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Revista Brasileira de Educação Especial

versão impressa ISSN 1413-6538versão On-line ISSN 1980-5470

Rev. bras. educ. espec. vol.30  Marília  2024  Epub 14-Abr-2024

https://doi.org/10.1590/1980-54702024v30e0177 

Relato de Pesquisa

Análise de Apoios Catalães para Jovens Adultos com Deficiência Intelectual e/ou Autismo no Contexto Brasileiro2

Analysis of Catalan Support for Youth/Adults with Intellectual Disability and/or Autism in the Brazilian Context

Veronica Casagrande3 

Bacharelanda em Ciência e Tecnologia e em Neurociência. Universidade Federal do ABC. Santo André/SP/Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3878-5857


http://orcid.org/0000-0002-3878-5857

Priscila Benitez4 

Professora Adjunta. Centro de Matemática, Computação e Cognição. Universidade Federal do ABC. Pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos/SP/Brasil. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-3501-7606


http://orcid.org/0000-0003-3501-7606

Patricia Zutião5 

Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico. Membro do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Específicas. Instituto Federal Baiano – campus Serrinha. Líder do Grupo de Pesquisa em Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar. Doutora em Educação Especial pela UFSCar. Serrinha/BA/Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4532-4151


http://orcid.org/0000-0002-4532-4151

Daniela Ribeiro6 

Professora. Centro de Educação. Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Doutora em Educação Especial com pós-doutorado pela UFSCar. Maceió/AL/Brasil. E-mail: daniela.ribeiro@cedu.ufal.br. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4146-5122


http://orcid.org/0000-0003-4146-5122

Camila Domeniconi7 

Professora. Departamento de Psicologia da UFSCar. Doutora em Educação Especial pela UFSCar com pós-doutorado pela Universidade de Barcelona e Universidade do Minho. São Carlos/SP/Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0486-3543


http://orcid.org/0000-0003-0486-3543

Marta Gràcia8 

Professora. Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona. Doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelona com pós-doutorado pela Texas University at Austin. Barcelona/Espanha. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1280-4578


http://orcid.org/0000-0003-1280-4578

3Universidade Federal do ABC. Santo André/SP/Brasil. E-mail: vecasagrande.e@gmail.com.

4Centro de Matemática, Computação e Cognição. Universidade Federal do ABC. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino (INCT-ECCE). Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). São Carlos/SP/Brasil. E-mail: priscila.benitez@ufabc.edu.br.

5Instituto Federal Baiano – campus Serrinha. UFSCar. Serrinha/BA/Brasil. E-mail: patricia.zutiao@ifbaiano.edu.br.

6Centro de Educação. Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Maceió/AL/Brasil. E-mail: daniela.ribeiro@cedu.ufal.br.

7Departamento de Psicologia da UFSCar. Universidade de Barcelona e Universidade do Minho. São Carlos/SP/Brasil. E-mail: camila@ufscar.br.

8Faculdade de Psicologia da Universidade de Barcelona. Barcelona/Espanha. E-mail: mgraciag@ub.edu.


RESUMO:

Este estudo teve como objetivo analisar apoios catalães oferecidos para jovens adultos com Deficiência Intelectual (DI) e/ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) no contexto brasileiro, com o propósito de discutir sobre a oferta de programas públicos centrados nas pessoas com deficiência, sobretudo ao término do processo de escolarização. Para isso, foram aplicadas avaliações com estudantes jovens adultos brasileiros com DI e/ou TEA para caracterização dos seus níveis de intensidades de apoio e escolarização, bem como foram realizadas entrevistas com profissionais catalãs que identificaram apoios que poderiam ser úteis para a realidade educacional dos participantes envolvidos no estudo. Assim, foi evidenciada a disparidade entre as duas realidades, demostrando a necessidade do desenvolvimento de normativas e institucionalização de apoios para esse público, principalmente na transição do Ensino Médio à vida adulta e independente, além da formação continuada para docentes e envolvimento de profissionais interdisciplinares no contexto escolar para dar apoio efetivo aos estudantes.

PALAVRAS-CHAVE: Apoio/Suporte; Educação de jovens e adultos; Educação Especial; Inclusão escolar

ABSTRACT:

The study aimed to analyze supports offered to Catalan young adults with Intellectual Disability (ID) and/or Autism Spectrum Disorder (ASD) in the Brazilian context, with the purpose of discussing the offer of public programs focused on people with disabilities, especially at the end of the schooling process. For this, evaluations were applied with Brazilian young adult students with ID and/or ASD to characterize their levels of support and schooling intensities, as well as interviews with Catalan professionals who identified support that could be useful for the educational reality of the participants involved in the study. Thus, the disparity between the two realities was evidenced, demonstrating the need for the development of normative and institutionalization of support for this public, especially in the transition from High School to adult and independent life, in addition to continuing education for teachers and the involvement of interdisciplinary professionals in the school context to provide effective support to students.

KEYWORDS: Support; Youth and adult education; Special Education; School inclusion

1 Introdução

O movimento pela inclusão está pautado em acordos internacionais, como é o caso da Declaração Mundial de Educação para Todos (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [Unesco], 1990), reafirmada nos compromissos estabelecidos na Declaração de Salamanca (Unesco, 1994). Nesse contexto, a forma como a inclusão ocorre em termos de prestação de serviço educacional especializado, no Brasil, ainda é bastante diversificada (Benitez & Domeniconi, 2018; Vilaronga & Mendes, 2014), apesar das orientações previstas na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva – PNEEPEI (2008).

Ao entender a educação especial como modalidade de ensino transversal, perpassando todos os níveis e modalidades de ensino, questiona-se sobre o estudo da inclusão no contexto do Ensino Médio, este sendo, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – parte integrante da Educação Básica (art. 21) e considerada indispensável para o exercício da cidadania (art. 22). Apesar da importância do Ensino Médio, Cavalcanti (2007) identificou desafios para a garantia da inclusão nessa modalidade de ensino, no contexto brasileiro. No mesmo sentido, o estudo de Leite e Campos (2021), realizado em uma sala de Educação de Jovens e Adultos (EJA) com uma estudante com deficiência intelectual (DI), evidenciou práticas infantilizadas com tal público, apontando a necessidade de uma melhor articulação entre sala de aula e profissionais do atendimento educacional especializado (AEE), além da necessidade da reflexão sobre a atuação pedagógica e sobre o modelo de organização escolar.

Nesse cenário, entre os países de referência em políticas públicas centradas nas pessoas com deficiência, as comunidades autônomas espanholas se destacam pela implementação de políticas públicas, tanto para medidas que visam garantir a inclusão desde a pré-escola até a transição para a vida adulta e independente, de forma continuada e individualizada (Rosas et al., 2019), quanto na implementação de políticas ativas de facilitação do acesso ao mercado de trabalho, importante para a inclusão social e laboral desse público (Sevilla, 2020).

Mesmo diante de tal contexto, o estudo de Esteban et al. (2021) encontrou diferenças nas práticas inclusivas espanholas dependendo do nível de apoio necessário pelas pessoas com DI, estando aquelas que apresentam maior intensidade de apoio ainda em desigualdades às demais, por terem menos acesso aos apoios para garantia à vida independente e à privacidade. Assim, o estudo enfatiza a importância da transformação dos modelos tradicionais de apoio assistencialistas aos modelos que visem a promoção da qualidade de vida, sugerindo uma avaliação longitudinal da qualidade de vida e autodeterminação, além de investigar outros aspectos, como a cultura da instituição, a implementação e o acompanhamento de estratégias que garantam a inclusão de pessoas com DI e maiores necessidades de apoio.

Especificamente sobre a Catalunha, o estudo de Guzmán et al. (2018) destaca que inclusão e equidade são dois conceitos presentes na legislação catalã que orientam as práticas educativas nesse contexto. Assim, a comunidade autônoma tem implementado medidas e serviços que visam garantir a inclusão e a equidade por todos os agentes educativos.

No mesmo sentido, Dosrius e Martínez (2019) discutem as estratégias educativas catalãs que vêm sendo aplicadas após a publicação do Decreto 150/2017, de 17 de outubro, sobre inclusão escolar. O Decreto facilitou a adaptação de tais estratégias para todos os públicos de forma individualizada, garantindo a aprendizagem com medidas como a criação da Comissão de Atenção à Diversidade e a conversão do papel do Orientador Educativo no sistema escolar. Já sobre as fundações catalãs que implementam políticas de inclusão centradas nas pessoas com deficiência, destaca-se a Aura Fundació (https://www.aurafundacio.org/es/), pioneira e divulgadora do serviço de emprego apoiado para jovens adultos com DI.

Retornando ao Brasil, Almeida et al. (2018) trazem resultados da Escala de Intensidade de Suportes (SIS), que definem a intensidade de apoio de pessoas com DI (Almeida, 2013; Thompson et al., 2004), aplicada em 1.203 jovens adultos com DI brasileiros, juntamente com familiares, cuidadores, professores ou profissionais, abarcando todo o país. Nesse estudo, é possível observar que as áreas que os jovens adultos com DI apresentaram maior intensidade de apoio foram Proteção e Defesa com 90,2%. Já nas demais áreas, o resultado foi, em ordem decrescente: Aprendizagem ao longo da vida (84%); Emprego (83,6%); Vida comunitária (80%); Saúde e segurança (79%); Sociais (62%); e Vida doméstica (61,2%). Nota-se que as áreas “Vida doméstica” e “Sociais” foram aquelas com menor intensidade de apoio, o que pode ser decorrente do amplo trabalho em instituições especializadas, conforme ressaltam Boueri (2014) e Zutião (2016).

Quanto aos estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Vasconcellos et al. (2020) realizaram um estudo de caso sobre as práticas educativas adotadas com um jovem com TEA matriculado no ensino técnico integrado brasileiro. O estudo mostra que, mesmo não tendo utilizado recursos previstos na legislação, a instituição teve resultados favoráveis à escolarização do jovem, adotando a flexibilização curricular e monitoria inclusiva, revelando maior adequação das propostas de ensino não tradicionais nessa modalidade de ensino e indicando a necessidade de mais pesquisas sobre jovens adultos com TEA e seu ingresso no mercado de trabalho.

Devido às políticas e aos apoios encontrados na literatura espanhola (Dosrius & Martínez, 2019; Esteban et al., 2021; Guzmán et al., 2018; Rosas et al., 2019; Sevilla, 2020) e aos desafios da inclusão (Cavalcanti, 2007; Leite & Campos, 2021; Vasconcellos et al., 2020), bem como às elevadas necessidades de apoio em áreas como Emprego e Aprendizado ao Longo da Vida (Almeida et al., 2018) encontradas na literatura brasileira para jovens adultos com DI e/ou TEA, questiona-se sobre as possibilidades de implementação de apoios catalães para jovens adultos com DI e/ou TEA que estão finalizando o Ensino Médio e em processo de transição para a vida adulta e independente, no contexto brasileiro, na região metropolitana de São Paulo. Assim sendo, o estudo teve como objetivo analisar apoios catalães oferecidos para jovens adultos com DI e/ou TEA no contexto brasileiro, com o propósito de discutir sobre a oferta de programas públicos centrados nas pessoas com deficiência, sobretudo ao término do processo de escolarização.

2 Método

Nesta seção, tratamos das considerações éticas, caracterizamos os participantes da pesquisa, os instrumentos e os procedimentos utilizados para a coleta de dados, e, por fim, como ocorreu a análise de dados deste estudo.

2.1 Considerações éticas

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética de uma universidade pública da região metropolitana de São Paulo.

2.2 Participantes

Participaram quatro estudantes brasileiros do gênero masculino e quatro profissionais catalãs. Os critérios para seleção dos estudantes foram ter diagnóstico médico de DI e/ou TEA, com idades iguais ou superiores a 16 anos. O critério para seleção das profissionais foi ter disponibilidade em realizar a entrevista. A tabela 1 caracteriza a amostra do estudo.

Tabela 1 Caracterização de jovens adultos brasileiros e das profissionais catalãs 

Jovens adultos brasileiros
Idade Diagnóstico Ano escolar Tipo de escola
E1 19 anos DI 2º ano do EM Regular, em classe comum
E2 21 anos DI 3º ano do EM Regular, em classe comum
E3 18 anos TEA e DI 2º ano do EM Regular, em classe comum
E4 19 anos TEA e DI 6º ano do EF Especial
Profissionais catalãs
Idade Formação acadêmica Centro Profissão no centro Tempo de profissão
P1 49 anos Doutoranda em Psicologia Centro Público de Educação Secundária Professora de orientação educativa 12 anos
P2 54 anos Neuropsicóloga, Fonoaudióloga e Doutora em Psicologia Aura Fundació Responsável pelo programa de Neuropsicologia 24 anos
P3 39 anos Psicóloga e Graduanda em Magistério Centro Lexia Integrante da equipe de direção 20 anos
P4 25 anos Graduada Psicologia Centro Lexia Educadora 01 ano

Nota. EM – Ensino Médio, EF – Ensino Fundamental.

2.3 instrumentos

Os instrumentos utilizados para a coleta de dados foram:

  1. Escala de Intensidade de Apoios - SIS (Thompson et al., 2004): composta por três sessões. Na primeira, aborda-se a classificação da necessidade de apoio e os níveis gerais de apoios (Áreas: vida doméstica, comunitária, aprendizagem ao longo da vida, emprego, saúde e segurança, social); na segunda, é avaliada a área de proteção e defesa; e, na terceira, são feitas considerações sobre as necessidades específicas de apoio médico e comportamental. A escala vai de 1 a 20 – quanto maior a pontuação, maior a necessidade de apoio na área em questão. Foi utilizada a versão brasileira da escala que foi traduzida e se encontra em processo final de validação no Brasil (Almeida, 2013).

  2. Teste de Desempenho Escolar – TDE (Stein, 1994): composto por três subtestes: Escrita, Aritmética e Leitura. Em cada subteste, é coletado o Escore Bruto (soma dos itens), com 1 (acerto) ou 0 (erro).

  3. Roteiros semiestruturados para entrevistas às profissionais catalães: foram elaborados dois roteiros, sendo um para os centros educacionais e outro para o centro de emprego apoiado. Ambos estão divididos em duas partes: 1. identificação da entrevistada, contendo perguntas acerca da formação acadêmica e trabalho no centro; e 2. informações do centro e apoios utilizados para a inclusão, com perguntas sobre as estratégias utilizadas, dificuldades e planejamento para transição dos estudantes para a vida adulta. Para os centros educacionais, as perguntas foram acerca da opinião do centro em relação à inclusão escolar, estudantes com DI e/ou TEA do centro, funcionamento da inclusão no centro com estratégias e dificuldades, profissionais envolvidos e apoios oferecidos. Para os centros de emprego com apoio, as perguntas foram, além daquelas já citadas, sobre o funcionamento do centro em específico, público-alvo e requisitos para fazer parte do centro.

2.4 Procedimento de coleta de dados

Os estudantes foram selecionados conforme parceria com uma escola pública do estado de São Paulo, parceira do grupo de pesquisa. Na sequência, foi feita a aplicação da escala SIS e do TDE. A coleta de dados ocorreu de maneira online, por meio de vídeo chamada pelo Google Meet, Zoom ou WhatsApp, por serem os recursos utilizados pelas escolas no período de pandemia da SARS-CoV-2.

Após a análise de dados dos desempenhos dos jovens adultos com DI e/ou TEA brasileiros, foram propostos roteiros de perguntas contendo questionamentos sobre como ocorre a inclusão desse público no cenário catalão, segundo a perspectiva de profissionais que atuam na área. Os roteiros foram desenvolvidos conjuntamente e aplicados pela pesquisadora em Barcelona, na Espanha, de maneira virtual e presencial e tiveram como objetivo identificar apoios catalães que poderiam ser úteis para a realidade educacional dos participantes brasileiros envolvidos no estudo. A entrevista realizada com P1 foi realizada via Zoom pela indisponibilidade presencial da entrevistada, contendo gravação em vídeo, e as entrevistas de P2, P3 e P4 foram realizadas presencialmente no centro das profissionais, contendo gravação em áudio.

2.5 Análise de dados

A análise dos dados da escala SIS e do TDE foi realizada conforme manual correspondente. As entrevistas foram transcritas, sendo realizada a sua codificação em uma tabela pela qual as respostas foram agrupadas em tópicos semelhantes em relação às perguntas. A codificação e as respostas foram discutidas com pesquisadoras catalãs e brasileiras, conforme objetivo de estudo e se referiram: a) às características gerais dos três centros investigados; b) à perspectiva inclusiva dos centros, aos principais desafios e ao processo de transição educacional-laboral; c) aos apoios, às ações concretas e à implicação da família.

3 Resultados

A Figura 1 apresenta o desempenho dos estudantes na Escala SIS.

Figura 1 Desempenho da Escala SIS dos jovens adultos 

Pelo manual do instrumento SIS, entende-se que quanto mais próximo à pontuação máxima (n=20), maior a intensidade de apoio. Pela análise da Figura 1, ao somar as pontuações, vê-se que a área com maior necessidade de apoio de tais estudantes está relacionada à Aprendizagem ao longo da vida (n=48), seguida de Vida comunitária (n=42), Saúde e segurança (n=41), Emprego (n=39) e Vida doméstica e Social com mesma intensidade de apoio (n=35). Dada a demanda de apoio na área de Aprendizagem ao longo da vida, o próximo passo foi investigar o repertório acadêmico elementar de tais estudantes para identificar os rendimentos pedagógicos nas áreas de leitura, escrita e matemática (Figura 2).

Figura 2 Desempenho no TDE dos jovens adultos 

O TDE tem pontuação entre 0 e 70 e é dividido em três áreas: leitura, escrita e aritmética. No manual do instrumento, são apresentados valores mínimos esperados de escore bruto para cada idade até “acima de 12 anos”, utilizado para comparação dada a idade dos estudantes, e os valores de escore máximo que dizem respeito à maior pontuação que os estudantes poderiam ter em cada área. Assim sendo, os desempenhos de cada estudante (escore bruto) foram comparados às medidas dadas pelo instrumento (mínimo esperado para estudantes acima de 12 anos e escore máximo), como visto na Figura 2. Desse modo, foi evidenciado que nenhum estudante atingiu as pontuações mínimas esperadas para estudantes acima de 12 anos, não atingindo consequentemente o escore máximo em nenhuma área. Diante de tais dados, foi elaborado, então, o roteiro de perguntas a fim de identificar quais apoios catalães seriam viáveis de serem aplicados com estudantes brasileiros. A codificação das entrevistas está apresentada nas Tabelas 2, 3 e 4, em busca de encontrar diferenças e similaridades entre os centros catalães de educação especial, educação ordinária e de emprego apoiado. A Tabela 2 apresenta as características gerais dos três centros investigados.

Tabela 2 Características gerais dos três centros catalães investigados 

Centro Lexia Centro Público de Educação Secundária Aura Fundació
Categoria do centro Centro de educação especial. Centro de educação ordinária secundária. Centro de emprego apoiado.
Início do atendimento do público com DI/TEA Desde 1968. Desde 2010. Desde 1997.
Financiamento do centro Privado. Público. Privado e público.
Número de pessoas atendidas com DI/TEA 120 estudantes com DI (40% com TEA). Sete estudantes com DI e quatro com TEA. 125 com DI, 6% com TEA e dez idosos.
Outros estudantes Estudantes com síndrome alcoólico fetal, síndrome específica, problemas de saúde mental ou transtorno mental (com diagnóstico). Estudantes com necessidades socioeducativas, dificuldades de audição, visão, regulação de conduta, Síndrome de Down e transtornos de escrita, linguagem e que comprometem a aprendizagem (TDAH, dislexia). Não necessariamente com diagnóstico. Estudantes com Síndrome de Down e idosos. Sem limite de idade e iniciam a partir dos 12 anos em média (com diagnóstico).
Profissionais do centro Psicólogos (responsáveis por coordenar e manter contato com profissionais externos, controle de medicação e atendimento dos estudantes do centro), fonoaudiólogos (função varia) e fisioterapeuta (trabalho de motricidade). Profissionais de orientação educativa (pedagogos, psicólogos). Psicólogos, pedagogos, trabalhadores sociais e educadores sociais.
Trabalho com profissionais externos Depende do profissional externo de centros de saúde mental. Caso haja interesse, a participação se dá por reuniões. Reuniões com centro de saúde mental. Parcerias com centros de educação especial e Equipes de Assessoramento Psicopedagógico (EAPs).
Apoio para estudante com problemas socioeconômicos Não há. Bolsas de livros, Técnicos de Inserção Social (TIS) que acompanham os estudantes e contato com a Prefeitura para encaminhamento de apoios. Não há.
Número de estudantes por aula/grupo Máximo 10. 30 em média, mas poucos com DI/TEA. Grupos pequenos.

Tabela 3 Perspectiva inclusiva dos centros catalãs, principais desafios e processo de transição educacional-laboral 

Centro Lexia Centro Público de Educação Secundária Aura Fundació
Perspectiva sobre a inclusão do centro Cumprem seu objetivo, mas há falta de recursos; habilidades acadêmicas não são prioridade, mas, sim, funcionais. Política inclusiva, mas marcada pelo departamento: os centros decidem o que fazer; priorização de habilidades acadêmicas em detrimento de funcionais na educação secundária. Totalmente inclusiva já que são preparados para trabalhos ordinários.
Principais desafios do centro para a inclusão Recursos econômicos e de estrutura. Metodologia acadêmica de ensino e profissionais (por falta de formação ou medo). Inclusão laboral; conduta dos participantes; dificuldades dentro da fundação como comunicação entre os programas, com a família e participantes.
Situação dos estudantes quando saem da escola Maioria sem competências exigidas pelo departamento para seguir carreira acadêmica. Maioria sem competências exigidas pelo departamento. Não há.
Preparo para a saída da escola para estudantes com DI/TEA Desenho de um plano que se faz desde o começo da escolarização; informar família sobre caminhos; estudos postobligatórios; centros de atenção diurna. Discussão de caminhos com a família pelos Itinerários de Formação Específica para formação em habilidades; caminhos para centros de formação profissional. Programa pré-laboral.
Preparo para a saída da escola para estudantes com problemas socioeconômicos Não há. Plano de trabalho e Programas de Formação e Inserção. Não há.
Foco do preparo para a saída da escola Profissional (hotelaria, administrativo, oficina, jardinagem, cozinha, auxiliar de vendas etc.). Profissional (hotelaria, administrativo, oficina, jardinagem, cozinha, auxiliar de vendas etc.). Profissional (hotelaria, administrativo, oficina, jardinagem, cozinha, auxiliar de vendas etc.).
Processo para entrar no centro Entrevistas com estudante e família para conferir se o centro tem recursos para atender ao estudante. Matrícula no centro.

Antes: só com Síndrome de Down, maiores de idade e autônomos.

Hoje: não há regra. Autônomos e que tenham conduta adequada, além de DI.

Tabela 4 Apoios, ações concretas e o papel da família 

Centro Lexia Centro de Educação Secundária Aura Fundació
Apoios para estudantes com DI/TEA

1) Espaço da calma para estudantes com hiperestimulação, hipersensibilidade etc.

2) Secundária funcional (se trabalha com logopedia, mas com foco funcional para aprender competências do dia a dia).

3) Serviços de saúde pública e privada.

4) Postobligatório.

1) Suporte Intensivo a Escola Inclusiva.

2) Equipe de Assessoramento e orientação Psicopedagógica.

3) Serviços de saúde pública.

4) Centros psicológicos privados.

5) Serviços sociais do Ayuntamiento ou da Generalitat de Catalunya (casos de retirada da custódia dos pais).

6) Itinerário de Formação Específica.

1) Programa laboral e pré-laboral.

2) Programa de neuropsicologia.

3) Programa de vida independente (Aura habitat).

4) El club.

Estratégias concretas para a inclusão Plano Individual com reuniões trimestrais e revisão constante; profissionais do centro; tutor que acompanha o estudante durante a aula; estratégias de acompanhamento em nível acadêmico, formativo (desenho de plano formativo anual), pessoal e de desenvolvimento; dar o que necessitam no momento; e ambiente estruturado. Plano Individual com reuniões periódicas; profissionais do centro, pessoas dos serviços de saúde; serviços externos; e tutor que acompanha o estudante durante a aula. Etapa laboral: preparação para o trabalho, além de trabalhar habilidades sociais como autonomia, conduta e autogerenciamento.
Trabalho com estudantes com DI/TEA Uso de elementos visuais e manipulativas, adaptação de material, saídas da escola para treinamento de habilidades e secundária funcional. Adaptação de material e saída da sala de aula para treinamento de habilidades. Pré-laboral para estudantes.
Implicação da família Não participa da intervenção, somente assinam o Plano Individual para o seu aceite. O contato com o centro é incentivado, e a família participa das entrevistas iniciais para entrar no centro. Não participa da intervenção, somente assinam o Plano Individual para o seu aceite. Não participam da intervenção. Participação nas entrevistas para recolher informações sobre os jovens para traçar perfil para encontrar um trabalho que goste e que tenha êxito.

A Tabela 3 apresenta as perspectivas inclusivas adotadas nos centros, assim como os principais desafios e o processo de transição educacional-laboral.

A Tabela 4 apresenta os apoios identificados nos três centros investigados, assim como estratégias/ações concretas para execução dos programas e o papel da família.

Após a análise das entrevistas, 11 apoios oferecidos foram identificados, os quais são descritos a seguir.

  1. Equipo de Asesoramiento y orientación Psicopedagógica (EAP)9

    Segundo Manzano-Soto et al. (2021) EAPs são equipes de assessoramento e orientação psicopedagógica voltadas a professores e escolas envolvidas no atendimento às pessoas com dificuldade ou necessidades específicas, bem como sua família. Tais equipes são responsáveis, juntamente com serviços educativos específicos, por aplicar uma avaliação psicopedagógica e elaborar o informe de reconhecimento de necessidades específicas de apoio educativo, que incluem previsões de apoios e propostas/orientações de escolarização para estudantes de centros ordinários, dando direito às medidas e aos apoios intensivos para esses estudantes. Além disso, a EAP também produz relatórios sobre estudantes com necessidades educativas decorrentes de situações socioeconômicas e socioculturais desfavorecidas e sobre a escolarização do estudante em programas de formação profissional e profissional.

    Outras responsabilidades da EAP para além da avaliação psicopedagógica incluem: a) realizar avaliações motoras, a fim de planejar programas de intervenção; b) realizar o papel de aconselhamento aos docentes, no que diz respeito às adaptações que os estudantes necessitem, e aos docentes, família e discentes sobre orientações gerais; c) acompanhar o processo de escolarização de estudantes, principalmente em fases de transição escolar, podendo ou não envolver outros profissionais; d) detectar, avaliar e encaminhar estudantes para outros serviços específicos, como serviços sociais, de saúde ou justiça/assistência social, se deles necessitar; e) articular com demais profissionais, serviços e instituições para melhor adequação às necessidades educativas dos estudantes; f) fazer a mediação entre escola e famílias dos estudantes, especialmente as mais vulneráveis ou em risco de exclusão.

  2. Soporte Intensivo a la Escuela Inclusiva (SIEI)10

    O SIEI foi criado com a aprovação do Decreto 150/2017, sendo um recurso dos centros de educação ordinária, responsável por, juntamente com a Comissão de Atenção à Diversidade, determinar os critérios, a gestão dos recursos e a organização dos apoios, visando melhorar a atenção à diversidade e a participação e aprendizagem dos estudantes incluídos no grupo de referência. Para ter direito a esse apoio, os estudantes devem possuir o informe de reconhecimento de necessidades educacionais especiais, realizado pela EAP e um Plano de Apoio Individualizado (PI).

  3. Planejamento de Apoio Individualizado (PI) segundo o Generalitat de Catalunya (2020)

    Também chamado de Plano Individual nas entrevistas e equivalente ao Planejamento Educacional Individualizado (PEI) no Brasil, o PI é um documento regulamentado pelo Decreto 150/2017, constituído por avaliações, planejamentos de ações e tomada de decisão elaborados pelo corpo docente, família e estudante. O documento visa auxiliar o estudante no que for necessário para sua inclusão efetiva, incluindo adaptação de conteúdo, de atividades e de aula, garantindo que os contextos escolares gerem condições de aprendizagem necessárias para desenvolver os pontos fortes dos estudantes, estimulem o vínculo com o grupo e facilitem o acesso à aprendizagem e à participação.

    O PI pode ser elaborado para estudantes que necessitem de apoios adicionais para atingir as competências básicas ditadas pelo currículo escolar como estudantes com necessidades específicas e estudantes recém-chegados na Catalunha. A decisão de elaborar, aprovar e assegurar o cumprimento e a colaboração dos profissionais do centro envolvidos no PI cabe à direção dos centros e à Comissão de Atenção à Diversidade. Caso a decisão de elaborar o PI seja aceita pela comissão, o corpo docente deve elaborá-lo em, no máximo, dois meses, tendo o estudante um tutor que será responsável pela elaboração e acompanhamento, podendo contar com aconselhamento de outros serviços e levando em conta relatórios fornecidos por profissionais externos e internos ao centro que estão envolvidos no desenvolvimento do estudante.

    A participação da família ocorre por meio da aprovação ou reprovação do PI, além de que deve ser informada acerca do processo e seu acompanhamento. Especificamente para os estudantes da educação especial, o PI é elaborado com base no relatório da EAP. Além disso, outros objetivos do PI incluem: a) acompanhar a evolução das adaptações educacionais do estudante ao longo de sua escolarização, que pode ser usado para a elaboração no ano posterior; b) alinhar-se às necessidades educacionais do estudante; c) detalhar os apoios que deverão ser oferecidos ao estudante; d) incluir os critérios de avaliação decididos em conjunto com uma equipe interdisciplinar e garantir que eles sejam utilizados; e) estimular o envolvimento dos estudantes no seu processo de ensino-aprendizagem.

    De forma geral, o processo da elaboração do PI se dá: 1) recolhendo informações pessoais do estudante, além da avaliação dos seus conhecimentos básicos e gerais; 2) reunião com a equipe para compartilhamento das informações escolares, pessoais e de outros profissionais, além das necessidades, dos interesses, das potencialidades e das habilidades do estudante (como habilidades de aprendizagem que o estudante realiza com independência, pontos fortes em cada área como expressão oral em comunicação e maneiras em que o estudante aprende melhor) e as que precisam de prioridade, para início do desenho do PI; 3) aplicação e seguimento; 4) avaliação do progresso do estudante, realizado pelo seu tutor que também deve garantir a participação do corpo docente em reuniões interdisciplinares e sessões de avaliação.

    Fica a cargo do professor do estudante que possui um PI incorporar as estratégias decididas em suas aulas, além de auxiliar na aquisição de conhecimentos e habilidades previstas no seu PI, promovendo sua autonomia na realização de atividades individuais. A avaliação desses estudantes também deve ser sistemática e contínua, porém levando em conta as habilidades descritas no seu PI. Essa avaliação servirá de instrumento de medição da necessidade de ajuste do PI, substituindo ou não as estratégias decididas conjuntamente. Esse ajuste deve ocorrer ao menos uma vez por ano, sendo o PI incluso no histórico acadêmico do estudante. Por fim, o PI pode ser finalizado antes do tempo anteriormente previsto dada a evolução do estudante, tendo a aprovação da comissão.

  4. Itinerários Formativos Específicos (IFE)11

    Os IFEs visam auxiliar nos cuidados educativos para estudantes com deficiência intelectual leve ou moderada matriculados na fase pós-obrigatória, de acordo com as necessidades e especificidades individuais. Os IFEs também têm como objetivo garantir uma inclusão social efetiva e aprendizagem significativa. Nesse sentido, são priorizadas as unidades que visam favorecer a autonomia pessoal, relações sociais e o emprego e que são adaptadas conforme a intensidade de apoios do estudante.

    Há quatro itinerários possíveis: 1) hotelaria e turismo, como auxiliar em serviços de catering e preparação de refeições; 2) comércio e marketing, como auxiliar em vendas e atenção ao público; 3) agrária, como auxiliar de cuidados com animais e espaços verdes; 4) atividades físicas e esportes, como auxiliar na manutenção de instalações esportivas.

  5. Técnica de Integração Social (TIS)

    Segundo Carbonell e Peregrina (2014), o TIS foi criado para a implementação e o desenvolvimento de um plano experimental que tinha como objetivo a elaboração de ações de acolhimento e integração de novos estudantes do Ensino Médio, além do desenvolvimento de atividades de reforço, sendo responsável por nove funções: 1) desenvolvimento de habilidades de autonomia pessoal e social para estudantes em situação de risco; 2) participação no planejamento e desenvolvimento de atividades para integração social; 3) geração de relações positivas entre os estudantes e seu ambiente; 4) colaboração na resolução de conflitos; 5) intervenção em casos de absentismo escolar; 6) acompanhamento dos estudantes nas atividades escolares e extracurriculares; 7) apoio às famílias; 8) colaboração na organização de atividades para estimular o uso do tempo livre e a conscientização social; 9) especificação, em conjunto com as equipes docentes, de um plano de trabalho individual para os estudantes que frequentam. O próprio centro educacional estabelece em quais espaços o TIS estará presente, participando do plano de formação para os professores, tendo o seu plano de trabalho integrado à resolução de programação do centro.

  6. Programas de Formação e Inserção (PFI)12

    Os PFIs são programas voluntários de um ano letivo destinados a jovens de 16 a 21 anos de idade que não tenham terminado a educação secundária obrigatória (ESO) e que não estejam matriculados no sistema de ensino ou estejam participando de outras ações de formação ao iniciar o programa. O programa visa dar uma oportunidade de retorno ao sistema educacional para estudos de formação profissional, facilitando o aprendizado necessário para o acesso ao mercado de trabalho. Para a exequibilidade do programa, os estudantes recebem tutoria para a realização dos objetivos pedidos.

    Os programas possuem: a) módulos de formação profissional que incluem um módulo de estágio em centros de trabalho; b) módulos de formação geral visando a aquisição de competências instrumentais básicas; c) módulos profissionais como comércio, obras civis, eletrônica, administração, imagem pessoal e comunicações; e d) ações de acompanhamento e orientação dos estudantes. A aprovação no programa leva à certificação acadêmica e profissional, podendo dar acesso a centros de formação de adultos para obtenção da graduação da educação secundária obrigatória, sem cumprir o requisito de ser maior de 18 anos.

    No Centro Lexia, o PFI foi observado, sendo descrito como estudos postobligatórios durante a entrevista. Nesse centro, os estudos ocorrem dentro do ambiente escolar, em uma sala onde os estudantes possuem impressora e outros materiais de auxílio à disposição para o treinamento de habilidades de administração e gestão.

  7. Programa pré-laboral e laboral da Aura Fundació13

    O programa tem como alvo jovens com DI de 12 a 14 anos que ainda estão matriculados na escola. Nesse programa, os jovens vão ao centro para conhecer a dinâmica de trabalho, desenvolver autonomia e habilidades sociais. No programa laboral, há um acompanhamento de um profissional individual, além do trabalho de competências individuais e grupais, que ocorrem em grupos de pessoas com interesses semelhantes para melhor aprendizado, que auxiliem no trabalho e individualmente. O estudante é contratado quando consegue realizar as tarefas de maneira independente. Também ocorrem entrevistas da empresa e do participante para acompanhamento e promoção da sua continuidade no emprego.

  8. Programa de neuropsicologia da Aura Fundació14

    No programa de neuropsicologia, trabalha-se a estimulação cognitiva e aspectos comunicativos e linguísticos. Há dois subprogramas: 1) Pesquisa: para prevenir mudanças por meio de uma análise de indicadores cognitivos, comportamentais e emocionais e aplicar uma estimulação cognitiva para manutenção das habilidades; 2) Aura Vital: apoio para otimizar o bem-estar físico, social e mental de estudantes que interromperam o trabalho, por meio de um processo individualizado para promoção de um envelhecimento ativo e saúde a partir de autodeterminação e autonomia.

  9. Programa de vida independente da Aura Fundació15

    O programa de vida independente tem origem na Aura habitat em que os participantes recebem apoio para conviver em uma universidade e dividir responsabilidades com estudantes universitários, dando oportunidade de viver em um espaço de aprendizagem de forma independente. Atualmente, além disso, os participantes também podem viver compartilhando a moradia com seus companheiros ou colegas da Aura Fundació.

  10. El club da Aura Fundació16

    El club é um grupo de autorrepresentação e um espaço para debates e defesa dos direitos individuais dos participantes para auxílio da autonomia.

  11. Centros de atenção diurna

    Os centros de atenção diurna foram descritos na entrevista como um apoio similar aos PFIs, com os mesmos objetivos, mas para estudantes que tenham maior intensidade de apoio. Estes ocorreriam fora do centro escolar e no período diurno.

4 Discussão

O presente estudo teve como objetivo analisar apoios de instituições catalães oferecidos para jovens adultos com DI e/ou TEA no contexto brasileiro, com o propósito de discutir sobre a oferta de programas públicos centrados nas pessoas com deficiência, sobretudo ao término do processo de escolarização. A amostra brasileira com DI e/ou TEA investigada apresentou distorção entre idade cronológica e desempenho pedagógico esperado para o ano escolar que estavam matriculados, de acordo com os dados da Figura 2.

De maneira geral, não alcançaram a pontuação mínima esperada para estudantes acima de 12 anos de idade para leitura, escrita ou aritmética. E3 e E4 tiveram suas maiores pontuações em leitura, chegando próximas às pontuações mínimas esperadas para 12 anos, com idades cronológicas entre 18 e 19 anos, respectivamente. Para E2, a menor nota foi em escrita, não passando a sua maior pontuação de nove pontos, em leitura. E1 apresentou desempenho nulo em leitura e um ponto em escrita e aritmética.

Já sobre a escala SIS, conforme a análise de habilidades, a área com maior intensidade de apoio se referiu à Aprendizagem ao longo da vida, seguida de Vida comunitária, Saúde e segurança, Emprego, Vida doméstica e Social, sendo as duas últimas áreas com mesma intensidade de apoio. Esses dados corroboram a literatura prévia que avaliou outros jovens brasileiros com DI (Almeida et al., 2018; Zutião, 2016, 2019).

É importante, nesse caso, discutir sobre a realidade de jovens com DI e/ou TEA, matriculados no Ensino Médio da região metropolitana de São Paulo, em relação àqueles residentes na região da Catalunha. O estudo prévio de Esteban et al. (2021) identificou diferenças nas práticas inclusivas espanholas, de acordo com as intensidades de apoios avaliadas, evidenciando a importância do trabalho com a famílias para aqueles com maiores intensidades. De maneira geral, independentemente da intensidade de apoio, todos os jovens têm acesso a diversos apoios como o SIEI, a EAP e o PI que possuem caráter contínuo, auxiliando os estudantes desde o início de sua vida escolar, além de apoios focados na transição dos estudantes para a vida adulta e independente, como o IFE e o PFI, sendo todos os apoios garantidos pela legislação e aplicados pelos centros catalães educativos investigados. Ademais, identifica-se a existência de apoios disponibilizados por instituições especializadas em emprego apoiado que atuam desde a formação complementar do estudante para acesso e permanência no mercado de trabalho, até a promoção de vida independente, no caso da Aura Fundació.

Já no contexto brasileiro, tais programas de transição para a vida adulta e independente de estudantes com DI e/ou TEA ainda demandam discussões para orientar o financiamento de política pública com esse fim, sendo esse processo considerado como desafiador, não apenas pela carência de qualificação profissional, mas também pela visão pejorativa da pouca capacidade produtiva (Redig & Glat, 2017). Como exposto por Redig e Glat (2017), jovens com deficiência também necessitam se preparar para uma futura inserção no mundo laboral, o que não extingue o processo de aprendizagem, uma vez que o trabalho pode ser um ambiente de desenvolvimento e aprendizagem de diversas habilidades, servindo inclusive como formação continuada.

Assim sendo, para a efetiva promoção da vida independente desses jovens, é necessário que a escola também proporcione o desenvolvimento de habilidades que tenham como objetivo percursos formativos para inserção laboral e social. Uma adaptação dos programas PFI e pré-laboral e laboral da Aura Fundació para o contexto brasileiro, contendo uma equipe interdisciplinar colaborativa para garantir o ensino de habilidades laborais, bem como de habilidades sociais, aprendizagem ao longo da vida, linguagem e de vida independente, visando a autonomia, pode ser uma alternativa útil e viável, no qual jovens adultos ainda estão sem acesso à leitura, escrita e matemática e com repertório aquém do esperado de habilidades sociais e linguagem. Sugere-se que, por meio de componentes curriculares previstos em currículos, como é o caso das atividades de contraturno escolar no Atendimento Educacional Especializado, bem como programas de estágios específicos para estudantes do Ensino Médio, a composição de um programa que vise o processo de pós-escolarização combinada com o ensino de habilidades específicas (como é o caso dos componentes acadêmicos, habilidades sociais, linguagem, dentre outros) poderia ser uma oportunidade alternativa de construção de conhecimento que ampliaria o ingresso desse público na educação profissional (Vasconcellos et al., 2020) e no mundo laboral.

A adaptação dos programas mencionados poderia ser estruturada no PEI do estudante, centrado nas demandas da juventude e nos processos de transição, para a garantia da efetiva inclusão social e laboral de jovens com DI. Contudo, para que isso ocorra, vê-se como necessária a seguridade do PEI pela legislação, fator que, dentro das escolas catalãs, demonstrou implicar a participação ativa dos profissionais envolvidos com cada estudante, gerando um PEI efetivo que otimiza o processo de escolarização de estudantes que necessitam desse apoio (Tannús-Valadão & Mendes, 2018).

Além disso, também é necessária uma equipe interdisciplinar colaborativa, atuante no ambiente escolar, que, juntamente com a família e o próprio estudante, seja responsável por garantir o apoio especializado requerido para suprir as demandas dos estudantes nas diversas áreas da sua vida (Redig, 2019; Tannús-Valadão & Mendes, 2018), bem como a interrelação entre a Escola, Saúde e Estado tornando o processo de aquisição desses apoios, que muitas vezes são ofertados no Brasil de maneira segmentada, pontual e, em uma perspectiva multidisciplinar pela área da Saúde, a despeito do processo interdisciplinar que se mostrou ágil e facilitador nas equipes interprofissionais da Catalunha.

5 Conclusão

Dado o desempenho dos quatro jovens avaliados no presente estudo, identifica-se a preocupação sobre o efeito do processo de escolarização na aprendizagem de habilidades acadêmicas básicas, como matemática, leitura e escrita. É nesse contexto que a realidade catalã pode auxiliar na proposição de um programa de emprego com apoio, por exemplo, que visa o ensino de habilidades específicas (e.g. socialização, autonomia, cognitiva, motora, linguagem) em situações típicas da juventude, como é o caso do direito ao trabalho. O ensino de habilidades no contexto laboral pode garantir a inclusão social do público supracitado, principalmente daqueles que estão finalizando o processo de escolarização, sem expectativa de realizar a transição para a universidade ou outro segmento educacional.

Assim, foi possível concluir que há grande disparidade entre a realidade brasileira e a catalã em termos de apoios para jovens adultos com DI e/ou TEA, necessitando, o Brasil, da estruturação de apoios efetivos, como o PEI, que devem ser apoiados pela legislação e que atuem na transição do Ensino Médio à vida independente desse público, para além do período escolar. Além disso, há necessidade da formação continuada para professores e profissionais do AEE, bem como a introdução de outros profissionais interdisciplinares no contexto escolar para a formação de uma equipe colaborativa que possa efetivamente apoiar esses estudantes em todos os âmbitos da sua vida, para além do acadêmico, visando sua inclusão social e laboral, para uma vida independente, com maior qualidade de vida e autonomia.

2Financiamento: Bolsa de Iniciação Científica (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP - 2020/11228-6) e Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (FAPESP -2021/10623-1). Agradecemos às profissionais dos centros Lexia, Aura Fundació e da escola pública de educação secundária pela disponibilidade e apoio para a execução das entrevistas. Agradecemos, também, à Ana Dorofei por viabilizar a coleta de dados em Barcelona.

9Para conhecer a EAP, ver https://xtec.gencat.cat/ca/serveis/sez/eap.

11Para mais informações sobre os Itinerários Formativos Específicos, ver https://xtec.gencat.cat/ca/curriculum/professionals/itineraris-formatius-especifics.

15Mais informações sobre o programa em: https://www.aurafundacio.org/es/que-fem/vida-amb-suport/.

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Recebido: 27 de Setembro de 2022; Revisado: 31 de Janeiro de 2023; Aceito: 03 de Fevereiro de 2023

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