baixo nível socioeconómico. Por outro lado, Chien et al. (2010) encontraram níveis mais elevados de qualidade global em salas de EPE que passam mais tempo em atividades de jogo-livre.
2 Método
Nesta seção, descrevem-se os participantes, as considerações éticas, os instrumentos e os procedimentos envolvidos neste estudo.
2.1 Participantes
Os participantes do presente estudo fizeram parte de um projeto mais alargado (FCT - SFRH/BD/111211/2015). Participaram do estudo 198 crianças (M = 46.92 meses de idade, DP = 6.71) a frequentar 39 salas de EPE inclusivas.
No âmbito do projeto mais alargado, para a seleção dos participantes, todos os agrupamentos de escolas do distrito do Porto, listadas no site do Ministério da Educação (https://www.dge.mec.pt/), foram ordenados aleatoriamente e contactados de acordo com essa ordem. Num total foram listados 110 agrupamentos. Destes, 80 foram contactados, 26 agrupamentos recusaram participar e 12 referiram não ter salas que cumpriam os requisitos do projeto. O contato com os agrupamentos de escolas, seguindo a listagem de número aleatórios, foi interrompido quando foi atingido um total de 40 agrupamentos de escolas disponíveis para integrar o estudo. No total, foram identificadas 42 salas elegíveis para participar no estudo.
De cada sala participante foram selecionadas entre 4 e 7 crianças, incluindo: 3 crianças com desenvolvimento típico, 1 a 2 crianças identificadas com necessidade de apoio adicional – ao abrigo do DL 3/2008 e/ou do DL 281/2009 – e 1 a 2 crianças que, embora não estando ao abrigo dos decretos-lei referidos, foram identificadas pelos educadores como apresentando uma baixa funcionalidade no contexto de EPE. Para esta seleção, foi solicitado aos educadores de cada sala que preenchessem a Matriz de Avaliação de Atividades e Participação (MAAP) (Castro & Pinto, 2015) para todas as crianças cujos pais entregaram o consentimento informado para participação no estudo. Com base neste questionário, foram definidos os seguintes critérios de seleção: incluir no grupo de crianças em risco as duas crianças com pontuações mais baixas no questionário; e incluir as 3 crianças com pontuações mais elevadas no questionário no grupo de crianças com desenvolvimento típico. Esta seleção permitiu incluir no presente estudo crianças com diferentes perfis de funcionalidade a frequentar uma mesma sala de EPE.
Globalmente, no presente estudo participaram 39 salas de EPE, das 42 inicialmente selecionadas, incluindo: 77 crianças com incapacidades, 60 crianças consideradas em risco e 91 crianças com desenvolvimento típico. As crianças com incapacidades foram automaticamente selecionadas e incluíam crianças com diversas problemáticas identificadas, como, por exemplo, crianças com atraso global do desenvolvimento, com perturbação do espetro do autismo, com paralisia cerebral, com síndrome de Down, com atraso na linguagem, com hiperatividade, com défice auditivo, e com síndromes raras como as síndromes de Kabuki, Costello e Cri-du-chat. Como referido, para a seleção das crianças para os grupos crianças em risco e crianças com desenvolvimento típico, a educadora de infância de cada sala de EPE participante respondeu a uma versão curta da MAAP (Castro & Pinto, 2015) para todas as crianças da sala cujos pais autorizaram (para mais informação ver Coelho et al., 2019).
Os três grupos de crianças apresentavam idades semelhantes: F(2,195) = 0.180, p = .84 (Mmeses = 53.45, DP = 6.98; Mmeses = 52.67, DP = 6.99; and Mmeses = 53.12, DP = 6.57). No entanto, e em semelhança a estudos anteriores (e.g. Grande, 2013; Lai et al., 2012), o grupo de crianças com incapacidade e de crianças em risco apresentava um número superior de rapazes (78.7% no grupo de crianças com incapacidades; 63.3% no grupo de crianças em risco, e 53.8% no grupo de crianças com desenvolvimento típico). Adicionalmente registaram-se diferenças significativas, entre os três grupos, na pontuação global da versão curta do MAAP (F(2,182) = 110.82, p < .001, Ƞ2 = .55), indicando que os grupos apresentavam um padrão de funcionalidade diferente em contexto de educação pré-escolar.
As educadoras de infância, todas do sexo feminino, das 39 salas participantes tinham em média 49.49 anos (DP = 6.88) e 16.06 anos de educação formal (DP = 0.42), o que indica que todas tinham frequentado o ensino superior. A sua experiência em contextos de EPE variava entre 2 e 36 anos, sendo igualmente diversos os anos de experiência em contextos de EPE inclusivos com crianças com incapacidades a frequentar as suas salas (mínimo = 1; máximo = 30). As salas tinham em média 20.42 crianças (DP = 2.49) e o número de crianças com incapacidades, por sala, variava entre 1 e 4 (M = 1.58, DP = 0.68).
2.2 Considerações éticas
Aquando do contacto com os agrupamentos de escolas, a direção e as educadoras de infância foram apresentados os objetivos do estudo, bem como os procedimentos de recolha de dados, tendo sido solicitado o consentimento informado a cada agrupamento de escolas, na figura do seu diretor ou de outra pessoa responsável designada pelo agrupamento, e aos educadores de infância responsáveis pelas salas identificadas, para participação no estudo. Foi ainda solicitado aos educadores que apresentassem o estudo às famílias/tutores legais das crianças da sua sala, tendo sido obtido, igualmente, o consentimento informado de todas as famílias/ tutores legais para a participação das crianças. A Comissão Nacional de Proteção de Dados (Autorização n.º 16785/2015) deu um parecer favorável aos procedimentos do estudo, bem como a Direção Geral de Educação através do Gabinete de Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar (Autorização n.º 0535000001).
2.3 Instrumentos
Child Observation in Preschool (COP) (Farran & Anthony, 2014) é um sistema de observação, por intervalos no tempo, do comportamento das crianças em contexto pré-escolar, organizado em 11 categorias: Comportamento Verbal, Para quem fala, Horário/Formatos de Atividades, Proximidade, Interação, Tipo de Atividade, Envolvimento, Materiais, Foco, Estado Emocional e Localização. O procedimento inclui uma observação sequencial das crianças, em que cada criança é observada durante 3 segundos, após os quais as 11 dimensões são codificadas, passando-se de seguida para a observação e codificação do comportamento de outra criança e assim sucessivamente. Quando todas as crianças da sala que participam no estudo foram observadas, e o seu comportamento codificado, o observador inicia um novo ciclo de observação, retomando a observação da primeira criança. Os autores do COP recomendam uma média de 20 ciclos de observação, por exemplo, cada criança deve ser observada cerca de 20 vezes e os seus comportamentos cotados.
Neste estudo a medida foi utilizada para documentar o envolvimento da criança e o tempo passado em cada formato de atividade (e.g. grande-grupo, pequeno-grupo, jogo-livre, transição). O nível de envolvimento das crianças foi cotado numa escala Lickert de 5-pontos (1 = nada envolvida, i.e., fora da tarefa, não presta atenção à atividade, permanece parada, distraída com outras crianças, com o cabelo, roupa ou materiais; 5 = altamente envolvida, i.e., focada, persistente na atividade, dificilmente se distrai da atividade). O resultado obtido corresponde à média de todos os ciclos de observação, para cada uma das crianças observadas.
A dimensão Horário/Formatos de Atividade permite recolher informação sobre a organização das atividades que ocorrem ao longo da observação. As opções de codificação, nesta dimensão incluem: grande-grupo, pequeno-grupo, jogo-livre, pequeno-grupo e jogo-livre em simultâneo, atividade especial (com outro educador que não o responsável pelo grupo), transição, refeição, recreio ou nenhum. Os resultados do tempo em cada formato de atividade correspondem à percentagem de ciclos de observação em cada formato de atividade, relativamente ao total de ciclos recolhidos.
Os investigadores responsáveis pela recolha de dados receberam treino na medida por formadores norte-americanos certificados. Este foi realizado em Portugal e incluiu sessões teóricas, bem como treino de aplicação em contexto real, tendo atingido um acordo inter-observador exato superior a 80% em todas as dimensões do instrumento. Durante a recolha de dados, 25% das observações foram realizadas por dois observadores independentes, tendo sido calculado o acordo inter-observador. Este apresentou valores adequados às dimensões utilizadas no presente estudo (acordo exato = 85.20%; e Kappa de Cohen = .84, para o envolvimento; acordo exato = 98%; Kappa de Cohen = .91, para a dimensão formatos de atividade).
Teacher Observation in Preschool (TOP) (Bilbrey et al., 2014) é um sistema de observação, por intervalos no tempo, do comportamento dos adultos em contexto pré-escolar. Este sistema foi elaborado para ser utilizado simultaneamente com o COP e permite documentar o comportamento dos adultos em 9 dimensões: Comportamento Verbal, Para quem Fala, Horário/Formatos de Atividades, Proximidade, Tarefas, Materiais, Foco, Tom Emocional na interação, e Nível de Instrução/Estimulação Cognitiva e da Linguagem na interação.
Neste estudo utilizamos as dimensões tom emocional das interações e nível/qualidade da instrução/estimulação cognitiva e da linguagem. O tom emocional nas interações é cotado numa escala Likert de 5-pontos (1= extremamente negativo; 2 = negativo; 3 = neutro; 4 = agradável; 5= extremamente positivo/ entusiasmado). A qualidade da estimulação cognitiva e linguística nas interações educador-crianças avalia a forma como o educador utiliza as suas interações para promover o pensamento e a aquisição de conhecimento da criança, sendo igualmente cotada numa escala de 5 pontos (1 = nenhum; 2= baixo; 3 = aprendizagem básica; 4 = alguma aprendizagem inferencial; 5 = elevada aprendizagem inferencial). O resultado obtido corresponde à média de todos os ciclos de observação, em cada uma destas dimensões, para o educador de infância da sala.
Os investigadores responsáveis pela recolha de dados receberam treino na medida por formadores norte-americanos certificados. Este foi realizado em Portugal e incluiu sessões teóricas bem como treino de aplicação em contexto real, tendo atingido um acordo inter-observador exato superior a 80% em todas as dimensões da medida. Durante a recolha de dados o acordo inter-observador foi controlado em 25% das observações. Este apresentou valores adequados para as dimensões utilizadas no presente estudo (acordo exato = 90.9%; Kappa de Cohen = .77, para o tom emocional nas interações; acordo exato = 99%; Kappa de Cohen = .98, para o nível de instrução/estimulação da linguagem e cognição).
2.4 Procedimentos
Para a recolha de dados, em cada sala de EPE, todos os participantes – crianças e educadoras de infância – foram observados sequencialmente. Em média, foram recolhidos 21.25 ciclos (DP = 3.72) de observação por criança. Cada sala foi observada durante uma manhã considerada pelo educador como uma manhã “típica”, pois não foram observadas manhãs em que decorriam visitas de estudos ou atividades especiais. Foi solicitado aos educadores então que seguissem a sua rotina habitual.
A observação em contexto de educação pré-escolar teve uma duração aproximada de três horas. Durante as três horas de observação, e de acordo com os procedimentos do COP e TOP, o observador começou cada ciclo por observar o educador durante três segundos e fazer o registo para as nove dimensões da medida, passando de seguida para a observação de cada criança, sequencialmente. Assim, o observador observou a criança A por três segundos e registou a informação para as 11 dimensões do COP; observou a criança B por três segundos e fez o registo e assim sucessivamente até todas as crianças no estudo serem observadas.
Quando educador e crianças foram todos/as observados/as, terminou o ciclo; iniciou-se imediatamente de seguida um novo ciclo com a observação do educador (com o TOP) e, depois, cada uma das crianças, e assim sucessivamente ao longo das três horas de observação. O registo de todos os dados de observação foi feito numa aplicação do fileMaker (com recurso a um tablet), disponibilizada pelos autores originais das medidas especialmente para este estudo (e no âmbito de um projeto de colaboração mais alargado). Para além da informação observacional recolhida pelos investigadores, as educadoras de infância preencheram um questionário de dados sociodemográficos.
Em se tratando da análise de dados, considerando os objetivos do estudo, o processo de análise recorreu à estatística descritiva e inferencial. Numa primeira fase, a estatística descritiva foi utilizada para caracterizar as salas de EPE em relação aos formatos de atividades observados, bem como ao nível de envolvimento das crianças, tom emocional do educador nas interações, e qualidade da estimulação da linguagem e cognição, em cada formato. Posteriormente recorreu-se ao teste t de Student para comparação do tom emocional e qualidade da estimulação da linguagem e cognição, entre todos os pares de formatos de atividade; e à análise de variância (ANOVA) para comparação dos três grupos, i.e., para comparação de diferenças de média entre o envolvimento de crianças com incapacidades, em risco e com desenvolvimento típico, para cada formato de atividade. Na interpretação de resultados foram utilizadas as convenções propostas por Cohen (1988) para interpretar os resultados, nomeadamente d de Cohen para interpretar o tamanho do efeito para as diferenças de médias entre dois grupos (testes t), e o Ƞ2 para interpretar o tamanho do efeito das diferenças encontradas nas ANOVAs.
3 Resultados e discussão
Relativamente ao tempo passado em diferentes formatos de atividade em salas de EPE inclusivas, os resultados descritivos indicam que o formato de atividade predominantemente observado foi o grande-grupo. Este foi observado, em média, em 48% (DP = 28%) da manhã de recolha de dados. Todas as salas incluíram na sua rotina da manhã este formato, registando-se, no entanto, uma grande variabilidade entres as salas: em algumas salas as crianças permaneceram em atividades de grande-grupo em 10% do tempo de observação, em outras salas este formato correu em 100% do tempo.
Nem todas as salas registaram a ocorrência de formatos de atividade exclusivamente de pequeno-grupo, tendo estes sido mais frequentemente observados em coocorrência com formatos de jogo-livre. Formatos de jogo-livre foram observados, em média, durante cerca de 4% (DP = 8%) da manhã, tendo-se registado também uma grande variabilidade entre as salas. Nem todas as salas proporcionaram, no período observado, formatos de jogo-livre (mínimo de 0%). Por oposição, em algumas salas as crianças foram observadas em jogo-livre em 41% do tempo de observação. As transições registaram uma média de ocorrência de 11%, valor médio superior ao observado em atividades de jogo-livre ou pequeno-grupo.
O tom emocional dos educadores nas interações com as crianças foi avaliado numa escala de 5-pontos e registou, globalmente, valores moderados de 3.54 (DP = 0.35). A qualidade da estimulação cognitiva e da linguagem foi, igualmente, avaliada numa escala de 5-pontos, obteve resultados relativamente baixos (M = 1.94, DP = 1.41). Analisaram-se ainda as variações do tom emocional e da qualidade da estimulação cognitiva e da linguagem nas interações educador-crianças considerando o formato de atividade. Os valores médios destas duas variáveis variaram de acordo com o tipo de formato de atividade em análise (Tabela 1). Mais especificamente, o formato de atividade que registou valores médios de qualidade do tom emocional mais elevados foi o formato de pequeno grupo, seguido dos formatos de grande-grupo, pequeno-grupo em simultâneo com jogo-livre, jogo-livre e, por fim, com valor mais baixos, as transições.
Global | Grande-grupo (GG) | Pequeno-grupo (PG) | Jogo-livre (JL) | Pequeno-grupo/ jogo-livre (PGJL) | Transições (T) | Diferenças de médiab | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
M (DP) | |||||||
Percentagem de tempoa | 48 (21) | 6 (10) | 4 (8) | 15 (18) | 11 (7) | ||
Tom Emocional | 3.54 (0.35) | 2.99 (1.10) | 3.05 (1.11) | 2.41 (1.38) | 2.65 (1.29) | 2.35 (1.35) | GG > JL; PGJL; T |
Qualidade da Estimulação Cognitiva e Linguística | 1.94 (1.41) | 2.22 (1.53) | 1.73 (1.48) | 1.64 (1.64) | 1.92 (1.58) | 1.36 (1.36) | GG > JL; PG; PGJL; T PGJL> T PG > T |
a Foram também observados os formatos refeição (5%), recreio (7%), educação física (2%) e atividades especiais (2%), não analisados neste estudo.
b Comparação entre os formatos, dois a dois, com recurso ao teste t.
Quando comparados os níveis de qualidade do tom emocional entre todos os pares de formatos de atividade, verificamos que formatos de pequeno-grupo (M = 3.05, DP = 1.11) e de grande-grupo (M = 2.99, DP = 1.10) registaram um tom emocional médio semelhante, isto é, não se registaram diferenças significativas entre o tom emocional nestas atividades. As diferenças entre o tom emocional durante as atividades de grande-grupo, comparativamente às atividades de pequeno-grupo em simultâneo com jogo-livre, transições e jogo-livre, foram estatisticamente significativas (t(26) = 2.97, p = .006, d = .23; t(29) = 4,68, p < .001, d = .44; t(13) = 4.45, p = .001, d = .50; respetivamente entre os pares referidos), com o grande-grupo a registar valores mais positivos ao nível do tom emocional nas interações que os restantes formatos. Um padrão semelhante foi observado para a qualidade da estimulação cognitiva e linguística observada, com as atividades de grande-grupo a registarem níveis médios de qualidade superiores aos restantes formatos (M = 2.22, DP = 1.53). Estas diferenças foram significativas, entre o formato de grande-grupo e os restantes, nomeadamente jogo-livre (t(10) = 2.690, p = .023, d = .94), pequeno-grupo (t(12) = 2.300, p = .040, d = .71), pequeno-grupo em simultâneo com jogo-livre (t(24) = 3.701, p = . 001, d = .85), e transição (t(32) = 8.006, p < .001, d = 1.90). A qualidade da estimulação cognitiva e linguística nas transições também se distinguiu, com valores médios significativamente inferiores aos dos formatos de pequeno-grupo (t(10) = 3.907, p = .003, d = 1.22) e de pequeno-grupo em simultâneo com jogo-livre (t(21) = 4.006, p = .001, d = 1.07). Não se registaram diferenças significativas, na qualidade da estimulação cognitiva e linguística entre os momentos de jogo-livre e de transição (Tabela 1).
Relativamente ao envolvimento das crianças (Tabela 2), avaliado numa escala de 5-pontos, as crianças com desenvolvimento típico apresentaram níveis globais médios de 3.21 (DP = 0.33), as crianças em risco apresentaram médias de envolvimento de 3.05 (DP = 0.37), e as crianças com incapacidades apresentaram valores médios de 2.87 (DP = 0.51). As diferenças registadas nos níveis de envolvimento globais, entre os três grupos de crianças, foram estatisticamente significativas entre todos os pares (F(2,195) = 11.53, p < .001, Ƞ2 = .11).
Com incapacidade (n = 47) | Em risco (n = 60) | Com desenvolvimento típico (n = 91) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | M (DP) | n | M (DP) | n | M (DP) | F | Ƞ2 | |
Envolvimento | ||||||||
Global | 47 | 2.87 (0.51)a | 60 | 3.05 (0.37)b | 91 | 3.21 (0.33)c | 11.53* | .11 |
Grande-grupo | 47 | 2.61 (0.65) a | 60 | 2.76 (0.52) b | 91 | 2.97 (.043) c | 8.44* | .08 |
Pequeno-grupo | 17 | 2.92 (0.66) | 16 | 3.32 (0.75) | 26 | 3.41 (0.66) | 2.60 | .07 |
Jogo-livre | 27 | 3.50 (0.64) | 35 | 3.78 (0.43) | 53 | 3.74 (0.42) | 1.88 | .06 |
Pequeno-grupo/ jogo-livre | 15 | 3.27 (0.91) | 21 | 3.52 (0.93) | 32 | 3.53 (0.50) | 1.11 | .02 |
Transições | 39 | 2.75 (0.65) a | 55 | 2.97 (0.51) b | 80 | 3.15 (0.49) | 7.24 | .08 |
* p < .001.
Nota. Grupos com diferentes letras acima da linha apresentam diferenças significativas no nível de envolvimento de acordo com os testes Tukey HSD.
Adicionalmente analisaram-se os níveis de envolvimento, para os três grupos de crianças, considerando o formato de atividade (Tabela 2). Os formatos de jogo-livre registaram níveis de envolvimento mais elevados para todos os grupos de crianças, não existindo diferenças significativas entre o nível de envolvimento de crianças com e sem incapacidades durante o jogo-livre. Em oposição, o formato de grande-grupo foi o que registou níveis de envolvimento mais baixos para todos os grupos de crianças. Ademais, as diferenças registadas foram estatisticamente significativas (F(2,195) = 8.44, p < .001, Ƞ2 = .08). Todos os pares apresentaram diferenças significativas nos níveis de envolvimento em atividades de grande-grupo, com as crianças com incapacidade a apresentaram níveis significativamente mais baixos de envolvimento quando comparadas com crianças em risco e com desenvolvimento típico; e com as crianças em risco a apresentarem níveis de envolvimento significativamente inferiores aos observados nas crianças com desenvolvimento típico, e significativamente mais elevados do que os registados para as crianças com incapacidades (Tabela 2).
Este estudo teve como objetivo caracterizar os contextos pré-escolares inclusivos portugueses no que concerne aos formatos de atividade utilizados/organização do grupo nas atividades, e explorar relações entre estes e a qualidade do tom emocional e da estimulação cognitiva e linguística nas interações educador-criança. Adicionalmente, o estudo analisou ainda as relações entre diferentes formatos de atividade (e.g. grande-grupo, jogo-livre) e o envolvimento de crianças com incapacidades, em risco e com desenvolvimento típico.
Relativamente ao primeiro objetivo – caracterizar os contextos pré-escolares inclusivos portugueses relativamente aos formatos de atividade –, este estudo destaca a grande discrepância entre o tempo em atividades de grande-grupo e atividades de pequeno grupo e /ou jogo-livre registada. De acordo com as recomendações nacionais e internacionais, é importante que as crianças tenham oportunidades, ao longo do dia, que lhes permita envolverem-se em atividades de diferentes formatos uma vez que cada formato de atividade permitirá que as crianças desenvolvam diferentes competências (NAEYC, s.d.; Silva et al., 2016). Ademais, a literatura tem sublinhado que não só o formato das atividades deve ser cuidadosamente planeado para que o tempo nos contextos de educação pré-escolar seja promotor de envolvimento, aprendizagem e desenvolvimento, mas também a duração de cada atividade/formato e as interações do educador durante as mesmas.
De acordo com as orientações curriculares para a educação pré-escolar (Silva et al., 2016) em Portugal, é esperado que os educadores de infância proporcionem um clima positivo nas salas de EPE, organizando um horário equilibrado – em termos de formatos atividade –, que tenha em consideração as características e as necessidades de todas as crianças. É ainda destacada a importância de os educadores de infância adotarem práticas responsivas que promovam um bom ajustamento entre as exigências do ambiente a cada criança, promovendo assim a inclusão e a participação de todas as crianças (Silva et al., 2016; Snyder et al., 2008). Assim, espera-se que estas práticas sejam promovidas não só no âmbito dos apoios a crianças com necessidades de apoios adicional e planos de intervenção individualizados, mas também como medidas universais para o desenvolvimento positivo e aprendizagem de todas as crianças. Neste sentido, este estudo pretendeu ainda analisar as relações entre estes e a qualidade do tom emocional e da estimulação cognitiva e da linguagem nas interações educador-criança, em diferentes formatos de atividades em contextos pré-escolares inclusivos.
Verificamos, no presente estudo, que a qualidade das interações educador-criança (tom positivo nas interações e nível de instrução mais elevado) parece ser superior nas atividades de grande-grupo; enquanto os níveis de envolvimento mais elevados são registados, para todas as crianças, nas atividades de jogo-livre. Deste modo, esta melhor qualidade nos momentos de grande-grupo poderá estar relacionada com o facto de estas atividades serem, usualmente, dirigidas pelo educador e mais estruturadas (Early et al., 2010). Isto significa que os educadores as podem planear previamente, intencionalizando as suas práticas e explorando todas as potencialidades do momento de interação.
Por oposição, o ensino incidental, mais frequente nos momentos de jogo-livre, pode apresentar mais desafios já que implica seguir os interesses e as brincadeiras espontâneas das crianças, elaborando o seu jogo e fomentando o conhecimento, aprendizagens e desenvolvimento. Para além disto, a qualidade mais baixa das interações dos educadores observadas neste estudo para os tempos de jogo-livre pode estar também relacionada com o facto de os educadores interagirem com menor frequência com as crianças durante o jogo-livre, por considerarem que estes são momentos para as crianças brincarem sem o adulto. O jogo-livre é, por definição, escolhido e liderado pelas crianças; no entanto, a presença do educador que interage positivamente, com intencionalidade, é responsivo, segue os interesses das crianças e os elabora, pode ser fundamental em todas as rotinas e atividades da EPE, incluindo os tempos de jogo-livre (Grande, 2013).
De um modo geral, a investigação tem vindo a demonstrar que os contextos de EPE portugueses proporcionam experiências de qualidade medíocres tanto às crianças com, como às crianças sem incapacidades (e.g. Abreu-Lima et al., 2013; Aguiar et al., 2010; Coelho et al., 2019; Cryer et al., 1999; Pinto et al., 2014), o que vai de encontro ao encontrado no presente estudo. Assim, será importante que os profissionais em ambientes educativos reconheçam a necessidade de reorganizar os apoios para a inclusão efetiva, e de qualidade, de todas as crianças (Alves et al., 2020). A educação inclusiva não consiste em organizar um conjunto de recursos em torno de uma criança específica ou de um diagnóstico existente, mas em torno dos ambientes físicos e sociais das escolas, pelo que os educadores de infância, professores e outros elementos da comunidade educativa são fundamentais para estes processos. Para além de facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, a EPE tem um papel fundamental em facilitar a aceitação da diversidade, contribuindo para permitir relações interpessoais respeitosas, a igualdade de oportunidades e a inclusão social (Felder, 2018).
Quando analisamos as relações entre os diferentes formatos de atividade e o envolvimento das crianças com incapacidades, em risco e com desenvolvimento típico, os resultados deste estudo mostram que, apesar dos formatos de grande-grupo apresentarem níveis de qualidade mais elevados ao nível da qualidade do tom nas interações do educador bem como da qualidade da estimulação cognitiva e da linguagem, o envolvimento de todas as crianças é mais baixo nesses momentos. Isto parece apontar para uma discrepância entre as oportunidades criadas pelos educadores e os benefícios para as crianças. Assim parece que mais tempo em formatos de grande-grupo pode contribuir para diminuir o nível de envolvimento das crianças.
Estudos anteriores tinham já destacado que as diferenças entre envolvimento de crianças com e sem incapacidades era menor em atividades de jogo livre (Coelho & Pinto, 2018), destacando o potencial deste formato de atividades para a promoção de envolvimento e participação de todas as crianças. Tal poderá estar relacionado, como indicado na literatura, com o facto destes formatos combinarem um número elevado de crianças com um nível também mais elevado de estrutura/diretividade por parte do educador. Apesar de serem necessários mais estudos, estes resultados mostram a importância dos educadores organizarem atividades estruturadas de modo variado (como, por exemplo, atividades estruturadas em pequeno grupo), de modo a aumentar os níveis de envolvimento. De igual modo, salienta-se a necessidade dos educadores enriquecerem os momento de jogo-livre, de modo a aumentar as interações, assim como melhorarem a qualidade do tom emocional e da estimulação da aprendizagem e desenvolvimento nestes momentos.
Importa ainda referir as limitações do presente estudo, que devem ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados e no planeamento de futuras investigações. Uma das limitações prende-se com o tamanho da amostra, nomeadamente com a discrepância entre o número de crianças em cada um dos grupos, bem como as diferenças entre as características das crianças dentro de cada grupo. Assim será importante realizar mais investigação, incluindo um número mais elevado de crianças em cada grupo e que possibilite caracterizar melhor as características destes grupos. Apesar das crianças incluídas no estudo terem sido selecionadas de forma a captar a diversidade funcional existente nas salas de EPE inclusivas, destacamos que seria importante realizar estudos que documentassem o envolvimento de todas as crianças das salas de forma a explicar a diversidade efetiva nas salas de EPE inclusivas. O presente estudo é um estudo correlacional, sendo por isso igualmente relevante o desenho de investigações longitudinais, que permitam perceber se a organização do grupo nas atividades varia ao longo do ano letivo, bem como a estabilidade na qualidade das interações nestes contextos.
Apesar das limitações identificadas e da necessidade de mais investigação, destacamos que este estudo permitiu documentar relações entre o envolvimento de crianças com perfis de funcionalidade distintos, incluindo crianças com e sem incapacidades, a frequentar as mesmas salas de EPE, e os formatos de atividades definidos pelos educadores. Este é um aspeto inovador do estudo, sendo poucos os estudos que incluem crianças com diferentes perfis funcionais a frequentar os mesmos contextos educativos. Assim, e de acordo com os nossos resultados, parece que a forma como os educadores organizam o grupo e atividades pode influenciar as interações e o envolvimento de todas as crianças na sala, com mais tempo em formatos de grande-grupo a contribuir negativamente para o envolvimento de todas as crianças, mesmo daquelas com maior funcionalidade. Sugere, ainda, que mais tempo em formatos de jogo-livre está associado a níveis de envolvimentos mais elevados para todas as crianças, mesmo aquelas com menor funcionalidade ou incapacidades identificadas. Estes resultados podem então ser informativos para o planeamento das atividades em contextos inclusivos, isto é, contextos que têm de responder a uma maior diversidade funcional das crianças que os frequentam.
4 Conclusões
Partindo da literatura que tem analisado a forma como as crianças passam o tempo em contextos de educação pré-escolar, bem como o papel da ação intencional dos educadores de infância no planeamento e definição do tempo e da organização do grupo nas atividades (Fuligni et al., 2012; Guedes et al., 2020; Goble & Pianta, 2017; Kontos et al., 2002), este estudo evidencia que os diferentes formatos de organização do grupo em contextos inclusivos de EPE têm um papel distinto na criação de oportunidades de aprendizagem e interações de qualidade e de envolvimento para crianças com diferentes perfis. Ademais, revela que a relação entre a qualidade das interações dos educadores e envolvimento das crianças é complexa e está associada aos formatos da atividade. Deste modo, estes resultados expandem investigação prévia que destaca que diferentes formatos de atividade podem ter um papel importante nas interações que ocorrem nos contextos educativos (Booren et al., 2012; Carta & Greenwood, 1985; Early et al., 2010; Goble & Pianta, 2017; Kontos & Keyes, 1999; Layzer & Goodson, 2006), ao focar ambientes inclusivos e ao considerar o envolvimento de crianças com diversos perfis de funcionalidade. Note-se que a maior parte da literatura tem uma abordagem tradicional à inclusão, centrando-se na dicotomia com e sem incapacidades. O nosso estudo parte de uma definição de inclusão educativa centrada na diversidade e na resposta adequada às necessidades de todas as crianças (e.g. Bartolo et al., 2019).
A elevada quantidade de tempo que os contextos pré-escolares inclusivos incluídos neste estudo passavam em atividades de grande-grupo (média de 50% da manhã), e a relação negativa com o nível de envolvimento de todas as crianças (em risco, com incapacidades e com desenvolvimento típico) neste formato de atividade, remetem para a necessidade de formar e informar os contextos relativamente à relevância da organização dos tempos nos diferentes formatos de atividades para uma inclusão de maior qualidade, isto é, para um ambiente educativo que assegure um maior envolvimento e participação de todas as crianças.